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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA
DESAFIANDO O OLHAR DE MEDUSA: A MODERNIZAÇÃO E
OS DISCURSOS MODERNIZADORES EM TERESINA, NAS DUAS
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
PEDRO PIO FONTINELES FILHO
TERESINA-PI
2008
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PEDRO PIO FONTINELES FILHO
DESAFIANDO O OLHAR DE MEDUSA: A MODERNIZAÇÃO E
OS DISCURSOS MODERNIZADORES EM TERESINA, NAS DUAS
PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História do
Brasil do Centro de Ciências Humanas
e Letras, da Universidade Federal do
Piauí - UFPI, como requisito para a
obtenção do tulo de Mestre em
História, sob orientação do Prof. Dr.
Antônio de Pádua Carvalho Lopes.
TERESINA-PI
2008
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F684P Fontineles Filho, Pedro Pio.
Desafiando o olhar de Medusa: a modernização e os
discursos modernizadores em Teresina, nas duas primeiras
décadas do século XX. / Pedro Pio Fontineles Filho. Teresina,
2008.
170 f.
Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal
do Piauí, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Antonio de Pádua Carvalho Lopes
1. História. 2. Cidade. 3. Modernização. I Título.
CDD
AGRADECIMENTOS
A cidade aparece como um todo no qual
nenhum desejo é desperdiçado e do qual
você faz parte, e, uma vez que aqui se
goza tudo o que não se goza em outros
lugares, não resta nada além de residir
nesse desejo e se satisfazer (CALVINO,
1990).
dois anos o sonho de ingressar no Programa de Pós-Graduação, no Curso de
Mestrado em História do Brasil, da Universidade Federal do Piauí, parecia ser somente um
sonho. Era um desafio. Desafio maior ainda foi o desenvolvimento das pesquisas e feitura do
presente texto. Foram muitas as dificuldades, mas nunca me deixei abater, pois sempre tive o
apoio de pessoas indiscutivelmente importantes ao meu lado. O resultado dessa pesquisa não
teria sido possível se o fossem os incentivos recebidos por pessoas tão queridas.
Em razão disso, gostaria de agradecer a Deus, que me deu a honra de ter pessoas tão
maravilhosas e que o importantes para minha formação como indivíduo, como profissional,
como filho, como irmão, como tio e como amigo. Agradeço a Deus por ter guiado sempre
meus passos e a capacidade de reconhecer que minha existência deve-se a Ele e a todos que
me rodeiam.
Ao professor Dr. Antônio de Pádua Carvalho Lopes, que, mesmo sendo da área de
Educação, aceitou o desafio da orientação desta pesquisa e por me fazer entender que a
relação entre orientador e orientando se fundamenta no respeito, no compromisso e na
amizade.
À professora Drª. Zuleide Fernandes de Queiroz, que, gentil e prontamente, aceitou o
convite para a apreciação deste trabalho.
À professora Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz, que, em minha trajetória de
pesquisa, contribuiu bastante para o esclarecimento de como proceder nos estudos e sempre
insistiu em dizer para fazer o que era possível fazer. Sua forma de dialogar com a teoria da
história, bem como sua escrita encantadora e perspicaz fizeram-me ver a História em suas
potencialidades, especialmente na aproximação entre história e literatura.
Ao professor Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco, por suas valorosas e amigáveis
contribuições para a efetivação deste trabalho, desde suas observações no exame de
qualificação, pois me fez perceber que falar sobre a cidade é mostrar a cidade em seus
movimentos.
Ao professor Dr. Francisco Alcides do Nascimento, que, desde o curso de
especialização, tem contribdo para minha formação teórica ligada às discussões sobre
cidade. Agradeço, também, pela sua integridade, como professor e como amigo.
À professora Drª. Áurea da Paz Pinheiro, que, desde a entrevista de seleção para o
Mestrado, confiou na plausibilidade deste trabalho.
Ao professor Dr. Edwar Castelo Branco, pelo compromisso com o saber histórico e
por lutar pela formação contínua de uma “gosma antropofágica” entre as pessoas.
À professora Drª Juliana Lopes Elias, que contribuiu para a percepção dos conceitos
sobre a paisagem urbana.
Ao professor Dr. Antônio de Paulo Rezende, que, indiretamente, por meio de seus
textos e livros, contribui há muito para minha formação e para o entendimento de que a escrita
da história deve ser uma escrita suave e prazerosa, seduzindo seus produtores e seus
consumidores.
Agradeço aos meus pais, Maria Neide e Pedro Pio, que, com a permissão divina,
deram-me a vida e me ensinaram os princípios e valores mais sinceros da educação. Valores
pautados no amor incondicional, no respeito e no trabalho. Agradeço aos meus pais por terem
me dado a chance de amá-los como eu sou e como eles são, pois me ensinaram a ser humano
e digno com todas as pessoas. Como filho, meus pais me ensinaram que o maior tesouro que
podemos ter provém da união familiar. Meus irmãos também ajudaram nesse ensinamento e
sempre estiveram ao meu lado.
Gostaria, então, de agradecer aos meus irmãos José Airton, Antônio Wilson, Antônio
Adailton, Jo Gilson, Francisco Odair e Luís Airton, que, nas conversas compartilhadas em
“nosso quartel general” e na “feira” ensinaram-me o valor do humor, da responsabilidade e do
trabalho como marca inconfundível de um verdadeiro Fontineles. Cada um, ao seu modo, tem
me ensinado a ser o homem que sou. Também os agradeço pelos sobrinhos lindos que me
deram - Kayo, Eduardo, José Wilson, Lorena, Gabriel, Maria Cláudia, Luís Henrique, Milena
e Lana - e por os ensinarem, desde cedo, a riqueza da educação e da união para a construção
de um indivíduo íntegro.
Não posso deixar de agradecer às minhas irmãs. Agradeço a Isabel Cristina, por ter
sido, e ainda ser, a nossa segunda mãe. Agradeço a ela por ter sido a desbravadora do
caminho dos estudos para todos os seus irmãos, sempre com ternura e disposta a ajudar. Seu
jeito doce deu-me força para, nos momentos de angústia, ter a serenidade e confiança de que
tudo acabaria bem. Além disso, a agradeço pelos meus sobrinhos-irmãos, Hilanna e Hilo, pois
o duas pessoas incríveis, que, desde pequenos, mostram que nasceram para vencer
obstáculos.
Agradeço à minha irmã Cláudia Cristina, pelo seu carinho, sua seriedade e seu
compromisso em todas as suas ações, pois isso tem me ensinado a ter objetivos e buscar
alcançá-los. Sua paixão pelo saber, pela História de maneira particular, contagiou-me a tal
ponto de tentar seguir os seus passos e conseguir, um dia, ter a mesma competência. À minha
“multiplicadora de idéias”, meu infinito agradecimento.
À minha irmã Karine Cristinie, pelas valorosas ajudas na digitação do presente
trabalho. Sua sinceridade e maturidade, associadas à sua tranqüilidade e parcimônia, têm sido
exemplo para encarar a vida com mais segurança e firmeza.
Ao meu amigo, e eterno professor, Marcelo de Sousa Neto, que tem acompanhado
meus passos desde as noites de muita dedicação ainda no ensino médio e também no curso de
graduação. Sua inteligência e lealdade têm sido referência no entendimento de que um bom
profissional é ser, antes de tudo, uma pessoa íntegra e solidária.
Ao professor José de Arimatéa, que se tornou um inestivel amigo e que, com sua
irreverência, tem me ensinado a perceber que as dificuldades da vida são superáveis quando
não são vistas como obstáculos, mas como etapas de aprendizagem.
Devo agradecer, também, aos colegas de minha turma de Mestrado, em especial
Clarice Helena, Andreza Diniz, Nalva, Márcia Santana, Joseane e Jo Luiz, pelo
companheirismo e afeto.
Um sincero agradecimento a Carla Daniela, que contribuiu bastante com as pesquisas
documentais no Arquivo Público do Piauí.
Aos meus alunos do Curso de Graduação e s-Graduação em História, da
Universidade Estadual do Piauí, por me mostrarem que a relação entre professor e aluno
perpassa pelo compromisso, respeito e amizade.
À professora Mônica Valéria Monteiro de Carvalho, por ter sido uma grande amiga e
por ter feito a revisão ortográfica e de normalização deste trabalho.
Às amigas Josenilda, Francilene, Nildes, Vanessa, Vânia, Tamires e aos amigos
Danúzio e Júnior, que fizeram a Coordenação do Curso de História da Uespi, em Regime
Especial uma gratificante experiência e por terem sempre me apoiado.
A todos os profissionais da Universidade Estadual do Piauí, que, de alguma maneira,
têm contribuído para a solidificação dos meus valores como profissional.
Aos amigos Alan John, Sara, Sales Neto e Rafael Sousa, por terem sido os amigos
mais presentes e leais que alguém pode ter.
À professora Maria Cecília Nunes, que, com seu jeito doce e imaculado, mostrou-me
que o verdadeiro pesquisador é aquele que pesquisa “com o corpo todo”, nunca se esquecendo
de que não há produção científica se não houver paixão.
Um agradecimento especial à cidade de Teresina, por ser um espaço com histórias a
serem sempre contadas e, acima de tudo, histórias a serem vividas e sentidas, bem como
segredos a serem revelados.
Ao meu Pai Celeste, pela vida e por todas as
bênçãos que tem me concedido. À Nossa
Senhora, que sempre intercede por nós em todos
os momentos de nossa vida, com o amor que
dedicou a Seu Filho, que tem sido, em minha
vida, o maior exemplo de força e de .
RESUMO
O presente estudo analisou o processo de modernização de Teresina nas duas primeiras
décadas do século XX, no qual a capital piauiense configurou-se como ponto irradiador dos
olhares e ações modernizadoras e constituindo-se como vitrine desse fenômeno. O recorte
temporal justifica-se pelo fato de que os projetos de modernização, iniciados em fins do
culo XIX, afirmar-se-iam no início do século XX. A cidade é aqui percebida como espaço
da dinâmica social, o que faz do espaço urbano um ambiente de manifestação de
sociabilidades diversas, que contêm e constituem a história de determinada temporalidade e
espacialidade, pois a cidade está em constante movimento. Nesse sentido, no intuito de
visualizar tais sociabilidades, o trabalho transitou entre várias temáticas relacionadas à
modernização tais como os serviços de abastecimento de água, iluminação, viação férrea,
comércio, lazer e instrução pública, ampliando horizontes para a compreensão das
representações sociais construídas sobre o turbilhão modernizador. Para alcaar esse objetivo
foram utilizados como fontes os jornais, mensagens governamentais, decretos, códigos de
postura e textos literários do período, como estratégia de percepção dos discursos estatal,
higienista, comercial e literário, além dos diferentes sentidos e sentimentos oriundos da
modernização, compreendida como as inúmeras transformações no espaço urbano e as
ressonâncias de tais mudanças na forma que os indivíduos experimentavam e sentiam a
cidade. No universo conceitual que norteia o presente estudo, destacam-se os conceitos sobre
modernização e modernidade, vistas, respectivamente, como os projetos de modificação dos
espaços e as ltiplas formas de apreender e subjetivar o fenômeno da modernização
realizando-se um diálogo com as discussões propostas por Berman(1986) e Rezende(1997).
Sobre representação social e práticas culturais foram utilizados os conceitos elaborados por
Chartier(1988) e Certeau(1994). Acerca das discussões sobre História, Cidade e Literatura
foram utilizados os trabalhos de Benjamin(1994), Calvino(1990), Williams(1999),
Sevcenko(1999) e Queiroz(1998). A instrução pública foi analisada como ponto de
convergência dos projetos de modernização tanto no aspecto da instalação e (re)significação
de prédios quanto no tocante à efervescência de idéias e saberes de posturas modernizantes.
Em contrapartida, as crônicas e os textos literários foram utilizados como forma de percepção
das representações sociais acerca da modernização da cidade. Fotografias também foram
utilizadas como linguagem não-verbal que expressavam cenas da cidade em seus aspectos
materiais e do cotidiano. Dentre outras conclusões, destaca-se que a euforia acerca dos efeitos
e ritmos modernizadores estava ligada, em certa medida, à busca da superação dos limites que
atingiam a capital piauiense, assombreada por um leque de dificuldades. Essa euforia emergia
das tentativas de superação do atraso e do antigo, com o intuito de legitimar a imagem de uma
sociedade civilizada. Além disso, o ordenamento dos espaços contribuiu para o controle e
segregação social, por meio da circulação de valores e costumes de raízes burguesas
européias.
Palavras-chave: História. Cidade. Modernizão. Representação. Literatura.
ABSTRACT
The present study analyzed the modernization process of Teresina in the two first decades of
20th century, in which the Piauiense capital configured itself as the irradiator point of the
glances and actions of modernization and constituting itself as magazine of this phenomenon.
The city, in here, is comprehended as space of the social dynamic, what makes the urban
space an environment of manifestation of several sociability, which contain and construct the
history of certain temporality and specialty, because the city is in a constant movement. In this
sense, intenting to look at such sociabilities, the paper passed among several thematic linked
to the modernization such as the works of supplying of water, illumination, ferrous means of
transportation, trade, leisure and public education, amplifying horizons to the comprehension
of the social representations constructed about the modern vortex. To reach this purpose were
used as sources the newspapers, governmental messages, decrets , conducts laws and literary
texts of that period as strategy of perception of governmental, hygienist, commercial, and
literary speeches, besides the different senses and meanings that came from the
modernization, comprehended as the several changes in the urban space and the resonances of
such changes in the way that the individuals experiment and feel the city. In the conceptual
universe that heads the present study, point out the ones about modernization and modernity,
used, respectively, as the projects of the changing of the spaces and the several ways of
comprehending and subjecting the modernization phenomenon making a dialog with the
discussions suggested by Berman(1986) and Rezende(1997). About social representations and
cultural practices were used the concepts used by Chartier(1988) and Certeau(1994). Around
the discussions about History, City and Literature were used the papers by Benjamin(1994),
Calvino(1990), Williams(1999), Sevcenko(1999) and Queiroz(1998). The public instruction
was analyzed as convergence point of the modernization projects so in the aspect the
installation and (re)meaning of the buildings as in relation to the up surging of ideas and
knowlegdments of modernization conducts. In other hand, the chronicles and literary texts
were used as perception way of the social representations about the modernization of the city.
Photographs were also used as non-verbal language that expressed scenes of the city in its
material features and of the daily. Among other conclusions, it points out that the euphoria
about the effects and rhythms was linked, in certain way, to the pursuit of the overcoming of
the limits that affected the piauiense capital overshadowed for a fan of difficulties. This
anxious surged from strategies of overcoming of the late and ancient, with the goal of
legitimate the image of a civilized society. Besides that, the regulating of the spaces
contributed to the control e social segregation, throughout the spread of values and traditions
of bourgeois Europeans roots.
Key-words: History. City. Modernization. Representation. Literature.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................
CAPÍTULO I
ENTRE VITRINES E ESTILHAÇOS: RITIMOS E (DES)CAMINHOS DA
MODERNIZAÇÃO DAS CIDADES PIAUIENSES.....................................................
1.1 (Re)construção do espaço urbano: política e modernização no cenário piauiense......
1.2 As obras do futuro: obras públicas e gerenciamento espacial......................................
1.3 Cenas e Encenações: o teatro e o cinema no cotidiano da cidade................................
1.4 O Piauí nos percursos da modernidade: entre práticas e representações......................
1.5 O Grito de Pandora: modernização e discursos higienistas.........................................
1.6 Em busca do caminho das águas: abastecimento na cidade.........................................
1.7 Entrando na linha: percursos e percalços da viação férrea..........................................
CAPÍTULO II
MODERNIZAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA: LIMITES E
PERSPECTIVAS............................................................................................................
2.1 Instrução Pública nos primeiros anos do século XX: modernização social e cultura
escolar.................................................................................................................................
2.2 Construindo trilhas: a modernização do ensino e o papel dos professores na
instrução pública.................................................................................................................
2.3 As (in)certezas do tempo: horizontes da Instrução Pública na década de 1920...........
13
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CAPÍTULO III
CRÔNICAS E CRÍTICAS: O OLHAR DOS LITERATOS SOBRE O SONHO
MODERNIZADOR......................................................................................................
3.1 História e Literatura: para além das dicotomias...........................................................
3.2 Os literatos piauienses e a cidade de Teresina: momentos constitutivos.....................
3.3 A modernização de Teresina nas primeiras décadas do fremente século XX..............
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................
REFERÊNCIAS E FONTES...........................................................................................
ANEXOS...........................................................................................................................
108
115
123
129
143
149
158
13
INTRODUÇÃO
Seu olhar congela, petrifica. O tempo não mais transcorrre. A inconformidade com
tal paralisia faz com que Perseu, armado com seu escudo de bronze, rompa com os efeitos do
olhar de Medusa. Na mitologia, Perseu vence Medusa decapitando-a sem olhar diretamente
sua imagem, fazendo, para tal peripécia, o uso de seu escudo que refletia a imagem de sua
inimiga.
A mesma paralisia é retomada, nas primeiras décadas do século XX pela imprensa
local, para denunciar o atraso que afligia a cidade de Teresina e demais cidades piauienses.
Nesse sentido, muitos discursos, em prol da superação dessa configuração histórica, assumem
o papel de Perseu e que, em posse da “modernização-escudo”, buscam promover o progresso
e o futuro da cidade “desafiando o olhar de Medusa”.
O fenômeno da modernização das cidades desperta um vasto leque de percepções,
fazendo efervescerem vários e diferenciados discursos
1
e imagens, salientando múltiplas
formas de sentir a própria cidade. São discursos veiculados em jornais, panfletos, mensagens
governamentais, contos e poesias que denotam as sensibilidades de uma época. O presente
estudo tem o objetivo principal de analisar as representações construídas sobre a cidade de
Teresina, a partir da compreensão da pluralidade discursiva e os diferentes sentidos atribuídos
à modernização, nas duas primeiras décadas do século XX.
Pretendeu-se também confrontar o discurso dos intelectuais, como cronistas e poetas,
com os demais discursos relacionados ao comércio, à higiene, à educação, à engenharia e à
economia, que, em geral, eram manifestados nos jornais e nas mensagens governamentais da
época. Por esse viés, o estudo da modernização -se por meio das diferenciações culturais
que condicionam a expressão de sentimentos de modernidade em sua pluralidade.
1
A noção de discurso aqui trabalhada refere-se aos diferentes veículos de expressão sobre as transformações
urbanas, sobre os costumes e o cotidiano. São os diferentes relatos enunciados sobre as transformações na
cidade. Nesse sentido, as mensagens governamentais, as manchetes de jornais, os textos literários configuram-se
como veículo de expressão discursiva sobre a modernização da cidade.
14
Nesse sentido, questionou-se sobre os efeitos dessa modernização, tentando mapear os
diferentes agentes divulgadores dos discursos modernizadores, bem como refletir sobre os
discursos daqueles que enalteciam a modernização e àqueles que a sentiam em suas
contradições.
Além de analisar os discursos que permeavam o fenômeno da modernização,
confrontando-os com uma realidade de permanências e mudanças, pretendeu-se discutir o
embate entre os diferentes discursos modernizadores e os espaços urbanos que pretendem
tranformar, ou seja, o conflito entre Perseu e Medusa.
Dessa maneira, o presente estudo busca, no confronto dos múltiplos relatos, analisar os
sentimentos despertados, ou melhor dizendo, as representações criadas a partir da
modernidade. As falas dos diferentes agentes
2
ou indivíduos sociais são expressões da
modernização sentida em diferentes níveis da sociedade.
As primeiras décadas do século XX foram escolhidas, portanto, pelo fato de que os
projetos de modernização da cidade iriam se afirmar naquele momento, devido ao impulso da
nova configuração histórica oriunda das transformações econômicas do extrativismo e pelos
primeiros passos do novo regime político recém instalado no país.
É importante ressaltar que o recorte temporal está estabelecido nos dois primeiros
decênios do século passado, mas não exclui, em dados momentos, avanços e recuos, pois os
ideais modernizadores, conforme Maria Mafalda Baldoíno de Araújo (1997), estariam
presentes no imaginário das elites dirigentes do Piauí desde 1850, quando se iniciam várias
tentativas de integração da província em quadros nacionais de modernidade, como explicitam
as ações da transferência da capital. Um forte ambiente de expectativas e de esperanças era
recorrente, segundo Teresinha Queiroz(1998), desde a década de 1880.
Mas foram mais especificamente nas primeiras décadas do século XX que muitos
projetos de mudança econômica, política e cultural foram planejados e tentaram se
implementar, obtendo êxitos em níveis distintos e particulares.
A idéia para discutir o presente tema foi engendrada durante o meu curso de
graduação em História, iniciado no ano de 2000, no qual um sedutor horizonte de leituras e
reflexões acerca do fazer historiográfico ampliava-se a cada disciplina e a cada texto lido.
Desde muito cedo fui seduzido pelas discussões relacionadas à modernização
3
das cidades e
2
O termo “agente” está sendo pensado na perspectiva de que indivíduos e instituições mostravam sentidos e
ões distintos sobre as transformações da e na cidade. Os agentes não eram indivíduos que assumiam apenas
um lugar social, visto que literatos como Clodoaldo Freitas, Matias Olímpio também transitavam pela vida
político-administrativa e se posicionavam sobre diferentes esferas da vida urbana.
3
O que se está denominando aqui de modernização é toda e qualquer manifestação e ação relacionada às
inovões e implementação da técnica e de (re) organização espacial com seus desdobramentos na vida
sociocultural dos indivíduos, ao passo que por modernidade compreendem-se as diferentes maneiras como as
15
seus desdobramentos configurava-se e fortalecia-se, arrebatando os interesses por esta
perspectiva de pesquisa.
Naquela mesma época, bem próximo da conclusão do curso, fui impelido a observar a
cidade não diretamente por suas configurações urbanísticas, mas pela ingente tendência
discursiva em enaltecer o caráter moderno e progressista da cidade. Havia um grande número
de outdoors espalhados pelas principais avenidas da cidade que expressavam o sentido
futurista. No entanto, havia um nítido contraste entre o progresso propagado nos discursos
oficiais e a realidade citadina expressa em outras formas discursivas. Em minhas caminhadas
pela cidade de Teresina, parafraseando Michel de Certeau (1994), deparava-me com a
percepção de que, contextualmente, vivia nos princípios do século XXI. A partir disso,
lembrei de certas leituras que apontavam o transcurso do século XIX ao século seguinte como
um momento do movimento modernizador das cidades, particularmente no cenário europeu,
mas que teria se manifestado, resguardando as devidas especificidades, em outras reges do
globo. As cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife também foram palco
do fenômeno de modernização, seduzidas por tal circunscrição histórica, essas capitais
moveram-se no sentido de incorporar esses discursos, traduzindo-os às suas possibilidades.
Nesse sentido, a gênese desta pesquisa surgiu dos anseios em perceber como e em que
circunstâncias se dava a relão entre os discursos modernizadores e os diferentes sentidos e
sentimentos da modernização na capital piauiense, nas duas primeiras décadas do século XX.
Daí este estudo analisar os ritmos e alcances dessa modernização na cidade de Teresina. Essas
inquietações acerca do passado foram despertadas pelas provocações do presente, porque
concordo com o ressaltado por Rezende ao afirmar que “[...] as reflexões e vidas sobre o
passado, são resultado do que é vivido, hoje, das nossas angústias e descobertas atuais [...]”
(1997. p. 18). Dessa maneira, a presente pesquisa pretende analisar os distanciamentos e
conexões entre aquilo que era dito sobre a modernização e os sentimentos da modernidade, o
que deu fôlego ao título deste estudo, visto que o “desafio contra o olhar de Medusa” remonta
aos discursos plurais e o sentido do desejo de modernidade, na tentativa de superar o estado
de petrificão da capital piauiense. Na transição do século XIX ao XX o Piauí vivenciava a
euforia e a desconfiança dos efeitos da modernização, fazendo surgir um variado leque de
representações.
técnicas são subjetivadas, caracterizando-se como condição histórica, pois seriam as formas de representar a
realidade. Antônio Paulo Rezende (1997), afirma que a modernidade não se concretiza sem a presença do
próprio processo de modernização, reforçando a noção de que a modernização desperta um leque de
representações.
16
A utilização de múltiplos relatos -se pelo fato de que a modernização é mais do que
ato e efeito, pois tal modernização está impulsionada por ambigüidades, sutilezas,
destinações, conflitos. Nessa perspectiva, a principal pergunta deste estudo funda-se em saber
como a modernidade é representada e sentida por diferentes grupos ou segmentos sociais em
Teresina nas duas primeiras cadas do século XX.
Pretendeu-se analisar o Piauí como integrante desse processo de modernização, tendo
como centro de pesquisa a cidade de Teresina, considerada como vitrine do plano
modernizador no Estado assim como as demais capitais brasileiras o eram, destacando-se as
representações engendradas pelos efeitos da modernização em seus diferentes ritmos.
A proposta inicial era compreender a modernização e os seus efeitos na formação das
representações, ou imagens, que diferentes grupos sociais piauienses expressaram acerca do
fenômeno da modernizão. Enfocando os discursos modernizadores, dentre os quais o
discurso republicano, que se propunha moderno e progressista
4
. Vale à pena ressaltar que as
fontes estudadas remetem, em primeiro momento, aos resquícios deixados pelas elites
políticas, comerciais e intelectuais, em função da dificuldade em se encontrar documentos
referentes aos demais segmentos sociais, sem, contudo, esquecê-los, posto que em muitas
oportunidades eles aparecem pelos filtros das fontes consultadas. Daí a necessidade de
escovar a história a contra pêlo, a exemplo do que sugeriu Walter Benjamin (1994).
Alicerçando-se na idéia das influências do processo de modernização como
contribuinte na formação de discursos modernizadores, o presente trabalho tem a proposta de
além de analisar as transformações materiais, promovidas pela urbanização, relacioná-las com
os seus efeitos na vida cotidiana dos diferentes segmentos da sociedade piauiense, o que
geraria um imaginário em torno da modernidade. Nesse sentido, além de tentar promover
novos questionamentos sobre o tema proposto, pois se centra nas diferentes maneiras como a
modernidade foi sentida e pensada, esta pesquisa é relevante por pretender fazer uso da
análise dos discursos sobre a modernização na cidade de Teresina, o que promoveu uma
aproximação com os estudos de linguagem como representação de intenções humanas. No
âmbito das linguagens, encontram-se os discursos oriundos e formadores das representações
em torno da modernizão.
Como fundamento teórico, este trabalho subsidia-se por propostas a partir das análises
da tradição de estudos sociais, como na perspectiva de Raymond Williams (1999), que
4
Carvalho (2000) salienta a importância dos elementos simbólicos na legitimação e representão de um regime
político e de seus projetos, o que teria marcado as contradições emergidas com as ações de constituição de uma
nova sociedade, advindas do regime republicano.
17
enfatiza os estudos entre cidade e campo, demonstrando os desejos e confrontos da
modernidade na configuração dos espaços, tentando ainda refletir sobre o “contraste retórico
que permeia a vida urbana e a vida do campo, movido por uma separação ideológica. Tal
contraste seria uma das molas propulsoras para as percepções da modernidade como
superação do antigo” e do “atrasadovinculados à vida campestre, e, embora esta pesquisa
não pretenda fazer um estudo sobre processos migratórios, analisa a idéia muito cara a
Williams acerca do que é encarado nessa perspectiva e seu confronto com o que é considerado
como novo e moderno. Essas articulações discussivas entre cidade e campo podem ser
direcionadas à cidade de Teresina nas décadas iniciais do século passado.
As discussões sobre modernização e modernidade estão, também, sendo subsidiadas
por leituras relacionadas às reflexões sobre Cidade, utilizando como referenciais teóricos as
discussões feitas por Nicolau Sevcenko (1999), em seus estudos sobre os efeitos da
modernização nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo nas primeiras décadas do século XX.
Além disso, noções de representação e práticas sociais foram subsidiadas pelo diálogo com
Chartier(1988) e Certeau(1994).
Metodologicamente este estudo concretizou-se pela interlocução entre o arcabouço
teórico e as diferentes fontes, pois a pluralidade documental possibilitou o trabalho com os
relatos acerca da modernização da cidade de Teresina. Isso ao passo que cronistas, literatos,
comerciantes, dicos, engenheiros e alguns políticos escreveram e representaram de
maneiras diferentes a modernização vivenciada ou desejada. Para tanto, fez-se uso de um
arcabouço documental que também contou com a pesquisa de documentos como os jornais
Gazeta, O Piauhy, O Monitor, A Imprensa, O Tempo, mensagens governamentais, diários
oficiais e decretos da época, pesquisados no Arquivo Público do Piauí e no Núcleo de
Pesquisa em História e Memória (NUPEHM), na Universidade Federal do Piauí.
Na biblioteca da Academia Piauiense de Letras também foram pesquisados os escritos
de literatos de destaque no cenário piauiense acerca do tema proposto, no intuito de também
confrontar o discurso dos intelectuais com os demais discursos modernizadores. Dentre esses
literatos destacam-se Elias Martins, Alcides Freitas, Clodoaldo Freitas, Abdias Neves, Higino
Cunha, natas Batista e Zito Baptista, que escreveram em obras próprias e também em
revistas como a Litericultura (1912-1913).
Concomitantemente a isso, tem-se a análise dos códigos de postura de Teresina de
1912 referente à Lei 69 de 1905, que foram utilizados ao longo do presente estudo.
Considerando constantemente a advertência feita por Foucault ao dizer que: “O documento,
pois, não é mais, para a história essa matéria inerte através do qual ela tenta reconstituir o que
18
os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas rastros: ela procura
definir, no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, ries, relações” (1986, p. 07).
Essa vitalidade que pulsa nos documentos o pode ser ignorada, pois está carregada de
significados que contam muito do momento vivido, não apenas no que explicitam, mas
também, sobretudo no modo de contar ou omitir, dizendo das redes discursivas que o
construíram e da configuração histórica que o possibilitaram. A leitura desses documentos é
feita paralelamente à leitura interpretativa dos textos bibliográficos, friccionando as
informações contidas no arcabouço teórico com a linguagem expressa no material
documental, no intuito de perceber as representações oriundas dos mesmos.
Com essa proposta, este estudo encontra-se estruturado em três capítulos
interdependentes. No primeiro capítulo, intitulado Entre vitrines e estilhaços: ritmos e (des)
caminhos da modernização das cidades piauienses,o enfatizados os discursos oficiais
vinculados às lideranças políticas, pois o Estado seria o elemento mediador das exigências e
das frustrações acerca do fenômeno da modernização das cidades piauienses, especialmente
na cidade de Teresina. Os discursos dos governadores remetem, em sua maioria, aos assuntos
da vida moderna e ao mesmo tempo se ressentem pela falta de recursos que, segundo
autoridades políticas da época, catalisariam o progresso e impulsionariam a cidade de
Teresina e o Estado para patamares elevados de desenvolvimento. Tais discursos ainda são
analisados em comparação aos discursos proferidos por entidades higienistas, engenheiros e
comerciantes que voltaram seus olhares para a cidade. Discursos esses que são emblemáticos
dos diferentes interesses e lugares daqueles que falam sobre os sentidos da modernidade.
O segundo capítulo, intitulado Modernização e Instrução blica: limites e
perspectivas, aponta as principais discussões feitas acerca da instrução pública em Teresina e
demais cidades do Estado. A proposta é refletir sobre a instrução pública como alvo
conflitante para os discursos e ões dos projetos de modernização. Nesse capítulo são
explorados os posicionamentos dos Governantes piauienses acerca das dificuldades, limites e
perspectivas do ensino público. Foi utilizado, também, o Relatório da Sociedade Auxiliadora
da Instrução Pública do Piauí, de 1922, que faz um balanço analítico da instrução pública no
Estado. O olhar literário também foi utilizado para ampliar a compreensão dos ritmos da
instrução pública na cidade, visto que a literatura pode permitir um olhar diferenciado sobre
as possibilidades dos acontecimentos. O livro História de Teresina, de Clodoaldo Freitas
contribuiu para as interlocuções com os discursos governamentais, mesclando a perspectiva
técnica da narrativa histórica com as experiências do literato, tornando seu livro um
verdadeiro documento histórico com a leveza da produção literária.
19
No terceiro capítulo, nomeado de Crônicas e críticas: o olhar dos literatos sobre o
sonho modernizador, faz-se uma breve discussão acerca das aproximações e limiares entre
história e literatura, no intuito de perceber as possibilidades de percepção da literatura como
substrato da pesquisa histórica. Este capítulo dedica-se ao estudo das formas de sentir e de
pensar a modernidade dos poetas e cronistas da época, que potencializam os efeitos da
modernização nos espaços urbanos. Os escritos literários expressam a diversidade discursiva,
pois demonstram sutilezas, ironias, paixões, desencantos e resistências acerca dessa temática.
A literatura mostra, nesse sentido, a constituição de memórias e sentimentos sobre a
modernização da cidade de Teresina, bem como as formas de sociabilidades. Aqui, a revista
Litericultura, os livros História de Teresina, Vultos Piauienses e Em Roda dos Fatos, de
Clodoaldo Freitas; Fitas, de Elias Martins; Teresina: subsídios para a história do Piauí, de
Monsenhor Chaves, bem como textos de Higino Cunha, Zito Baptista, Jônatas Batista,
Lucídio Freitas, entre outros foram utilizados como suportes de diálogo.
A partir dessa pluralidade de representações, analisadas após o contato com alguns
documentos no Arquivo Público do Piauí, uma cena de luta contra a paralisação começou a se
esboçar insistentemente. Uma luta comparável, se os limites interpretativos permitirem, com a
luta entre Perseu e Medusa. Nesse sentido, a modernização das cidades piauienses surge como
o “escudo de bronze” que teria a função de mediar o contato com a imobilidade dos espaços
urbanos. No entanto, a modernização apresenta apenas imagens e não o real. O que interessa a
esta pesquisa são as apropriações construídas em relação a isso, sem, contudo, pretender
aprisioná-las e impedi-las de evidenciar seus movimentos e sua força.
Nessa perspectiva, a “modernização-escudo” assume as diferentes imagens do “olhar
de Medusa”, pois na batalha da capital piauiense contra o “atraso” inúmeros Perseus com
maneiras plurais de perceber a imagem refletida na modernização-escudo. A pluralidade de
imagens e de temas possibilita perceber a cidade de Teresina como lugar privilegiado para os
sonhos, angústias, desejos. Lugar no qual a luta constante contra os medos transforma-se nas
sandálias aladas que dão a Perseu a possibilidade de se aproximar de Medusa sem a ela
sucumbir. Lugar que permite aos olhares da história lançarem vôos mais leves, mas não
menos incisivos.
Somando-se a esses pontos, esse trabalho deseja ser mais um referencial nos estudos
de História do Piauí, tendo como foco analítico o processo de modernização e os sentimentos
de modernidade, trazendo como ponto de interconexão os discursos constituídos em sua
defesa e que a ele se contrapunham e que muitas vezes confrontam-se com as experiências
relatadas.
20
Lembrando a metáfora proposta por E. H. Carr (1982) sobre o difícil papel do
historiador na seleção de seu objeto no infinito do oceano, este estudo configura-se como um
convite a um passeio pelo caudaloso mar dos sentimentos que endossaram as águas, ao
mesmo tempo agitadas e tranqüilas, do universo da modernização da cidade de Teresina nas
duas primeiras cadas do século passado. Sabe-se do risco que tal empreitada representa,
assim como dos prazeres e satisfação que implica transitar em águas, ora turvas, ora límpidas,
mas, acima de tudo, águas encantadoras e inebriantes, que seduzem o ato de envolver-se com
o passado, mediado pela narrativa histórica.
21
CAPÍTULO I
ENTRE VITRINES E ESTILHAÇOS:
RITMOS E (DES)CAMINHOS DA MODERNIZAÇÃO DAS CIDADES
PIAUIENSES
Em volvendo dos outros estados do país, é funda e
dolorosa a impressão que sentimos, se estabelecemos
uma relação entre o nosso e outros Estado. O sermos,
porém, um povo pobre, não justifica a inércia, não
permite deixarmos que o olhar de Medusa exerça sobre
nós, eternamente, a sua acção letal. Não, o Piauhy
anseia pelo progresso e com ele, os homens que o
dirigem.
(O projeto n. 26. O Piauhy, 11 jul. 1928).
Paralisados, petrificados, imóveis. Era assim que ficavam aqueles que diretamente
olhavam nos olhos de Medusa. Essa é mais uma das imagens veiculadas na imprensa
piauiense acerca da modernização e do progresso do Estado. Imagem que ressalta a
persistência de circunstâncias de atraso e “petrificação” do desenvolvimento das cidades
piauienses, que teriam sofrido por décadas os efeitos do “olhar de Medusa”.
