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do nascimento à criação. Um território não somente com valor instrumental, mas
com uma historicidade de apropriações simbólicas, passada pelos avós, pais e
filhos, re-significadas na modificação paulatina da paisagem do lugar e que, de uma
para outra, desfez-se aos olhos, mas não à memória:
“Nasci [no Alto Baú] (pausa) e até nessa hora da tragédia eu morava ali...eu
me criei ali (...) Nunca [tinha acontecido deslizamento ali] (com tom de voz
forte). Meu pai, meus avôs nasceram e se criaram ali. Meu avô, ele quando
nasceu, a família dele já era dali. Quando ele [avô] morreu, ele estava com
99 anos, quando ele ia fazer 100 anos, ele faleceu. Ai tem o meu pai. Meu
pai, agora no dia 28 de novembro, faria 92 anos [falecido em 2006]. Nunca
aconteceu nada. Nunca falaram nisso [deslizamento]. Esse terreno onde
explodiu o gás é nós fundos do meu terreno e do meu irmão. Explodiu ali
atrás. Antes desse gás, nunca aconteceu isso lá. Nunca. Lá todo mundo
tinha uma vida feliz e tranquila. Dava aqueles tempos de chuva, dava
aquelas trovoadas fortes. Às vezes deslizava assim, como se diz, um
barranquinho na estrada, o que é normal, aqueles barranquinhos assim.
Mas no outro dia ia lá com um carrinho de mão [carriola], tirava três ou
quatro carrinho e pronto, tava limpo. Agora tirar caminho, tirar tudo aquelas
montanhas, árvores...detonar tudo, todo o terreno dele [irmão] lá. Foram
[destruídos] 50 mil pés de eucalipto, só dele [irmão] eram 36 mil. [E
questiona...] E acabar tudo, assim? Se fosse só uma areazinha tava tudo
bem. Mas de ir lá e vê acabando com tudo. Casas (pausa). [E lembrando do
local que deixou de existir...]. Naquele tempo, antes, você sabe como é
aquela estrada do interior, né? Você vai aqui, vai ali. Dá até o córrego – que
a gente chama ribeirão aqui. Dava aqueles trovoadão forte, mas nunca
botou água em estrada coisa nenhuma. Quando dava aquelas trovoadas
fortes, que a água do rio ficava até meio amarela, nós pegava o anzol e ia
até a beira do rio pegar jundiá – o bagre africano. Hoje em dia onde a gente
vai pegar? A gente até tinha lagoas de peixe. Agora não existe mais nada.
Só vê aquela lama. Você só vê aquela lama, não vê mais casa, não vê mais
nada”.
Assim, o que se cria, o que se planta, o que se prepara, o que e o
como se cozinha são elementos que compõe a territorialidade e a perda concreta
dessas referências passa a se constituir como a dimensão simbólico-cultural da
desterritorialização, como o isolamento daquilo que o fez durante sua trajetória e de
seus antepassados: como o labor na terra, na plantação e na criação que fez e refez
o(a) agricultor(a) no dia-a-dia de sua trajetória para a manutenção não só da vida
biológica, mas da vida cultural e social, agricultores que permanecem com o chapéu
mesmo num abrigo temporário situado na área urbana:
“Tinha [plantação de] eucalipto e mais aquilo que se usava, né? O aipim,
batata-doce, feijão, milho que o cara colhia – porque o que sobrava parte
dividia, outra parte dava para a criação. Tinha porco, galinha, pato, marreco,
vaca, boi, cavalo. A gente tinha de tudo ali, né? Se você queria carnear um
porco, você ia lá e carneava, fazia o toucinho, a banha, fazia aquela carne
do jeito que você queria, né? Agora a gente não tem mais nada” (A,
abrigado no colégio Marcos Konder).