Nesse sentido, surge uma série de discursos que, mesmo admitindo as intempéries que
limitavam a aceleração e abrangência da ação modernizadora, salientavam a necessidade de se
enfrentar o olhar de Medusa que relegava o Piauí a uma realidade de ostracismo e de inércia,
por meio de sua “ação letal”.
Na mitologia, o único capaz de decapitar Medusa foi Perseu, que enfrentou Górgona
olhando sua imagem refletida no escudo. Aqueles homens que pretendiam superar o olhar
petrificante de Medusa - que insistia em pôr as cidades piauienses no atraso - vestiam suas
armaduras para o combate. Esses homens, ou melhor dizendo, esses Perseus se aventuravam
22
no desafio de romper a paralisia que impregnava o desenvolvimento das cidades. Da mesma
forma que Perseu, aqueles que se inquietavam com a inércia das cidades, deveriam atentar
para as imagens refletidas do “olhar de Medusa”, para não serem capturados pelas amarras de
pedra e também paralisarem no tempo.
A modernização das cidades piauienses seria o “escudo de bronze” que mediaria a
relação de confronto entre Perseu e Górgona. No entanto, a modernização por si não é
responsável pela vitória de Perseu, pois se trata de reflexos, que mesmo amenizando os efeitos
malignos do olhar de Medusa, não o eliminam. A modernização, nesse sentido, processa-se
como imagem do progresso e do futuro, mas, ao se olhar diretamente ao referente real dessa
imagem, a petrificação manifestada no atraso salta aos olhos e os múltiplos discursos
assumem “novas formas”.
Contudo, os discursos o o inertes ou se encerram em si mesmos, pois são relatos
que não somente falam da cidade, mas também fazem parte dela e, como afirma
Certeau(1994), a transformam constantemente conforme os interesses de seleção e
organização dos espaços. Os discursos, nesse sentido encarados como relatos, são
configurados por meio das inter-relações expressas em práticas sociais sobre as quais se
imbricam e se constituem. Os discursos, por esse viés, são constituidores de realidades
múltiplas. A modernização de Teresina, no início do século XX, foi atravessada por discursos
que construíram rias cidades como reflexos das diferentes práticas sociais que se
manifestavam naquele momento.
Assim, a urbanização mostrar-se-ia como uma forma de linguagem repleta de sentidos
e intenções, à espera de decodificação e interpretação de cada momento histórico, sofrendo
alterações em cada espacialidade e temporalidade. O discurso modernizador evidencia-se, em
diferentes momentos, como sinônimo de prosperidade e de conquistas. Nos dias atuais, por
exemplo, é comum observarem-se vários anúncios falando de uma crença no progresso, o que
é expresso, por exemplo, em slogans como o do Executivo Municipal do tipo “cidade futuro”,
referindo-se a Teresina. Estudar a história sócio-cultural do Piauí em princípios do século XX,
tomando por base os sentidos e sentimentos de modernidade e de modernização, portanto,
pode contribuir para a compreensão da existência de uma tentativa constante de se formar um
ideário de progresso e de futuro que se manifesta até hoje, resguardando as devidas
especificidades, por meio de novos mecanismos.
A representação social do espaço piauiense no início do século XX permeava a idéia
de modernização e suas ressonâncias foram sentidas no comércio, na escolarização, nos
costumes, criando um ideal de progresso que se apossou da população da época, sem,
23
contudo, limitar-se a ela. Esse ideal passou a povoar, embora modificado, o imaginário no
tempo presente. Tal associação não é anacrônica ou impertinente, pois a escolha do tema do
historiador “[...] está cercada por questões que vive, alucinações da sua época, desejos e
desencontros do seu tempo, sem que haja linearidade[...]”(REZENDE, 1997, p. 13). O
presente e o passado seduzem-se e desafiam-se na narrativa histórica, desafiando o historiador
em suas elaborações, que se traduzem em marcas sobre o tempo e sobre si.
A discussão sobre o universo simbólico dos discursos modernizadores, feita por Jo
Murilo de Carvalho (2000), que também ancora este trabalho, permite perceber que o pensar
sobre a cidade não está isenta das reflexões acerca das influências políticas sobre a
organização e planejamento dos espaços.
Concomitantemente, os conceitos de representação como construção social,
elaborados por Roger Chartier são subsídios teóricos para a presente dissertação, no que se
refere ao papel das representações na construção do mundo social, ao afirmar que:
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o
necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem
os utiliza (CHARTIER, 1988, p. 17).
Nesse sentido, a identificação dos múltiplos discursos de diferentes grupos sociais,
possibilita a visualização dos sentidos e desejos atribuídos à modernidade em Teresina em
princípios do século XX. A modernização como fenômeno que se relaciona à cidade faz com
que esta seja pensada como “[...] um conjunto de lugares apropriados e produzidos pelos
grupos sociais experienciando tempos e ritmos diferentes” (CARLOS, 2002, p. 99). Por esse
viés, é que um conceito que também norteia este estudo é o de espacialidade, pois permite
perceber como os diversos grupos se apropriam e reproduzem os espos, dando-lhes novos
sentidos e significações.
As cidades são puro movimento, pois a dinâmica social as configura e elas também
modelam a prática social. Sua existência dá-se pelas memórias construídas constantemente.
Tal movimento possui tamanha complexidade ao ponto de não ser apreendido em um único
sentido, da existência de várias cidades à medida que múltiplas experiências e vivências
configuram os espaços de memória. Suas experiências as cortam inscrevendo suas narrativas
próprias, cartografando os sentimentos de quem nelas habita.
24
A cidade é uma esfera na qual as relações sociais e de produção são catalisadas por meio
das imagens e apropriações que dela são oriundas. A cidade, em função de sua complexidade,
dinamicidade e de suas imagens, é constituída por “várias cidades”, constituindo o que Ítalo
Calvino denominou de “cidades inviveis”, fruto das subjetividades e dos olhares múltiplos
sobre a cidade. Os diversos pontos da cidade contêm histórias de sua existência e das
vivências de seus habitantes, pois
[...] a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão,
escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das
escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento
riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. (CALVINO, 1990, p.
14-15).
Ao revelar sua anatomia, sua cartografia, a cidade desafia o historiador a decifrá-la,
agindo semelhante à Medusa em relação a Perseu; provoca-o a descobrir seus segredos, à
medida que o ameaça de petrificá-lo. Ao historiador cabe apenas a alternativa de reagir
semelhante ao herói grego, enfrentá-la por meio de refratários, não encará-la diretamente, por
intermédio de elementos que desnudam alguns de seus segredos: as fontes que o vestígios e
marcas do passado no tempo. Nessa perspectiva, as fontes possibilitam notar que não são
cidades que se excluem ou que se negam, mas que expressam as diferentes maneiras que as
sociabilidades constroem e se apropriam dos espaços.
Tal conceito abre espo para se pensar em uma dimensão mais dinâmica e
sociocultural da vivência da cidade, na qual sujeito e espaço urbano se influenciam
mutuamente. Com isso, as reflexões e os conceitos propostos por Michel de Certeau (1994),
referindo-se às práticas cotidianas, bem como ao uso e ao consumo feito pelos sujeitos,
também enfatizam o caráter plural da experimentação do espaço urbano.
Dessa maneira, discutir a modernização da cidade de Teresina é compreender que
diferentes Perseus vêem de maneiras diversas esse escudo de bronze como instrumento para
superar o poder de Medusa. Assim, essa modernização-escudo apresentava diferentes imagens
para diferentes Perseus. Perseu não se afasta de Medusa ao derrotá-la, mas a utiliza para
vencer seus próximos obstáculos. Nos discursos oficiais, expressos nas mensagens
governamentais, percebe-se que as lideranças políticas não se afastam do olhar petrificante de
Medusa e até mesmo o utilizam para subsidiar seus discursos progressistas e futuristas. Isso se
justifica pelo fato de que
25
A relação entre Perseu e a rgona é complexa: não termina com a
decapitação do monstro. [...] É sempre na recusa da visão direta que reside a
força de Perseu, mas não na recusa da realidade do mundo de monstros
entre os quais estava destinado a viver, uma realidade que ele traz consigo e
assume como um fardo pessoal (CALVINO, 1991, p. 17).
Fardo esse que muitos governantes do Estado assumiam o compromisso de superar,
mesmo diante das dificuldades orçamentárias e na falta de auxílios contundentes do poder
político central do país, procurando promover melhoramentos das cidades piauienses. Tais
melhoramentos eram mais direcionados à cidade de Teresina, por centro político,
administrativo e comercial do Estado.
Neste capítulo discutir-se-ão as inter-relações entre as representações sociopolíticas
oriundas do processo de modernização da cidade de Teresina, nas duas primeiras cadas do
culo XX. Pretende-se analisar o papel dos agentes modeladores da paisagem urbana e as
repercussões do projeto modernizador na vida social, política e econômica da população, que
teve seu cotidiano permeado por valores importados de um modo de vida capitalista aos
moldes europeus. A cidade assume a função legitimadora das promessas da constituição de
uma realidade de progresso e bem-estar social, tentando romper com a configuração
“colonial” e “rural”, vista como sinônimo de atraso. As sociabilidades, decorrentes desse
turbilhão modernizador, são impulsionadas por representações sociais divididas entre o
fasnio com as inovações e o frêmito de medo e desconfiança com a “nova” cidade.
A configuração dessa cidade, detidamente a cidade de modelo capitalista, é
encaminhada a partir do papel desempenhado por grupos, ou melhor, por agentes sociais que
constroem a cidade conforme seus anseios, interesses, medos e planos, pois
Na cidade encontramos coexistências de espaços apropriados para diferentes
usos e funções e com diferentes ritmos ou em diferentes tempos e devemos
salientar o facto de a Geografia pouco ter estudado a relação entre este par
fundador: o espaço e o tempo (SALGUEIRO Apud CARLOS, 2003, p. 99).
Apenas recentemente a História tem posto tal problemática entre a pauta de seus estudos
e, ainda assim, de maneira perpendicular. Poucos são os estudos que a têm apresentado como
protagonista.
Segundo Kowarick (2000), a problemática urbana tem mudado seus temas a partir de
novas abordagens teórico-metodológicas. Em linhas gerais, na década de 1970 os estudos
centravam-se no capitalismo e nas lutas de classes. Nos anos de 1980 o enfoque destina-se às
26
discussões sobre os movimentos sociais, que se aglutinam para reivindicações e
questionamentos acerca das condições urbanas de vida. Na década de 1990 o cerne das
pesquisas giraria em torno da questão da cidadania, no intuito de apreender temáticas sociais
que se direcionavam para a formulação de políticas públicas e para a discussão dos ditames
para o gerenciamento dos direitos civis e sociais. A cidade, por essa abordagem, seria a
expressão das conquistas ou da busca de melhoramentos e de direitos dos cidadãos.
A cidade, em sua multiplicidade, ao mesmo tempo em que é um espaço atrativo como
um “ímã” e construída como uma “segunda natureza”, como denomina Rolnik (1995),
também é âmbito para a existência de contradições e segregação. Isso se justifica pelo fato de
que as cidades assumem diferentes funções como a troca, a informação, a vida cultural e o
poder. O conceito de cidade, como categoria histórica, expressa essas condições da instituição
das funções da cidade, na qual a idéia do material, do físico não deve ser excluída.
As presenças do capital e das relações de produção e circulação são elementos do
aspecto material ou “realda cidade que contribuem na configuração do espaço urbano. Isso
implica dizer que a concepção de cidade não deve partir unicamente como um elemento de
representação simbólica e imaginária embora este seja significativo –, mas sim, ter em suas
bases a percepção do espaço real e concreto. Nesse aspecto, alguns dos impedimentos ao
progresso das cidades piauienses estavam relacionados, conforme os discursos oficiais, a
problemas ligados ao capital como a fragilidade orçamentária dos cofres piauienses. Dessa
maneira, uma dialética ou uma interpenetração entre o aspecto material e o simbólico da
cidade.
As conexões existentes entre a cidade e as relações sociais se fundamentam inserindo-se
no próprio espaço, ao mesmo tempo em que tais relações o produzem em um processo
constante, dinâmico e diferenciado. Nesse aspecto, se a cidade é uma “construção e
“reconstrução” feita por homens (agentes), é necessário lançar mão de um olhar sobre tal
cidade no intuito de visualizar as lógicas culturais que implementaram e implementam essa
construção, levando em consideração que
A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um
constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de
novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo, deteriorização de
certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infra-estrutura e
mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de determinadas
áreas da cidade. É preciso considerar entretanto que, a cada transformação do
espaço, este se mantém simultaneamente fragmentado e articulado, reflexo e
27
condicionante social, ainda que as formas espaciais e suas funções tenham
mudado (CORRÊA, 2000, p. 11).
Ao elencar os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos, Lobato Corrêa chama a
atenção para o fato de que, mesmo havendo conflitos entre esses segmentos, também
interesses comuns, especialmente entre os três primeiros, que utilizam estratégias que variam
no tempo e espaço e que as contradições fazem parte do processo de constituição espacial,
como é o caso da especulação e da segregação. A especulação interessa bem mais aos
proprietários fundiários, pois com a reteão das terras geraria uma certa escassez, o que
ocasiona o aumento do preço dos terrenos. Isso promoveria um conflito entre proprietários
industriais e fundiários, que faz surgir o papel do Estado como mediador das transações
conflituosas. O poder público assume, assim, uma importante função social. Suas falas,
portanto, expressam a construção discursiva do centro do poder político em suas dimensões
macro, mas não eliminam a possibilidade de entender o que se manifesta microscopicamente.
Muitas ações vinculadas às decisões do poder público podem ser nitidamente
visualizadas nos seus códigos de postura. Para exemplificar, toma-se o Código de Postura do
Conselho Municipal de Teresina, de 1912. Tal código retoma a Lei nº 69, publicada no dia 02
de março de 1905. Isso, entre outras coisas, demonstra que muitas condições da infra-
estrutura e dos costumes da cidade permaneceram, mesmo transcorridos sete anos desde a
publicão da lei.
O referido código se direciona a muitos aspectos do cenário da vida da cidade, no
tocante à normatizão dos costumes na malha urbana. A norma expressa no código de
posturas referia-se diretamente ao cotidiano das pessoas. Em seu capítulo VII, são elencadas
condutas acerca “do sossego e decoro público e do descanso dominical”. As disposições
estavam assim enumeradas:
Art. 100. É proibido, sob pena de multa de dez mil réis.
§Fazer vozerias, alaridos e dar gritos nas ruas e praças, a não ser por
motivo de necessidade indeclinável ou pra pedir socorro;
§ Apitar ou dar qualquer sinal de que usam as patrulhas e oficiais
rondantes, exceto nos casos de socorro;
§ Fazer batuques, com toques de tambor, cantorias e daas, ou com
qualquer instrumento, que perturbe o sossego durante a noite, dentro da
zona urbana;
28
§ Disparar arma de fogo, exceto por dever de serviço público, ou
necessidade de defesa própria.
5
Percebe-se uma forte preocupação com o controle das badernas e das algazarras que
pudessem, conforme os preceitos do poder público, desvirtuar a paz das ruas da cidade. Em
prosseguimento ao controle dos distúrbios do sossego urbano, ainda eram prescritas normas
no tocante à moral. Nesse sentido, as principais recomendações eram:
Art. 101. É proibido sob pena de dez mil réis de multa:
§1º Proferir nas ruas e lugares públicos palavras obscenas;
§Escrever ou desenhar nos muros e paredes dos edifícios palavras ou
figuras imorais ou obscenas;
§ Distribuir jornais ou qualquer impresso e gravuras de desenhos
ofensivos à moral e à decência;
§4º Praticar em público atos ou gestos reputados imorais e indecentes;
§Andar em público em completa nudez ou com trajes indecentes;
§Tomar banhos nos portos e fontes públicas ou despidos na margem do
rio Parnaíba, dentro dos limites da zona urbana, das seis horas da manhã às
seis da noite;
Esse artigo deixa transparecer uma sociedade que ainda valoriza certas condutas e
valores, que, mesmo diante das transformações pelas quais passava a cidade, não deviam ser
solapados e que pudessem prejudicar o bom andamento da vida na cidade. A ordem era um
dos pilares de uma sociedade que se pretendia moderna. Essas determinações explicitam
traços do cotidiano que permitem visualizar a sociedade daquele momento.
Ao se realizar análises sobre o processo de modernização
6
do espaço urbano, que se
espalhou por grande parte do mundo, principalmente no século XIX e início do século XX,
incluindo o Brasil, resguardando as devidas proporções, é salutar fazer referências às
implicações desse processo nos centros urbanos, ou seja, nas cidades, em suas dimensões
espacial e, conseqüentemente, social, política
7
e cultural. No caso específico da Primeira
República brasileira, isso se evidencia pelo fato de que são as cidades que melhor
representariam os projetos de urbanização, como forma de inserção do país em um modelo
5
Todos os documentos como código de posturas, mensagens governamentais, jornais e textos literários foram
redigidos preservando a escrita da época do documento.
6
O termo modernização é aqui empregado no sentido com o qual opera Marshal Berman(1986), destacando que
o termo está associado, de modo geral, às intensas transformações no espaço e na sociedade. A modernização
como um “turbilhão” de transformações manifestadas, entre outros aspectos, por meio da urbanização do espaço.
7
O termo política está sendo vinculado a partir de uma abordagem de uma “Nova História Política”, em suas
relações com o social e o cultural, como destacam René Remónd(1996) e Jacques Juliard in: Le Goff &
Nora(1974).
29
burguês de vida, a exemplo do que ocorria nos demais países ocidentais, como França e
Alemanha.
Contudo, o projeto modernizador brasileiro o foi capaz de eliminar as contradões
sociais, não conseguindo atender aos anseios da maioria da população, pois o latifúndio, a
exclusão política e a fome ainda existiam e em certos momentos até se fortaleciam. Dessa
maneira, as lideranças políticas, o desejando abandonar o estilo burguês, por meio das
ações modernizadoras, assumem a postura de, ideológica e simbolicamente, divulgar para a
população que a urbanização das cidades é algo que traz enormes benefícios e que pretende
satisfazer a todos os indivíduos.
Nesse sentido, observa-se um grande esforço por parte das lideranças políticas em
tornar as cidades centros irradiadores de cultura e dos símbolos da vida moderna,
impulsionada por políticas progressistas. Em meio a essas tentativas de diminuir os conflitos
sociais e de realizar uma construção cultural europeizada, a população não ficou bestializada
8
apenas observando, pois de maneira informal procurou resistir o ximo que podia e as
diversas revoltas desse período enfatizam essa postura de não aceitação de qualquer tipo de
imposição. As representações sociais oriundas desse projeto modernizador salientam os
alcances diferenciados da modernização no imaginário da população.
O projeto modernizador e o padrão cultural impostos pelas lideranças políticas
mostravam-se inadequados à realidade social da maioria dos brasileiros, excluídos dos
benefícios diretos da urbanização, que privilegiava uma parcela restrita da população. Além
disso, no início do século XX, mesmo nos centros urbanos, esses brasileiros viviam, em
função da própria infra-estrutura, de maneira tipicamente rural, o que era contrastante com as
propagandas do Estado, que falava na chegada de um progresso que não era do usufruto de
todos na prática. Isso o implica ignorar as influências que essas transformações permitiram
aos segmentos sociais de baixa renda, mas é o reconhecimento de que foram mais limitadas
do que propunham em seus discursos para esses grupos. As influências deram-se
principalmente na esfera cultural.
Percebe-se, então, que a história das cidades e a história da cultura, especificamente
nas duas primeiras décadas do século XX no Brasil, mesclam-se e criam um elo para a
compreensão dos aspectos político-sociais desse momento hisrico. Nos centros urbanos
encontrar-se-á a efervescência das transformações socioculturais, bem como as contradões
8
Nicolau Sevcenko(2000) chama atenção para os usos e contra-usos do termo, enfatizando que a população não
estava totalmente alheia aos acontecimentos, mas sim desenvolvia “táticas” para lidar com ações político-
administrativas do Estado.
30
inerentes dessas mudanças, principalmente por se tratar de um projeto em que se buscava um
modelo cultural diferente daquele vivenciado pelos brasileiros. Em função disso é que
O esforço de articular a cidade e a cultura serve como um exercício de
busca de entendimento da realidade social, realidade essa contida de
relações históricas, de luta e de poder, pois o exercício de decifrar enigmas
na cidade é desenraizar marcas contidas nos territórios urbanos, nas formas
de apropriação da terra e nas mudanças culturais dos diversos grupos
sociais. Olhar e buscar a história dos lugares, dos bairros e da própria cidade
é (re) descobrir as raízes que sustentam os pilares das formas presentes
(FAÇANHA, 2003, p. 78).
Seguindo o mesmo esforço de entendimento da imbricada relação entre cidade e
cultura, para a compreensão da esfera social, pode-se abstrair que as raízes das formas
presentes da sociedade manifestam-se em sua memória e em seu imaginário. Ambos
expressam a profundidade das marcas criadas pelos fatos e acontecimentos nos grupos sociais.
A imagem e a idéia que os sujeitos externam sobre seu meio circundante, isto é, sobre a
cidade, são frutos dos acontecimentos que se desenrolam nesse meio e do alcance que têm na
vida dos indivíduos. O que ocorre é uma relação estreita entre cidade e cultura, pois uma
influência tua. Em dados momentos e situações, dependendo da configuração histórica, a
cultura é que direciona os planos de organização e desenvolvimento das cidades. Pode
acontecer o fato de os projetos de urbanização terem conseqüências diretas sobre a
formulação cultural de grupos sociais distintos.
Entretanto, o que mais ocorre, e isso é o mais lógico, é uma influência dialética entre a
cultura e a cidade, pois ambas são construídas pelos mesmos agentes do processo histórico.
As cidades não existem apenas pela ação das lideranças políticas e sim em conjunto com as
relações sociais que ali se desenvolvem, com suas tenes, negociações e diálogos,
confirmando o que Michel de Certeau (1994, p. 171) afirma quando se refere à cidade como
uma ficção que cria leitores, que muda em legibilidade a complexidade da cidade e fixa num
texto transparente a sua opaca mobilidade”.
Dessa maneira, estudar e interpretar a história das cidades é, além de se apreender as
manifestações da cultura, captar os efeitos do imaginário e da memória, que contribuem para
a existência das práticas
9
sociais presentes. Com o cuidado de não cair em anacronismos,
lançar olhares para eventos passados abre a possibilidade para que se compreenda melhor as
razões de acontecimentos de uma sociedade atual.
9
O conceito de prática é aqui trabalhado como as diferentes formas de fazer e agir dos indivíduos em meio a um
repertório cultural reinante. São as diferentes maneiras que os indivíduos empregam para não serem totalmente
capturados por um discurso ordeiro.
31
O interesse pelas cidades, por parte das lideranças políticas, pode ser referendado já no
culo XVIII quando a Coroa Portuguesa procurava imprimir uma administração mais atuante
e direta em suas áreas de expansão colonial. Aqui, pode-se incluir o Piauí, que possuía uma
política ruralista muito forte e que fugia ao controle da administração metropolitana. Seguindo
esse ideal, um dos mecanismos para alcançar esse intento era a criação de cidades,
instrumento civilizatório, onde a cultura européia deveria se impor, levando as populações
sertanejas a romper com a lógica organizacional da cultura dos silvícolas” (CASTELO
BRANCO, 2002, p. 298). Isso fica bem mais evidente quando se percebe que
A valorização dos espaços urbanos não ficou apenas nos grandes centros do
país. A idéia de progresso importada da Europa, juntamente com uma série
de outros valores, espalhou-se pelo país, e as cidades brasileiras, mesmo as
que não figuravam entre as mais ricas e prósperas, queriam, de alguma
forma, também participar das mudanças que estavam em curso no mundo.
Ignorar a onda de novos costumes e hábitos urbanos que chegavam seria dar
um atestado de povo atrasado e inimigo do progresso e, assim, condenar-se a
viver no passado (CASTELO BRANCO, 1996, p. 33).
Contudo, os padrões de desenvolvimento das cidades e da cultura, nessas áreas de
expansão colonial, não levavam em consideração a realidade política, social e econômica
dessas regiões. Isso contribuiu para o fracasso desse projeto no século XVIII, em grande parte
do Brasil, incluindo o Piauí, respeitando as especificidades, o que deixou marcas na história
local. No final do culo XIX e no início do século XX vê-se esse projeto ser reativado,
sobretudo pelas interveões governamentais, tendo ressonâncias na vida da cidade.
1.1 (Re) construção do espaço urbano: política e modernização no cenário piauiense
O projeto modernizador e civilizatório das cidades é retomado, no Piauí, na
personificação de José Antônio Saraiva, o então presidente da província em 1850. Saraiva
tinha a convicção de que o desenvolvimento e o progresso seriam alcançados no momento
em que se transferisse a capital para as margens do rio Parnaíba. O poder público assumiu a
tarefa de incentivar as forças produtivas, visto que a esfera privada não seria suficiente para
tal intento. Com a navegabilidade do rio Parnaíba e o aumento da produção, especialmente a
extrativista, no final do século XIX, os intentos de Saraiva mostraram-se plausíveis.
32
Esse desenvolvimento produtivo e econômico atraiu inúmeros imigrantes para as
cidades ribeirinhas, promovendo um significativo aumento populacional e gerando uma série
de necessidades de (re)estruturação dos espaços. Esse fenômeno demonstraria o caráter
excludente inerente a essa ação modernizadora da cidade e suas ressonâncias culturais, ao
passo que
Teresina, a nova capital, foi alvo preferencial dos investimentos públicos e
privados que objetivavam investir na infra-estrutura urbana, o que se fez
com dificuldades e atendendo principalmente às demandas e interesses da
elite local (CASTELO BRANCO, 1996. p. 33).
O caráter elitista desses investimentos na infra-estrutura urbana demonstra o aspecto
simbólico contido no processo de modernização da cidade de Teresina. As melhorias urbanas
eram feitas e divulgadas nos jornais e mensagens governamentais, mas a maioria da
população não usufruía plenamente de tais benefícios, como é o caso da água encanada e dos
serviços médicos. Com a chegada do Bonde, como ressalta Pedro Vilarinho(2002), a face
segregadora do progresso” se fez notar mais nitidamente. Para não terem de dividir o mesmo
espaço com pessoas pobres, as elites locais, estrategicamente criaram um segundo vagão para
o acesso da população humilde. Era o “rebocão”, que assumiu duas funções: a primeira foi
isolar a população pobre; a segunda foi, ao permitir o acesso ao bonde, mascarar sua
existência segregadora. Dessa maneira, esse desenvolvimento era divulgado para a população
como conquistas efetivas, possibilitadas e concretizadas pelas ações modernizadoras.
Entretanto, pela forma como se deu, elitista e segregadora, tal modernização mostrava-se
autoritária e impositora, incluindo-se no quadro nacional, no qual aparecia a forte tendência
de reformas urbanísticas de algumas cidades brasileiras. Parafraseando Certeau (1994, p.
171), os “praticantes ordinários da cidade” ficam excluídos de usufruir de todos os seus
benefícios. Nessa perspectiva, nota-se que
Essas imposições fizeram com que o progresso chegasse a muitos lugares
como conquistador ditando normas, costumes, solapando e condenando
formas de viver e pensar tradicionais. Seduzindo de forma mágica os mais
deslumbrados com as suas possibilidades e colocando os recalcitrantes na
posição de anacrônicos (CASTELO BRANCO, 2002, p. 299).
As características de imposição e de sedução são marcantes durante o processo de
formação do ideário modernizador. Havia aqueles que, mais diretamente afetados pelas
exclusões e autoritarismos, negavam e questionavam tal fenômeno, nos moldes em que se
33
apresentava. Havia outros, que seduzidos pela “propaganda” estatal sobre o novo regime e a
modernização, aceitavam mais facilmente a vinda das transformações e mudanças. Essa
“cidade panorama” apresenta em seus cheios e vazios um texto urbano que se escreve, sendo
que apenas alguns podem escrevê-lo e lê-lo enquanto outros não, como já enunciava Michel
de Certeau (1994) ao falar das caminhadas pela cidade. As transformações urbanas, seus usos
e contra-usos constituíram novas formas de sociabilidades, expressas no vestuário, no lazer e
também no próprio morar (LEMOS, 1999).
Mesmo com todas as tentativas de tornar Teresina uma capital que seguisse os
modelos de cidade burguesa, em princípios do século XX a cidade ainda apresentava fortes
traços rurais. Entretanto, entre o final do século XIX e início do século XX observaram-se
algumas mudanças, como é o caso da iluminação pública com lampiões de cobre (1880);
abastecimento de água canalizada, no governo de Arlindo Nogueira (1903); a criação do
serviço telenico (1907); a instalação da luz elétrica, inaugurada por Miguel Rosa (1914).
Os jornais divulgavam à população o progresso que chegava à cidade, na qual a vida
das pessoas também acompanhava as mudanças, pois a noite era mais brilhante com seus
cafés e cinema, dando novo ritmo à vida cultural da população. Novas sociabilidades são
configuradas a partir de novas práticas e novos usos atribuídos ao espaço urbano.
O que se deve enfatizar é que essas inúmeras realizações urbanísticas continuavam a
excluir a maior parte da população, que continuava sem ter acesso ao abastecimento de água,
sem iluminação elétrica, sem melhorias habitacionais, principalmente pelo fato de não
poderem pagar pelos serviços. O contato com as amarras de pedra, que paralisavam o tempo e
o progresso parecia está mais íntimo com a população pobre. Em contrapartida, a cidade de
Teresina também se constituía como a cidade da vida política e cultural do Estado,
apresentando indivíduos com comportamentos semelhantes a um estilo de vida pautado na
abastança. Isso se justifica pelo fato de que, em geral, as elites políticas também eram os
intelectuais que tiveram contato com outras culturas e com outros espaços.
Enquanto isso, a maior parte da população estava sujeita a uma instrução pública
deficiente, o que contribuía para sua proximidade com percepções mais tradicionais sobre a
cidade e seus costumes. A cidade era então representada conforme as diferentes formas de
contato com a modernização. A cidade de Teresina, em sua modernização ingente do início
do século XX foi alvejada por um leque de representações sobre as formas e aplicações de tal
fenômeno modernizador. Isso teria contribuído para o reforço, mesmo que sutil, das distinções
sociais, visto que “a partilha dos mesmos bens culturais pelos grupos que compõem uma
34
sociedade suscita a busca de novas distinções, aptas a marcar as distâncias mantidas”
(CHARTIER, 2002, p. 76-77).
Dessa maneira, a modernização da cidade de Teresina, como a tentativa de se tornar
um bem cultural, foi partilhada de modos diferentes que marcavam distinções entre os grupos
sociais. A modernização, por esse viés, não se manifestou como um processo linear e
unívoco, visto que sua partilha, ou melhor, suas representações não eram homogêneas e sim
plurais e diversas.
1.2 As obras do futuro: obras públicas e gerenciamento espacial
As mensagens governamentais e jornais do início do século XX enfaticamente
mencionavam as realizações de obras públicas diversas como resultado das ações
empreendedoras de cada gestão governamental, como sinônimo da aventura contra o olhar
petrificante de Medusa.
No que concerne às obras públicas, uma série de argumentos é elencada por muitos
governadores e jornais na tentativa de ressaltar as ações efetivadas e sobre o atraso na
implementação de alguns melhoramentos. Tais ações e melhoramentos são diversificados,
pois giravam em torno de serviços de reparo de prédios públicos, construção de pontes,
abertura de estradas, serviços de iluminação pública e de viação rrea, bem como os de
abastecimento de água. Os discursos acerca das intervenções governamentais na cidade de
Teresina estão em consonância com o que Certeau esclarece quando afirma que a cidade é
lugar de transformações e apropriações, objeto de intervenções, sendo “ao mesmo tempo a
maquinaria e o herói da modernidade” (1994, p. 174).
Assim, os jornais piauienses, em sua maioria, também dedicavam espaço para
mencionar algumas dessas obras. O Rio Parnaíba era alvo das notícias jornalísticas,
especialmente quando se falava na construção de pontes que possibilitariam o transporte sobre
ele. No dia 12 de junho de 1921, o jornal O Piauhy mencionava determinação para a
construção de pontes sobre os rios Parnahyba e Poty, dizendo que “subiram à sanção do
presidente da República os decretos sobre construção das pontes sobre os rios Parnahyba e
Poty que deve ser iniciada sem demora” (p. 07). Essa discussão percorre a década de 1920,
uma vez que, em 1928, o jornal O Piauhy noticiava que “o Sr. Ministro de Viação expediu
ordens ao Sr. Inspector das Estradas para iniciar os serviços da ponte sobre o rio
35
Parnahyba”(p. 09), denotando que essa temática cortou o período, sendo tema recorrente dos
discursos governamentais.
Nota-se que as pontes como mecanismos de comunicação entre as diferentes
localidades do Estado são assunto cativo nos discursos dos representantes governamentais. A
exemplo disso, verifica-se, no relario em que Raymundo José Vieira da Silva passou a
administração da província do Piauí ao vice-presidente Firmino de Souza Martins, no ano
de 1889, a evidenciação da necessidade de aceleração nas obras da Ponte do Riacho S.
Domingo, bem como a construção das Pontes dos Cavallos, do Riacho Fundo, do Riacho
Marimba e da Ponte do Riachão. O presidente determinava que as atividades para a efetivação
de tais pontes ficassem a cargo de pessoas vítimas da seca. A seca era assunto recorrente nas
mensagens do então presidente da província Raimundo José Vieira da Silva, em 1889. Suas
determinações para a realização de obras públicas diziam que fossem empregadas pessoas
vítimas da seca, assemelhando-se ao que depois chamariam de “frentes de serviço”.
Assim foi estipulado que, para a construção das duas torres da Igreja Nossa Senhora
do Amparo; que a construção do patamar da Igreja São Benedito; que a construção de várias
pontes; bem como a construção de estradas e reparos nos pdios públicos seriam
empregadas pessoas assoladas pela seca. A seca se prolongava e deixava seus rastros de fome
e perseguição. Em 1903, o governador Coriolano de Carvalho e Silva, fazendo menção ao
decreto de 4 de outubro de 1902 pelo qual o presidente da república destinava verba para a
construção de poços artesianos, açudes e represas para amenizar os efeitos drásticos da seca,
diz que deveriam ser empregados nessas obras os flagelados da seca.
A seca de 1877-1879 contribuiu para a composição do cenário da cidade de Teresina,
pois inúmeros migrantes, fugindo da seca, aglomeravam-se na capital do Piauí. Isso agravou a
frágil situação da cidade, que contava com uma população miserável. A presença dos
migrantes complicou a situação, pois
A esta população se juntavam os pobres da cidade, que moravam no
subúrbio, em precárias condições de sobrevivência, ou mesmo debaixo de
árvores à margem do rio Parnaíba ou pelas ruas e praças, onde
mendigavam a caridade pública. A marginalidade social tornava-se
explícita na cidade de Teresina, que, neste momento, dava passos no
processo de modernização (ARAÚJO, 1995, p. 13).
A partir de então, uma das estratégias para dissolver as aglomerações de pedintes foi
estipular que os indivíduos vitimados pela seca seriam empregados nas diversas obras
públicas da cidade, bem como de outras cidades do Estado, caso fosse necessário. A seca
36
continuava assolando o território piauiense e, sobretudo a capital. Isso chamava a atenção das
forças políticas, mesmo no início do século XX, pois
Se mais pudéssemos tentar nas circunstâncias actuaes, nenhum outro
melhoramento se imporia tanto como o da irrigação de nosso solo por meio
de barragens, açudes ou poços que attenuassem os effeitos das ccas que
nos assolam de contínuo (MENDES, A. A. O. Mensagem. 01. 06. 1906, p.
21).
A preocupação com a seca iria permanecer até o ano de 1907, pelo menos, visto que
Álvaro Mendes retoma o assunto com sendo de grande necessidade alguma ação para sanar os
problemas decorrentes da seca. Nesse sentido, o governador diz que
Attendendo a necessidade de reunir dados e elementos para futuros
trabalhos contra as seccas, que periodicamente nos assolam, incumbi ao dr.
Director das obras públicas de manter nesta cidade ou onde julgasse mais
conveniente, um posto de meteorologia, fazendo acquisição dos
necessários apparelhos (MENDES, A. A. O. Mensagem. 01. 06. 1907, p.
13).
Álvaro Mendes assegurava, para tal intento, que os recursos financeiros do Estado
estavam em conformidade com as necessidades para a aquisição dos aparelhos necessários.
Os gastos não haviam excedido as previsões orçamentárias e isso dava ao Estado certo fôlego.
Álvaro Mendes recorre à repartição de obras públicas que, ainda no ano de 1903, o Estado
ressentia-se pela falta de uma repartição de obras públicas, que tivesse pessoal preparado para
se encarregar de tudo o que dissesse respeito às obras públicas. O governador Coriolano
afirmava ser necessária a instalação de uma repartição dessa ordem que tivesse a tarefa de
também fiscalizar todas as obras públicas que tivessem de ser construídas no Estado. Nisso é
possível perceber uma inquietação do poder público perante o grau de necessidade da
população na época, mas também o reconhecimento da necessidade de um órgão público
encarregado de intervir nas questões arquitetônicas e urbanísticas do ordenamento da cidade.
Sobre a função da repartição de obras públicas, terras e colonização, Arlindo
Nogueira, no ano de 1902, salienta algumas ações de tal repartição, dizendo que
As obras públicas executadas sob a direção da respectiva repartição tiveram
andamento regular, compatível com os recursos do Estado. Foram
realizados importantes melhoramentos em diversos edifícios públicos e
encitada a construção de um palacete no local em que funcionou a estação
do Telegrafo Federal. [...] Também sofreram conceitos o edifício em que
37
funciona o Lyceu Piauhyense e os das Secretarias de Estado da Fazenda e
Polícia e Tribunal de contas. [...] Foi iniciada a construção de um coreto de
madeira na praça Marechal Deodoro, destinado à tocatas da banda de
música do corpo militar de Polícia e realizados pequenos consertos dos
edifícios da typographia oficial e casa de detenção (NOGUEIRA, A. F.
Mensagem. 01. jun. 1902, p. 27).
Pelo exposto, observa-se que as intervenções dessa repartição limitavam-se a reformas
ou reparos em edifícios públicos e não se destinavam a construções relativas à infra-estrutura
necessária aos problemas e dificuldades enfrentados pela maioria da população.
No prosseguimento da mensagem governamental, ainda são mencionados alguns
reparos, que, conforme Arlindo Nogueira, eram inadiáveis, em outros prédios públicos como
o palácio do governo e parte da câmara legislativa.
Em ano posterior, Arlindo Nogueira alerta em mensagem à Assembléia Legistativa
que por causa de um orçamento que teria atingido mil contos de réis, onerado, além disso, por
uma “pesada dívida flutuante”, era impossível ao Estado atender os anseios materiais da
população. Dessa forma, Arlindo Nogueira ressalta que “por isso, apenas foram executadas
algumas obras na capital e estas ainda reduzidas a simples consertos nas repartições públicas e
a concluo do palacete contíguo à assembléia legislativa”.
Em meio à escassez de recursos financeiros, o discurso oficial advoga em favor da
idéia de que os desejos mais amplos da população não poderiam ser prontamente atendidos,
mas os “simples consertos” dos prédios públicos. A repartição de obras públicas passou a ser
alvo de questionamentos tendo sido concebida, pelos administradores da época, como um
setor público cuja atenção deveria ser redescoberta, pois
Entre os diversos ramos da administração, que reclamam especiais cuidados
e até mesmo algum sacrifício, está com razão o departamento das obras
públicas. Motivos de ordem superior impediram-nos de realizar mais
importantes serviços do que a conclusão dos grandes reparos no edifício e
poço da detenção, a reconstrução da ponte do Riacho dos Cavallos, e
pequenos concertos em outros próprios estaduais (MENDES, A. A. O.
Mensagem. 01. jun. 1906, p. 29).
Os próprios discursos oficiais assumem sua fragilidade no combate aos problemas
mais prementes da população piauiense no período, reconhecendo o grau de afastamento entre
suas realizações e as necessidades apresentadas pelos piauienses.
As dificuldades enfrentadas pelo poder público para tentar implementar maior eficácia
e agilidade aos serviços de obras públicas é uma constante nas mensagens governamentais. O
38
olhar de Medusa fez-se sentir mais forte e tomou corpo, em geral, na escassez orçamentária
dos cofres públicos que acompanha a história do Piauí ao longo das três primeiras décadas do
culo XX, pois é recorrente o fato de o mesmo poder público reconhecer a limitação de sua
intervenção em benefício da sociedade. É o que afirma o governador do Estado do Piauí em
pleno ano de 1930, assemelhando-se ao já apresentado por seus antecessores.
No que diz respeito propriamente a Obras Públicas, pouco tem sido possível
realizar, pelo motivo acima alegado, dada a exigüidade de nossa receita para
a manutenção do aparelho administrativo do Estado, e da qual pouco sobra
para a realização de obras, muitas delas de imperiosa necessidade (LEAL,
J.D.P. Mensagem. 01 jun. 1930, p. 22).
Se, como enuncia Paul Veyne (1998, p.268), a história torna-se história daquilo que os
homens chamaram verdades e de suas lutas em torno dessas verdades”, ao reconhecerem as
limitações da atuação do poder público em assegurar melhorias à sociedade, seus
administradores assumem claramente o grau de restrição nesse quesito.
Isso, contudo, não implica que os aspectos positivos não tenham sido evidenciados.
Muito pelo contrário, discursos comemorativos ao progresso e ao desenvolvimento são muito
mais constantes quando se referem a Teresina do início do século XX.
A cidade tem sido referendada e cantada principalmente pelas suas obras,
monumentos e também pelas luzes, pelo brilho que a noite proporciona aos enamorados e aos
poetas. A iluminação, por exemplo, é festejada a cada conquista de sua implantação, pois é
um dos muitos sinônimos dos avanços e do progresso. Esse melhoramento foi inaugurado
pelo governador Miguel Rosa, no ano de 1914. Para o auxílio do entendimento dessa
inovação, o uso de fotografias foi de suma importância.
O estudo e o uso de imagens não têm caráter unicamente ilustrativo, mas o que se
observa, ou deve-se observar, que as imagens trazem em seu teor mensagens a serem
decodificadas e discutidas. Nesse mesmo viés, encontra-se a fotografia, onde a História está
manifestada como representação sociocultural, pois há um entrelaçamento entre história,
imagem e memória. A fotografia se estende a um vasto campo de imagens que remetem a
outras imagens, ao passo que a fotografia traz História ou histórias. O historiador precisa
lançar um olhar apurado e se aprofundar nos meandros das significações e dos “mistérios”
que estejam embutidos na fotografia. Dessa maneira, a fotografia deve ser encarada como
uma forma de linguagem não-verbal que ultrapassa o sentido primeiro da contemplação, pois
é preciso vislumbrar a intencionalidade que cerca a imagem (KOSSOY, 1989).
39
A fotografia representa uma realidade e não é uma abstração, onde o historiador deve
aguçar sua percepção visual. Entender o significado da fotografia é perceber que ela surge em
um momento de efervescência de inúmeros eventos, fatos e paradigmas como a disseminação
da idéia de racionalidade, na ciência, o processo de urbanização latente, a formação de
classe burguesa delineada. A fotografia como universo visual das representações sociais e
fração da realidade contribui para a visualização das ações modernizadoras dos espaços de
Teresina. As fotografias como postais de uma cidade expressam os lugares que a sociedade,
ou pelo menos uma parcela dela, elencava como os pontos de referência da população e de
seu cotidiano. Por esse viés, a fotografia atua como um elemento de arquivamento e das
memórias individuais e coletivas da cidade.
Companhia Elétrica de Teresina
Fonte: Arquivo Público do Piauí – Casa Anísio Brito (Foto 1).
A foto refere-se ao prédio da Companhia de Luz em Teresina. Foi construído e
instalada durante o ciclo da maniçoba, como um instrumento para a dinamização da produção.
O serviço de luz elétrica foi iniciado no governo de Antonino Freire na capital. A iluminação
elétrica foi um dos símbolos do progresso da cidade.
40
A imprensa do final da década de 1920 destaca os melhoramentos dos serviços de
iluminação como um benefício indispensável a uma capital como a cidade de Teresina, que
ambicionava ter o status de grande cidade, no sentido mais amplo do termo. Nesses termos, os
jornais, como significativos entusiastas, destacavam que
Temos o grato ensejo de communicar ao público, que a partir de hoje, a
nossa capital será servida de iluminação elétrica, nas ruas e casas
particulares, das 6 horas da tarde às 6 horas da manhã. Era esse um
melhoramento que se impunha em nosso meio, porque não se justificava de
modo algum, o facto de permanecer a capital às escuras, durante altas horas
da noite. Registrando o facto, cumpre-nos salientar que, essa solução
resultou de um entendimento pessoal entre o Secretário de Governo e o dr.
Diretor das Obras Públicas, por occasião da visita que aquelle fez hontem à
usina de eletricidade (Iluminação Pública. O Piauhy, 08 jul. 1928, p. 23).
O trecho citado faz notar que a euforia com as transformações da urbanização da
cidade ainda era muito marcante pelo fato de que tais benefícios tinham sua efetivação um
pouco mais retardada que aquilo que as autoridades governamentais planejavam. Cada avanço
era divulgado como um grande salto rumo ao progresso das cidades. Seu anúncio quer atenuar
as dificuldades enfrentadas e evidenciar seu brilho, semelhante ao que era comemorado com a
implantação da eletricidade nas vias públicas. A iluminação da cidade é temática permanente
nos discursos oficiais, destacando inclusive a ampliação do horário de sua cobertura como
evidencia a Mensagem Governamental em 1929:
[...] o suprimento de energia elétrica foi feito regularmente, não tendo
havido acidente de vulto a mencionar. A8 de julho, dentro do horário
compreendido entre 18 e 1 hora do dia. De eno para cá, em conseqüência
de deliberação do Exmo. Sr. Dr. Secretário do Estado do Governo, durante
toda a noite, isto é, de 6 horas da tarde às 6 da manhã (LEAL, J. D. P.
Mensagem. 01 jun. 1929, p. 28).
Dessa forma, a história da cidade e da cultura no período dos momentos iniciais do
culo XX, é marcada por um projeto modernizador e controlador das cidades e modelador
dos costumes dos indivíduos. Todavia, isso não se deu de maneira uniforme, nem atingiu a
toda população, alijando cada vez mais aqueles que não faziam parte das elites políticas e
econômicas ou a elas não estavam vinculados.
Esse processo de melhoramento das condições urbanísticas da cidade, que se mostrava
segregador, é perceptível em outras cidades brasileiras em período relativamente semelhante.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, apresentava uma realidade grandiosa, em termos
41
econômicos, no início do século XX. Nesse momento, a cidade carioca desfrutava do
privilégio de ser o ponto de mediação dos recursos da economia cafeeira e também da sua
própria condição de centro político do país. A partir disso, o Rio de Janeiro aparece como um
dos principais centros financeiros do mundo, em íntimo contato com o comércio europeu e o
americano.
Em função disso, era necessário, conforme as lideranças políticas da época, promover
uma remodelação dos hábitos sociais e da estrutura urbana da cidade, que não atendia às
necessidades de uma economia crescente e internacionalizada. Fica evidente, então, que as
elites políticas do novo regime teriam que acabar, ou pelo menos disfarçar a imagem de
cidade insegura, insalubre e imprópria para novos investimentos, nascendo a onda de
remodelação do espaço urbano, por meio de demolições e de intensificação e rigidez na
vigilância sanitária e médica.
Isso fica claro com os alargamentos de avenidas, construção de prédios com modelos
europeus e práticas de fiscalização sanitária como a promulgação da lei da vacina obrigatória,
aglutinando-se ao descontentamento populacional, desencadeando o conflito conhecido como
Revolta da Vacina, em 1904. Os cegos “modernizadores”, como destaca Sevcenko, buscavam
modelos do outro lado do Atlântico para acabar com a imagem da cidade do Rio de Janeiro,
conhecida como “túmulo dos estrangeiros” (SEVCENKO, 2000, p. 60).
Em territórios piauienses, a preocupação com os viajantes fez surgir um discurso
hoteleiro, que pretendia ser um atrativo a mais para aqueles que pretendiam passar pela
capital. Tais hotéis eram mencionados como os mais luxuosos e acolhedores, dando à cidade
de Teresina o aspecto de ponto irradiador de conforto.
As inaugurações de alguns hotéis eram divulgadas nos jornais tentando enfatizar os
benefícios de um bom estabelecimento, com bom atendimento e variedade como aqueles dos
quais se tinha notícia em outros Estados do país. Nesse furor, a inauguração do Hotel 15 de
Novembro é assim descrita:
Inaugura-se hoje mais um restaurante nesta capital, de propriedade dos Srs.
Polybio Braga e Comp. A necessidade de que se ressente esta cidade de um
estabelecimento em ordem a proporcionar todas as commodidades e
diversões aos viajantes e os habitus do bom gosto, se fazia sentir entre
nós. Ao que nos consta o novo hotel offerece todas as vantagens de um
estabelecimento no gênero, pelo asseio, promptidão e variadíssimo estoque
de conservas e bebidas que dispõe. O prédio em que se instalou é colocado
em uma das principais ruas da capital, tem cômodos vastos para uma
hospedaria de primeira ordem e obedece a condições higiênicas, que nada
deixam a desejar. Que a nossa população saiba corresponder aos esforços
42
dos dignos proprietários do 15 de Novembro, são os votos que fazemos
(Hotel 15 de Novembro. O Monitor. 15 nov. 1906, p. 13).
O luxo, elegância, bom gosto e conforto. Esses eram os adjetivos mais utilizados
pelas propagandas dos hotéis que se instalavam em Teresina. Dentre tais estabelecimentos,
ainda tinha-se o Coroatá Hotel, sobre o qual a imprensa dizia que
Os viajantes encontrarão neste estabelecimento todas as comodidades
prédio muito bem arejado, todo iluminado a carboreto, um belo salão de
bilhar, e um botequim ricamente montado, bons banheiros e refeições de
primeira ordem, porém só aceitam passageiro de primeira classe (O Coroatá
Hotel. O Piauhy, 20 mar. 1921, p. 04).
O referido hotel mostra-se, no discurso jornalístico, como lugar de sofisticação e
espaço no qual as sociabilidades são catalisadas por conta dos jogos e diversões que oferece.
No entanto, vale ressaltar que se trata de um ambiente de acesso para poucos, pois o status de
“primeira classe” era taxativo.
Teresina parecia estar fervilhando com a presença de viajantes. Talvez por ser o centro
das decies políticas e administrativas e por ser forte referencial da vida comercial do
Estado. Para valorizar sua condição de capital, os discursos que propagandeavam os hotéis da
cidade giravam em torno do conforto e comodidade. O Hotel do Norte assim era apresentado
em jornais:
É o melhor da cidade. Em local próximo ao porto de embarque, é, de muita
conveniência para os viajantes. Prédio arejado é, indubitavelmente
agradável. Localisado no melhor bairro commercial, onde maior
actividade; recommenda-se ainda pela fidalguia do tratamento. As famílias
aqui encontrarão uma bella hospedagem. Aceitam-se, apenas, hospedes de
primeira classe. Preços módicos, cozinha de primeira ordem, promptidão e
asseio no serviço (Hotel do Norte. O Piauhy. 23 jun. 1921, p. 04).
Pelo exposto no trecho citado, Teresina realmente possuía um comércio no mínimo
atraente, visto que era importante a localização do estabelecimento, pois quanto mais próximo
do porto de embarque e dos bairros comerciais, mais modo seria para o viajante. Os hotéis
como o Coroatá e o Hotel do Norte faziam questão de exigir pessoas de “primeira classe”
como sendo seus visitantes. Isso reforça o caráter segregador das melhorias e do progresso
pelos quais a cidade passava.
43
1.3 Cenas e Encenações: o teatro e o cinema no cotidiano da cidade
Outro espaço de sociabilidade que era visto como símbolo da modernização era o
teatro
10
. Não é de se admirar que m fins do século XIX um dos lugares mais esperados pelos
piauienses era o teatro, pois as obras demoravam a serem concldas, visto que “as obras
desse edifício estão em andamento(BESOURO, Gabino. Mensagem. 19 out. 1890, p. 18). A
demora na conclusão do teatro público da capital tornou-se uma questão imprescindível nas
ações governamentais, como destaca o governador Coriolano de Carvalho e Silva, no ano de
1893. Nesse ensejo, o governador afirma ter aberto um extraordinário crédito junto à União
para o término das obras. Coriolano justifica-se aos membros da Assembléia afirmando que
Este meu acto, para o qual peço a vossa aprovação, foi baseado no fato de
não convir adiar por mais tempo a conclusão dessa importante obra, e ainda
mais porque o Estado muito pouco tem concorrido para que esta capital seja
dotada com este centro de diversão pública (CARVALHO E SILVA, C. de.
Mensagem. 08 jun. 1893, p. 30).
Essa preocupação de incorporar-se à modernidade vai atravessar o século XIX e
chegar ao século XX. A sedução do novo tornou-se uma constante e mais presente nas
primeiras cadas do século passado. O início do século XX marcou-se pelas transformações
e pelas ressonâncias de tais mudaas na vida das pessoas, cujo ideário de modernização
esteve mais presente no imaginário das lideranças políticas.
Esses documentos referem-se à construção do Teatro 4 de Setembro, que tem sua
história ligada à noite do dia 4 de setembro de 1889. Um grupo de senhoras de Teresina,
trajadas com suas melhores roupas, saíram da casa de Dona Lavínea Fonseca e rumaram para
o palácio do presidente da província. Esse grupo de senhoras pretendia solicitar do então
presidente Teófilo Fernandes dos Santos que fossem destinadas verbas para a construção de
um teatro em Teresina. Tais verbas seriam utilizadas de parte das verbas socorros públicos.
As senhoras foram acompanhadas dos Drs. Francisco de Sousa Martins e Gabriel Luiz
Ferreira. Após uma recepção acalorada, o presidente Teófilo dos Santos disponibilizou trinta
contos de réis e propôs que o novo teatro recebesse o nome que até hoje o glorifica. Durante a
10
Segundo Higino Cunha(1922), “o theatro entre nós é contemporâneo da fundação desta cidade, em 1852. Com
a mudança da capital de Oeiras para a antiga Chapada do Corisco, vieram para aqui, também, alguns amadores
do palco que, na velha capital, divertiam o público, representando algumas peças” (p. 04). Os primeiros
espetáculos na cidade de Teresina aconteciam em casas de particulares. Em 1858 a cidade ganhava seu primeiro
Teatro nomeado de Santa Teresa, adquirido pelo Presidente da Província, José de Oliveira Junqueira. Antes da
implantação do Teatro 4 de Setembro, na década de 1880 ainda funcionaram o Teatro 24 de Janeiro, o Teatro 6
de Julho e o Teatro Concórdia.
44
noite daquele mesmo dia houve baile e no dia 14 daquele mesmo mês, a comissão de senhoras
ofereceu um baile ao presidente, no Palácio do Governo. Desde cedo, antes mesmo de sua
construção, o teatro já modificava a vida da cidade, pois as festas tomaram conta dos
entusiastas.
A empolgação com o Teatro repercutiu não somente no cotidiano da população, mas
também na imprensa local. O impacto da notícia da construção do Teatro despertou opiniões
diversas acerca dos possíveis locais de sua construção. Clodoaldo Freitas (1988), dizia que
Os jornais do tempo divergiam quanto ao local em que devia ser colocado
o teatro. A “Phalange” queria que fosse no terreno vazio existente do lado
direito da igreja do Amparo, no lugar onde mais tarde, foi edificado o
Forum ou no terreno em que está, hoje, o palacete da nova Assembléia
Estadual e presentemente funciona a Escola Normal. Prevaleceu o melhor
alvitre e o teatro foi colocado em ponto mais central da cidade, como
convinha. Mas as obras do Teatro não tiveram andamento em virtude dos
acontecimentos políticos que transformaram a face do país a 15 de
novembro desse ano. Em junho de 1890, porém, foram iniciadas por uma
comissão composta dos cidadãos Barão de Urussuhy, Drs. Simplício de
Souza Mendes e Augusto Colin da Silva Rios, negociante, Manoel
Raimundo da Paz e Salomão Bauman. Em 1893, o governador, Dr.
Coriolano de Carvalho, abriu um crédito extraordinário de 10: 000$000
para conclusão das obras do teatro, as quais ficaram sob direção do coronel
Manoel Raimundo da Paz. As Exmas. Sras. D. D. Hermelinda Teixeira de
Holanda e Lavínea de Holanda da Fonseca, em 1890, ofereceram ao
governador Thaumaturgo a planta para o teatro da capital, que lhes
ofereceu o engenheiro Alfredo Modrak (FREITAS, 1988, p. 150).
Clodoaldo Freitas, além de mencionar as particularidades que rondaram a implantação
do Teatro, mostra os condicionantes políticos que interferiram na concretização das obras. A
implantação do teatro partiu da exigência de uma parcela da sociedade teresinense e
encontrou na administração pública a possibilidade de sua concretude. As obras de construção
do teatro sofreram alguns atrasos, mas no dia 21 de abril de 1894, o administrador da obra,
Manuel Raimundo da Paz, fez a entrega solene do Teatro ao governador Coriolano de
Carvalho e Silva. Naquele mesmo dia, de meio-dia às 18 h foram abertas as portas do teatro
para visitação pública. Desde então, mesmo considerando-se “o tamanho da cidade, suas
condições econômicas, as dificuldades de locomoção das trupes de artistas, as complicações
para a montagem dos espetáculos” (QUEIROZ, 1998, p. 35) foram muitas as companhias e
espetáculos que se apresentaram em diferentes eventos em Teresina.
45
Teatro 4 de Setembro
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 2).
Por muito tempo o Teatro foi o ponto de convergência e de referência da vida cultural
da cidade. O Teatro tornou-se a efetivação do projeto civilizador da elite teresinense, bem
como o símbolo do progresso e da civilidade. Ponto de encontros e festividades, localizado na
Praça Aquidabã.
Além das apresentações teatrais, dos filmes, das conferências, dos espetáculos de
dança, o teatro abrigava outras atividades não muito corriqueiras na vida da cidade. Segundo
Tito Filho (1975), no dia 22 de maio de 1929 a cidade de Teresina entrou em festividade para
receber sua Miss Piauí, que tinha representado a beleza da mulher piauiense na cidade do Rio
de Janeiro. A Miss, Antônia de Areia Leão, foi recepcionada por Celso Pinheiro na Praça
Deodoro da Fonseca. Saíram em cortejo até o Teatro 4 de Setembro, onde houve várias
apresentações musicais, teatrais e discursos em homenagem à “loura embaixatriz da beleza
piauiense”. No dia seguinte, o Batalhão de Infantaria da Polícia esteve presente no Teatro 4 de
Setembro para homenagear a Miss Piauí.
O Teatro era palco para o glamour e elegância, mas também se tornava espaço para a
manifestação de atividades pouco comuns, como era o caso de lutas de boxe, visto que no dia
15 de outubro de 1929
46
[...] houve luta de boxe no 4 de Setembro entre os amadores Artur Azevedo
(Leão do Piauí) e José Waquim (Tigre Maranhense). Lotação completa.
Muita gritaria para incentivo dos lutadores. Juiz: Diógenes Barbosa. Dez
rounds. Registrou a imprensa que nenhum levou vantagem, mas o juiz deu
a vitória a José Waquim, o que foi do desagrado da assistência (TITO
FILHO, 1975, p. 89).
O Teatro tornou-se o centro das atividades mais diversas da vida cultural da cidade.
Nota-se, na foto número 2, a suntuosidade da construção, mas que estava situada em uma rua
sem pavimentação. Essa observação é salutar, pois as condições da pavimentação das ruas,
em períodos mais chuvosos, dificultavam o acesso ao Teatro.
Para Higino Cunha(1922), o Teatro assumiria duas significações principais. A
primeira delas referia-se ao prédio em si, como produto material do trabalho de arquitetos e de
operários mecânicos. A segunda significação relaciona-se ao conjunto de obras que o
representadas naquele espaço, pois seria “o próprio trabalho dos emprezários, dos autores,
actores e mais auxiliares de palco” (p. 03). Esse conceito de Teatro é muito importante para
que se perceba que o espaço vivido se configura, como destaca Williams(1999), pela fricção
entre a esfera material e a esfera imaterial de determinado local. Os lugares que constituem a
cidade são vivos e dinâmicos pelo fato de ser movimentados por pessoas com interesses,
necessidades e objetivos distintos.
A cidade de Teresina chegava, em fins da década de 1920, com ares de inovação e de
avanços. Suas praças são referências para a instalão de hotéis, pois tais praças seriam a
garantia da escolha de uma hospedagem rodeada por espaços de diversão e de boemia. O
centro da cidade era núcleo do fluxo social e cultural da cidade e isso deu ao Palace Hotel
razões para sua instalação e propaganda, pois era
Localizado no centro da cidade, à rua da Glória, nº 37, próximo às praças
Rio Branco” e “Deodoro”. Prédio grande e arejado. Quartos amplos e
higiênicos. Cozinha de primeira ordem. Garantindo-se promptidão, muito
asseio, e variedade. Preços módicos (Palace Hotel. O Piauhy. 16 jul. 1929,
p. 08).
Teresina apresentava seus hotéis como exemplos de seu progresso e desenvoltura,
além de ter esses estabelecimentos como locais de convivências com modelos inspirados em
outros estados do país e em outros países.
No Piauí, especialmente em Teresina, os locais de convivência social tornavam-se
novos e elegantes, quando os cinemas, os cafés, os clubes, as avenidas largas e as praças
47
arborizadas, os teatros tornaram-se os locais de expressão das transformações nas duas
primeiras décadas do século XX, por meio da revitalização das cidades. Entretanto, muitas
dessas transformações não eram usufruídas pelos mais pobres, o que gerava ainda bastante
insatisfação por parte da população.
O Clube dos Diários também se tornou ponto de referência para as sociabilidades da
época. Inaugurado no dia 31 de dezembro de 1922 foi resultado de uma demanda da elite
teresinense por diversão. Assim como o Teatro 4 de Setembro, o Clube dos Diários nasceu da
exigência da elite teresinense, mas que teve o Estado como agente gerenciador da obra, pois
como lembra Lobato Corrêa (2000), os agentes construtores da cidade, em certos momentos,
aliam-se para a concretização de interesses comuns. Nesse espaço começaram a ser
centralizados os bailes carnavalescos e algumas mostras literárias e artísticas. Mas foram as
muitas festas destinadas a sócios e convidados que marcaram a existência do Clube, que dava
à década de 1920 o ar de glamour, demarcando ainda mais as distâncias e os espaços entre os
membros das elites e a população humilde da cidade.
O cinema é outro grande exemplo da ocidentalização da cultura, incluindo-se como
uma forma de lazer moderno. Suas influências na esfera sociocultural tinham grande alcance.
Um efeito imediato do cinema observa-se no campo da moda, pois os figurinos europeus,
especialmente franceses, são os mais vislumbrados e imitados no início do século XX, em que
a elegância e o luxo contrastam com a pobreza galopante da maioria da população piauiense.
Dessa maneira, percebe-se que o cinema dominou “muito rapidamente o universo da
propaganda e o jornal é um desses veículos privilegiados para a atribuição ao cinéfilo do
‘status’ de refinamento e de distinção social” (QUEIROZ, 1998, p. 91).
O cinema trazia encanto e magia à vida das pessoas. O cinema promovia uma projeção
de desejos e de expectativas. O cinema dava um novo roteiro à cidade de Teresina. Cada
novidade era anunciada nos jornais com certa empolgação. A Empresa Fontenelle e Cia fazia
propagandas como:
Brevemente estreará nesta capital o grande cinematographo falante. É o
apparelho cujas projeções são as mais firmes e o modelo único existente no
Brasil. Synchronismo absoluto! Extaordinário sucesso! Vistas as mais
admiráveis e desconhecidas nesta capital! (Empresa Fontenelle e Cia.
Gazeta. 12 ago. 1908, p. 07).
Em meio às expectativas da estréia do cinematógrafo da Empresa Fontenele e Cia,
segundo Teresinha Queiroz (1998), houve boatos de que poderia ocorrer o desmoronamento
do Theatro, mas a estréia foi um sucesso e com casa cheia. As repercussões do cinema no
48
cotidiano da população são o significativas que suscitam debates de ordem moral e
comportamental na sociedade da época.
Elias Martins(1920), como um representante do segmento conservador da sociedade
via o cinema com desiluo e percebia essa inovação como um instrumento fermentador dos
males sociais, pois interesses torpes” teriam desvirtuado o seu propósito instrutivo. Elias
Martins assim falava sobre o cinema:
Invento recente e maravilhoso parecia destinado a grandes benefícios; mas
como todos os productos das artes e das sciencias foi laado à feira
ignóbil das explorações mais torpes, dando origem a novos males,
desacalmados os existentes em legiões mortíferas (MARTINS, 1920, p. 10)
O namoro também teria sofrido certas alterações, pois o erotismo e a sensualidade,
marcantes nos filmes, despertariam sensações e comportamentos mais ousados e de um
romantismo exacerbado, pois os jovens
Entram por todos os meandros do namoro: trocam perfumadas cartas,
significativos apertos de mão, flores e fitas, entrevistas ao jardim,o
faltando as juras e amuos de estylo, scenas de ciúmes, freentes duellos,
por felicidade limitados a insultos e ameas, a bengaladas e murros
(MARTINS, 1920, p. 28).
Os comportamentos dos jovens estariam se assemelhando ao comportamento dos
personagens do cinema, desencadeando o surgimento de duelos”, que, para Martins,
felizmente não tinham, ainda, ultrapassado os limites das agressões sicas o tão muito
rias. O cinema também ditava moda não somente nos namoros. As influências do cinema
chegavam aos comportamentos e ao próprio vestiário. Conforme Elia Martins(1920), o
consumo de roupas, caados, chapéus, perfumarias, bebidas e “gulodices” teria aumentado
vertiginosamente e gerou necessidades que outrora não haviam entre os citadinos.
Para Martins, tal consumo era desenfreado e demonstrava a proliferação de uma
civilização impulsionada pelas futilidades e pelo prazer gratuito, ambos oriundos de um
modelo cultural importado que não levava em consideração as particularidades locais. Elias
Martins dizia que a moda era a rainha das estações e sempre copiada pelas pessoas. Tal
“rainha” era cortejada por todas as classes e idades, sem distinções de sexo, pois o cinema
vendia ilusões que não se restringiam a uma classe social. Diferentemente do que pensava
Elias Martins, Higino Cunha dizia que os males trazidos com a “arte muda” seriam
49
infinitamente inferiores aos danos causados pelas avenidas largas e seus automóveis em
grande velocidade. Nesse viés, Higino Cunha afirmava que
[...] o cinema, pelos benefícios que produz, zomba de todos os seus
antagonistas, mais ou menos eivados do espírito de rotina e dos
preconceitos tradicionaes e hycritas. Porque elle é uma força viva e
creadora no domínio da arte pura (CUNHA, 1922, p, 17).
Sua defesa dos benefícios do cinema atacava os posicionamentos dos mais
conservadores, dizendo serem hipocrisia e preconceito as críticas tão veementes que faziam
da “arte pura”. No entanto, de maneira enfática, Elias Martins pretendia dizer que o cinema
tentava padronizar os costumes segundo padrões burgueses de comportamento a ponto de que
as diferenças sociais sejam maquiadas pelas luzes do cinema. O luxo era concebido como
direito comum, cujo acesso devia ser possibilitado para a equiparação dos indivíduos. Nesse
sentido, “os excessos de luxo não se circunscreveram às classes abastadas; propagaram-se às
camadas inferiores, mascarando-se a pobreza com a púrpura de mentirosa opulência”
(MARTINS, 1920, p. 39). O cinema, dessa maneira, assumia um papel de desvio dos olhares
sobre as desigualdades sociais, visto que os que assistiam aos filmes buscariam assemelhar-se
com os figurinos, gestos e linguajar das telas.
A moda ditada pelo cinema era vista por Martins como uma febre que consumia não
somente o corpo, mas a mente e o espírito das pessoas. O culto à estética criava uma geração
de indivíduos arrastados pela moda, pois
Os narcisos não se podem conformar com a plástica da natureza,
emoldurada pelas exigências da hygiene e da razão, deixando-se arrastar
pela tyrania da moda, copiando os habitantes das zonas tórridas o último
figurino das frias regiões. Passavam entre nós desapercebidos, integrados
na normalidade corrente, o encontro dos elegantes, vergando espessos e
custosos ternos de casimira, ou das jovens e matronas, vestindo preciosas e
farfalhantes sedas, em pleno agosto, debaixo dos fogos do meio dia, todos
lépidos e bem humorados, como se atravessasse umbrosa alameada,
agitada por um suave favônio (MARTINS, 1920, p. 33-34).
As moças e donzelas suspiravam com os galãs dos filmes, mas também ficavam
hipnotizadas com os cabelos, as roupas e sapatos que as atrizes vestiam. Queriam viver esse
sonho e pelo menos se vestirem como seus ídolos. Na intenção de imitar os padrões do
vestuário das atrizes das fitas, as moças da cidade, conforme os mais conservadores,
começavam a se vestir de maneira cada vez mais ousada para os costumes de então. A
50
preocupação de Elias Martins, por exemplo, era que, se as moças estavam ousando nos seus
vestidos elas estariam ousando em suas posturas e condutas, visto que
O decote dos vestidos avançando de estação a estação, na petulância de
desvendar os segredos do pudor, fez parelha com seu encurtamento,
recuando as saias a alarmantes alturas, de modo que na volta das danças,
no derriço das attitudes, nas investidas do vento, ou no cruzar das pernas,
moderna postura dos salões, os mariantes dos gosos podem suppor-se na
ilha dos amores de que nos falla o épico lusitano (MARTINS, 1920, p. 36).
A moda não havia atingido somente as mulheres. Os homens também eram
influenciados pelo cinema e pretendiam seguir o rigor e elegância das roupas e acessórios que
eram mostrados no cinema. Os comerciantes da cidade sabiam disso e logo propagandeavam
seus serviços. Isso pode ser ilustrado com o anúncio exposto no jornal “Gazeta”, de 30 de
novembro de 1910, quando diz:
Abre-se amanhã, 1 de dezembro, à rua Álvaro Mendes (Grande) esta
importante alfaiataria, para cujos trabalhos veio contractado, do Rio de
Janeiro, um optimo talhador da afamada CASA RAUNIER. Os respectivos
proprietários previnem que se acham preparados para acceitar
encommendas de qualquer espécie, garantindo boa execução e presteza,
bem como que acceitam encommendas com o pagamento em prestações
mensaes, contanto que as mesmas acompanhem 30% do seu valor, sem o
que não poderão ser enviadas.
Os preços serão feitos no acto do contracto, obedecedo a tabella do
estabelecimento. A ALFAIATARIA MODERNA também se encarrega da
confecção de roupas para senhoras. Para isto conta ao seu serviço a
competente modesta Madame Magalhães, que dispõe das habilidades as
mais completas para o mister da sua profissão (Alfaiataria Moderna.
Gazeta. 30 nov. 1910, p. 09).
Por esse trecho, percebe-se que a alfaiataria previa demanda para seus serviços, visto
que trabalharia também com encomendas e dispunha de alfaiate contratado diretamente do
Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro é referendado, no trecho citado, como um dos principais
centros do país e como espaço de civilidade a ser seguido e, por essa razão, anunciar que um
alfaiate viria daquela cidade era assegurar a atualidade e a qualidade dos serviços. Tal
demanda revela, ainda, que o comércio da cidade estava em processo de desenvolvimento e
de (re)definição. Nesse período de intensificação da produção e do comércio em Teresina,
encontrava-se em funcionamento a Fábrica de Fiação.
51
Companhia de Fiação e Tecidos.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 3).
Nesta foto, de 1910, pode-se notar o grande número de trabalhadores enfileirados em
frente à entrada principal da Companhia. O grande número de funcionários posando para a
fotografia tenta expressar a grandiosidade do estabelecimento para o progresso da cidade. Isso
demonstra, também, que possivelmente havia um excedente de o-de-obra que, nem
sempre, era absorvido pelas não muito numerosas bricas existentes na cidade. No entanto, a
presença da Companhia de Fiação mostra que o corcio de tecido estava em
desenvolvimento tanto na cidade quanto no Estado. Algo a ser ressaltado é que a imagem
parece o querer chamar atenção para os trabalhadores, mas sim para o prédio e o
significado que assumiria na vida comercial da cidade. Dessa forma, as pessoas seriam uma
ramificação do próprio estabelecimento.
Outro elemento do processo de modernização representou-se na construção do Passeio
Público, em que a Praça Rio Branco exibia sua arborização, seus jardins, seus bancos, seu
coreto para que bandas pudessem tocar e alegrar, juntamente com o cinema e os cafés, a vida
dos transeuntes. Como destaca Elias Martins (1920), as pessoas saem dos seus lares para
sentirem novos ares nos passeios blicos como uma renovada forma de confraternização
diferente daquelas vinculadas aos encontros e festividades religiosas. Os interesses estariam
na exibição dos trajes copiados do cinema e nos flertes e galanteios pelas ruas da cidade.
52
1.4 O Piauí nos percursos da modernidade: política, práticas e representações
11
Essas transformações comportamentais estão ancoradas, também, em uma condição
histórica permeada pela alteração política gerada pela passagem do regime político anterior ao
republicano. A nova forma de governo gerou controvérsias, despertando paixões e ódios.
Em muitas mensagens governamentais há menções sobre a realidade do regime
republicano, destacando seu valor, mas, ao mesmo tempo, afirmando que o Piauí acabou
sofrendo perdas com os princípios federalistas, pois o Estado estaria à parte da maioria dos
benefícios orçamentários, que ficavam centrados nas regiões Centro-Sul do país.
No entanto, boa parte dos jornais da época enaltecia o regime republicano e fazia
associações com seus benecios modernizadores, com um discurso às vezes evasivo, como se
percebe no trecho comemorativo ao aniversário da República:
Passou ontem, a memorável data da proclamação da Reblica brasileira; e
passa hoje a em que o nosso Estado adheriu a esta avantajada forma de
governo. Na fraqueza da nossa competência e na estreiteza de espaço de que
ora dispomos, não é possível selecionar os benefícios que temos auferido,
mas, em todo caso, afirmamos que a nova forma de governo tem sido
fecundíssima à pátria brasileira (A República. O Tempo, 16 nov. 1905, p.
12).
Embora não saiba mencionar seus benecios, o texto jornalístico denomina de
“avantajada forma de governo” a República, afirmando que ela é “fecundíssima à pátria”, sem
elencar em quê, nem por quê.
Contudo, o que se observa é que todos esses melhoramentos, decorrentes do processo
modernizador, tiveram conseqüências diretas no modo de vida das pessoas, principalmente as
pobres, pois os espaços onde transitavam e até mesmo onde viviam, sofriam determinações de
organização conforme os planos modernizadores do imaginário dos líderes políticos do
Estado.
Sobre esse ideário modernizador, Queiroz(1998) faz uma caracterização de muitas
transformações econômicas e sociais que se manifestavam no Piauí desde as duas últimas
décadas do século XIX. Conforme seu entendimento, Queiroz salienta que tais transformações
culminaram também em mudanças no modo de vida da população. Dentre tais mudanças,
11
A noção de representação, na perspectiva de Roger Chartier, refere-se a uma vinculação com o mundo social e
que as representações são determinadas pelos interesses dos segmentos e grupos que as elaboram. São esses
interesses que iriam permear os olhares dos governantes, cronistas e literatos e que foram analisados ao longo de
todo o trabalho.
53
tem-se as que se referem ao do lazer, que também expressavam as transformações culturais.
Em sentido geral, essas formas de lazer não eram novas, mas novo era o sentido que lhes era
atribuído, assumindo um papel de instrumento civilizador e modernizador com novos
conteúdos incorporados à cultura. Nesse sentido, o que se observa é que
Na passagem do século, mais precisamente nos anos finais do século XIX e
nos primeiros anos do século XX, foi que as novidades modernas e a
estupefação face a elas se fizeram mais presentes em Teresina. O
progresso”, materializado em inúmeras inovações utilitárias que embora
não fossem apropriadas pela grande maioria da população, não deixavam de
indicar os novos rumos e promessas da Civilização e de gestar novas formas
de pensar e sentir não foi absorvido de forma passiva e pacífica. Cada
novidade trazia em si um susto, um movimento de admiração e também um
frêmito de medo (QUEIROZ, 1998, p. 32).
Isso expressa bem o caráter de incertezas no qual se inseria a população nesse
momento histórico, um misto de angústia e esperança sobre a nova realidade. Principalmente
em virtude dessas inovações utilitárias”, como a iluminação elétrica, o abastecimento de
água, o cinema, o teatro, entre outras, não contemplarem a maioria dos piauienses. Segundo
Maria Cecília Nunes (2001), o discurso da imprensa jornalística piauiense foi marcante
durante a propaganda republicana e na própria implantação da República no Piauí, como
formador da opinião pública durante os momentos iniciais do novo regime. Muitas
contradições foram reveladas quando a República foi implantada.
No Piauí não seria tão diferente, pois as disputas entre os grupos políticos ficaram em
evidência, além de que esse discurso jornalístico teria revelado “a permanência de práticas
políticas arcaicas, numa sociedade que se queria moderna, porém sem sentimento republicano
e sem concepção de democracia” (NUNES, 2001, p. 230).
A divergência entre as práticas políticas e os discursos durante os primeiros anos da
República no Piauí serviram para ratificar que a história não se apresenta em saltos, e que
as transformações ocorrem sem sufocar as permanências. Daí, as variações de enredo
conviverem com muitas de suas tradições.
Nos discursos das mensagens governamentais, em geral, progresso, modernidade e
regime republicano são relacionados como sinônimos, ora para justificar as necessidades de
modernização à luz do novo regime, ora para lamentar as dificuldades orçamentárias do
Estado em decorrência da política federalista.
As dificuldades enfrentadas eram repertoriadas alertando que
54
A República atravessa neste momento o período mais delicado e ao mesmo
tempo mais difícil de sua organização. Bem longe estão seus fundadores de
supor que em tão pequeno espaço de tempo teriam necessidade de retocar o
código fundamental dos nossos direitos, de maneira a adaptá-lo às
necessidades de alguns dos Estados que, por efeito mesmo dessa
organização defeituosa estão se debatendo numa crise latente, cujos
remédios não podem por mais tempo ser adiados (CARVALHO E SILVA,
C. de. Mensagem. 08 jun. 1893, p. 31).
Essa assertiva do Governador Coriolano pode ser referendada com o que afirma
Nicolau Sevcenko (1999), que diz que de 1889 até 1904 o país passava por turbulências
econômicas e sociais em decorrência dos rearranjos políticos promovidos pela mudança do
regime. Segundo o governador Coriolano de Carvalho e Silva, era uma tarefa difícil fundar ou
radicar instituições para um povo cujo espírito estava inda imbuído de valores do regime
suplantado. Regime este considerado obsoleto segundo sua ótica. Para o governador, a
extensão territorial do país e a forma federativa teriam posto alguns Estados da União, como é
o caso do Piauí, na contingência de não se manterem com orçamentos próprios. As
transformações deveriam ser prementes como ele salienta em sua Mensagem à Assembléia
Legislativa.
As dificuldades orçamentárias ressoariam também na vida comercial dos estados da
federação. Nesse sentido, apesar de ter sido promulgada a lei n. 10 de 21 de julho de 1892 que
criava uma junta comercial no Estado, no ano posterior, ainda não tinha sido possível
regulamentar tal lei para a sua execução. Esse atraso na regulamentação na lei era justificado
por Coriolano Carvalho em função da falta de crédito necessário para custear o pessoal da
secretaria da mesma associação. Ainda era destacada a falta de recursos que concorressem
para a instalação de empresas que pudessem explorar as riquezas do Estado. Segundo o
governador Coriolano, essas deficientes circunstâncias eram desanimadoras, pois
Essa espécie de marasmo em que temos vivido até hoje, trouxe-nos como
conseência natural uma completa paralisia no nosso meio social, de
maneira a continuarmos a esperar tudo do governo, como se essa entidade
por si fosse capaz de dar remédio aos males que nos assoberbam
(CARVALHO E SILVA, C. de. Mensagem, 08 jun. 1903, p. 12).
O discurso era o de que para alcançar e manter a autonomia do Estado, para superar o
ostracismo econômico e financeiro, todos deveriam assumir uma postura mais ativa e de
menos dependência ao governo central. Além disso, quando este governador enfatiza que o
Piauí vivia num marasmo até então, insinua que a partir de sua administração tal postura, que
55
era sinônimo de atraso, seria superada por seu governo, mostrando-se como representante da
modernidade.
Anos mais tarde, após a lei que determinava sua fundação, a junta comercial não se
mostrava efetiva no melhoramento das atividades comerciais, visto que a experiência tem
demonstrado que a junta comercial deverá ser extinta, voltando o seu expediente, como
anteriormente, para a secretaria do Tribunal de Justiça” (VASCONCELOS, R. A. de.
Mensagem. 01 jun. 1897, p. 36).
O comércio piauiense, pelo desenvolvimento que tinha alcançado até aquele momento,
já reclamava tal melhoramento que iria auxiliar no aprimoramento de suas relações com os
demais núcleos comerciais da União. Além da implementação da junta comercial, tinha-se
grande empenho para se convergir esforços para tornar efetiva a cobrança das rendas públicas,
de modo a evitar o contrabando, que continuava a se fazer em grande escala, principalmente
com as faturas comerciais e as exportações, sobressaindo a do gado, uma das melhores fontes
de renda do Estado.
Nessa mesma esfera, a lavoura jazia em péssimas condições porque não havia auxílios
que pudessem fomentar a indústria, deixando de explorar as produtivas fontes de riquezas
naturais do Estado. Nessa configuração, na qual reinava as dificuldades para o comércio e a
indústria, e que relegavam o Estado aos mais baixos índices de desenvolvimento, a situação
era que
O commercio, que podia em parte concorrer para fazê-lo está lutando
também com grandes difficuldades; a lavoura, sem braços e sem
esperanças de os conseguir tão cedo, vai se estorcendo nas ânsias de uma
agonia contínua e cada vez mais crescente (CARVALHO E SILVA, C. de.
Mensagem. 01 jun. 1896, p. 15).
Além disso, a exportação de gado fazia-se mais comumente pelos municípios que
extremavam com os Estados da Bahia, Pernambuco e Ceará. Nesses pontos mais distantes
dificilmente podia-se ter uma ação efetiva das autoridades fiscais. Segundo o governador
Coriolano, isso se fazia sentir não somente pela dificuldade das comunicações, mas também,
pela condescendência de alguns agentes do fisco com os vendedores e exportadores do gado.
As diversas ações das autoridades não eram suficientes para frear o contrabando, o que
causava sérios danos ao comércio piauiense.
Duas medidas estavam por serem tomadas para a eliminação desse entrave ao
desenvolvimento do Estado. A primeira determinava que o vendedor do gado seria o
56
responsável direto pelo imposto e a segunda medida seria a criação de um “sistema de
barreiras”, que seria composto por pontos obrigarios, por onde os exportadores fariam sair o
gado destinado aos diversos pontos consumidores. O governador Coriolano então advertia que
se essas duas providências não lograssem êxito e não dessem os resultados desejados, o
contrabando só seria extirpado com a reforma nos costumes ou quando os piauienses
atentassem ao fato de que a autonomia do Estado se solidificaria com o sacrifício de todos
e sem artimanhas escusas.
Nesse sentido, a indústria pastoril, da qual o Estado sempre se orgulhou por tê-lo
mantido entre os maiores exportadores do país, estava em situação de precariedade. A
configuração política e econômica dos primeiros anos após a implantação do novo regime
contribuiu para que
A indústria pastoril, que em outras épocas ostentava certo grão de
florescimento caminha hoje para a decadência; ainda assim é devido
exclusivamente ao elevado preço em que se tem mantido o gado nestes
últimos annos que a bancarrota ainda o nos bateu às portas
(CARVALHO E SILVA, C. de. Mensagem. 01. jun. 1896, p. 17).
Essa herança de dificuldades, oriunda das crises políticas dos primeiros anos do
regime republicano contribuiu para o desenvolvimento muitas vezes atropelado do corcio e
da indústria no Estado. O comércio de Teresina buscava-se inserir nos diferentes aspectos da
vida moderna, como as propagandas de hotéis, restaurantes e bricas demonstravam. Era um
comércio que estava ligado ao lazer, à moda e ao luxo que eram importados dos padrões
circulados em outras cidades brasileiras e européias. E o comércio de artigos de primeira
necessidade, como os artigos alimentícios? A cidade de Teresina, como tem sido mencionado
ao longo deste estudo, apresentava seus lampejos de vida moderna, mas ainda preservava
muitos traços de uma cidade acanhada, ou melhor dizendo, ligada às suas tradições. Isso se
manifestava também na vida comercial, pois ao lado da existência de hotéis de luxo, lojas de
roupas, alfaiatarias e restaurantes havia o comércio mais popular. Tal atividade foi prevista
para ser gerenciada no espaço do Mercado Público situado na Praça da Constituição.
O código de posturas do município de Teresina, do ano de 1912, baseado na lei n. 69
de 1905 dedica alguns artigos para o comércio dos bens alimentícios na cidade. A quase
totalidade do que prescreve o código acerca desse tipo de comércio refere-se ao comércio de
carne, principalmente de origem bovina. Nesse aspecto, os principais ditames da lei
determinavam que
57
Art. 105. Fora do mercado blico ninguém pode abater rezes para o
consumo público da cidade, sem licença especial da Intendência. Ao
infrator, a multa de vinte mil réis.
Art. 106. As rezes destinadas ao consumo público devem ser mortas a
chuço e sangrada.
Art. 107. Não poderá ser abatida rês alguma que esteja doente, cansada ou
extremamente magra. A carne da rês que chegar ao matadouro morta ou
moribunda não será exposta à venda, mas queimada ou enterrada. Ao
infrator, a multa de cinqüenta mil réis.
Art. 108. A matança do gado para o consumo público será feita à tarde, não
podendo, porém, começar antes das quatro horas, e devendo o gado ter
descansado no curral, pelo menos, duas horas.
§ único. se concederá licença para matança do gado fora das horas
determinadas neste artigo, quando no caso de falta, nos currais, de rezes
suficientes para a matança do dia. Ao infrator, a multa de trinta mil réis.
Art. 109. A carne seconduzida do matadouro para os talhos, depois de
cinco horas da tarde, e em carros de molas, fechados com rotulas, e, sendo
isso absolutamente impossível, em costas de animais convenientemente
aparelhados; pendurada a carne em ganchos, de ferro polido.
Art. 110. As vísceras ou mdos não poderão ser conduzidos do matadouro
no carro conjuntamente com a carne.
Art. 111. Só é permitida a venda de carnes nos talhos designados pela
Intendência. Ao infrator, a multa de vinte mil réis.
Art. 112. Os talhos, onde for vendida a carne, não conterão mais que uma
balança e deverão ser fechados com grandes para que o ar se renove com
facilidade.
Havia uma nítida preocupação com a criação, o abate, a venda e o consumo da carne
na cidade. Nota-se que havia o gerenciamento, a cargo da Intendência, dos espaços para a
venda da carne, destinando como local apropriado para tal atividade o mercado público. Além
do controle evidente dos espaços e das condutas, os artigos mostram a preocupação com os
aspectos da higiene e das condições de venda da carne. A forte presença desse produto na
cidade remete-se à longa tradão do próprio Estado como produtor e fornecedor de gado
bovino. Esse tipo de comércio convivia com as lojas de roupas, as alfaiatarias, restaurantes e
hotéis que remetiam a um estilo moderno de vida, que se instaurava na cidade.
É em meio a esse mosaico que, no dia 28 de junho de 1927, o jornal A Imprensa
comentava com soberba as instalações de uma indústria de cigarros e de charutos, chamada de
Fábrica de Cigarros Ypiranga. O texto assume um tom de propaganda, enfatizando a
qualidade e a atualidade do estabelecimento, que teria encomendado da Alemanha “uma
poderosa machina de fazer cigarros”. Segundo o jornal, na fábrica trabalhavam diariamente
55 operários, sendo 15 homens e 40 mulheres. Essa fábrica expressa bem a disseminação dos
valores modernos por meio da produção e do consumo de produtos que denotassem elegância
e prazer.
58
Ao lado da elegância vinculada ao cigarro e ao charuto, havia também a bebida, que
também foi vendida pelas cenas do cinema como sendo elemento importante para os
momentos de romance e de satisfação. Os jornais de Teresina complementavam tal idéia com
anúncios tais como:
Este acreditado estabelecimento acaba de instalar um moderníssimo
aparelho para fabricação de GUARANA, KOLA, CHAMPANHEE,
REFRIGERANTES diversos. Tem tamm em depósito, de sua fabricação,
GOGNACS, QUINADOS, VINHOS de diversas marcas e vinagre especial
(Fábrica de Bebidas. A Imprensa. 03 maio 1928, p. 07).
O excerto refere-se à Fábrica de Bebidas Àlvaro Martins e Cia, que segundo o texto,
desfrutava de certo respaldo social. A ênfase nas bebidas oferecidas está reforçada pelo
adjetivo “moderníssimo” empregado ao aparelho que fabricaria as bebidas.
As tentativas de formação de um ideal em torno dos projetos de modernização,
especificamente na esfera piauiense, são observadas em alguns documentos oficiais do
Estado. Tais documentos referem-se a Decretos que faziam refencias a trabalhos de
melhoria urbanística, em especial aquelas ligadas aos serviços médicos, à viação férrea e
também ao abastecimento de água.
1.5 O Grito de Pandora: modernização e discursos higienistas
No Decreto de nº. 29, publicado em 1º de maio de 1890, às vésperas do aniversário de
um ano da República, estão contidas as normas para a criação e regulamentação do serviço
médico policial. O que se observa é que se trata de um serviço ainda ligado às forças policiais,
talvez expressando o próprio teor militar da liderança do Governo Provirio Republicano.
Isso também pode ficar evidenciado caso se atente ao fato de que Gregório Thaumaturgo de
Azevedo, então governador nomeado para o Estado, tinha, dentre outras, a formação de
engenheiro militar e major do corpo de engenheiros.
As primeiras linhas do referido decreto afirmam que ele “cria o serviço médico na
capital”. Em alguns trechos do referido decreto se pode perceber uma ingente tentativa de
modernização dos serviços de atendimento e resolução dos processos judiciais e
criminalísticos. Isso visto que dentre os deveres dos médicos da polícia estavam dispostos
aqueles em
59
Acudir a todos os chamados das autoridades policiaes ou judiciárias do
termo da capital a qualquer hora do dia ou da noite, para servo médico ou
policial; Examinar os offendidos ou os cadáveres que lhes forem
apresentados pelas ditas autoridades e descreverem com todas as
circunstâncias o que nelles observaram, para ser lavrado o respectivo auto
do corpo de delicto, vistoria e exame cadavérico com as formalidades da lei
(Decreto n. 29, 1890).
A tentativa de estruturação do atendimento médico policial é facilmente percebida a
partir do momento em que o serviço atende e segue os comandos das “autoridades”, as quais o
decreto menciona. Para Antônio Melo(2000), o início do século XX vai ser marcado pela
figura do médico. No entanto, o se tratava de um agente isolado, pois
[...] o médico passa a ser subordinado a uma instituição administrativa e
fiscalizadora vinculada ao Estado. Estes elementos constituem a gênese do
conceito de “Polícia dica”, que se propagara por todo o ocidente (MELO
FILHO, 2000, p. 22).
Essa parceria” entre estado e os médicos fazia parte de uma política de se
implementar uma ‘Medicina social”, que pretendia higienizar as cidades, especialmente no
controle da população pobre. Para Melo, as políticas de uma Medicina Assistencial
desenvolvida nos governos piauienses procuravam garantir o progresso do Estado, pois uma
população pobre era sinônimo de prejuízo à produtividade da região.
Controles como esse, segundo Ceteau(1994), são uma tentativa de superação do medo
da morte, pois o pprio progresso social manifestar-se-ia pela proteção do corpo contra os
diversos males. Um discurso dico se institucionalizou com o propósito de se projetar em
diferentes instâncias da vida social, visto que a higiene e as condições sanitárias seriam as
prerrogativas de uma sociedade moderna. As campanhas sanitárias, para Certeau, o
campanhas para o bem estar de toda a sociedade. Dessa forma, criou-se um saber médico que
“produziu a grande utopia de uma política terapêutica abrangendo, da escola até o hospital,
todos os meios de lutar contra o jogo da morte no espaço social (CERTEAU, p. 300). Nessa
perspectiva, nota-se que as formas de controle acerca da higiene destinam-se, em escalas
diferentes de aplicação, aos distintos segmentos da sociedade.
Somando-se a isso, como a intenção das autoridades era a de transparecer a idéia do
atendimento eficaz e de valorização dos anseios da sociedade, nos fins do século XIX e início
do século XX surgem muitas instituições públicas de saúde para o controle da população em
geral, em caráter preventivo dos focos de doenças. Isso era uma tendência que se manifestava
60
em todo o país, pois a iniciativa privada apresentava fortes traços de incapacidade em conter o
aumento exacerbado de doenças.
Várias cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e Recife, em fins do século XX, viram
ser aberta a “caixa de Pandora”, disseminando doenças como varíola, sezões, sarampo e febre
amarela. Essas doenças afligiram um grande número da população dessas cidades e em
Teresina isso não teria sido o diferente. A calmaria idealizada pelos discursos progressistas
foi sacudida pelo grito de Pandora, quando tais doenças tornaram-se epidemias. Isso fez com
que as autoridades políticas se dedicassem ao saneamento dos espaços e das condutas dos
indivíduos. No entanto, no seio dessas intempéries surgem os discursos higienistas com a
proposta de sanar os problemas de saúde pública, pois ao mesmo tempo em que “a caixa de
Pandora” espalhou doenças e sofrimento, também trouxe a esperança. Essa esperança
corporificou-se nos projetos e medidas de higienização dos espaços da cidade
rias medidas, ligadas ao controle da saúde pública, seguiam tendências nacionais e
mundiais da busca do progresso e de bem-estar e que, dentre vários fatores, pode-se observar
o fenômeno da modernização, especificamente no que se refere à urbanização, refletindo
também nas políticas sanitaristas.
As doenças e epidemias eram preocupação constante entre as lideranças e elites
políticas. Raymundo Arthur de Vasconcelos lamentou que
Infelizmente, durante o meu governo, o estado sanitário, em geral, não foi
bastante satisfatório, com quanto nenhuma moléstia epidêmica vitimasse a
população, pois a varíola que ameaçou o município de Jaicós pode ser
evitada com as medidas higiênicas então tomadas. Porém, o aparecimento
das febres palustres, em grande parte devido a causas puramente locais, que
deveriam ser removidas pelas respectivas municipalidades com os mais
rudimentares preceitos de saneamento, causou grande número de vítimas.
Esse estado tende a melhorar com a entrada da nova estação
(VASCONCELOS, R. A. de. Mensagem. 01 jul. 1897, p. 25).
Além da preocupação com as condições sanitárias do Estado, nota-se também a
cautela do governador em, diplomaticamente, atribuir responsabilidades aos municípios pelo
não controle eficaz de certas enfermidades que, conforme o próprio governador, poderiam ser
sanadas mediante ações simples e com poucos gastos.
No mesmo ensejo, o governador frisa a implantação, por meio de decreto, da
Inspetoria de Saúde Pública para atendimentos de caráter mais urgentes. Lembra também do
61
trabalho humanitário da Santa Casa de Misericórdia
12
, lançando votos a favor da incorporação
desta instituição aos cuidados do Estado.
Cinco anos mais tarde os discursos governamentais parecem ser mais otimistas,
endossando a excelência do âmbito da salubridade pública e das condições sanitárias das
cidades piauienses. Em mensagem governamental de 1902 o relatório era o de que
Tem sido excelente o estado sanitário em todos os municípios do Estado,
mantendo-se nas melhores condições a salubridade pública, registrando-se
apenas durante o ano passado o aparecimento da varíola nas cidades da
Parnahyba, Jaicós e Picos, onde, com quanto ela tivesse feito algumas
victimas, não tomou verdadeiramente um caráter epidêmico. Para atender
aos reclamos que me foram feitos pelas respectivas intendências, enviei
ambulâncias com medicamentos que se faziam necessários para combater a
moléstia[...] (NOGUEIRA, A. F. Mensagem. 01 jun. 1902, p. 26).
A preocupação com questões sanitaristas, no Piauí, está em consonância com o que
ocorria com o resto do Brasil, pois uma cidade moderna era uma cidade que era capaz de
erradicar doeas associadas à falta de salubridade. Em seus estudos, Sevcenko (1999; 2000),
Carvalho (2000) e Rezende (1997) demonstram que isso ocorria também em São Paulo, Rio
de Janeiro e Recife e gerou ressonâncias nas experiências ocorridas em Teresina. Os espaços
eram (re)construídos levando-se em consideração os aspectos sanitários, que, em geral,
atingiam diretamente a população mais humilde. Nesse sentido, em todo o conjunto dos
projetos de modernização da cidade “as estratégias de ordenamento e de embelezamento do
espaço urbano impuseram restrições às camadas mais pobres, excluindo-as do centro da
cidade (ARAÚJO, 2001, p. 236).
Na luta contra os males da saúde pública, Arlindo Nogueira faz questão de honrar os
trabalhos caridosos dos dois únicos hospitais existentes na época, no Estado, que eram a Santa
Case de Misericórdia, em Teresina, e o hospital da Parnahyba. Estabelecimentos que se
encontravam em miseráveis condições e que subsistiam com auxílio do Estado e das
respectivas municipalidades. As condições de saúde pública no Piauí eram descritas como em
condições de tranqüilidade e que as cautelas a serem tomadas deviam centrar-se nas fronteiras
12
No dia 1º de janeiro de 1854, dois anos depois de instalada a nova capital do Piauí, o Hospital de Caridade,
que havia sido implantado em 1849 em Oeiras, começou a funcionar em uma dependência do quartel de polícia.
Isso ocorreu, de forma emergencial, de acordo com o dispositivo do art. 07 da Lei 361 de 14 de setembro de
1953, que determinou o uso provisório do referido quartel. Permanecendo em situação precária e com carência
de recursos financeiros, no dia 17 de agosto de 1861 é anexado à organização da Santa Casa, passando a
funcionar com o nome de Hospital de Caridade da Santa Casa de Misericórdia de Teresina, ou simplesmente,
Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Teresina. Atendia os casos de febre, catarro pulmonar, sífilis, úlceras
sifilíticas, reumatismo e sezões. No ano de 1890, o Decreto Provincial de 25 de 22 de abril daquele ano
determina que a Santa Casa atendesse inválidos e loucos de todo nero.
62
com outros estados, como expressa a preocupação do governador Álvaro Mendes em 1906,
destacando que
Em nenhum ponto do território piauhyense manifestou-se epidemia, que
requeresse especiais cuidados, e ferisse muitas vítimas. Grassando a varíola
na cidade do Recife, com a qual estamos, pelo porto de Parnahyba, em
freqüentes comunicações, providenciei para se tomarem ali as medidas
preventivas ao nosso alcance (MENDES, A. A. O. Mensagem. 01 jun. 1906,
p. 18).
O olhar sobre o estado sanitário, além da ppria realidade local, sofreu reverberações
oriundas do quadro nacional. Isso pelo fato de que as políticas de “regeneração”, como
destaca Sevcenko (1999), ecoaram pelas demais cidades brasileiras e Teresina, bem como
outras cidades piauienses, não esteve fora desse processo de vigilância das condões
sanitárias dos espaços.
No caso de Teresina, a preocupação com a saúde pública, no tocante às epidemias, era
ainda mais latente quando se mencionava o contato com a cidade de Recife, que desde o
culo XIX era acometida por epidemias, visto que
As epidemias marcaram o Recife no século XIX. Doenças como a varíola, o
cólera, a febre amarela, fizeram muitas vítimas. Relata Octávio de Freitas
que em 1856 morreram 3. 338 pessoas atacadas pelo cólera. Também a
disenteria, muito ligada á falta de higiene, provocara óbitos, sobretudo no
início do século atual. [...] Por exemplo, de 1852 a 1855, houvera no Recife
10 epidemias (uma de varíola, três de febre amarela, duas de disenteria,
duas de sarampo, uma de coqueluche, uma de malária), enquanto já entre os
anos de 1901 e 1905 aconteceram cinco epidemias de varíola. Era, uma
situação nada fácil de contornar (REZENDE, 1997, p. 45).
Recife enfrentou tais problemas despertando, ou pelo menos acelerando, o discurso de
modernização, sobretudo o discurso do poder público. Isso porque, mesmo adotando ações
políticas conservadoras, “o discurso de modernização contagia o poder público” (REZENDE,
1997, p. 37). É nesse sentido que Antônio Paulo Rezende afirma que as elites comportavam-
se como “vanguardas iluministas”, pois se arrogam no direito de levar o moderno como
salvação para todos os males que circunscrevem a sociedade. Nesse sentido, é que no ano de
1906, Álvaro Mendes além de ressaltar os cuidados de prevenção às doenças e epidemias,
clama pela construção de um estabelecimento destinado para o recolhimento e tratamento dos
“enfermos de alienação mental”, pois seria uma necessidade de há muitos anos e que se
63
tinha, no seu governo, uma comissão de médicos piauienses encarregados de adquirir meios
para sua efetivação.
No entanto, as políticas para a melhoria das condições sanitárias e de higiene da
cidade de Teresina pareciam não acontecer a contento. Exigências para que ações mais
enérgicas fossem tomadas polvilhavam, também, alguns jornais da época. Em 1909, por
exemplo, o jornal “O Norte” dizia que era necessário e urgente que, ao invés de se dedicarem
esforços para outros assuntos, as autoridades administrativas e a população deviam centrar
suas ações para o problema da higiene da capital piauiense. Em trecho desse artigo do jornal,
dizia-se que
A extensa série das constantes maleitas lepras e outras diversas infecções,
nos obriga a interceder pelo enorme formigueiro dos nossos míseros e
desamparados patrícios, pedindo com immensa confança as autoridades
competentes uma transformação radical, precisa e proveitosa no nosso
estado sanitário, que não é bom.
A cidade afigura-se nos de algum modo infeccionada e não parece a capital
de um Estado que almeja e sonha melhores dias de bonança e ventura;
invevel adiantamento e uma imponente cultura; a culminância e o
parallelo das cidades cultas.
Por notícias bem informadas, sabemos que grassa deffinitivamente na
visinha capital do Ceará a crua bubônica, fazendo lhe parelha distante
poucas guas da próxima cidade de Floriano, neste Estado, a varíola
mortífera e impiedosa [...]
Um povo sem hygiene é um povo sem alma, diabético, chlorotico. A
hygiene é, portanto, a força, a intelligencia, o progresso, a ventura das
raças (A hygiene de Theresina. O Norte. 30 jul. 1909, p. 11).
Nota-se, pelo trecho destacado, que o estado sanitário da capital ainda despertava
cuidados. Além disso, chama-se atenção para o fato de que o Estado que sonha em ser
comparado e equiparado aos demais estados do país, não deve admitir tamanho descaso para
com a higiene de sua capital. O desenvolvimento de um povo e de um Estado perpassaria
também pelo seu bem estar na higiene. A preocupação com estados vizinhos também
permanecia, o que demonstra o contato entre os estados, bem como uma realidade de não
exclusividade do Estado do Piauí, no tocante às epidemias e doenças e da própria necessidade
de programas de ações sanitárias.
As campanhas sanitárias geravam polêmicas e discussões na sociedade, uma vez que
nem todos aceitavam a maneira como eram implantadas. No entanto, além do medo das elites
em relação às “doenças dos pobres”, havia também argumentações econômicas para que as
políticas dicas fossem encaminhadas, pois “com o surgimento de doenças contagiosas,
64
surgia também na mentalidade dos sanitaristas piauienses a idéia de que as mostias estavam
dificultando a economia piauiense” (MARQUES SOBRINHO, 2002, p. 47).
Essa percepção assemelha-se ao que discute Maria Stella Bresciani (2002) ao falar que
comumente vinculam-se as análises sobre cidade à industrialização iniciada no mundo em
meados do século XVIII. No entanto, a autora defende a iia de que é necessário perceber
que “saberes existentes” coadunam-se para as configurações discursivas sobre o espaço
urbano e dando sustentabilidade ao urbanismo. Segundo ela, a questão urbana constituiu-se à
medida que saberes já existentes mesclam-se com o saber médico e higienista e o sendo um
conhecimento impulsionado apenas pela industrialização. Dessa maneira, afirma-se que
[...] que, a despeito de toda a “novidade” que cerca os começos da
industrialização, teria sido algo próximo, porém marginal, ao processo
produtivo o elemento que levou à formulação da questão urbana, ou melhor,
que problematizou as cidades modernas e/ou industriais. Um elemento-
evento que incitou profissionais relacionados a diversos saberes a se deter
no que viam acontecer nas cidades e a problematizá-las (BRESCIANI,
2002, p. 19).
Nesse sentido, para um melhor delineamento sobre as tramas e possibilidades do
universo conceitual sobre cidade, torna-se viável examinar o urbanismo como sendo um
objeto inacabado, composto por saberes como o médico e do engenheiro, em suma, um saber
técnico. Seria reducionista buscar um começo para a saliência do pensar sobre a cidade a
partir de uma única matriz explicativa, visto que, além dos saberes que se amalgamam para
constituir a ciência urbana, as representações e as práticas discursivas que também
constituem a cidade e o pensar sobre ela.
Tal discurso higienista estava bem expresso nos códigos de postura de Teresina de 1912,
que proibia o lançamento de materiais fecais e outros conteúdos que pudessem dar à cidade
um aspecto de insalubridade e atraso. Vale ressaltar que esse digo de posturas está em
conformidade com a Lei 69, publicada no dia 02 de outubro de 1905. Passados sete anos e
o mesmo código ainda estava em vigor. Isso corrobora a idéia de que muitas melhorias
urbanas ainda não haviam sido concretizadas e que muitas práticas perduravam. A higiene e
limpeza ocupavam um bom número de artigos nesse código. Esse código, entre outras coisas,
ainda estabelecia que
65
Art. 47. É proibido lançar nas vias públicas águas servidas, matérias fecais,
animais mortos, entulho, lixo, ou quaisquer imundícies. Ao infrator, a
multa de dez a vinte mil réis.
§Único. A Intendência designará os lugares onde poderão ser lançados o
lixo e os entulhos, os animais mortos e demais imundícies, que o
poderem servir para aterro dentro da cidade.
Art. 48. Ninguém deve consentir que defronte da sua morada fique animal
morto ou outro qualquer objeto imundo; devendo comunicar o fato, quando
não lhe for imputável, ao encarregado da limpeza pública.
Art. 49. Os canos das casas poderão despejar para as ruas as águas
pluviais, e nunca imundície de qualquer natureza. Ao infrator, a multa de
dez mil réis.
Art. 50. É proibido embarcar por qualquer modo o escoamento das águas
pluviais, assim como tapar ou entulhar os esgotos públicos e edificar sobre
eles, destruindo-os. Ao infrator, a multa de dez a vinte mil is, além das
despesas da reparação do dano.
Art. 51. É proibido conservar nos quintais animais mortos, águas
estagnadas, monturos e cloacas abertas. Ao infrator, a multa de dez mil réis
e a obrigação de sanar o mal (Capítulo IV. digo de Posturas. Lei 69,
de 02 set. 1905, p. 17-18).
Essas determinações não se restringiam somente ao aspecto higienístico, pois se
direcionavam, ao longo de todo o texto do Código, à normatização dos espaços urbanos e das
inúmeras atividades desenvolvidas na cidade. Nota-se, também, a ênfase dada às penalidades
financeiras com as quais os infratores teriam de arcar.
O discurso médico ou higienista, por vezes reconhecendo uma desfavorável e incipiente
realidade, buscava enaltecer a grandeza do Estado por meio do esforço e da boa vontade
daqueles que ocupavam a direção dos três únicos hospitais e do Asylo de Alienados. Tal
discurso, mesmo assim, ainda ressaltava a valia da assistência pública piauiense, chamando a
atenção para o trabalho de seus diretores e colaboradores, visto que
o há, entretanto, critica e nem censura capazes de obscurecerem o bem
que a assistência publica piauhyense pratica. Certo fôra para desejar muito
melhor do que possuímos, nesse particular, porém contentemo-nos com o
que é possível conseguir e, sobretudo, façamos justiça aos que têm sobre os
hombros as responsabilidades desse serviço. (ROSA, Miguel. Mensagem.
01 jun. 1915, p. 10, p. 21).
A mensagem evidencia que não se fazia tudo que era necessário, mas o que era possível
em âmbito de assistência pública, além de contar com a “responsabilidade” de indivíduos que
se prestavam ao auxílio da população.
66
No decorrer da mensagem do governo Miguel Rosa também se evidencia que a saúde
pública encontra-se “em um meio pobre como o piauhyense, desprotegido do favor particular,
recebendo uma insignificante parcella dos poderes públicos federal, estadual e municipal”.
Isso tem por propósito ressaltar os esforços isolados e a boa vontade de alguns gerenciadores
da assistência de saúde pública no Estado. Todavia, permite ver mais: uma sociedade carente
de recursos financeiros e das dificuldades para a aplicação das ações promovidas pelo poder
público em suas diferentes esferas.
O discurso higienista está intimamente ligado ao projeto modernizador das cidades. Em
carta enviada ao Governador João Luiz Ferreira, o Bispo do Piauí, Octaviano Pereira de
Albuquerque, fala da criação do Posto Sanitário e de um serviço especial de vacina contra a
varíola. Na carta, ressalta ainda a parceria entre Estado e Igreja, destacando os anseios
comuns do ideário modernizador e progressista. O Bispo Octaviano enfatizava que
Assim, poderá V. Exc. estar seguro de que toda vez que a acção da Egreja
Piauhyense for solicitada em bem da communhão, será ella prestada de
optima vontade, aguardando também ella, a Egreja, idêntica
correspondência por parte da administração official em semelhantes
circumstancias, porquanto só, deste modo, visando todos o bem publico, é
que o nosso caro Piauhy logrará marchar na senda de um progresso
crescente e durador e sólido (FERREIRA, João Luiz. Mensagem. 01 jun.
1921, p. 19).
Nesse trecho, percebe-se que mesmo o discurso republicano pregando a legitimação de
uma sociedade laica, voltada para os princípios da ciência e do progresso, as aproximações
com a Igreja não deixavam de existir. Isso corrobora a idéia de que saberes e interesses, a
priori diferentes, coadunam-se em prol de uma causa comum. A carta do Bispo Octaviano
também é representativa de que o progresso também era de interesse do clero. O discurso
estatal de João Luiz Ferreira expressava também uma ingente preocupação com o controle
médico. Isso fica evidente ao passo que propunha o uso do método domiciliário ou intensivo,
pois dava ao pessoal sanitário maior poder de fiscalização, mesmo sendo um todo mais
oneroso e de difícil execução.
Dessa maneira, percebe-se concomitantemente que, dentre os agentes que disseminavam
os pensamentos progressistas, a Igreja, ou pelo menos alguns segmentos eclesiásticos, tornou-
se uma forte parceira nesse intento de promover a “marcha” para o futuro e para o bem-estar
social. Essa observação permite notar que, mesmo diante dos conflitos existentes entre Igreja
67
e lideranças locais, as aproximações entre essas duas instituições não foram dissipadas por
completo.
Além disso, as relações entre Estado e Igreja davam-se não somente nos aspectos
diplomáticos, davam-se, como foi discutido no trecho da carta do Bispo Octaviano, no tocante
ao gerenciamento dos espaços e das condutas dos citadinos. Para o cumprimento de certas
normas e prescrições, o Estado interferia em algumas práticas da própria Igreja. O Código de
Posturas de 1912, de acordo com a Lei n. 69 de 2 de outubro de 1905, no capítulo sobre o
“sossego e decoro público e do descanso dominical” determinava que
Art. 104. É proibido o toque de sinos depois de nove horas da noite, salvo
em caso de incêndio ou outra calamidade pública. Em tempo de epidemias
não se permitirão os dobres a finados, sobre pretexto algum. Ao infrator, a
multa de vinte mil réis (Capítulo VII. Código de Posturas. Lei n. 69, 02 set.
1905, p. 28).
O ano de 1926 seria ambiente para o reforço dos discursos e das ações sanitaristas e de
higiene da cidade. Nesse período a cidade foi acometida por uma forte enchente, que, além de
desabrigar muitas pessoas, o volume de água pelas ruas despertou o medo da proliferação de
doenças.
Enchente de 1926 Companhia de Fiação e Tecidos.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 4).
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Nesse período, em decorrência da enchente, cerca de 26 mil pessoas foram vacinadas
pelos postos de saúde da cidade. A invasão das águas do rio Parnaíba revelou que a cidade
não estava estruturalmente preparada para a força das águas. Na fotografia algumas pessoas
tentam caminhar pelas águas que inundaram o prédio da Companhia de Fiação, enquanto
algumas crianças pareciam se divertir com aquela situação que contrastava com o típico calor
e as secas que freqüentemente acometiam a cidade. Naquele mesmo ano as chuvas
contribuíram para dificultar o trânsito pelas ruas da cidade e, coincidência ou não, naquele
ano, conforme A. Tito Filho (1975), não houve nenhuma apresentação no Teatro 4 de
Setembro. Isso pode ter ocorrido em razão, dentre outros condicionantes, das dificuldades de
acesso das companhias e da população ao Teatro.
Mesmo em meio a essas preocupações com as condições sanitárias e higienistas do
Estado, no ano de 1929 a realidade da efetiva ação de uma repartição dedicada a esse âmbito
do trabalho é descrita como ineficaz e até mesmo inexistente. Quem pinta esse quadro
desolador é o governador Pires Leal ao afirmar que
Podemos dizer que entre nós é desconhecida a acção da Saúde Pública.
Simples repartição burocrática, não tem, nem pode ter, actuação no nosso
meio, até mesmo porque consta apenas de um Diretor, um Secretário não
profissional e um Servente! (LEAL, J.D.P. Mensagem. 01 jun. 1929, p. 23).
Mesmo falando da ineficiência do órgão de Saúde Pública, o governador admite que
tal situação explica-se em parte pela falta de recursos orçamentários disponíveis para o melhor
aparelhamento material e pessoal. Nesse sentido, Pires Leal salienta que não houve nenhuma
alteração sensível no estado sanitário que pudesse exigir maiores esforços. Reconhece ainda o
gratificante trabalho realizado pela Santa Casa de Misericórdia e pelo Asilo de Alienados,
que, mesmo funcionando com aparelhos e instalações inadequados, continuava prestando
valoroso serviço aos desvalidos. Mas a atuação desses órgãos seria a exceção, não a norma em
vigor. Segundo Maria Mafalda B. Araújo(1995), esses estabelecimentos, juntamente com
outros, foram criados também com o sentido de “limpeza social”, pois
Pelo imaginário dos teresinenses perpassava a ânsia por uma cidade
progressista” e “civilizada”. Daí a preocupação de limpar as ruas e locais
onde os homens e mulheres pobres, os órfãos, os mendigos e os loucos
viviam. Neste contexto, foram criadas, além do Colégio dos Educandos
Artífies, outras instituições assistenciais, como o Colégio dos Órfãos, a
Santa Casa de Misericórdia, o Asilo dos Alienados e proposta a criação do
Asilo de Mendicidade. Todas essas instituições tinham em vista o controle
da pobreza. Essas obras, muito embora apresentassem um atendimento
69
diferenciado, tinham um objetivo comum: organizar o espaço urbano da
cidade e controlar sua população miserável, mantendo, dessa forma,
Teresina com a imagem de “cidade hignica e civilizada” (ARAÚJO,
1995, p. 102).
Nesse sentido, à medida que a cidade se urbanizava maiores eram as ações que
visavam o remodelamento dos espaços, não somente nos prédios, praças e ruas, mas também
uma organizão que pretendia ordenar a população. Os espaços eram transformados, mas
nem todos poderiam fazer uso dele, pois o imaginário progressista é subsidiado pelo
imaginário de uma cidade ideal, na qual a população pobre não faz parte. A cidade ideal era
uma cidade higienizada, sem a presença da população miserável. As ações dessas instituições
de assistência eram mediadoras do conflito social instaurado com o fenômeno da
modernização da cidade.
1.6 Em busca do caminho das águas: abastecimento na cidade
Outro ponto importante no processo de modernização das cidades piauienses e que
também estava relacionado aos aspectos de salubridade e de higiene era o serviço de
abastecimento de água. No dia 20 de maio, ainda no ano de 1891, foi publicado o Decreto de
n. 72 que laa as normas de autorização do abastecimento de água potável na capital do
Estado, ainda sob o governo de Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima.
Nesse documento fica estabelecido o monopólio de uma companhia para o
abastecimento de água, por um período de cinqüenta anos. Além dos enormes privilégios
concedidos a um grupo específico de indivíduos, o que mais chama atenção é a linguagem
utilizada no tratamento desses empresários responsáveis pelo abastecimento de água. Isso fica
bem claro no decorrer do decreto quando é feita referência àqueles homens chamando-os
como “cidadãos”, ao passo que o restante da sociedade é distintamente qualificada como
“população”, demonstrando uma visão elitista daqueles agentes que determinavam quem é e
quem não é cidadão. Uma linguagem que cria interditos que, por meio da nomeação,
classificam e diferenciam.
As discussões acerca do abastecimento de água não se encerram somente no
fornecimento do serviço para o conforto da população, mas representam uma medida de
higiene e salubridade, marcas do desenvolvimento e do progresso exigidos em uma cidade
moderna. Nesse sentido, tem-se que
70
O desenvolvimento que vai tendo esta capital, porém, torna dia-a-dia mais
inadiável a necessidade de um serviço regular de abastecimento d’água.
Hoje não se o reclama somente para servir a comodidade da população,
disseminada por uma área já bastante extensa, mas, sobretudo, como
medida de hygiene de grande interesse para a salubridade pública
(NOGUEIRA, A. F. Mensagem. 01 jun. 1903, p. 18).
Textos como este se justificam pelo fato de a cidade ter sua população espalhada por
regiões mais distantes, o que desperta no poder público o medo das doenças em decorrência
da falta de higiene e salubridade, visto que algumas áreas da expansão da cidade não contam
com serviços de esgoto, fossas e pavimentação adequados. Daí o fornecimento de água ser um
mecanismo de combate a certas enfermidades.
Em 1906, as contenções dos gastos do poder público fizeram com que o governador
Álvaro de Assis Osório Mendes dedicasse maiores esforços para o abastecimento de água que
para outros serviços, que tiveram de ser suspensos ou repensados. Para o governador,
As vantagens de impulsionar e levar a termo os trabalhos de abastecimento
dágua, cujos gastos tinham de ser satisfeitos de certa data em diante com o
producto da receita ordinária, forçaram-me a fazer sustar o serviço do
prédio destinado à câmara legislativa, que agora vai ter novo andamento,
assim como privaram o governo de mandar proceder aos reparos de que
carecem várias cadeias do interior, que tamm terão de ser atendidos na
estação estial que ora começa. Desafogado o tesouro das urgências de meios
que o abastecimento d’água exigir, cumpre-nos, poder legislativo e
executivo, aplicar a outros melhoramentos as nossas forças (MENDES, A.
A. O. Mensagem. 01 jun. 1906, p. 36).
Mediante o exposto, ao falar da propriedade atribuída ao abastecimento d’água, o
governo evidencia que outros setores sociais foram marginalizados, mostrando problemas
relativos aos recursos financeiros. Ainda assim a construção discursiva governamental diz
priorizar o abastecimento d’água.
O período de estiagem aproximava-se e por isso, como uma das justificativas, o poder
público afirmava estar-se esforçando para criar condições de atendimento à população no
tocante ao abastecimento de água. Álvaro de Assis Osório Mendes ainda destacava que os
empréstimos contraídos com os capitalistas Antônio Portella e D. Maria Cruz não eram
suficientes para levar avante o serviço de abastecimento de água, o que fez ser imprescindível
a utilização das sobras da receita ordinária. O governador Álvaro Mendes foi o responsável
pela inauguração do serviço de abastecimento de água na capital.
71
Empresa das Águas de Teresina.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 5).
Obra que remete aos esforços de Antonino Freire, que projetou o abastecimento de
água encanada em Teresina, a empresa de águas surge com a promessa de resolver todos os
problemas referentes ao mau abastecimento de água da cidade. Os serviços de abastecimento
de água foram iniciados no governo de Arlindo Nogueira. No detalhe da fotografia, as pessoas
estavam vestidas como em comemoração à obra. A empresa de águas simbolizava a chegada
do progresso e a possibilidade de banir todos os males ligados ao abastecimento, bem como às
doenças ocasionadas pela falta de tratamento adequado às águas.
O contraste se expressa na fotografia da Empresa de Águas. Os ares da modernidade,
trazidos e reforçados pela implantação da empresa, eram representados pelo vestiário dos
homens que posavam para a fotografia. Em meio à elegância dos paletós e chapéus encontra-
se um homem montando seu transporte eqüestre. Na modernização da cidade de Teresina, o
novo e o antigo convivem e demonstram que as transformações não significam rupturas, pois
o passado contribui para constituir o presente e projetar o futuro. O homem em sua montaria
representaria, também, a tradição e o poderio das lideranças políticas e econômicas da cidade.
Mais do que atraso, o homem em sua montaria figuraria a imponência e o caráter de força e de
desbravador. A imagem deixa transparecer que aquele meio de transporte constituía elemento
presente no cotidiano da cidade, que ainda não contava com o trânsito de automóveis.
Sobre o abastecimento de água, jornais de fins da década de 1920 mencionam a
melhoria desse serviço para o mais satisfatório atendimento à população, dando conforto aos
72
habitantes da capital do estado. Tais melhorias são relatadas com tom de orgulho pela
imprensa, dizendo que
Temos a satisfação de levar ao conhecimento do público que o governo do
Estado, atendendo a uma justa reclamação da Gazeta, providenciou para
que de hoje em diante a água seja distribuída à população da capital das 6 às
11 horas do dia e das 2 às 5 da tarde. Trata-se, como se vê, de mais uma
medida que vem beneficiar a população em geral e em particular a pobreza.
Por isso mesmo todos devem evitar o desperdício da água, conservando
fechadas as torneiras do encanamento, sempre que não precisem do
precioso líquido (Serviço D’agua. O Piauhy. 31 jul. 1928, p. 32).
O “precioso líquidoainda possuía um abastecimento regrado e irregular durante o
ano. Isso demonstra as dificuldades administrativas e orçamentárias para implementar tal
serviço de maneira ininterrupta. No entanto, conforme a matéria no jornal, o abastecimento de
água já assume uma maior abrangência alcançando pessoas de parcelas pobres da cidade. O
que demonstra que o fenômeno da modernização possui uma dinâmica cujos ritmos são
variados e não se enquadram em previsões ou especulações, nem se limitam a um grupo
apenas, mas envolve a todos, direta ou indiretamente, mesmo que seja por meio de
construções discursivas.
As dificuldades para uma melhor regularização no fornecimento da água continuaram
a preocupar o governo estadual, pois a cidade expandia-se territorialmente e em termos
populacionais, o que não era acompanhado por um atendimento mais eficaz, visto que
O serviço d’água tamm não satisfaz as necessidades da cidade. Precisa
ser completado porque ainda está circunscrito a uma pequena zona. Temos
ainda hoje a pequena rede inicial, naturalmente deteriorada pelo tempo de
serviço, que atinge cerca de 20 anos. Não acompanhou o grande
desenvolvimento que Theresina tem tido nesse lapso de tempo. Além disso,
urge cuidar do tratamento de água, de modo a preservar a saúde pública dos
males que lhe advêm da que lhe é dada, no estado em que é captada do rio
Parnahyba (LEAL, J. D. P. Mensagem. 01 jun. 1909, p. 19).
O texto expõe o descompasso entre o crescimento da cidade e o do tratamento da água,
sendo o primeiro muito maior que o segundo. O governador recorre também à necessidade de
se prevenir a sociedade das moléstias causadas à saúde pública, assumindo o discurso
higienista próprio da época.
Note-se que o abastecimento regular da água está também vinculado a um melhor
tratamento dela, no intuito de prevenir os males decorrentes da água do rio, que já não possuía
água tão limpa. Segundo o governador Pires Leal, os problemas ligados ao mau
73
funcionamento do serviço de abastecimento de água se davam, dentre outros motivos, em
função de a arrecadação das taxas não compensar os gastos do Estado com tal
empreendimento. Isso pela reduzida rede de distribuição e também por não haver hidrômetros
suficientes que impediram as fraudes e o desperdício na capital.
1.7 Entrando na linha: percursos e percalços da viação férrea
Os discursos e ideários modernizadores defendiam que, para que o progresso pudesse se
instaurar e que uma sociedade dinâmica se firmasse, seria necessário promover maior
comunicação entre a capital e as demais cidades piauienses, bem como maior aproximação
com outras cidades do país. Essa, vale ressaltar, teria sido uma das primeiras razões para a
constituição de Teresina como a capital do Estado.
Ainda no mesmo espírito do ideário modernizador, no ano de 1891 é assinado pelo
então governador do Piauí, o bacharel Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima, o Decreto de
n. 42, publicado em 28 de janeiro daquele mesmo ano. Nesse decreto a idéia de bem-estar e as
perspectivas de uma vida moderna e com progresso são latentes. Trata-se de um decreto
referente ao estabelecimento do sistema de viação férrea para o Estado, fazendo revisões de
decretos anteriores. O discurso de progresso e de modernização era defendido pelos princípios
de que
Considerando que é da mais elevada conveniência estreitarem-se os laços
de relações sociaes e econômicas das differentes localidades do Estado do
Piauhy entre si e com a capital; Considerando que deste modo a
collectividade piauhyense verá melhor accentuada a homogeneidade de seus
interesses e melhor satisfeitas as necessidades de sua vida política e
industrial; Considerando que é de urgente necessidade abrir as riquíssimas
zonas deste Estado ao commercio e à indústria, fecundando os grandes
elementos do progresso, que até hoje têm jazido completamente
desaproveitados (Decreto n. 42, 1891).
Percebe-se que as justificativas para a implantação do sistema ferroviário apresentam-
se de maneira a sensibilizar a população que a ele tenha acesso. Evidencia-se, também, a
urgência de um benefício que não se realizou durante o regime anterior, que condenava o
Piauí ao atraso e à pobreza, segundo a concepção do Decreto. A criação dessa viação
objetivava incluir o Estado no eixo de desenvolvimento econômico e social ao qual se
74
pretendia alcançar, sendo que os interesses econômicos são mais evidenciados. Contudo, o
que se observa por meio da imprensa da época é que, passados alguns anos, o projeto não
havia sido concretizado em sua plenitude. Divulga-se uma eterna esperança no futuro, pois
naquele momento os redatores diziam que
As nossas vistas estão presentemente voltadas para a projetada estrada de
ferro, cujos estudos estão a cargo dos ilustres engenheiros que se acham
nesta capital. Realizada, teremos de multiplicar nossa actividade, expandir
os nossos desejos, vendo em prósperas condições o nosso estado (Estrada de
Ferro. O Piauhy, 29 set.1906, p. 16).
Inserir-se na “era do ferro” – o símbolo maior da modernidade no final do século XIX
– significava adentrar pela porta da frente no mundo moderno, era adequar-se ao novo, educar
os sentidos e, como afirma o documento, expandir os desejos. Era apropriar-se da celeridade,
a marca do mundo moderno. O trem, transporte que reduzia distâncias, insinuava-se como o
transporte do progresso tão prometido pela República.
Todavia, o atraso solapou sua implantação, uma vez que a efetivação da implantação
do sistema férreo no Piauí esbarrava na auncia de recursos suficientes para obra de tamanha
proporção. Mesmo assim os jornais defendiam a na realização futura dos trabalhos, que,
terminados, impulsionariam o Estado para um elevado patamar de progresso. Contudo, havia
aqueles que tinham certa desconfiança em relação ao o divulgado avanço. Isso está bem
explícito em um trecho publicado na revista alvorada de janeiro de 1910, redigido por Jônatas
Batista, que promoveu uma série de questionamentos tais como o que se segue:
Que importa que o tenhamos estradas de ferro, bondes, luz elétrica e
muitos outros melhoramentos de que temos notícia, nos outros estados, nas
suas capitais? Se não contamos com os imensos benefícios que esses
melhoramentos trazem, em compensação, não temos também os grandes
males que eles nos poderiam trazer (BATISTA, 1985, p.118).
Embora o pensamento expresse um aparente conformismo perante os problemas que
possivelmente apareceriam com o advento das inovações, o certo é que elas não eram
plenamente usufruídas em Teresina e o autor do texto as inclui na categoria de
“melhoramentos”, revelando a exclusão da capital desses benefícios que estavam sendo
valorizados por outras capitais brasileiras. O tom irônico de Jônatas Batista demonstra que a
cidade de Teresina findava a primeira década do século XX caracterizando-se como uma
cidade idealizada.
75
A realidade era, naquele momento, expressa por essa dicotomia, pois de um lado havia
as manchetes de jornais que enalteciam as realizações do ideário modernizador, mas havia
personagens que não conseguiam “compreender” os benefícios de tais melhoramentos, pois
não os viam se concretizar, e até preferiam que não houvesse alterações na urbanização
porque sabiam que as mesmas interferiram de maneira assustadora em suas vidas.
Essa desconfiança com a implantação da viação férrea justifica-se, em certa medida,
pelo fato da demora na efetivação de tal benefício. No entanto, o discurso jornalístico
continua a mencionar as assinaturas de contratos para esse fim. Em 12 de junho de1921, o
jornal O Piauhy lembrava que havia sido assinado o decreto que autorizava o contrato para a
execução das obras instalando estradas de ferro de São Luiz, Petrolina e Crateús, ligando-se a
Teresina.
A incompletude nas obras expressava que o projeto de viação férrea “saiu dos trilhos”
e arrastou-se por muitos anos, pois em 1929 encontravam-se registros de inconformidade com
a lentidão na implantação da obra, promovendo textos como o do jornal O Piauhy, destacando
que
A comissão de obras públicas da câmara assinou parecer favorável ao
projeto do Senado, que autorizava o Governo a despender a quantia de dois
mil contos com a construção das obras de ligações ferroviárias desse Estado
(As ligações ferroviárias no Piauhy. O Piauhy. 13 ago. 1929, p. 05).
A estrada de ferro simbolizava, em grande medida, uma forma de dar velocidade ao
progresso do Estado, promovendo maior comunicação entre as cidades do Estado e deste com
seus estados vizinhos. Contudo, esse sonho insistia em “descarrilar” e frustrar os defensores
do futuro.
Os entraves à realização efetiva da viação férrea também abriam espaço para os
conflitos político-partidários que permeavam o cotidiano teresinense. Nesse sentido, o jornal
A Imprensa, de 12 de fevereiro de 1927 relatava o seguinte caso:
Por terem votado na chapa da coligação, foram dispensados das obras de
ligação ferroviária deste Estado, os nossos amigos Srs. Raymundo Marques
da Fonseca e Jerônimo Teixeira, assíduos e exemplares operários das
referidas obras. Essas demissões causaram, como era de esperar, grande
indignação nos meios operários desta capital, onde os dois altivos e
honestos obreiros são muitíssimo estimados (Nas obras ferroviárias. A
Imprensa. 12 fev. 1927, p. 09).
76
Dessa maneira, percebe-se que as ações direcionadas à implementação da estrada de
ferro não estavam destituídas dos interesses e dos conflitos decorrentes dos mesmos, pois são
os agentes construtores da cidade que a tornam plural.
Certeau (1994, p. 172) esclarece que “planejar a cidade é ao mesmo tempo pensar a
própria pluralidade do real e dar efetividade e este pensamento do plural; é saber e poder
articular”. Faltou ao governador Pires Leal, e não somente a ele, reconhecer tal pluralidade e
articular seus vários elementos.
Esses melhoramentos, destacados nas mensagens dos governantes, expressam que as
ações modernizadoras foram aplicadas em muitos setores da organização espacial da cidade.
Isso demonstra que os projetos modernizadores pretendiam alcançar a totalidade do território
da capital. Contudo, esse alcance era freado em decorrência de estruturas políticas,
econômicas e sociais reminiscentes. É nessa configuração histórica que a modernização de
Teresina teve seus ritmos ditados entre o olhar de Medusa e as táticas dos diversos Perseus em
relação à paralisia da cidade. Vale ressaltar que, em geral, as lideranças políticas eram as que
mais desafiavam o olhar de Medusa, impondo certas medidas que salientavam a segregação
social.
Teresina era a vitrine da modernização no Piauí. Como vitrine era atraente, pois
mostrava as belezas de um novo estilo de vida com confortos, elegância e abastança. No
entanto, a vitrine marca pelo menos dois espaços: aquilo que está dentro dessa vitrine e aquilo
que está fora dela. Aqueles que constituem a vitrine pensam que ela é o espaço a ser
experimentado, mas, no controle que fazem desse espaço criam estratégias cada vez mais sutis
para deixar a vitrine desejada por todos, mas “tocável” somente por alguns. Isso gerou
conflitos que nem mesmo a vitrine suportou e, então, se estilhaçou mostrando que são os usos
que são feitos daquilo que estava exposto como modelo que, de fato, constituem a cidade. Os
estilhaços também o a vitrine, mas agora percebida em sua pluralidade. Assim é que os
projetos de modernização da cidade de Teresina foram se constituindo: entre as imagens de
uma cidade idealizada e as representações acerca desse fenômeno, ou seja, entre a vitrine e os
seus estilhaços.
77
CAPÍTULO II
MODERNIZAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA: LIMITES E
PERSPECTIVAS
A escola, como serviço público que é, tem uma alta
missão social a cumprir, pois sendo o homem um factor
de produção é preciso preparar gerações fortes e
armá-las de elementos poderosos para triunphar na
luta pela vida (MELLO, M. O. de. Relatório da
Sociedade Auxiliadora da Instrução, 1921, p. 15).
A educação é uma das muitas facetas do processo de modernização de uma cidade,
Não apenas no aspecto das instalações de prédios e aquisição de materiais, mas também no
sentido das mudanças de sociabilidades e comportamentos, bem como no tocante aos
diferentes usos e significações dados aos espaços destinados à instrução. Nesse sentido, a
instrução pública é aqui analisada como ponto de convergência entre os aspectos das
transformações materiais dos estabelecimentos de ensino e a idéia da educação como
mecanismo de desenvolvimento da sociedade. A educação é vista, também, como a
fomentadora do triunfo na luta pela vida, como destacou Mathias Olympio. O relatório da
Soiedade Auxiliadora da Instrução, apresentado por ele ao governador João Luiz Ferreira,
possui um tom de conclamação. Quando o relatório foi concebido, não havia muito tempo, o
mundo ainda se recuperava dos sofrimentos ocasionados pela grande guerra. Os países ainda
buscavam se reerguer e uma das saídas era o ensino. Mathias Olympio diz que seria
necessário “armar” as futuras gerações, para que a ignorância não triunfasse.
Nesse sentido, o ensino é pauta recorrente nas falas dos governantes do estado do
Piauí, que ressaltam, em suas mensagens governamentais, que o progresso e o
desenvolvimento de um Estado e de seu povo dependem, dentre outros aspectos, de bases
educacionais lidas. Nas mensagens de fins do século XIX e dos primeiros anos do século
78
XX nota-se que os discursos transitam entre preocupações com o ensino primário e o ensino
secundário. Maria Luísa Santos Ribeiro (2003), afirma, dentre outras considerações, que a
República possibilitaria uma ampliação das oportunidades escolares no Brasil e alavancaria o
desenvolvimento do país. Esse espírito de esperança na redenção social via instrução ressoaria
nas representações acerca do fenômeno da modernização da sociedade piauiense,
especialmente no tocante à instrução pública.
No Piauí, os olhares dos governantes acabam direcionando-se, em rios momentos,
para o Liceu Piauiense, visto como o espaço de referência para a efetivação das ações no
tocante ao aprimoramento do ensino no estado. É interessante notar que a temática é
retomada, pelas lideranças políticas, em meio a argumentos que enfatizam, em sua maioria, as
dificuldades financeiras e orçamentárias do estado. Dessa maneira, a educação é referenciada
tanto como ponto catalisador do futuro do estado, quanto é discutida em seus “atrasos” em
decorrência das dificuldades dos cofres públicos. Esse aspecto do financiamento estava muito
mais relacionado à instrução primária e as dificuldades que sobre ela se sedimentavam.
O financiamento da educação pública é um assunto cuja história mostra suas
configurações em todo o território nacional. Tentando historicizar o financiamento da
educação brasileira, no intuito de melhor entender as lacunas do ensino público no Piauí,
recorreu-se à análise de José Marcelino R.Pinto(20000 que classifica os estágios do
financiamento da educação no Brasil. Segundo José Marcelino R. Pinto (2000), a história do
financiamento da educação no Brasil pode ser dividida em três momentos. O primeiro sob a
égide dos jesuítas, em um período correspondendo de 1549 a 1759. O segundo momento
insere-se no recorte temporal que vai da expulsão dos jesuítas até o fim da chamada República
Velha. O último momento compreendido desde a Constituição de 1934 até os dias atuais.
Mas é importante considerar o que Paul Veyne (1998) esclarece ao afirmar que a
história não possui articulação natural, sendo os historiadores que recortam a história a seu
modo, pois os fatos o têm dimensões absolutas. Essa autora afirma que “os fatos não
existem isoladamente, mas têm ligações objetivas; a escolha de um assunto de história é livre,
porém, dentro do assunto escolhido, os fatos e suas ligações são o que são e nada poderá
mudá-los” (p. 42).
Assim é a classificação feita por Pinto, pautada por uma escolha impulsionada pelas
ligações intrínsecas ao objeto. Sob essa perspectiva, “um fato não é um ser, mas um
cruzamento de itinerários possíveis” (VEYNE, 1998, p. 45). Dessa forma, o segundo
momento definido por Pinto é o que corresponde ao recorte do presente estudo, sem
desvalorizar as ressonâncias que momentos pretéritos tiveram no interstício desta pesquisa.
79
Esse período foi marcado pela busca de recursos autônomos de financiamento da educação ou
a cargo das definições de recursos para o ensino, por meio das dotões orçamentárias. Ainda
segundo Pinto (2000), a Constituição liberal, instaurada com a República, atriba à família os
deveres para com a educação, o que levou a um maior distanciamento das ações do governo
central acerca das questões do ensino e conseqüentemente de seu financiamento, algo, aliás,
herdado do período colonial que atravessa os séculos e se estende ao século XX.
Na política educacional piauiense daquele período, o financiamento destinado à
instrução pública estava subordinado às prioridades destacadas pela administração blica.
Em mensagem apresentada à Câmara Legislativa, no dia de junho de 1906, o governador
Álvaro de Assis Osório Mendes(1904-1907), referindo-se à implantação da Escola Normal,
dizia o ser “despesa imprescindível” ações orçamentárias voltadas para tal intento. Pode-se
dizer, dessa maneira, que “isto é um indício significativo do lugar da educação nas ações do
governo e do modo como esta vai se concretizando na ão do governo(LOPES, 2001, p.
21). Em geral, as aplicações orçamentárias eram direcionadas para outros projetos de
melhoramentos urbanos. Tal prioridade punha a instrução em situação de adormecimento, à
espera das “sobras” de verbas.
2.1 Instrução pública nos primeiros anos do culo XX: modernização social e cultura
escolar
Além dos aspectos ligados ao financiamento, a falta de professores primários
qualificados também é destaque nas falas dos líderes políticos, que diziam faltar idoneidade
por parte dos professores. Dessa maneira, o governador do Piauí, Raymundo Arthur de
Vasconcelos, em sua mensagem de 1º de junho de 1897, alegando que o seu governo
preocupava-se com a difusão do ensino, assim se referiu à instrução pública:
Devo anunciar-vos que a instrução pública primária não tem correspondido
aos grandes sacrifícios do Estado, sempre solícito em difundi-la
convenientemente. É lastimável o seu grau de atraso, e isto devido à falta de
idoneidade da maior parte dos professores para a escolha dos quais conviria
estabelecer-se rigoroso concurso perante comissões competentes
(VASCONCELOS, R. A. de. Mensagem. 01 jul. 1897, p. 31).
Além de atribuir as péssimas condições do ensino primário à falta de critérios na
escolha de professores qualificados, Raymundo Arthur de Vasconcelos ainda salienta que em
80
razão das grandes despesas com as escolas existentes à época, fazia-se necessário reduzir o
número de tais escolas. Sugere que fosse feita uma distribuição mais proporcional,
enfatizando que caberia ao município “fundar escolas auxiliares em benefício de suas
circunscrições”. As disputas em torno de quem seria a responsabilidade pela manutenção do
ensino público justifica-se pelo fato de que somente o Estado era o principal responsável pelo
funcionamento das escolas do período.
Sobre o ensino secundário, Raymundo Arthur de Vasconcelos, mencionando as
diretrizes do Decreto n. 63 de 24 de dezembro de 1896, afirma ter reorganizado o ensino
secundário fundamental, “dotando o Lyceu Piauhyense com um curso integral de ciências e
letras, afeiçoado ao plano de estudos do Gymnásio Nacional”. Contudo, o governador
esperava pelo repasse de verba destinada pelo Congresso Nacional para a efetivação desse
intento, visto que as despesas eram altíssimas. Caso tal repasse não fosse implementado,
Raymundo Arthur de Vasconcelos alertava que
Em tais condições será preferível substitui-lo por uma Escola Normal, onde
se ministre, em um curso regular, bem orientada educação aos futuros
professores primários, aproveitando-se para isso, o o belo edifício em
que funciona, como o seu pessoal docente vitalício (VASCONCELOS, R.
A. de. Mensagem. 01 jul. 1897, p. 35).
A postura do governador do Piauí é uma tentativa de aplicação da vontade legislativa,
no entanto, com a incerteza da ajuda do governo federal, prefere ser pragmático e atuar
mediante suas condições orçamentárias e daí lançando seus olhares para a educação de futuros
professores. Isso também demonstra certa precariedade do ensino secundário, visto que os
financiamentos eram parcos. Tais condições possuem raízes históricas que as condicionaram,
pois, segundo Karl Michel Lorenz(2004), a precariedade do ensino secundário no Brasil é
decorrência, em parte, da política implantada por Marquês de Pombal. Isso contribui para que,
com a expulsão dos jesuítas, os seminários e colégios existentes à época fossem fechados ou
administrados por outras ordens religiosas.
Dessa maneira, a Coroa criou cursos chamados de “Aulas gias”, nas quais um
professor ministrava uma matéria. Tornaram-se os principais meios para o preparo dos
jovens aos estudos superiores e permaneceram até a fundação do Collegio de Pedro II, que se
tornaria modelo para o ensino em todo o país.
As medidas de adequação do Liceu ao programa do Ginásio Nacional eram
preocupação constante e exigência feita pelo Governador do Estado, Dr. Coriolano de
81
Carvalho e Silva. O professor Arthur Pedreiras, Diretor Geral da Instrução Pública, assim
responde ao Governador do Estado:
Directoria Geral da Instrução Pública
Therezina, 30 de janeiro de 1896.
Temos a honra de passar às mãos de V. Exª o regulamento para a instrução
secundária, que nos encarregastes de confeccionar.
Tendo em vista modelar o quanto possível o Lyceu pelo Gymnasio
Nacional foi preciso um estudo demorado, e por isso não podemos
aprezentar o trabalho antes da entrada do anno lectivo, como era nosso
dezejo.
Foi preciso augmmento de cadeiras, afim de leccionar-se todas as
disciplinas do Gymnasio, e como não desconhecemos as difficuldades
orçamentárias do Estado reunimos algumas a outras cadeiras em que
podião ser leccionadas.
Em compensação não cogitamos o augmmento de vencimentos, quando é
sabido que a instrucção do Piauhy é muito mal remunerada.
Terminando pedimos desculpa a V. Exª das imperfeições dos trabalhos que
nos confiastes.
Saúde e fraternidade,
Arthur Pedreiras
Arthur Pedreiras menciona a necessidade de ampliação das cadeiras para a adequação
ao programa do Ginásio Nacional. O diretor Geral da Instrução Pública ressalta que,
conhecendo as condições orçamentárias do Estado, teve de fazer a adequação reunindo
algumas cadeiras. Além disso, mesmo não tocando diretamente no assunto da remuneração do
professorado, sutilmente chama a atenção para a má remuneração, dizendo que a instrução do
Piauí era muito mal remunerada. O cerne principal do documento referia-se à adequação ao
Ginásio Nacional, pois isso significaria a efetivão de uma educação moderna, visto que o
programa nacional também se propunha como sendo moderno.
Os ideais de uma sociedade e de uma educação moderna perpassavam, também, pela
preocupação com o tempo. O passado e as práticas que o perpetuavam eram vistos como
contrários ao futuro. Este era valorizado em suas possibilidades de impulsionar o presente. As
sociedades modernas marcaram o tempo como o medidor entre o novo e o antigo, entre o
passado e o futuro. O tempo é tomado como regulador das ações humanas e normatizador de
suas práticas. Esse caráter regulador do tempo também estava expresso nas preocupações
voltadas para a modernização da instrução pública. O bom andamento das aulas e atividades
educacionais estava vinculado à marcação do tempo.
82
O tempo configura-se como marcador de condutas e, nesse sentido, os relógios são
instrumentos que a sociedade padronizou para perceber suas permanências e suas mudanças.
O relógio é orientador da sociedade que contribui para harmonizar comportamentos. Essa
perspectiva se justifica pelo fato de que os relógios “não são outra coisa senão ‘contínuos
evolutivos’, processos físicos dotados de um desenrolar contínuo, elaborados pelo homem e
padronizados em algumas sociedades para servir de quadro de referência e escala de medida
(ELIAS, 1998, p. 40). Isso pode ser percebido no ofício n. 133, de 30 de setembro de 1899,
enviado ao Governador do Estado, Raimundo Artur de Vasconcelos, pelo Diretor Geral de
Instrução Pública, o professor Arthur Pedreiras. No ofício, consta a cópia do pedido do
Professor Benedito Lemos, para a aquisição de um relógio para a escola a seu cargo. No
requerimento, o professor Benedito Lemos assim se expressa acerca do relógio:
Dobram-se já, Sr. Director, mais de dois annos desde a criação desta aula, e
ainda o foi Ella provida de um de seus mais indispenveis moveis:
refiro-me a um relógio, que como sabeis, é necessidade palpitante em
estabelecimentos públicos, mormente freqüentados por grandes collectivos.
Posição difficil, milindrosa, a minha, que é de professor, tem tido mais um
embaraço, tal qual a falta de um regulador do tempo.
o descuidei-me, Sr. Director, desse importante móvel durante a
directoria transacta e o nosso illustre antecessor mostrou-se attencioso às
minhas reclamações, porém um estorvo qualquer, creio que oriundo da
insufficiencia de verba, privou-o que regulasse os trabalhos della.
Para o professor, decorridos mais de dois anos, é inadmissível que um estabelecimento
de ensino não possua “um de seus mais indispensáveis móveis”. O relógio é o instrumento de
organização da coletividade. Segundo o professor, em outros momentos do requerimento, a
falta de um relógio acarretaria vários aborrecimentos, principalmente pelo fato de que muitos
alunos iriam submeter-se a exames finais e parciais e, por não ter como marcar o tempo, teria
de “organizar mortificantes trabalhos”. A falta do relógio teria prejudicado as atividades do
professor nas aplicações dos exercícios e exames ao alunado, que iria prestar exames em
breve. Além desse aspecto modernizador da instrução, o ofício enviado por Arthur Pedreiras
demonstra um panorama do cotidiano das atividades desenvolvidas nos ambientes
educacionais e expressa como se dava a cultura escolar da época, que apresentava uma
percepção particular do tempo a ser pensado e cumprido nos espaços escolares.
83
2.2 Construindo trilhas: a modernização do ensino e o papel dos professores na
instrução pública
As ações dos governantes, no intuito de modificar o quadro educacional da população,
contribuíram para as transformações do cenário urbano da cidade de Teresina. Alguns
estabelecimentos de ensino não funcionavam em sede própria, mas sim em prédios que não
foram projetados para esse fim. Foram vários os casos de colégios que funcionaram em
prédios que eram alugados ou redirecionados para tal função. Além disso, havia as aulas
ministradas por particulares, o que demonstra a dispersão do ensino. As políticas de superação
das dificuldades que impediam o melhoramento da instrução pública esbarravam, em certa
medida, na falta de prédios próprios que pudessem abrigar as atividades educacionais, o que
desencadeava o uso de vários locais para assumirem novas funções.
O Seminário é um exemplo de que a modernização da instrução perpassava pela
transformação dos usos dos estabelecimentos de ensino, em decorrência dos projetos de
modernização da instrução pública no Estado e na cidade. Isso demonstra que a cidade não se
transformava somente nos seus aspectos inteiramente visíveis, pois novos significados de seus
espaços davam à cidade ouras formas, outros sentidos e novas sociabilidades.
Semirio – Antiga Residência do Barão de Gurguéia.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 6).
No detalhe da foto, referência ao Seminário de Teresina. Símbolo do Poder Público,
pois foi a Casa do Barão de Gurguéia, um dos homens mais influentes e ricos de Teresina. O
84
estabelecimento foi (re) significado quando transformado em estabelecimento de ensino com
proposta religiosa. Nessa foto, também do início do século XX, fica evidente que a
preocupação primeira dos poderes públicos não estava na construção ou manutenção dos
prédios escolares, ao passo que a melhoria das ruas também ainda era incipiente.
Alguns prédios criados para promover a dinâmica da instrução pública eram situados
em lugares com poucas condições de acesso, o que parecia ser algo recorrente em Teresina. A
cidade buscava-se inserir nos quadros nacionais de uma cidade moderna e desenvolvida
culturalmente. A foto a seguir expressa esse contraste entre um estabelecimento de ensino,
com o objetivo de encaminhar “a formação da juventude do sexo feminino” (BRITO, 1996, p.
43) e as condições das ruas da cidade.
Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 7).
Como um dos símbolos do incremento instrucional em Teresina, o Colégio Sagrado
Coração de Jesus Colégio das Irmãs está situado, desde 1906, na atual Avenida Frei
Serafim. O que chama atenção nessa fotografia não é o prédio da escola em si, mas a rua em
sua frente. Até a década de 1920, pelo menos, a avenida o passava de um caminho repleto
de mato cortado por algumas veredas, o que dava à cidade a imagem de uma cidade ainda
rural. A datação da fotografia não foi precisamente identificada, mas se sabe que é uma
85
fotografia anterior à década de 1930. O acesso aos estabelecimentos de ensino perpassava,
também, pela configuração urbanística da cidade. Isso reforça a noção de que muitos projetos
de modernização do ensino não eram acompanhados pelas mudanças urbanas da cidade. Isso
significa que a demanda educacional forçaria a adequação dos espaços para fazer parceria
com os sentidos modernizadores da instrução pública.
Em mensagem apresentada à Câmara Legislativa em 1º de junho de 1910, o
governador Antonino Freire da Silva ressalta a importância da criação da Escola Normal
13
como instrumento desencadeador do projeto de modernização da instrução primária e do
próprio povo piauiense, por meio da difusão de novas mentalidades. Os problemas da
instrução pública primária, conforme as lideranças político-administrativas seriam resquícios
do regime político predecessor, no qual os professores eram inaptos. Dessa maneira, “a Escola
Normal servia para marcar um início de ruptura desse quadro por formar professoras
modernizadoras da sociedade piauiense” (LOPES, 2001, p. 26).
O destaque atribuído ao caráter modernizador inaugurado pela implantação da Escola
Normal indica que a preocupação em inserir o Piauí na modernidade não se restringia aos
aspectos físicos, mas estendia-se aos diferentes âmbitos sociais, sobretudo ao ensino,
responsável em disseminar tal proposta na sociedade. Por essa perspectiva discursiva,
compreendia-se que na escola seria construída a ruptura com o atraso, cujo portal de
passagem para o progresso seria a escola.
O governador do Estado, Arlindo Francisco Nogueira, alguns anos depois de Arthur de
Vasconcelos, defendia a bandeira de que um verdadeiro regime democrático deve está
embasado nos progressos do ensino primário, devendo constituir o principal cuidado dos
governos. Para Arlindo Nogueira, a democracia alicerçava-se no esclarecimento de seu povo,
que passa a ter escolhas seguras de seus dirigentes representantes. Assim como o fez Arthur
de Vasconcelos, que evidenciou o despreparado dos docentes, Arlindo Nogueira admite que a
instrução primária ainda se encontrava em péssimas condições de desenvolvimento e endossa
a idéia de que
Em geral pouco preparados os professores e mal providas de livros as
escolas, a instrução priria entre nós ressente-se de falhas que não serão
fáceis de corrigir. [...] As leis sobre o ensino, seus regulamentos por
13
Segundo Maria do Amparo Borges Ferro (1994), a primeira Escola Normal no Piauí foi instalada no dia 3 de
fevereiro de 1866, em Teresina, como previa o regulamento de 06 de setembro de 1864 e em consonância com a
Lei Provincial 565 de agosto daquele ano. A partir dessa data, o ensino normal passaria por uma série
extinções, pois foi extinto inicialmente em 1867. No ano de 1874 extingue-se o curso que havia sido criado em
1871, em anexo ao Liceu. Em 1882 foi criado outro curso, que foi extinto no ano de 1888.
86
melhores que sejam e contenham as mais úteis medidas, são corpos sem
vida, pela falta de idoneidade da parte da maioria do professorado, já,
finalmente, pela falta de fiscalização da parte dos inspetores escolares, que
limitam suas funcções a atestar, nem sempre com critério, a assiduidade do
professor na aula, para o fim de receber este o ordenado do mês
(NOGUEIRA, A. F. Mensagem. 01 jun. 1902, p. 23).
Nas observações de Arlindo Nogueira, percebe-se uma análise das dificuldades de
uma instrução primária de qualidade não apenas pela falta de preparo de muitos professores,
mas também pela escassez de livros e pela conivência de inspetores escolares que fazem
vistas grossas às faltas dos professores – práticas relacionadas ao atraso que impedia o
progresso ser implantado.
Na mesma mensagem à Assembléia Legislativa, o governador Arlindo Nogueira diz
não poder propor reformas, pois sabe que para ter professores qualificados e empenhados
seria necessário um pagamento ou remuneração condigna, o que era impossível ao se
mensurar as condições financeiras do Estado. Por essa razão, o governador deixou de
regulamentar a lei n. 267, votada em ano anterior, que estabelecia a obrigatoriedade do
ensino, desobrigando o Estado de sua implantação e manutenção. Ao finalizar suas argüições
acerca da instrução pública no estado, no ano de 1902, Arlindo Nogueira expõe o número de
professores, alunos e escolas naquele momento. Eram noventa professores que ministravam o
ensino primário em oitenta e oito escolas, que tinham 2.816 alunos matriculados, dos quais
2.135 freqüentavam em média. Sobre o ensino secundário, apenas enfatiza que era distribdo
no Liceu Piauiense e que os professores eram de idoneidade conhecida, diferente dos que
atuavam no ensino primário, que eram vistos como o inverso. Ao que parece, segundo o
discurso oficial do período, a idoneidade do magistério era proporcional ao grau de instrução
recebida.
Muitas tentativas para dinamizar a instrução pública eram tomadas. Nesse sentido,
ações para universalizar a instrução, como a criação da escola noturna municipal, eram
tomadas visando maior alcance social. O literato Clodoaldo Freitas, historicizando a instrução
pública da cidade, salienta que
Em 1902, sob proposta do então conselheiro municipal e diretor da
instrução pública, o saudoso professor Arthur Pedreiras, foi criada a escola
noturna municipal, sendo nomeado o professor Francisco Marques para
regê-la, por indicação do mesmo diretor da instrução pública, que exigiu na
ocasião que o propunha, porque tinha em vista dar à escola noturna um
professor prático, habilitado e cumpridor de seus deveres (FREITAS, 1988,
p. 115).
87
A escola noturna municipal supracitada teria uma matrícula regular, com uma média
de cinqüenta alunos a cada ano, até o ano de 1911, quando Clodoaldo Freitas escreveu
História de Teresina. Nesse mesmo ano, o autor afirma que havia três escolas noturnas em
funcionamento e com freqüência regular do alunado. No ano de 1907 foi inaugurada a escola
noturna
14
mantida pelo Centro Proletário centro beneficente criado no dia de janeiro de
1904.
No ano de 1903, novamente Arlindo Nogueira, em mensagem à Assembléia
Legislativa, afirma que “generalizar e desenvolver o ensino primário para todas as camadas
sociais é dever máximo dos governos republicanos” e segue dizendo:
Tenho com a mais desvelada solicitude procurado melhorar a instrução
pública, mas apesar disso e de executar fielmente as medidas patrióticas
que tendes adotado sobre esse importante assunto, ela acha-se em completa
decadência; Esta é a verdade que deve encher-nos de tristeza
(NOGUEIRA, A. Mensagem. 01 jul. 1903, p. 08).
Por essas falas de Arlindo Nogueira, nota-se que o desenvolvimento das políticas
educacionais estava relacionado a argumentos progressistas. Em geral, os discursos oficiais,
expressos nas mensagens governamentais, reforçam os ideais de modernizão, pois o futuro
da cidade de Teresina, e de todo o Estado, teria como uma de suas molas propulsoras a
própria melhoria da instrução pública. Teresina, como nas demais ações modernizadoras,
dispunha de uma condição privilegiada, pois “as escolas da capital eram as que mais se
beneficiavam com as modernizações propostas pelo poder estadual” (LOPES, 2001, p. 186).
Além disso, os projetos de modernização do ensino, em certos aspectos,
entrecruzavam-se com as propostas defendidas pela política dos governos. Por esse prisma,
Arlindo Nogueira afirma que tornar a instrução pública mais universal e democrática era
função indissolúvel dos governos que pretendessem praticar os planos republicanos. Seria, na
fala de Arlindo Nogueira, uma questão “patriótica”. Outro aspecto pulsante na mensagem do
governador Arlindo Nogueira é que, além de a instrução pública encontrar-se “em completa
decadência”, a educação que era desenvolvida ainda não contemplava todos os segmentos
14
Segundo Clodoaldo Freitas, em seu livro História de Teresina, publicando em 1911, o art. 15 da resolução
753 de 29 de agosto de 1871autorizou a criação de uma escola noturna. A Portaria de 12 de setembro de 1871, na
presidência do Dr.Manoel de Rêgo Barros Souza Leão, criava uma escola normal na capital. A primeira escola
noturna em Teresina foi fundada no dia 17 de agosto de 1880. Foi um empreendimento feito com recursos
particulares do farmacêutico Eugênio Marques de Holanda. Foi autorizada a funcionar em prédio situado na
Praça Saraiva, onde já funcionava uma escola diurna. A primeira escola noturna no Estado foi fundada em 1870
por Dr. Deolindo Moura e David Caldas.
88
sociais. Patriotismo seria, portanto, sinônimo de combate ao atraso, que se manifestam na
decadência vivenciada na instrução pública da época.
É importante lembrar que essa perspectiva cívica defendida pelo governador Nogueira
estava em consonância com o que era proposto nos ideais republicanos no período histórico
analisado. Maria Luísa Santos Ribeiro, discutindo acerca dessa questão no Brasil afirma que
Campanhas proclamando a necessidade da difuo da escola priria
foram organizadas. Eram lideradas por políticos que, enquanto tais,
reconheciam a necessidade da difuo especialmente da escola priria
como base da nacionalidade, o que fez com que alguns defendessem não só
o combate ao analfabetismo, como também a introdução da formação
patriótica, através do ensino cívico (RIBEIRO, 2003, p. 82-83).
Arlindo Nogueira não estava, portanto, variando no enredo proposto pela República,
mas nele inseria-se de maneira exemplar, por meio de suas propostas e construções
discursivas. Segundo Itamar Sousa Brito(1996), o regime republicano teria surgido, ou pelo
menos pensado, como a promessa para o revigoramento da instrução pública, mas isso não
teria se concretizado por completo, pois os legisladores “continuavam com suas vistas
voltadas para outros problemas e quando cuidavam do ensino era para aplicar-lhe novas
normas ou fazerem reformas quase sempre inexeqüíveis” (BRITO, 1996, p. 34).
Mesmo diante das inúmeras tentativas dos governantes de impulsionar o ensino
público, Clodoaldo Freitas destaca as dificuldades elencadas nas mensagens governamentais
para a não efetivação de uma instrução pública satisfatória. No leque desses empecilhos,
sobressaíam-se os parcos recursos financeiros e a falta de idoneidade do professorado.
Segundo Clodoaldo, todos os governantes têm atribuído à instrução pública, primária e
secundária, importante papel para alavancar o progresso não de Teresina, mas de todo o
Estado. No entanto, Clodoaldo afirma que, mesmo cientes desse infortúnio, os governantes
não conseguira tomar decisões enérgicas para elucidar o problema. Isso se justificaria ao
passo que
A preocupação dos nossos governos, antes e depois da república, foi, em
teoria, sempre esta e todos, infelizmente, conhecendo o mal, que ainda
existe, nunca procuraram mitigá-lo pela escolha inteligente, e, fora dos
partidos, de pessoal idôneo para o magistério. Professores analfabetos
deviam produzir discípulos analfabetos e a coisa era tão comum, que já se
não exigia nada para ser professor (FREITAS, 1988, p. 89-90).
89
Para reforçar essa crítica, o literato Clodoaldo Freitas revela que “aqui na capital, não
há muito tempo, exerceu o professorado, um indivíduo analfabeto(p. 90). Para o autor, o
governador da época que não tem o nome revelado por Clodoaldo sabia e era conivente
com o caso. Tal relato mostra que, além dessa inoperância dos poderes públicos, no intuito de
sanar os problemas longamente elencados, como aqueles relacionados ao mau funcionamento
da instrução pública, havia as conveniências partidárias, uma vez que os governantes, mesmo
conhecendo “o mal” nunca procuraram solucionar com a contratação de pessoal idôneo fora
dos partidos”.
Nota-se assim, que as propostas progressivas em relação à instrução pública
defendidas pelos governos republicanos conviviam com práticas semelhantes às utilizadas no
período monárquico, cuja denominação recebida constantemente vinha acompanhada da
pecha de atrasadas ou obsoletas.
No entanto, essa proeza de introduzir a instrução na modernidade não deveria recair
somente à alçada dos poderes públicos, “mas também da iniciativa particular, da cooperação
dos pais de família e principalmente de um bom mestre”, ressalta Arlindo Nogueira. Ser
moderno no quesito educação era uma postura que deveria ser assumida por toda a sociedade,
portanto, não sendo atribuição unicamente do Estado, mas a ele recairia o papel da condução
dessas ações.
A mensagem do governador ressalta que a decadência da instrução pública ainda tem
suas ligações com a falta de professores idôneos para ministrarem os conhecimentos básicos
da língua portuguesa à população em idade escolar. Arlindo Nogueira admite que outras
causas têm corroborado para o estado lastimável da instrução primária, mas seriam causas que
só o tempo, bem como a honesta e constante fiscalização e a regeneração financeira do Estado
encarregar-se-iam de eliminar.
Nota-se, com isso, que o poder público passava a atribuir quase exclusivamente à
atuação dos professores a baixa qualidade do ensino sendo recorrente a discussão detalhada
em relação à reduzida qualidade na formação dos docentes como responsável pelas
dificuldades enfrentadas no ensino em Teresina e no Piauí. Porém, os demais elementos que
também contribuíam para tal cenário histórico eram tratados de forma genérica e superficial,
quase sendo naturalizados pelos governadores da época.
90
O magistério, portanto, era responsabilizado pelo nível de obsolescência da instrução
no período, exceto quando se tratava do ensino secundário, pois em relação ao ensino
secundário e suas novas necessidades, Arlindo Nogueira advoga que
A instrução secundária ministrada no Lyceu Piauhyense por um corpo
docente, apto e competente, tem correspondido aos intentos que dictaram
sua criação. Sendo uma grande necessidade para os nossos jovens patrícios
desprotegidos da fortuna uma escola profissional que os habilite a ganhar
honradamente os meios de subsistência, desejo dar este anno execução à lei
nº 255 de 13 de julho de 1900, que criou nesta cidade um estabelecimento
de educação com a denominação de Lyceu de Artes e Offícios, para o que
deveis habilitar o governo com os créditos necessários (NOGUEIRA, A. F.
Mensagem. 01 jul. 1903, p. 27).
O perfil dos docentes que ministravam aulas no Lyceu Piauiense difere bastante do
descrito nas escolas primárias. A competência e a aptidão são destacadas como virtudes que
deveriam ser seguidas em outras instituições de ensino, como o Lyceu de Artes e Ofício,
conforme sugestão do próprio governador do Piauí
.
Arlindo Nogueira, argumentando com os membros da Assembléia Legislativa,
assegura que a instalação daquele instituto profissionalizante, que teve sua inauguração adiada
por muito tempo em razão das deficiências orçamentárias, o aumentaria as despesas dos
cofres públicos do Estado, a não ser nos dois primeiros anos de implantação e aprimoramento.
O Lyceu de Artes e Ofício tratava-se de um projeto profissionalizante com claros objetivos de
atender aos jovens pobres da cidade de Teresina.
Tal instituto funcionaria com organização modesta e simples, que, de acordo com
Arlindo Nogueira, preencheria uma grande lacuna no Estado, que o dispunha de fábrica de
móveis, de calçados e outros artefatos, nem mesmo oficinas que pudessem atender
prontamente as demandas dos pedidos urgentes. Arlindo Nogueira chama atenção para os
grandes benefícios da instalação desse estabelecimento de ensino profissionalizante. Após a
montagem do estabelecimento, levaria pouco tempo para a redução nas despesas do
orçamento, pois os móveis para repartições públicas, o fardamento e calçado para o corpo
militar da polícia serão preparados naquele estabelecimento, dando alívio aos cofres públicos.
É importante notar a diferenciação feita pelo governador em relação ao ensino
ministrado para os “jovens desprotegidos de fortuna”, que deveria ser um ensino
profissionalizante, que os habilitassem a ganhar sua subsistência, daquele que era proposto
aos jovens abastados, cujo ensino visava ao prosseguimento nos estudos e à ocupação de
outros espaços de prestígio no seio social. Destaca-se a importância atribuída pelos governos
91
republicanos ao ensino profissionalizante, considerado um importante aliado na conquista do
progresso na sociedade que se pretendia estruturar.
Isso remete ao problema das diferentes propostas estruturadas no Brasil em relação ao
público atingido pelo ensino, pois como discute Ribeiro,
[...] a manutenção dos padrões tradicionalistas no ensino secundário e a
permanência da idéia de que o ensino profissional (elementar e médio)
destinava-se às camadas menos favorecidas, acaba por agravar o problema
referente às distintas formações: um conjunto de escolas propiciava a
formação das “elites” e, outros,a do “povo”. (RIBEIRO, 2003, p. 90).
Vale lembrar que os olhares sobre a importância do Liceu Piauiense na formação dos
cidadãos piauienses remontam a períodos pretéritos, pois em certos momentos da
administração do Estado ele era considerado um dos marcos na introdução do Piauí na auto-
suficiência, pois se defendia a idéia de que
[...] é conveniente desde colocar o Lyceu desta capital em condições de
poder satisfazer aos fins de sua criação, ampliando o seu programa de
ensino, de sorte que a mocidade piauhyense o tenha de se ver na
contingência de fazer sacrifícios, muitas vezes superiores às suas forças,
indo estudar em outros Estados (CARVALHO E SILVA, C. de. Mensagem.
08 jun. 1893, p. 27).
Implantar um ensino de qualidade no Piauí, semelhante ao ministrado em outros
centros urbanos no Brasil, significava pôr o Estado no mesmo nível de desenvolvimento que
outros Estados vistos como modernos.
Além de buscar adequar o programa de ensino do Liceu ao conteúdo programático
exigido no Gymnásio Nacional, almejando o ingresso dos alunos piauienses nos diferentes
cursos superiores do país, essa medida pretendia dar maior autonomia ao Piauí em relação a
outros estados. O progresso do Estado era compreendido, por grande parte das lideranças
políticas, como efetivação de sua autonomia e desenvolvimento nesse contexto federalista.
A esse caráter propedêutico atribuído ao ensino secundário, Leôncio Basbaum,
discutindo sua relação com o bacharelismo vigente no período no território brasileiro, faz a
seguinte análise
O fato mais digno de significação do ponto de vista cultural nesse período
é o que se chamou de bacharelismo, no pior sentido, significando a mania
generalizada entre os respectivos pois, de formar o filho, dar-lhe de
qualquer modo um título de doutor. [...]
92
[...]pois ser doutor era, senão um meio de enriquecer, certamente uma
forma de ascender socialmente. Ao doutor abrem-se todas as portas, e,
principalmente, os melhores cargos do funcionalismo (BASBAUM, 1962,
p. 288).
Essa associação entre formação escolar e cargos burocráticos é uma característica
presente em diferentes momentos da história brasileira, inclusive, JoMurilo de Carvalho
(2003), ao discutir a sociedade brasileira durante o período monárquico, analisa a importância
da instrução na composição e organização dos quadros burocráticos que administraram e
conduziram o Estado brasileiro durante a configuração histórica do Império, característica que
se verifica também após a implantação da República, como se nota na correspondência do
governador do Piauí, Coriolano de Carvalho e Silva, em 1903.
Para alcaar tal intento de adequação do Liceu ao programa do Gymnásio Nacional, o
governador Coriolano dizia ser de extrema urgência a criação das cadeiras de alemão, ciências
físicas e história natural. A criação dessas novas cadeiras iria contribuir para o acréscimo das
despesas e do orçamento público, mas isso seria contrabalançado em parte pela supressão do
lugar de diretor, podendo qualquer um dos professores daquele estabelecimento acumular
essas funções, mediante uma gratificão, conforme o aumento de trabalho que pudessem ter.
O governador Coriolano ainda ressaltava que muitas crianças pobres encontravam-se em um
estado de abandono por não disporem de recursos indispensáveis para freqüentarem os
estabelecimentos de instrução. Nesse sentido, clamava em favor do restabelecimento do
antigo estabelecimento do Colégio de Educandos Artífices
15
, para suplantar o estágio de
ignorância no qual se encontravam vários jovens e crianças do Estado.
Além disso, estabelecimentos como esse surgiam com o intuito de controlar a
população carente, que vivia perambulando pelas ruas da cidade e provocava conflito e
angústia à sociedade” (ARAÚJO, 1995, p. 14). Por esses discursos governamentais, observa-
se que a carência que atingia significativa parcela da população piauiense afetava também o
atendimento ao ensino público, que também assumia seu caráter de controle social.
O quadro de deficiência na escolarização do Piauí assemelha-se ao vivenciado em todo
o Brasil, pois, Segundo Maria Luísa S. Ribeiro (2003), “em 1920, 65% da população de
quinze anos e mais era analfabeta”. Esse percentual passou seria maior no mesmo período,
segundo essa autora, se forem considerados os brasileiros de todas as idades, subindo para
15
Esse estabelecimento foi encaminhado pela Lei 220, de 24 de setembro de 1847 e foi inaugurado no dia
de dezembro de 1849, na administração do Dr. Anselmo Francisco Piretti. Iniciou suas atividades com 15 órfãos
que freqüentavam as oficinas de carpina, marceneiro, ourives, alfaiate, ferreiro e sapateiro. O estabelecimento foi
extinto pela Lei 808 de 4 de agosto de 1873. Nesse mesmo ano, a Lei 824 de 12 de agosto determinava a
criação do Internato Artístico, mas foi extinto no ano de 1875, pela Lei nº 185 de 16 de junho do mesmo ano.
93
75% a parcela de analfabetos. Diferentes níveis de ensino foram afetados por esse cenário de
carência. O ensino secundário, dessa forma, no geral, ficou circunscrito a um reduzido e
abastado público. Esse nível de ensino, embora com problemas, apresentou melhor estrutura,
como no quesito qualidade dos professores.
O reconhecimento da competência do corpo docente atuante no Liceu é recorrente,
mas ainda haveria certas lacunas no seu programa de ensino que impossibilitava ao alunado
seguir com maior facilidade nos cursos superiores. Em 1906 o governador Álvaro de Assis
Osório Mendes comunica que
A instrução secundária continua a ser ministrada no Lyceu Piauhyense, em
cuja corporação docente figuram professores de incontestável competência,
mas a verdade é que na vigência dos exames parcelados, não recebiam ali
os estudantes o preparo preciso para com facilidade e real proveito seguirem
os cursos superiores (MENDES, A. A. O. Mensagem. 01 jun. 1906, p. 31)
Mais uma vez a preocupação com o acesso ao ensino superior faz-se notar no discurso
governamental. A modernidade o impediu que o Piauí convivesse com a dicotomia na
proposta de ensino vigente no Brasil: uma escola cuja função era dar condições de
prosseguimento dos estudos e outra que deveria preparar para o mercado de trabalho. A
primeira, voltada para os grupos mais abastados da sociedade; a segunda, restrita às camadas
populares. Nem a mudança do regime político, nem a passagem do século alteraram muito
essa perspectiva.
As atenções sobre o ensino secundário, especificamente sobre o Liceu continuavam
pauta nas ações governamentais do Estado. Em 1928, o governador Matias Olympio de
Mello, em mensagem à Assembléia Legislativa no dia 1º de junho de 1928 destacava que para
melhorar o atendimento daquele estabelecimento de ensino foram feitas reformas, por
intermédio do Diretor de Obras Públicas, no sentido de comportar os serviços lectivos do
Lyceu, com um curso activo de cinco anos”.
Após as modificações no prédio, que tinham instalado mais quatro classes e dois
gabinetes, o quadro de disciplinas daquela época era assim distribuído: Português, Aritmética,
Álgebra, Geografia, Cronografia, Cosmografia, Física, Química, História Universal, História
do Brasil, Filosofia, Instrução Moral e Cívica, Desenho e Escrituração Mercantil. Mesmo com
essas adequões no pdio e no cronograma curricular do Liceu, o governador Matias
Olympio menciona a redução de matriculados que caiu de 108, em 1927, para 82, em 1928.
Conforme o diretor do Liceu àquela data, reproduzida na mensagem governamental
94
As causas dessa decadência de matrícula residem na concessão federal do
Decreto 5.303 A, de 31 de outubro de 1927, que permitiu novo regimem
de exames parcellados, determinando que muitos alumnos abandonassem a
garantia e solidez do estudo systemático do curso, para aproveitar os
privilégios do mesmo Decreto, pelo qual poderão concluir os exames mais
rapidamente, ainda que com o mais breve conhecimento das matérias
(MELLO, M. O. de. Mensagem. 01 jun. 1928, p. 19).
Note-se que a defesa do diretor do Liceu reforçava a idéia de que não havia nada de
errado ou incomum nos serviços oferecidos no estabelecimento, enfatizando que o problema
originava-se em função das determinações do decreto federal, cujos privilégios oferecidos aos
alunos seriam questionáveis por comprometer o conhecimento das matérias. Esse
aligeiramento das matérias estava em consonância com o cenário histórico da época, segundo
o qual ser moderno implicava em ganhar tempo. Esta compreensão expandiu-se ao ensino e
afetou os exames do Liceu Piauiense com sua celeridade, vista pelo governador como
comprometedora da qualidade do ensino.
Em contrapartida, a instrução primária continuava com seus cambaleantes passos,
cujos problemas estavam vinculados, conforme os discursos dos governadores até aqui
mencionados, à falta de professores qualificados e pela escassez de recursos monetários para a
remuneração de professores melhor preparados. Álvaro Mendes afirmava que
Toda solicitude e esfoos dos poderes públicos reclama a instrução
popular, que infelizmente está ainda muito longe do grão de adiantamento,
que deveríamos ter attingido. A causa deste lastimável atrazo não é
devido tanto, fooso é confessá-lo, à falta de leis e reformas bem
planeadas, como mui especialmente a costumes e condições locaes, contra
os quaes urge reagir. A instrução primária, que cumpre religiosamente
difundir-se por todo o povo, depende essencialmente de professores
habilitados e dedicados, que o é fácil encontrar para as localidades
centrais com a parca remuneração que o Estado lhes oferece (MENDES, A.
A. O. Mensagem. 01 jun. 1906, p. 32).
Álvaro Mendes ainda destaca que, como elemento agravante, os pais pobres que
moravam nas regiões mais interioranas do Estado não tinham condições de prover tal
educação, pois se encontrariam distantes das sedes das vilas e cidades, evidenciando que a
instrução restringia-se aos espaços urbanos. O governador salienta, então, que na lei n. 267 de
20 de junho de 1901 estava decretada a obrigatoriedade do ensino primário.
95
É importante destacar o que Ribeiro (2003) afirma ao lembrar Florestan Fernandes,
que “assinala o fato de o crescimento das oportunidades escolares ter sido um mérito do
governo republicano” (p. 84-85) .
Tal lei ainda estabelecia multa conversível em prisão por 4 dias paraos pais, tutores e
curadores, que deixassem de matricular nas escolas públicas e particulares os menores de 9
anos”. Mesmo a educação primária o sendo ofertada de maneira satisfatória, ao menos nos
estabelecimentos blicos, as normas de punição eram bem taxativas. Contudo, Álvaro
Mendes diz que tal lei ainda não havia sido regulamentada e não achava conveniente esse
desideratum, pois as autoridades que a pusessem em execução estariam diante de
considerações morais, dignas de respeito.
Essa medida apresenta o grau de intervenção estatal no ordenamento do estado,
adotando ações que o aproximassem do que era considerado moderno à época, mesmo que
isso ocorresse de forma compulsória ou apenas mediante normas escritas, que não eram
implantadas na prática. Um Estado que apresenta as punições, mas não oferece condões
práticas de inserção da população nos benefícios prometidos, aquilo que Nicolau Sevcenko
(1999) denominou de “inserção compulsória na Belle Époque”, referindo-se à modernização
excludente ocorrida nas primeiras cadas da República brasileira.
2.3 As (in)certezas do tempo: horizontes da instrução pública na década de 1920
A cada de 1920 é iniciada com a esperança de superação da trajetória de percalços
da instrução pública. Tal euforia era sentida em todo o país, pois se discutiam as
possibilidades de reformulação da educação. Na capital piauiense, o tom era de que os males
que acometiam o bom andamento da instrução também eram responsáveis por outros
problemas que Teresina e todo o Estado enfrentavam, pois se dizia que
Padecemos de enfermidades alarmantes, proliferando no pântano do
analphabetinsmo, conia tenebrosa de mais de noventa por cento da
população, onde se geram e multiplicam todos os dissolventes da saúde do
corpo e do espírito (MARTINS, 1920, p. 7-8).
Para Elias Martins, a anarquia pela qual a sociedade teresinense passava devia, em
grande medida, à desestruturação da instrução pública e aos grandes índices de analfabetismo.
96
As “enfermidades” não se restringem aos aspectos físicos, mas, como destaca Elias Martins,
ao próprio espírito, visto que o universo de analfabetos corroborava o quadro de miséria e de
fome Essa mesma preocupação esteve presente nas instâncias do poder público. Sobre a
administração pública, Elia Martins fala da importância de uma ação pública comprometida,
visto que “administrar é prever, evitar o mal, produzir o bem” (p. 10).
No relatório da Diretoria da Sociedade Auxiliadora da Instrução
16
, publicado em 1922,
é feito um balanço analítico das condições materiais, humanas e financeiras da instrução
pública em Teresina e nas demais cidades piauienses. O relatório apresenta-se em forma de
livro, que está intitulado de “A Instrução Pública no Piauhy”. Em nota de abertura do livro, a
diretoria diz não haver momento melhor para a exposição da instrução pública no Estado,
visto que àquela data comemorava-se o centenário da independência política do país.
Segundo a própria diretoria, esse panorama da instrução pública nasceu da necessidade
de se “estudar as causas da decadência do nosso ensino e de apontar os meios de removê-las”
(p. 05). Buscava-se cartografar a instrução pública em Teresina e demais cidades piauienses
para, a partir de então, pudessem ser dados passos mais firmes em direção à otimização do
ensino.
Em resposta à convocação feita pelo Governador João Luiz Ferreira (1920-1924),
Mathias Olympio, em julho de 1921, diz que a importância do ensino público era de tal
figuração que em toda parte do mundo tinham sido feitas ações para o seu desenvolvimento.
Contudo, os exemplos mundiais não estavam tendo ressonâncias práticas no Estado, no
tocante ao ensino primário. Segundo Mathias Olympio, antes das diversas leis que tornavam
obrigatório o ensino primário, os governos deviam se preocupar com a formação de seus
professores. As leis que versavam sobre tal obrigatoriedade tornaram-se inertes e obsoletas,
em função de que
No regime decahido, como nos primeiros dias da República, nada se fez
pelo ensino. As escolas viviam abandonadas e entregues a pessoal
absolutamente incompetente. Chegou mesmo a ser commentado na
imprensa o caso de uma professora do interior inteiramente analphabeta,
que percebeu durante muitos annos os vencimentos do cargo, considerado
pelo marido como achego em retribuição a serviços políticos,
16
Sociedade fundada no ano de 1908 e inaugurada em de janeiro de 1909 para, inicialmente, financiar as
despesas da Escola Normal Livre, que fora fundada para atender os segmentos sociais mais humildes. Com esse
objetivo muito restrito, a sociedade foi praticamente fechada, sendo reativada na década de 1920. No dia 06 de
julho de 1921, o governador João Luiz Ferreira enviou comunicado a Mathias Olympio de Mello, para compor
comissão de estudo sobre a instrução pública. À data de 1922 a Diretoria da Sociedade era composta por:
Mathias Olympio (Presidente); Pedro Borges da Silva (Vice-Presidente); João Osorio Prophirio da Motta (1º
Secretário); Francisco Portella Parentes (2º Secretário); Manoel Raimundo da Paz Filho (Tesoureiro); e Anísio
de Britto Mello (Orador).
97
anteriormente prestados. Um outro, certa vez, castigava os discípulos
porque haviam datado as escriptas de 1º de outubro, quando ao seu ver,
deviam ser de 31 de setembro (MELLO, M. O. Relatório da Sociedade
Auxiliadora da Instrução . 1922, p. 12).
Com esses argumentos, inclusive citando o jornal “Pátria”, nº 184 de 11 de outubro de
1905, Mathias Olympio afirma que os primeiros anos do século XX não foram encaminhados
de tal maneira que pudessem contribuir para o preparo de professores para o ensino primário.
Somando-se a isso ainda se observava que a maioria dos prédios escolares, nos idos de 1910,
não apresentava condições adequadas ao ensino. Quanto a isso, Ribeiro (2003) afirma que no
Brasil “ainda em 1907, o tipo comum de escola primária é a de um professor e uma
classe, agrupando alunos de vários níveis de adiantamento” (p. 85).
Além disso, a assertiva de Mathias Olympio corrobora a informação dada por
Clodoaldo Freitas, em seu livro História de Teresina, escrito em 1911, quando fala de casos
de professores analfabetos em pleno exercício das funções. A retribuição a serviços
políticos” também havia sido denunciada por Clodoaldo. Isso deixa transparecer que “a
influência política na contratação de professores na rede blica acontecia rotineiramente”
(FERRO, 1994, p. 86). Geralmente ocorria indicação feita por pessoas de poder ou prestígio
político, desvalorizando-se o preparo para o magistério e isso contribuía para aquilo que a
quase totalidade dos governantes debatiam: o despreparo dos professores.
Conforme Mathias Olympio, somente em 1908 procurou-se focalizar esforços efetivos
para o soerguimento do ensino. É salutar dizer que essa anemia nas ações para a superação da
decadência do ensino estava atrelada aos acontecimentos nacionais, pois, como lembra
Nicolau Sevcenko (1999), de 1889 aos idos de 1904 o país passou “por uma série contínua de
crises políticas” (p. 25) em decorrência do reajuste social surgido com a ordem republicana.
Ações mais enérgicas para a melhor configuração do ensino se manifestaram com a
fundação da Escola Normal Livre na cidade de Teresina. No ano de 1910, no governo de
Antonino Freire da Silva, a Escola Normal Livre foi transformada em Escola Normal
Oficial
17
. O objetivo da Escola Normal Livre era a maior difusão do ensino como uma
proposta democrática da instrução. Sua proposta pedagógica também era diferenciada.
Enquanto o ensino tradicional, com matizes clericais, distribuía suas nove cadeiras em um
período de três, na Escola Normal Livre havia dezenove cadeiras distribuídas em um
17
Essa transformação se deu por meio das reformas da Instrução Pública Estadual encaminhada a partir da Lei n.
548 de 30 de março de 1910, no governo de Antonino Freire.
98
interstício de quatro anos de frequência
18
. Mesmo tendo funcionado apenas por um ano, a
Escola Normal Livre foi valorosa para a instrução no Piauí, visto que
Sua curta existência, contudo, ajudou a forjar o modelo de professorado
ideal para as escolas públicas e mostrou a necessidade e a viabilidade de se
ter docentes com formação profissional específica para servir como agentes
de modernização da sociedade piauiense (LOPES, 2001, p.32).
O modelo ideal de professorado tinha apoio por parte do governo estadual, pois sua
política reformista também pretendia construir aquele perfil docente. Nesse sentido, o Decreto
nº 434 de 19 de abril de 1910, em consonância com as reformas à instrução pública,
determinava, dentre outros pontos, que a Escola Normal estaria estruturada em dezoito
cadeiras. Além disso, determinava a criação de uma Escola Modelo, na qual seriam
desenvolvidas atividades práticas, mas com currículo similar ao do ensino primário.
O quadro da instrução pública nacional, segundo Mathias Olympio, confirmava a
estatística do ano de 1910, que apontava uma população de 75% de analfabetos. Nesse
sentido, “como uma das unidades federativas, o Piauhy, neste tocante, não offerece o menor
progresso” (p. 17). Dessa maneira, Mathias Olympio deixa transparecer que as dificuldades
do ensino no Estado são ecos da desestruturação da educação no país. Mathias Olympio
lembra que, fazendo uma média estatística, o número de matrículas no Estadoo ultrapassou
os 0,6%, no período de 1911 a 1920. Em um universo de 555.917 habitantes, isso significa
que para cada mil habitantes apenas seis se matricularam nas escolas do Estado. Nem a cidade
de Teresina, que gozava de melhores serviços, não apresentava um cenário dos mais
gloriosos, visto que
No município desta capital, que é o mais bem servido no Estado em
matéria de ensino, o recenseamento a que ultimamente se procedeu acusou
uma população de 52.525 pessoas, das quaes 8.645 sabem ler, sendo
analphabetos 43.610. Em a nossa capital, portanto, a percentagem de
analphabetos é de 83% (MELLO, M. O.de. Relatório da Sociedade
Auxiliadora da Instrução. 1922, p. 17).
18
O curso da Escola Normal Livre foi ampliado com as cadeiras de Ginástica Sueca, História Universal,
Álgebra, Literatura Nacional, Música, Italiano, Noções de ciências físicas e naturais e de Direito Constitucional.
A lei n. 642 de 17 de julho de 1911 estabelecia o período de quatro anos com a seguinte distribuição: Ano:
Português, Francês, Aritmética, Geografia, Desenho, Música, Trabalhos Manuais e Gistica; 2º Ano: Português,
Francês, Aritmética e Álgebra, Geografia, Cosmografia, Pedagogia e Metodologia, Física e Meterologia,
Desenho, Música e Trabalhos Manuais; 3º Ano: Português, Francês, Geometria e Trigonometria, Física e
Química e Meterologia, História Natural (Zootecnia e Botânica), Arboricultura, Horticultura, Jardinagem,
Pedagogia, Metodologia e Educação Moral e Cívica, Desenho, Música e Trabalhos Manuais; Ano: Literatura,
História Natural, Mineralogia e Geologia, Economia Rural e Higiene, História da Civilização e do Brasil,
Pedagogia e Metodologia, Economia Doméstica, Educação Moral e Cívica.
99
Para Mathias Olympio, essa situação era desconfortante pelo fato de que na capital
havia tanto escolas públicas estaduais como municipais. Destaca que a matrícula devia
alcançar índices maiores e que isso não ocorria em virtude da decadência do ensino. Com
essa constatação, o presidente da Sociedade Auxiliadora da Instrução elenca as causas por tal
decadência:
I) Inobservância dos dispositivos do Regulamento, donde:
a) Faltas na sua direcção;
b) Auncia de fiscalisação;
c) Impreparo technico de grande parte do professorado;
d) Falta de formação de espírito profissional do professorado.
II) Falta de prédios para funccionamento das escolas e de material escolar.
III) Intromissão indebta de interesses estranhos à instrução na escolha de
elementos por ela responsáveis (MELLO, M. O. Relatório da Sociedade
Auxiliadora da Instrução. 1922, p. 18).
No trecho citado, percebe-se que outros condicionamentos que impulsionavam a
decadência do ensino público, e não somente a inexistência de um corpo docente preparado.
Aspectos de cunho burocrático, material e político endossavam os entraves à educação
pública. No tocante aos espaços, nota-se que a falta de prédios destinados ao ensino ainda era
uma preocupação marcante no processo de modernização da instrução e da própria cidade.
Teresina, mesmo sendo a “sereia” que atraía os melhores investimentos, mostrava que seu
canto dissipava-se mediante a proliferação de uma sociedade analfabeta. Segundo o artigo 199
do Regulamento Geral da Instrução, as escolas dos povoados, das vilas e das cidades deviam
ter no mínimo o número de 20, 30 e 40 alunos, respectivamente, para estarem em
funcionamento. Por esse dispositivo, as “Escolas Reunidas” de Teresina deveriam estar
fechadas, pois não atendiam aos números mínimos exigidos.
No tocante ao Liceu Piauiense, em particular, às causas apontadas para a
ineficiência do ensino são somadas outras que explicariam o declínio nas matrículas. As
razões seriam:
a) o curso seriado de 5 annos;
b) a prohibição de matrículas para alumnos ouvintes;
c) a faculdade para inscripção de alumnos não matriculados, candidatos a
exames avulsos até o número de quatro, podendo, deste modo, ser o curso
feito em três annos;
100
d) permissão para os lentes leccionarem particularmente e examinarem no
Lyceu (MELLO, M. O. Relatório da Sociedade Auxiliadora da Instrução.
1922, p. 21).
Tais razões tornavam o ensino ainda fragilizado e com poucos resultados no tocante à
projeção da cidade e de todo Estado aos patamares das culturas mais desenvolvidas, como
salienta Mathias Olympio, considerando desenvolvimento pré-requisito para inserir-se na
modernidade. A partir do relatório apresentado, o governador João Luiz Ferreira se fez
pronunciar por meio de inúmeras alterações ao Regulamento Geral da Instrução Pública,
aplicados pelo Decreto n. 771, publicado no dia 06 de setembro de 1921.
Ficava decretado que permaneceriam em vigor, com certas alterações, o Regulamento
previsto pelo decreto nº 434 de 19 de abril de 1910 e o decreto nº 621 de 19 de abril de 1915,
que versavam sobre a instrução pública. Para o Liceu Piauiense, foi decretado que ficariam
suas funções a cargo da Sociedade Auxiliadora da Instrução, assistindo ao Estado o direito de
fiscalização direta e imediata sobre o estabelecimento de ensino.
A administração, direção e inspeção das escolas primárias e profissionais, bem como
na Escola Normal, permaneceriam a cargo do Diretor Geral da Instrução Pública, que também
seria o diretor da Escola Normal. As escolas públicas subvencionadas ao Estado seriam
inspecionadas somente por ele. A inspeção técnica das escolas públicas ficaria sob
responsabilidade do Conselho Superior de Instrução Pública e pelos inspetores de ensino, que
foram criados pela Lei nº 1.020 de 23 de julho de 1921. Ao diretor geral da instrução pública
foram atribuídas funções ligadas à organização dos regimentos escolares; presidir concursos
para seleção de professores para o magistério público normal; responsabilidade pelo controle
da folha de pagamento da Diretoria Geral e da Escola Normal; empossar professores,
inspetores, funcionários da Escola Normal e da educação primária pública; autorizar e rever
tabela de quotas destinadas ao aluguel dos prédios onde funcionariam as escolas;
responsabilizar-se pelos livros de escrituração da Diretoria Geral e da Escola Normal; aplicar
as devidas penalidades a professores, inspetores e lentes da Escola Normal, bem como
processá-los, caso fosse necessário.
Essas medidas faziam parte da proposta de reestruturação do ensino público,
pretendendo agilizar a seleção, aplicação e fiscalização tanto de recursos financeiros como da
contratação e atuação de professores.
As dificuldades acerca da efetivação e gerenciamento da instrução pública faziam com
que o ensino se situasse, de maneira geral, à capital do Estado, visto que em outras cidades
piauienses a educação pública era ainda mais incipiente. Teresina era a caixa de ressonância
101
do que Marta Maria Chagas de Carvalho (2004), citando Moysés Kuhlmoann Jr, denominou
de “trilhar da nação rumo ao progresso, amparada pela ciência, pela indústria e pela técnica e
arrolavam profusas informações ‘sobre instituições que indicariam o progresso alcançado” (p.
382).
Segundo o governador João de Deus Pires Leal (1928-1930), essa realidade sofreu
alguma alteração justamente em sua gestão, pois
A instrução pública até 1926 era, como sabeis, quase que somente na
capital. Em 1927, porém, o governo municipal de Parnahyba deu-lhe um
grande impulso ali. Nos demais municípios do interior ela não dava os
resultados que eram de esperar dos dispêndios que o Estado fazia. As
escolas, com poucas exceções, o funcionavam regularmente nem tinham
instalações condignas. Poucas eram regidas por professoras normalistas,
não obstante o crescido número de diplomadas pela Escola Normal (LEAL,
J. D. P. Mensagem. 01 jun. 1929, p. 30).
Isso demonstra o quanto a educação pública ainda apresentava traços de
desestruturação. As razões eram associadas em grande parte ainda à falta de recursos
financeiros para o financiamento e à existência de poucas professoras normalistas, mesmo
havendo um grande número de egressas da Escola Normal. De acordo com Pires Leal, o
vencimento dedicado ao pagamento das professoras no interior do Estado era inferior ao
pagamento de professoras da capital.
Situação evidenciada, sobretudo, nas correspondências emitidas pelo Inspetor Geral da
Instrução Pública no Piauí, destinadas ao Executivo Estadual mediante as quais é recorrente a
apresentação de cadeiras vagas no ensino fora da capital, mesmo quando abertas inscrições
para o provimento de cadeiras para o magistério.
Nesse sentido, o governador teria assumido o compromisso de equiparar os
vencimentos como uma forma de diluir as condições discrepantes daquele quadro. Para tal
intento, Pires Leal afirma ter contado com a colaboração dos Intendentes Municipais,
destacando que
Desse modo, pude aparelhar devidamente e inaugurar os grupos escolares
de Floriano, Picos, Campo Maior e Oeiras e nomear várias professoras para
diversas escolas existentes, ampliando-lhes, assim, a acção, como
diversas outras para escolas por mim criadas, como sejam: uma noturna,
para operários, no “Centro Proletário” desta capital; uma no povoado “Novo
Estado”, do município de Belém; uma em “Santa Rita”, no município de
Uno; outra no povoado “Sacco”, deste município e outra em “Mato
Secco”, município de Miguel Alves (LEAL, J. D. P. Mensagem. 01 jun.
1929, p. 30).
102
Pires Leal lembra à Assembléia Legislativa que nomeou um total de 28 professoras
normalistas para o interior e que o número não foi maior, em decorrência da
impossibilidade financeira para aparelhar novos grupos escolares e escolas. O governador
alegou que quando assumiu o governo do Estado havia somente cinco grupos escolares no
interior, sendo dois em Parnaíba, um em União, um em Barras e um em Livramento. Os de
Parnaíba e de Barras funcionavam em instalações condignas e possuíam uma freqüência
satisfatória. Por outro lado, em União e Livramento os prédios eram inadequados à função.
Sobre o ensino rural, Pires Leal admite a inviabilidade de otimizá-lo pela falta de
recursos financeiros e por não haver normalistas que se dispusessem a desbravar os mais
longínquos arraiás do interior. Como possível solução, o governador sugere a criação de um
curso destinado ao preparo de professores que possam assumir o ensino rural, em termos
numéricos e de qualidade. Acerca da Escola Normal, Pires Leal diz que o Diretor Geral de
Instrução propõe o aumento da carga horária de quatro para cinco anos, em função do
acúmulo de matérias que eram ministradas no 3º ano.
O governador Mathias Olympio (1924-1928), no ano de 1926 comemorava, junto aos
membros da Assembléia Legislativa, o elevado índice de matcula na Escola Normal
argumentando que “é com desvanecimento que cientifico aos senhores Deputados o aumento
constante da matrícula nessa casa de ensino, comprovando, assim, a confiança que vem
inspirando a sociedade piauhyense”. Essa euforia fazia parte, como destaca Maria Luisa
Santos Ribeiro (2003), de uma tendência de otimismo e entusiasmo em relação à educação. O
ambiente de contestação de idéias e de agitação, como as revoltas do Forte de Copacabana, de
1924 e a Coluna Prestes, de 1924 a 1927 teria ressonâncias nas reflexões acerca da
organização escolar.
Essa euforia também se explicava pelo fato de que a década de 1920 foi marcada,
também, por passos largos no intuito de consolidar o ensino em Teresina, e no próprio Estado.
Por esse viés, nota-se que década de 1920 foi inaugurada com “a construção do primeiro
prédio especificamente destinado a uma escola no Piauí: o da Escola Normal” (LOPES, 2001,
p. 188). Nos idos de 1926 criou-se legalmente o primeiro grupo escolar em Teresina: o Grupo
Escolar Demóstenes Avelino, mas foi no ano de 1927 que a euforia aflorou e se fez notar.
Segundo Lopes (2001), as festividades e as comemorações
19
do dia 15 de outubro de 1927,
que faziam nítida referência ao centenário do Ensino Primário no Brasil, compunham o
19
Segundo Lopes (2001), as festividades concentraram-se no Grupo Escolar Demóstenes Avelino, na Escola
Modelo e na Escola Normal. Menciona que em 1928 o modelo Grupo Escolar foi ampliado na capital, com a
criação dos Grupos Escolares José Lopes, Antonino Freire, Teodoro Pacheco e Matias Ompio.
103
cenário de otimismo promovido pela existência dos grupos escolares na capital. Além disso,
tais “comemorações serviram também para delimitar as instituições melhor aquinhoadas com
a modernização escolar na capital” (p. 190). Para Lopes, esse modelo educacional era a
“representação máxima da modernidade” em todas as dimensões.
Em contrapartida, Pires Leal, no ano de 1930 alerta para a pouca exigência para o
ingresso e preparo das estudantes, o que aumentou desordenadamente o número de matrículas
e agravando a pouca estruturação do ensino. No mesmo ensejo, Pires Leal ainda destaca que
O ensino secundário neste Estado é ministrado no Lyceu Piauhyense, no
Gymnasio Parnahybano, no Collegio S. Francisco de Salles, no Instituto
Coelho Rodrigues, no Gymnasio Municipal de Floriano e em poucos
estabelecimentos ou aulas paritculares de menor importância (LEAL, J. D.
P. Mensagem. 01 jun. 1930, p. 24).
No trecho citado, pode-se notar que as muitas medidas que visavam a difusão do
ensino público não conseguiam superar a existência das poucas aulas ligadas ao setor privado.
Além disso, segundo Pires Leal, o aumento das matrículas não significou melhoria no preparo
dos professores, pois havia “pouca exigência” para o ingresso nos cursos da Escola Normal.
Mesmo ressaltando uma maior abrangência do ensino secundário no Estado, Pires Leal chama
a atenção para o fato de que, por razões de vencimentos baixos, os professores que ministram
aulas no Liceu não podiam se dedicar inteiramente à função docente e que isso fragilizava a
qualidade do ensino e o preparo dos jovens para os cursos superiores.
Isso remete ao que é apresentado por Ribeiro (2003, p. 89), ao discutir as dificuldades
enfrentadas no ensino brasileiro nas primeiras décadas da República, atribuindo isso “à falta
de escolas primárias, ao problema da evasão, bem como ao fato de as escolas secundárias
serem predominantemente pagas” o que fez com que “o número de alunos com condições de
cursar se restringia a elementos originários de setores altos e, paulatinamente, também dos
médios, cujo objetivo era o curso superior”.
A instrução pública em Teresina, em fins do século XIX e princípios do XX, assim
como ocorria em outras regiões brasileiras, esteve marcada por um conjunto de
condicionamentos que a fizeram ser representada como uma instituição em decadência. Seus
gestores, em sua maioria as lideranças políticas, elencavam as várias razões para tal estado de
paralisia. A falta de recursos era causa mais pontuada como vilã desse processo de
imobilidade no ensino. Isso seguido, como ressonância, de um corpo docente pouco preparado
e com condutas subsidiadas pelos favorecimentos políticos. A década de 1920, lutando contra
104
os “vícios” que se instalaram, iniciaria uma esfera de otimismo e de projeções para a
modernização na educação.
A configuração do ensino público, e da educação de maneira geral, no Piauí, foi
marcada por avanços e recuos. Teresina caracterizou-se, assim como nas demais instâncias,
em ponto irradiador dos projetos de modernização da instrução.
Colégios, aulas particulares, seminários, escolas normais, grupos escolares, liceus.
Mais do que instituições ou estabelecimentos, foram, e o, espaços de construção e
circulação do saber. Buscou-se constituir uma sociedade regida por Atena, deusa da sabedoria
e da arte. Por meio da modernização do ensino pretendia-se fazer surgir uma sociedade
grande. Inspiração em Atena, que, segundo a mitologia, nasceu pronta das têmporas de
Zeus.
A deusa da sabedoria presenciou os ritmos das ações educacionais nos finais do século
XIX e princípios do século XX. Atena transitou entre os discursos que concebiam a
decadência da instrução como resultado negativo da falta de orçamento. A deusa viu o saber
ser negociado por meio de arranjos partidários, o que contribuiu para a existência de
professores sem preparo ocuparem a “função divina”, como outrora denominou Mathias
Olympio. A deusa também viu muitos professores terem seus vencimentos reduzidos e não
serem dignamente remunerados.
Em sua aventura pela história dos planos de modernização da educação e da cidade de
Teresina, Atena orgulhou-se do ano de 1918, em especial, pois teria visto a construção e
inauguração de um “templo” específico para a produção e contemplação do saber. Espaço no
qual os herdeiros terrenos da deusa, em poesia e prosa, falaram de seus sentimentos e desejos
de seu tempo e de seus espaços. Templo esse que foi nomeado de Academia Piauiense de
Letras. Orgulhou-se de, em meio às dificuldades, a instalação de um de um novo Pathernon,
como se fosse erguido em sua homenagem.
As relações entre modernização, educação e literatura constituíram o desenvolvimento
do “ser” moderno na cidade, pois, como afirma Maria do Socorro Rios Magalhães(1998), as
melhorias na escola, o desenvolvimento da imprensa e a instalação das primeiras tipografias
em Teresina constituíram-se como circunstâncias favoráveis para o funcionamento de um
sistema literário com coesão e em defesa de uma identidade literária piauiense. Para
Magalhães, a tradição agro-pastoril do Piauí, até o início do século XX, mantinha uma
população com traços rurais, constituída, em sua maioria, por vaqueiros e lavradores. Uma
classe letrada e urbana, com condições e interesses para o consumo de produtos literários mais
apurados, emergiria, em certas medidas, com o advento do regime republicano e suas políticas
105
progressistas, sobremaneira no tocante à instrução. Vale destacar que tais políticas de
valorização educacional acabavam por prestigiar os membros das elites locais, que teriam
seus filhos tornando-se bacharéis e os literatos de inflncia na vida social, política e cultural
do Piauí, notoriamente na cidade de Teresina.
O surgimento das primeiras tipografias em Teresina corroborou a publicação de livros
em esfera local, além da edição de revistas literárias, como a revista Litericultura, que traziam
textos como crônicas e críticas literárias. Dessa maneira, de acordo com Magalhães, somente
a partir do início do culo XX é que o surgir produções literárias de autores cada vez mais
conscientes, em torno de um projeto de uma literatura piauiense que versasse sobre assuntos e
valores locais. As gradativas melhorias na instrução pública contribuíram para uma maior
circulação dos textos produzidos, mesmo se admitindo que os índices de analfabetismo
continuavam muito altos.
A inauguração da Academia Piauiense de Letras foi um símbolo de uma sociedade que
conseguiu formar intelectuais que contribuíram para as reflexões de sua própria realidade. Por
volta de 1901, no irromper no novo século, alguns intelectuais piauienses se reuniram pela
primeira vez para discutir as idéias acerca da fundação do “Templo Literário”. A idéia foi
sendo lapidada até que ganhou mais força em 1917quando foi fundada no dia 30 de
dezembro, mas somente no dia 24 de janeiro de 1918 foi efetivamente instalada. A deusa
Atena confraternizou-se com a euforia que se propagou na sociedade teresinense. Euforia que
era expressa em anúncios da imprensa, que ressaltavam a importância desse feito, dizendo:
dias se fundara nesta capital, a Academia Piauiense de Letras, que vem
sanar em nosso meio uma falta extraordinária. E o que é melhor e mais
agradável ainda é que a novel associação começa sob os melhores
auspícios. Está assim composta a sua diretoria: Clodoaldo Freitas
presidente; João Pinheiro secretário geral; Fenelon Castelo Branco
secretário; Jonathas Baptista – 2º secretário; Antônio Chaves – thesoureiro;
Edison Cunha bibliotecário. Na sessão de domingo último diversos
sócios foram propostos e outros aceitos, estando quase completo o número
de trinta, o limite ximo para os sócios efectivos. Nesta mesma sessão,
Rui Barbosa foi aclamado seu presidente honorário. A inaugurão oficial
da APL seno dia 3 de maio próximo. Higino Cunha será o orador de
honra (A Academia. Correio de Theresina. 17 jan. 1918, p. 12).
A Academia representou um marco na vida intelectual da cidade, que, segundo João
Pinheiro (1940), tinha por objetivos examinar e discutir diversos temas sobre a realidade da
cidade e do Estado. Além disso, tinha também o objetivo de acompanhar o desenvolvimento
intelectual e científico, por meio da disseminação de palestras e conferências. E, conforme
106
João Pinheiro, promover o levantamento da instrução como forma de superar os índices de
analfabetismo e a falta de qualidade profissional nas diversas áreas do trabalho, sobretudo na
esfera educacional.
Associado a esses propósitos, ainda havia um ideal de valorização de identidade, pois
se pretendia ampliar a publicação de obras de seus sócios como uma forma itinerante de
divulgação do saber e das letras da cidade e do Estado. Nota-se, de certo, que o Pathernon de
Teresina assumiu, intrinsecamente, a função de compor uma nova realidade, diferente daquela
na qual a instrução jazia nos vales do analfabetismo. A presença dos literatos foi importante
para transformões, mesmo que pontuais, na educação da cidade e de todo o Estado, pois
como afirma Teresinha Queiroz (1998), desde as décadas finais do Império houve um
incremento do ensino secundário em decorrência da volta dos bacharéis, principalmente
aqueles que regressavam de Recife.
Os textos literários, bem como mensagens governamentais e crônicas de jornais são
relatos que dão vida à cidade. A cidade é viva pelas suas práticas e por aquilo que dela é
relatado. Os relatos sobre a cidade também fazem parte dela, pois “todo dia eles atravessam e
organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num conjunto; deles fazem frases e
itinerários. São percursos de espaços” (CERTEAU, 1994, p. 199).
Os relatos conduzem o pesquisador às estradas, avenidas, ruelas e praças da cidade,
pois, parafraseando Certeau (1994), esses relatos cotidianos ou literários são transportes
coletivos. Por esse caráter coletivo, os relatos conduzem às representações sociais por meio
das práticas sociais que constituem a pluralidade da cidade.
Em meio a esses relatos que controlam e selecionam a cidade, é importante mencionar
que esse controle ou essa seleção manifesta-se por meio da distinção entre “lugar” e “espaço”.
Em linhas gerais, lugar remete a uma configuração que delimita posições e sugere a ordem e a
estabilidade. O “espaço” seria, então, o lugar praticado, momento de possibilidades, de
vivências, experiências e contradições.
Nesse sentido, o texto literário caracteriza-se como uma experiência sobre o espaço,
pois também o pratica, visto que também o relata. No entanto, não se pode perceber essa
relação lugar-espaço como algo dicotômico e polarizado. Os discursos oficiais quando
defendem os projetos de modernização e os aplicam, pretendem-se como lugar, como ordem.
Contudo, no instante que tais discursos buscam transformar a “cidade tradicional” transitam
de um lugar” das tradições. Isso significa dizer que os relatos efetuam um trabalho que,
incessantemente, transforma lugares em espaços ou espaços em lugares. Organizam também
os jogos das relações mutáveis que uns mantêm como os outros
(CERTEAU, 1994, p. 203).
107
Dessa maneira, pode-se considerar que, no processo de modernização da cidade de
Teresina, tanto discursos oficiais como a literatura foram relatos que almejavam a seleção e o
controle da cidade. Relatos que se imbricam e se distanciam constantemente. É a partir das
possibilidades de fricção entre os relatos sobre a modernização que são trazidos, no próximo
capítulo, os olhares da literatura sobre Teresina.
108
CAPÍTULO III
CRÔNICAS E CRÍTICAS: O OLHAR DOS LITERATOS SOBRE O
SONHO MODERNIZADOR
Teresina, a “cidade verde”, enfeitou-se de flâmulas, arcos
de patis, folhagens e flores, pâmpagos e bandeirolas de
cor, lanternas chinesas e balões, em a noite de 31 de
dezembro. Vestiu-se de festas e alegrias ruidosas para a
recepção do século XX. Despedia-se engalanada do século
que fugia iluminado pelas grandezas de suas belas
conquistas.
(NEVES, Abdias. 2000, p. 221)
Em Um manicaca”, obra escrita entre 1901 e 1902, Abdias Neves descreve a cidade
de Teresina que se despede do século XIX e inicia o século XX sob os auspícios do sonho de
modernização. A cidade era só festas. Essa despedida, palmilhada pela euforia, também trazia
a lembrança de que a cidade, em fins do século XIX e princípios do seguinte, mesmo diante
de “suas lindas conquistas”, ainda reclamava a falta de jardins e por haver poucos lugares para
os passeios e o lazer. Teresina irrompia os limiares de um novo século com fortes traços
rurais, mas respirava, mesmo que sofregamente, os ares da vida moderna.
O fenômeno da modernização das cidades desperta um vasto leque de percepções,
fazendo surgirem vários e diferenciados discursos. São discursos veiculados em jornais,
panfletos, mensagens governamentais, contos e poesias. O presente capítulo tem o objetivo
principal de analisar as representações construídas sobre Teresina, a partir do olhar dos
escritos de literatos, que deixara transparecer as sociabilidades e sensibilidades de cada
tempo, sem perder de vista o lugar social de onde fala cada escritor. A literatura assume um
papel importante tanto na perpetuação da memória quanto na sua própria constituição. Nesse
sentido, a cidade de Teresina é aqui apreendida pelo olhar de literatos em diferentes
109
momentos históricos, no intuito de perceber as permanências e transformações nas formas de
ver e experimentar os espaços citadinos, bem como a memória se constituindo em decorrência
da própria dinamicidade da cidade.
Por esse viés, a literatura contribui para a visualização dos sentimentos acerca das
mudanças na cidade. Por meio da literatura pode-se perceber uma cidade que “esconde”
várias outras cidades. A cidade das festividades, da euforia, da esperança e das
transformações convive com a cidade das tradições, dos costumes e da . Essa existência de
cidades plurais no interior de uma mesma cidade se dá em função de múltiplos olhares sobre o
espaço.
Dessa maneira, a cidade é representada por diversos ângulos, pois “todos vivem de
maneiras diferentes a mesma experiência, concentrada no mesmo setor do espaço público e no
mesmo intervalo de tempo” (SEVCENKO, 2000, p. 28). Isso implica dizer que há uma
fragmentação das percepções, alicerçada pelas descontinuidades acerca do tempo e do espaço.
Os literatos catalisam as apreensões de sua época, pois potencializam os murmúrios das vozes
da cidade. As imagens da cidade de Teresina, produzidas pela literatura, simbolizam as
projeções culturais da própria sociedade, que passava por um processo de exacerbação
conflituosa das transformações e manutenção dos valores.
A “cidade verde”
20
, em decorrência dos deslizamentos semânticos, confundir-se-ia
com a cidade rural. Nesse ínterim, os “traços rurais” eram destacados nos discursos que ora
buscavam a aceleração das transformações da cidade, ora questionavam os impactos da
modernização não somente nos espaços físicos, mas também no cotidiano dos citadinos. O
“rural” assume, para os que desconfiavam dos projetos modernizadores, o papel de esfera
imaginária e flutuante para o refúgio das tradições e dos costumes.
Traços rurais e traços urbanos subsidiam as reflexões sobre as relações entre o campo
e a cidade. Na vivência e nas experiências humanas, tal relação é comumente marcada pela
cristalização de significados. Nesse diapasão, o campo seria caracterizado “como lugar de
atraso, ignorância e limitação”, ao passo que a cidade é apreendida como lugar “de saber,
comunicações, luz” (WILLIAMS, 1990, p. 11).
No entanto, o que dizer de cidades como Teresina que em princípios do século XX
dispunha de vários elementos da vida moderna, mas ao mesmo tempo ainda deixava
20
Na noite do dia 28 de junho de 1899 o Teatro 4 de setembro foi palco de um momento que marcaria a história
da capital. Chegou a Teresina o escritor Coelho Neto. Foi recebido com pomposa festividade. Foi recebido com
almoço e discurso proferido por Higino Cunha. À noite houve grande baile no Teatro e foi em sua visita pelas
ruas da cidade que Coelho Neto batizou Teresina de Cidade Verde.
110
transparecer os seus véus de Chapada do Corisco
21
? Deve-se compreender que a cidade e o
campo m sua relação atravessada pelo movimento e pela mobilidade. Isso significa dizer
que a cidade penetra e influencia o campo ao mesmo tempo em que o campo também invade a
cidade. Esse movimento apresenta ritmos e alcances diferenciados, bem como são
diferenciados os olhares sobre a cidade e o seu processo de modernização.
O campo estaria ligado a aspectos naturais enquanto que a cidade seria o domínio
sobre a natureza para a construção de uma “segunda natureza”. A cidade idealizada como
moderna é aquela na qual a segunda natureza finca suas raízes e transforma a vida material e a
vida imaterial.
É nesses (des)encontros entre as esferas material e imaterial que pululam as
representações sociais acerca da cidade. A cidade é sentida de maneira plural, pois também
o múltiplos os percursos e os focos das ações modernizadoras. Em função dessa
heterogeneidade de ões, sentidos e sentimentos, a cidade mostra-se como espaço de
conflitos, pois
Nem todos aceitavam ou usufruíam dos privilégios das reformas urbanas.
Essa é a dinâmica de formação das cidades, seus projetos de modernização
não são, apenas, “civilizatórios” ou “urbanísticos”, mas expressam
conflitos que se desenvolvem nos seus cotidianos (REZENDE, 2005, p.
96).
Os projetos de modernização, como afirma Rezende, não se restringem ao propósito
urbanístico, mas manifestam-se em sua forma mais aguda por meio dos conflitos que tais
projetos acarretam. A modernização da cidade de Teresina não foge a essa assertiva e também
promove a segregação social, pois eram muitos os que ainda viviam na miséria e não podiam
usufruir das benesses da transformação urbana. A cidade de Teresina era a cidade dos desejos
e dos sonhos. Sonhos daqueles que dispunham de recursos materiais e que buscavam tornar a
cidade um espaço de vivências ao molde burguês europeu. Por outro lado, havia os sonhos
daqueles que continuavam alijados das conquistas das reformas urbanas e imaginavam-se com
o conforto dos homens de posses da cidade.
Essa mesma população, desprovida dos bens mais elementares e vivendo na pobreza,
também tivera suas vozes silenciadas pela história. Não puderam deixar registros diretos para
expressarem sua realidade de excluo. O conflito entre uma cidade teresinense pobre e uma
21
Lugar no qual a cidade de Teresina foi iniciada, pelo presidente do Piauí, o baiano José Antônio Saraiva. O
local era assim denominado em virtude das grandes trovoadas e freqüentes faíscas elétricas que caíam na cidade,
especialmente na época invernosa.
111
cidade rica é notado na voz de outros interlocutores que ressaltam a pobreza como uma
característica marcante dessa sociedade no início do século XX. A cidade teresinense é a
cidade do descontentamento da maioria da população atravessada por necessidades e por
desejos de compartilhar espaços que lhes eram negados, pois
O pobre, exausto pela miséria, deseja o conforto do rico e aspira à
igualdade da lei. Fustigados pelas injustiças dos grandes, os pequenos
sonham com o nivelamento geral dos direitos. Ninguém se conforma com a
sua situação. A vida torna-se, pela lei de Malthus, cada vez mais cara. O
pão escasseia com a população, que aumenta e procura o trabalho que
enriquece, como a loteria, em horas (FREITAS, 1996, p. 40).
Com a crítica feita por Clodoaldo Freitas a essa sociedade da desigualdade, pode-se
ainda perceber que os sonhos da população alimentam novas práticas que modificam a rotina
e os próprios espaços da cidade. No intuito do alcance do nivelamento social, muitos
indivíduos procuravam resolver os problemas da miséria nas casas de jogo como a loteria,
que, segundo o literato, enriquecia alguém em “em horas”, em decorrência da grande
movimentação e procura. Mesmo falando da miséria do pobre e de suas inquietações com as
injustiças, Clodoaldo Freitas afirma que a população, em meio à inconformidade de sua
situação, “só procura o trabalho que enriquece”. Essa afirmação deixa transparecer, no olhar
do literato, que a população buscava uma vida melhor que a vivida até então, preferindo o
enriquecimento propagandeado pelas apostas e jogos, em virtude da exaustão da miséria
provocada pelas injustiças sofridas. Mas tamm permite sentir que, segundo a ótica deste
literato, os jogos em loterias eram vistos como a única forma que as camadas populares
encontraram para ter acesso às suas necessidades materiais, inclusive em relação à
alimentação.
Isso é significante, pois aponta para uma sociedade cuja modernizão e seus conflitos
despertam a ambição em amálgama com o sonho da igualdade da lei e da superação das
injustiças sociais, pois a injustiça social, soma de todos os erros, de todas as violências, de
todas as misérias constitui a causa geradora e principal do dominante e universal perigo
(MARTINS, 1920, p. 10).
A fala de Clodoaldo Freitas é representativa de uma sociedade, ou pelo menos de uma
parcela dela, que acreditava que a civilização anárquica conduzida pelos ares místicos e
pelas injustiças sociais – estava fadada à superação. Uma nova civilização, pautada no
progresso e na valorização do direito e da ciência, surgiria para localizar o “homem moderno
112
em uma espacialidade e temporalidade
22
com necessidades distintas. Não se está falando em
rupturas, pois são os costumes, as mentalidades, memórias, idéias hábitos e práticas que vão
assumindo novos contornos mediante uma configuração histórica cuja “palavra de ordem” era
o “novo”. Esse “novo”, em geral, não se dava em si mesmo, mas nas novas significações e
funções dadas às coisas e aos espaços. Os primeiros anos do século XX irrompem como um
clarão na vida das cidades. Não como algo puramente dos acontecimentos inéditos, mas sim,
como o tempo de novas possibilidades. O “novo” não estava somente na cidade em si mesma,
mas principalmente nos significados e funções atribuídos à vida na cidade.
A efervescência das primeiras décadas do culo XX estava marcada por
transformações, mas também por permanências, pois “muitos desses hábitos e práticas
existiam e estavam em vigência desde o começo do século, pelo menos” (SEVCENKO, 2000,
p. 33). É nessa conjuntura de expectativas e projeções que tais práticas assumem um valor de
êxtase, tornando-se matéria de expressão para uma nova identidade e de um novo estilo de
vida” (p. 34), reconhecendo-se identidade como construção multifacetada de uma
coletividade, que contém divergências internas.
Por esse prisma, pode-se considerar que as interconexões entre campo e cidade, entre
atrasado e moderno, entre o novo e o velho, são prolongados ao cotidiano das pessoas por
meio de suas práticas e hábitos na cidade. Os detalhes do cotidiano permitem uma
visualização peculiar da realidade. São as pessoas em suas práticas cotidianas que tornam a
cidade viva e pulsante, pois a cidade impacta sobre a vida dos citadinos e estes, em meio às
suas aceitações, sujeições e recusas, também transformam e (re)significam a cidade.
A cidade apresenta-se como o palco para o desfile das fantasias dos indivíduos. Os
sonhos e as perspectivas de uma nova realidade contagiam o imaginário das pessoas que
vivem a cidade. A projeção da cidade como lugar do progresso levou Clodoaldo Freitas, em
princípios do século XX a questionar: “Será, como se tem afirmado, uma verdade
incontestável a lei do progresso?” (FREITAS, 1996, p. 39).
Para Clodoaldo Freitas, uma sociedade não poderia querer-se ou se pensar como
moderna enquanto as práticas e crenças metafísicas regiam a vida e o cotidiano das pessoas.
Fazendo uma crítica às imposições religiosas de sua época, o literato pinta um quadro da
sociedade teresinense, que enchia as ruas da cidade em procissões para pedirem soluções para
os diversos males, não espirituais como materiais. Para Clodoaldo Freitas, os dezenove
22
Os termos espacialidade e temporalidade estão sendo empregados em consonância com as noções defendidas
por Teresa Barato Salgueiro (1998). Segundo a autora, “cada época tem um modo específico de experiência do
espaço e do tempo(p. 100). Esses conceitos corroboram o estudo sobre cidade, pois possibilitam perceber que o
tempo imprime vários ritmos e os espaços possuem rios atributos, funções e significados.
113
culos de uma vivência religiosa, especificamente católica, teriam demonstrado que os
ditames místicos não promovem o bem-estar em sua plenitude. Não verdade absoluta, não
há uma cidade eterna, não uma religião infalível. Para ele, as coisas e as idéias sofrem
transformações e as sociedades que não foram capazes de reformular suas formas de pensar e
as suas práticas políticas, econômicas, e até mesmo religiosas, sucumbiram, pois cada
temporalidade e espacialidade assumiu sociabilidades distintas, mesmo que tenham seu
embrião em sociedades pretéritas.
Segundo Clodoaldo Freitas, as vacuidades da metafísica” expressas em ltiplas
filosofias e religiões, seriam o sinônimo de uma civilização em crise e cujos princípios da
razão enrijeceram e se anarquizaram. Dessa maneira, esse escritor advoga que
As soluções niilistas não resolvem as aspirações do homem moderno,
como não resolvem as nossas aspirações intelectuais as soluções do
pessimismo. Negar a sociedade e seus fins, como negar a vida e seus fins,
vale a mesma coisa. O problema da miséria fica de pé, irredutível, como
irredutível é o problema d igualdade social. As violências, o sangue
derramando, o cadafalso, o presídio, se compensando, não resolvem a crise
tremenda. O que parece lógico é que a religião, a moral, a filosofia, que
dominam a consciência moderna, não estão mais na altura das exigências
imperativas da razão. O que temos, já não satisfaz. O cadinho não basta
para conter o metal fundido em ebulição. Quem será o estatutário que há de
modelar, nesse bloco amorfo, a estátua do homem do futuro? (FREITAS,
1996, p. 41).
Clodoaldo Freitas defende uma postura otimista em meio ao caos social que denuncia
presenciar. A saída para as mazelas da vida moderna não estava na negação da sociedade, mas
sim na percepção de que as aspirações do homem moderno o outras. Essa postura ia de
encontro com o que defendia Elias Martins(1920), que afirmava que os males da sociedade de
sua época eram endossados pela falta do apego às tradições e, principalmente, às condutas da
religião e da vida espiritual. Conforme Elias Martins, em decorrência disso a sociedade
teresinense vivia em uma anarquia dos valores, pois não se respeitavam mais os ensinamentos
religiosos. Ele afirmava que
Os tempos são de deflagradora anarchia. Ai dos que não estiverem
apparelhados para a resistência, dentro das leis da suprema justiça; para
esses infelizes não haverá esperança, tremenda sentença, ora estampada na
lívida face do desmesurado cadáver moscovita (MARTINS, 1920, p. 8).
114
Enquanto isso, para Clodoaldo Freitas, a sociedade assolada pela miséria não
encontrará soluções em rtires ou dogmas religiosos. Então, em que esse homem futuro, de
uma vida moderna, devia confiar?
Esse novohomem, para Clodoaldo Freitas, devia despir-se do manto mórbido do
sobrenatural e buscar na ciência, no direito e na democracia o conforto para suas reais
necessidades. A sociedade teresinense dos primeiros anos do século XX estava no meio desse
turbilhão. De um lado as desigualdades e as misérias mencionadas por Clodoaldo Freitas. No
outro, a esperança em um futuro melhor, pois “o futuro será a paz e a justiça pela afirmação
da democracia e pelo império do direito!” É sob a égide da crença no futuro e no progresso
que a cidade de Teresina é planejada, bem como são encabeçados os projetos de
modernização no alvorecer de um novo século.
A sociedade, para o escritor, ao passo que se apega a valores do dogma religioso,
também se animaliza, pois não busca soluções por meio de uma nova racionalidade anunciada
pelo novo século. Os parâmetros religiosos, morais e filosóficos não atendem mais às
necessidades de uma sociedade que adentra na vida moderna, mas que ainda é atormentada
pelas sombras e fantasmas de séculos de história. Por esse viés, vale ressaltar que os discursos
de modernização afirmam-se, pois é a essa sociedade em crise de valores e paradigmas que os
projetos modernizadores e de transformação da cidade são direcionados.
Clodoaldo Freitas exala em suas palavras essa sociedade, que embora se reconhecesse
com problemas e dificuldades herdadas de períodos históricos anteriores ou construídas no
culo que se iniciava, recusava o pessimismo instituído da mesma forma como recusava na
religião, crença incondicional, moral e filosófica. Ainda assim, perguntava-se a respeito de
haver alguém capaz de modelar o “homem do futuro, transparecendo a crença na
possibilidade de que isso pudesse existir.
Tal modernização, em geral, estava expressa por meio dos projetos e discursos
modernizadores das lideranças políticas. No entanto, a modernização é marcada pelos seus
ritmos e alcances diferentes, não apenas no que concerne ao espaço físico em si, mas também
no tocante às representações que desperta na sociedade.
A modernização traz consigo os ares da modernidade, que se caracteriza como as
diferentes maneiras de subjetivação a partir das quais os indivíduos percebem a realidade e as
transformações. A modernidade apresenta-se, também como uma resposta imediata ao
fenômeno da modernização e essa resposta, muitas vezes dá-se por meio das críticas feitas aos
projetos dessa modernização ingente.
115
A obra “Um manicaca”, por exemplo, entre outras coisas, é uma narrativa reveladora
de muitos aspectos do cotidiano da cidade e da população teresinense em meio às
transformações pelas quais passava a cidade. Os costumes apresentados contribuem para a
apreensão dos movimentos e da dinâmica da cidade. Essa mesma dinâmica nos faz perceber
que a cidade não pode ser compreendida por meio unicamente de sua materialidade. A cidade
configura-se pela aproximação constante entre os aspectos físicos e os aspectos subjetivos que
se projetam sobre os espaços. Tal projeção pode ser percebida na narrativa literária, visto que
a literatura tem sido uma aliada nos estudos de história, especialmente no que tange à cidade.
A cidade de Abdias Neves é a cidade das festividades ao redor da Igreja. É a cidade
das crianças e dos adultos curiosos para ver os acontecimentos nas casas dos vizinhos em dias
de festa. É uma cidade com poucos atrativos para o lazer, pois “o teatro vive eternamente
fechado. [...] Não há um ponto para onde se possa ir” (NEVES, 2000, p. 180).
A cidade de Teresina dos anos de 1900 é aquela cuja população se aglomera nos
bancos da Igreja, para festejar a padroeira da cidade, Nossa Senhora do Amparo. É a cidade
que ainda não conhecia luz elétrica e as pessoas tinham o seu percurso iluminado pelos
lampiões. Àquela época era comum a figura do acendedor de lampiões que corria pelas ruas
da cidade carregando ao ombro sua escadinha. É uma cidade cujas imagens são pintadas pelo
olhar dos literatos, que vivem, experimentam e sentem a cidade em meio aos seus diferentes
ritmos e alcances da modernização. Tal olhar apresenta “a literatura como função existencial,
a busca da leveza como reação ao peso do viver” (CALVINO, 1990, p. 39). A literatura torna-
se, então, um guia para Clio, em seu passeio pela cidade. Passeio leve e sutil, sem o peso
geralmente atribuído à musa da história. Dessa maneira, história e literatura, lado a lado, (re)
visitam Teresina.
3.1 História e Literatura: para além das dicotomias
Antes do aprofundamento no passeio pela cidade de Teresina, em seus aspectos do
cotidiano, discute-se, aqui, a relação entre história e literatura para ambientar essa aventura
em parceria. As renovações teórico-metodológicas pelas quais a produção histórica tem
passado nas últimas três ou quatro cadas têm se encaminhado por propostas que giram em
torno de “novos problemas”, “novas abordagens” e “novas fontes”, como apontavam Le
Goff e Pierre Nora (1974). Tais transformações têm conduzido a História na aproximação,
nem sempre tranqüila, com outras áreas do conhecimento. Dentre essas áreas, talvez a que
116
despertou, e ainda desperta, ao mesmo tempo um leque vasto de análises e uma rede de
debates e contradições, seja a influência da Literatura para o trabalho do historiador na
tessitura de sua escrita.
O tratamento da literatura como fonte histórica, na acepção mais ampla do termo,
contribui para a amplitude analítica que o historiador pode implementar sobre o seu objeto. As
aproximações entre história e literatura têm sido feitas a partir do aspecto do compromisso
obrigatório que a história tem a verdade ao passo que a literatura utiliza-se mais das
potencialidades de uma realidade.
Nesse sentido de interpenetrações, tem-se que
História e literatura reconfiguram um passado. Trata-se, no caso da história,
de uma reconfiguração ‘autorizada’, circunscrita pelos dados fornecidos
pelo passado (as fontes), pela preocupação da investigação sobre
documentos, pelos critérios e exigências científicas do método. A literatura,
ao contrário, permite que o imaginário levante vôo mais livre e amplamente,
que ele fuja, numa certa medida, aos condicionamentos impostos pela
exigência da verificação pelas fontes (LEMAIRE, 2000, p. 13).
No entanto, a aproximação da história com a produção literária tem abrilhantado tanto
os textos literários quanto a narrativa histórica. A história precisa sim das fontes, de uma
metodologia e de teorias, mas não pode tornar-se refém desse tripé. A produção histórica não
está destituída das subjetividades daqueles que a engendram. A história não é a panacéia
intocável e infalível para a compreensão das sociedades. Sobre isso, o literato-historiador – ou
seria historiador-literato? Clodoaldo Freitas compartilha com o presente um de seus
ensinamentos ao se posicionar, dizendo que “a história é alma do historiador, falível e sujeita,
como tudo que é humano, ao erro e à influência das paixões” (1996, p. 76). É como “alma do
historiador” que a história qualifica-se como arte, no sentido de ofício. Arte que possui e
desperta, como destacou Marc Bloch (1976), prazeres estéticos que lhe são peculiares e
próprios, que não se confundem aos de nenhuma outra disciplina. Mediante isso é que “a
nossa arte, os nossos monumentos literários, estão cheios dos ecos do passado; os nossos
homens de ação têm a boca cheia das lições do passado, reais ou imaginárias” (BLOCH,
1976, p. 12).
É das bocas desses homens do passado que ambas, história e literatura, buscam dar
vozes a configurações socioculturais diversas. No caso do estudo sobre a cidade de Teresina,
a escrita literária não é consultada para alicerçar um contexto histórico, mas sim, para
possibilitar diferentes sutilezas das complexas relações da história da cidade.
117
Os textos literários são muitas vezes frestas por onde as luzes do passado chegam aos
olhos do presente. Cabe ao historiador não tapá-las ou obstruí-las na vã crença de uma
objetividade míope de si mesma, que recuse a si o direito de conter a subjetividade que abraça
as esferas da vida humana. Recusar isso é recusar que a história é sedução mútua entre
presente e passado, sedução que é objetividade/subjetividade mediante a narrativa histórica,
que, por sua vez, corteja e é cortejada pela literatura.
Daí a importância dos ensinamentos propostos por Roger Chartier ao afirmar que
“narrativas de ficção e narrativas de história têm em comum uma mesma maneira de fazer
agir seus ‘personagens’, uma mesma maneira de construir a temporalidade, uma mesma
concepção de causalidade” (2002, p. 14).
Por esse viés é que, no âmbito da literatura, a poesia é elemento importante para as
apreensões a serem realizadas acerca do passado e sensibilidades de um tempo, bem como
corrobora para a compreensão das diferentes vivências e experiências dos sujeitos nas suas
relações com o mundo e com a cidade. A poesia expressa uma relação íntima com a história,
ao passo que
Ao mesmo tempo em que a poesia consegue condensar toda uma variedade
de sentimentos, esses sentimentos são captados da história, são absorvidos
da vivência social, e a poesia os perpetua enquanto memória desta
sociedade à qual faz referência (QUEIROZ, 1996, p. 78).
Isso até mesmo pelo fato de a relação entre História e Literatura permitir a utilização
de outras categorias de fontes, além de possibilitar ao historiador o trânsito por outras cadeias
discursivas. Neste trabalho, a literatura é o ponto de interconexão entre as interfaces da
História com as discussões de Cidade. A literatura mostra-se como mais uma possibilidade de
se compreender, historicamente, como as cidades são representadas por diferentes sujeitos em
diferentes espaços, lugares sociais e, também, em diferentes temporalidades. Isso ainda abre
uma clareira para a compreensão de que a literatura produzida sobre a cidade é reflexo de
memórias ao mesmo tempo em que também é constituidora de outras merias, visto que a
memória é dinâmica e fragmentária, bem com socialmente localizada, uma vez que a
memória, como ensina Chartier (2002, p.54) “não se apodera diretamente do passado: ela o
recompõe com os presentes”. Por esse viés, recorrer aos textos dos literatos é implementar um
passeio pelas trilhas sedutoras da memória da cidade e de seu cotidiano.
Dessa maneira, a literatura não é um mero suporte de confirmação das hipóteses
levantadas pelo pesquisador, mas sim uma valiosa parceira no objetivo de dissipar, o quanto
118
for possível, as penumbras que envolvem o passado. Um aspecto do passado que este texto
dedica-se é o que concerne aos processos de transformações nos espaços urbanos da cidade de
Teresina em diferentes momentos, no intuito de perceber, além das pluralidades discursivas, a
memória citadina sendo (re)construída continuamente, acompanhando os movimentos da
cidade.
A aproximação com a literatura para o entendimento do fenômeno da modernização
tem uma prática recorrente entre vários historiadores. Nicolau Sevcenko (1995; 2000), por
exemplo, trava um eloente diálogo com a produção literária para perceber as visões dos
literatos acerca do processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro em princípios da
Primeira República, bem como discutir as projeções culturais da cidade de São Paulo na
década de 1920.
Mônica Schpun realiza uma contundente análise da obra de Mário de Andrade,
confrontando o discurso literário com outros discursos proferidos sobre a modernização da
cidade de São Paulo, principalmente nas duas primeiras décadas do século XX. Segundo
Schpun, a modernização fez surgir vários discursos em torno da cidade, mas salienta que tal
fenômeno tem suas implicações na realidade sociocultural por meio de inúmeras
transformações. Tais transformações são reverberadas no sentir e nos dizeres da sociedade e
Schpun chama a atenção para o fato de que
Porém, não se trata unicamente de um universo temático de inspiração. Tal
abundância de discursos é, antes de mais nada, produto social do processo
de urbanização. Pois o novo espaço urbano traz consigo a constituição de
uma esfera pública de atividades, da qual fazem parte todas as formas de
difusão de idéias e opiniões (SCHPUN, 2003, p. 11).
A autora reconhece que em meio à pluralidade discursiva oriunda de tal
modernização, discursos que se constituem como criadores e legitimadores de mitos” da
modernização. Conforme Schpun, constituiu-se, por meio de discursos oficiais, um
imaginário cristalizado sobre a modernização da cidade, realizando-se uma retomada ou
referência a símbolos que remetessem a um passado glorioso. Assim, a autora destaca alguns
desses símbolos, salientando inicialmente a figura ou a imagem do Bandeirante. Tal símbolo
remeteria à natureza” forte e desbravadora do paulista, que da mesma forma que desbravava
as matas, estaria desbravando os caminhos da vida moderna.
Tentou-se construir a imagem de que o paulista, suas ações e sua cidade tenderiam a
ser exemplos para as demais cidades de todo o país, como símbolo de grandeza e de
civilidade, pois o progresso da cidade era concebido como sinônimo de superação do atraso e
119
da barbárie. Para Schpun, o uso da metáfora do Bandeirante assume uma dupla face em
momentos distintos, nas duas primeiras décadas do século XX e depois em princípios da
década de 1930, caracterizando-se como distinção social entre as elites no primeiro momento,
mas também como coesão social no segundo, como expressão da construção de identidades
coletivas locais. Para tal são referendados vários símbolos identitários como é o caso do
Monumento às Bandeiras, O Obelisco, a Estátua de Borba Gato, a Ponte das Bandeiras.
Na mesma linha de raciocínio, pode-se perguntar se Teresina estava destituída de
símbolos identitários. Resguardando as devidas especificidades, pode-se afirmar que não. O
monumento ao Conselheiro Jo Antônio Saraiva é, na memória coletiva da população
teresinense, um símbolo dos “novos tempos” de uma cidade que, por ser o resultado da ação
futurista de Saraiva, tende a traçar caminhos de gria. Esse monumento, bem mais que uma
homenagem a um indivíduo, é como geralmente são os monumentos – a tentativa de
legitimar a escolha da transferência da capital. Os monumentos, segundo Lewis Mumford
(1982), deixam marcas nas mentes até mesmo dos mais ignorantes ou indiferentes, pois se
enraízam por meio das gravações que deixam na vida dos moradores da cidade.
Na base do monumento encontra-se a seguinte mensagem: “José Annio Saraiva
fundou esta cidade no ano do Senhor de 1852. Os piauienses, agradecidos, levantaram-lhe
este monumento no ano do Senhor de 1858”. Como a própria inscrição sugere, a cidade foi
fundada para marcar o início do futuro do próprio Estado, visto que é um monumento erguido
pela força do agradecimento dos piauienses. A cidade de Teresina mostrar-se-ia como o
espelho e referência para as demais cidades. Cidade da qual os piauienses se orgulhariam e
com ela se identificavam por representar o alavancar da prosperidade do Estado.
Retomado e intensificado na passagem entre os séculos XIX e XX, esse discurso
progressista favorece a idéia de Teresina como palco da modernidade no Piauí, espo de
atração do novo e de sua propagação por todo o Estado, em suma, a marca da sedução da
modernidade sobre o Piauí.
Recorrendo-se novamente ao estudo de Schpun, nota-se que os discursos oficiais
acerca da cidade de São Paulo disseminavam a idéia de uma sociedade homogênea,
dicotomizada, ordeira e que por isso mesmo seria empreendedora do progresso. No entanto,
segundo Schpun, Mário de Andrade, em diversos de seus escritos, teria implementado uma
ácida oposição às idéias de distinção social e de coesão social, dizendo que a sociedade
paulista era uma sociedade “arlequinal” e “carnavalesca”. A pluralidade contida na cidade é
expressada com propriedade no título de Paulicéia Desvairada dado a ela por este literato.
120
Ainda como uma profissão de fé, a obra marioandradiana tenta redimensionar as
análises sobre os “mitos modernos”, dentre eles havendo espaço para os meios de transporte e
a verticalidade da cidade. Isso fica mais nítido pelo aspecto de que na São Paulo de Mário,
valores fortes da época, como a velocidade, a verticalidade, essa busca generalizada por
signos de metropolização, aparecem humanizados” (SCHPUN, 2003, p. 26).
Em Macunaíma, Mário de Andrade fala da descoberta da palavra como confronto,
mais uma vez tentando enfatizar o caráter heteroneo e plural da cidade e de seus habitantes.
A cidade é percebida em seus sentidos não apenas de contemplação, como adotavam os
discursos oficiais, mas também em sentimentos de medo, de estranheza e de não
pertencimento, bem como de impactos na vida cotidiana e nos valores culturais. Mário de
Andrade mostra o seu descontentamento com os rumos que a modernização teria assumido,
destruindo as riquezas naturais da cidade, o que, para ele seria a expressão do sentido
desordenado da urbanização da cidade, cujos valores humanos são suplantados pelo apego à
máquina. O descontentamento com a cidade confunde-se com enfraquecimento vital do autor.
Sua obra é uma negação à cidade moderna nos moldes reinantes e um adeus a essa cidade que
o abandonara na escuridão e que não aqueceu seu peito à beira da morte.
É um adeus de um poeta que não se sentia pertencente a uma cidade que assumiu
valores e que foi utilizada de tal forma que o escritor clamou por uma nova percepção dela
sobre si mesma. Uma cidade que não o constrangeria por ser diferente, por ser também um
“arlequim” em uma sociedade que ainda precisava se reconhecer como carnavalesca e que por
isso mesmo era forte desbravadora. Reconhecer a heterogeneidade pulsante em todos os seus
espaços era a reivindicão desse escritor, pois a cidade é a expressão dos ltiplos olhares e
dizeres sobre ela.
A heterogeneidade pode também ser percebida em Teresina nas primeiras décadas do
culo XX, não diretamente pela composição étnica de sua população. A heterogeneidade da
“Cidade Verde” estava marcada, especialmente no olhar dos literatos, na perpetuação das
injustiças sociais. Além disso, esse aspecto “arlequinal” da sociedade teresinense também
estava presente nos costumes, nas suas práticas e representações. A modernização da cidade,
em seus diversos prismas, era sentida de maneira plural. Havia um choque entre os costumes e
tradições, mediante as transformações nos espaços e nas vivências. Basta lembrar que alguns
espaços ,como os bailes, eram vistos como lugares de civilidade.
Em contrapartida, esses mesmos bailes eram concebidos como lugares da perversão e
da afronta à moral das jovens solteiras da cidade. Essa percepção sobre os bailes na cidade de
Teresina é reminiscente do século XIX, em período bem próximo da transferência da capital e
121
que se prolongou às primeiras décadas do século XX. Se o cinema era encarado como a
“invenção do diabo”, no início do século XX, os bailes eram representados, no olhar de
Licurgo Paiva, como uma prática que punha em risco a integridade das “virgens donzelasda
cidade. Licurgo adverte a sociedade teresinense, clamando:
Olhai, donzelas, o futuro é longe
Da terra ao céu a imensidade vai:
Tomai cuidado, que o prazer do baile
É como a dor que se desfaz n’um ai!
Dançai, folgai que a mocidade é como
A flor do prado que bafeja a brisa;
o só de orvalho, de calor, de sombra.
Mas o cultivo na solidão precisa!
Vede este quadro! Não sou moça e bela?
E todavia me definho em vida!
É que me falta dum cultor o esmero,
Neste desterro a divagar perdida!
Virgens ditosas, que folgais no baile,
Aves mimosas que adejais aí,
Tomai cuidado no librar das asas,
Mirai-vos todas neste espelho aqui!
Segundo Clodoaldo Freitas (1998), esses versos fazem parte da poesia intitulada
“Consequências do Baile”. Poesia recitada no antigo teatro de Santa Teresa, pela atriz Maria
Henriqueta, no dia 31 de outubro de 1869. Nessa poesia, Licurgo afirma que o baile é algo
efêmero e de prazeres passageiros, mas as suas “conseqüências” são o abismo, a mentira e a
infâmia, pois
O baile é antro onde se ocultam feras,
Fundo, insondável, iminente abismo;
O baile é lobo, que afagando a presa
Após devora-a com o maior cinismo!
Aí no baile tudo é falso, horrível,
A brisa é quente, o furacão é forte,
E ao seio puro, que um bafejo aspira,
Só vem as auras da friez da morte.
23
23
Poema reproduzido em FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 2. ed. Teresina:
FCMC, 1998, p. 124-127.
122
Clodoaldo Freitas destaca que a recitação foi proibida de ser apresentada no mês de
novembro daquele mesmo ano pela polícia. Isso ocorreu porque “a castidade auditiva da
polícia notou ofensas à moralidade pública numa produção como esta” (FREITAS, 1998, p.
127).
É importante notar como o caráter supostamente instrutivo do poema de Licurgo que
visava orientar contra más posturas nos bailes foi ele próprio entendido como pervertido
pelos agentes policiais do período. Os bailes e as suas ressonâncias na sociedade teresinense
permaneceriam no início do século XX. O poema de Licurgo Paiva revela que as concepções
conflitantes acerca das condutas e dos costumes se manifestavam em momentos pretéritos
da vida na cidade. A chegada do novo século, bem como das mudaas advindas com ele,
contribuíram para o acirramento das contradões entre práticas tradicionais e modernas. A
existência dos bailes fomentava imagens que deslizavam entre sua euforia e a negação de suas
práticas. Isso se configura em virtude de que
[...] a demanda por dança, o freqüente no século XIX, não muda nas
décadas subseqüentes. Ocorrem modificações quanto aos ritmos da moda,
valorizadas pelos dançantes e criticadas acerbamente pelos conservadores
(QUEIROZ, 1998, p. 53).
Segundo Teresinha Queiroz, diferentemente do que geralmente acontecia com os
bailes que eram alvos freqüentes de críticas por parte daqueles que defendiam as tradições
culturais de maneira mais conservadora deleitar-se com a sica, com as letras e com a
poesia era sinônimo de civilidade, cultura e refinamento. Era, de certa maneira, um indicativo
de distinção social. É essa sociedade – ainda arraigada nas tradições, nos princípios de
moralidade, no forte espírito religioso e vivendo em uma cidade com marcantes traços rurais –
que os projetos de modernização seriam sentidos e representados.
Certas práticas, conforme Certeau (1994) eram vistas como sinônimo de civilidade,
pois eram concebidas a partir de um lugar social que os legitimava com tal. Em geral, aqueles
que tinham contato e o domínio do universo da música, das letras e da poesia faziam parte da
elite teresinense, que teve sua formação, em grande parte, nos espaços acadêmicos e culturais
de Recife. Os bacharéis retornavam à capital imbuídos de novas leituras e valores que
assumiam o estandarte da civilidade na capital. Perceber que havia práticas com mais
prestígio social que outras é compreender que alguns discursos, oriundos de grupos sociais
específicos, sobressaíam-se e reforçavam os conflitos culturais decorrentes do fenômeno da
modernidade na cidade.
123
Os bailes e a sica estavam interligados com as práticas e as expressões corporais e
comportamentais da época. Os gestos, o falar e o pprio dançar causavam estarrecimento aos
olhares dos mais conservadores, em geral ligados aos princípios religiosos católicos. Nesse
aspecto, dizia-se que
As danças de hoje perderam a feição religiosa. por entre os selvagens
poderemos encontrar o primitivo traço, casando-se o áspero canto de
guerra à rudez dos instrumentos de música, em evoluções fortes e
impressionantes, exageradas pela vivacidade da mímica, não se percebendo
bem os limites do appello às potencias sobrenaturais das implacáveis
ameaças contra o inimigo (MARTINS, 1920, p. 44).
Elias Martins fala, também, que as operetas seriam manifestações pagãs e que teriam
espalhado as modas das valsas e das polkas. Os bailes estariam repletos de jovens vagando
com suas danças frenéticas e provocantes. A crítica aos bailes, à sica e à dança, portanto,
constituía-se na crítica ao que eles representam: uma sociedade com práticas sociais
enraizadas nas tradições e distantes da sofisticação que o estilo de vida moderna propunha.
3.2 Os literatos piauienses e a cidade de Teresina: momentos constitutivos
Antes da intensificação desse passeio pela cidade em seu cotidiano, vale realçar as
relações entre história e literatura, como uma maneira de ambientar os trajetos da narrativa
desse trabalho. A literatura piauiense também dá substanciais indicativos de diferentes formas
de ver e sentir a modernização no Estado e na cidade de Teresina. A cidade-capital torna-se,
mesmo para aqueles que não são nascidos em seus berços, um espaço de incidência da escrita
e das memórias de literatos que têm Teresina como uma referência, até mesmo para as
decepções e saudosismos.
Na virada do século XIX para o século XX, Teresina passou por uma onda, muitas
vezes no campo do discurso oficial, de melhoramentos urbanísticos e outros alcances sociais
de ações modernizadoras. Essa modernização, com seus ritmos e alcances variados, fez
emergir ltiplas formas de perceber e de sentir o fenômeno, que, em sua essência,
manifesta-se de maneira plural, mesmo que os discursos sobre a modernização no mundo
ocidental sejam semelhantes em suas abordagens.
124
As proximidades, ou melhor dizendo, as inter-relações entre história e literatura vão
além do uso de uma como fonte de análise para a outra. Além da literatura não ser uma
simples ilustração para o discurso histórico e a história não ser somente o contexto para a obra
literária, a produção de ambas tem se imbricado. Isso pelo fato de que muitos historiadores
escrevem textos literários e muitos literatos escrevem sobre a história de um povo ou de uma
cidade, como é a proposta aqui destacada.
Por isso, Paul Veyne (1998) afirmar que “a história é anedótica. Ela interessa porque
narra, assim como o romance, uma vez que ela é narrativa do passado com suas tramas
internas, que seriam a mistura humana de causas materiais, de fins e de acasos, fatias da vida
que o historiador isolou conforme sua conveniência” (p. 42).
Nesse sentido, pode-se destacar Clodoalto Freitas, que é um literato que se dedicava à
escrita histórica, permitindo notar as ressonâncias da história em sua leveza literária. Em
História de Teresina (coletânea de textos inicialmente publicados no Jornal Diário do Piauhy,
de 1911), Clodoaldo Freitas faz um importante estudo sobre a história de Teresina. Seu estudo
transita por diversos aspectos da vida político-administrativa da capital piauiense desde sua
transferência e implantação até os primeiros anos do século XX. Isso faz surgir a necessidade
de serem realizados alguns recuos temporais para se compreender o fenômeno modernizador
na cidade de Teresina, visto que a cidade teria surgido, dentre outros aspectos, pelo ideário do
progresso e do futuro.
Para Clodoaldo, “a idéia da mudança da capital de Oeiras, entre morros e agrestes
edificados, para a margem do rio Parnaíba, impunha-se a todos os Governos inteligentes do
Piauí(FREITAS, 1988, p. 11). A partir dessa assertiva, percebe-se que o autor mostrava-se
favorável aos empreendedores que lutaram pela transferência da capital. No diálogo que
Clodoaldo faz com suas fontes, notoriamente mensagens governamentais, toma partido, de
maneira sutil, dos governantes que eram adeptos da transferência da capital, denominando-os
de “governos inteligentes”. Para Clodoaldo Freitas, os deputados mudancistas autores e
entusiastas do projeto de transfencia da capital defendiam tal intento por considerarem o
local de maior salubridade e por suas potencialidades nas relações políticas, comerciais e
econômicas. O autor enfatiza que foram muitos aqueles contrários ou que desconfiavam da
transferência, principalmente as lideranças de Oeiras e também de Parnaíba. Segundo
Clodoaldo, “na iminência da mudança da capital, alguns cidadãos dirigiram uma
representação ao governo Imperial contra o presidente, alegando os prejuízos que sofreriam os
interesses de Oeiras” (FREITAS, 1988, p. 14). Os contrários à mudança diziam que o lugar
125
escolhido era insalubre; o entorno era estéril e que não havia prédios para a habitação digna
dos funcionários públicos, associando-o sempre ao atraso e à feiúra.
Clodoaldo Freitas, em defesa das ações de José Antônio Saraiva, destacava que
O Dr. Saraiva, apesar da resistência ameaçadora dos Oeirenses, que até
assoalhavam opor-se com as armas à mudança da capital, que consideravam
uma grave ofensa a seus interesses e um sacrilégio à velha capital,
atendendo criteriosamente aos mais altos interesses da comunhão e vendo
mais claramente o futuro, não recuou diante de consideração alguma, nem
mesmo da sua salvação pessoal, pois era correto haver entre os opositores e
fanáticos a idéia de um atentado contra a sua existência, pensando que com
a sua morte, morreria a iia, por falta de quem quisesse arriscar-se à nova
tentativa, abafada a primeira no sangue do seu mais ardente promotor
(FREITAS, 1988, p. 16).
Nesse trecho, Clodoaldo Freitas tenta chamar a atenção para o fato de que os trâmites
para a transferência despertavam conflitos e intrigas, pois uma série de interesses estava em
jogo. Vale destacar que o autor engrandece o conflito ao mencionar os riscos que Saraiva
corria, visto que seria o “mais ardente promotor” desse intento, que lutava contra opositores
fanáticos. Na perspectiva de Clodoaldo, a transferência seria sinônima da visão futurista de
Saraiva, que inseriria o Piauí nos braços do futuro. Mencionando a concretização da mudança
da capital, Clodoaldo afirma que a população oeirense “entregou-se a uma dolorosa
desolação” e que aquele dia “foi dia de luto”.
Como um literato-historiador apaixonado pela cidade, Clodoaldo Freitas faz cticas ao
Dr. Francisco Augusto Pereira da Costa
24
, historiador pernambucano, cujo trabalho sobre as
Comarcas do Piauí refere-se à cidade de Teresina em tons depreciativos no tocante à
esterilidade e à irregularidade do solo. Para Pereira da Costa, Teresina “era uma chapada
estéril, coberta de vasta vegetação, e apenas com umas duas ou três casas, acaso vestígios da
antiga fazenda” (1974, p. 462). Contrapondo-se a essa visão, Clodoaldo Freitas advoga em
favor da cidade de Teresina dizendo que
Tudo isto é exageradamente falso ou falsamente exagerado. A chapada em
que Teresina está localizada, é irregular no declive para o rio,
infelizmente o lugar escolhido, pela pressa com que o Presidente Dr.
Saraiva mudou a capital, para a edificão dos principais edifícios e das
24
Historiador e folclorista pernambucano. No ano de 1909, lançou a primeira edição do Livro “Cronologia
Histórica da Província do Piauí”, que foi custeado pelo governo do Estado do Piauí, a partir da Lei nº 432, de 27
de junho de 1907. Em 1974, é lançada a segunda edição do Livro citado, organizada, revista e comentada por A.
Tito Filho. Francisco Augusto Pereira da Costa, como jornalista e cronista, publicou trabalhos de cunho histórico
nos jornais “A Imprensa” e “Fala”, de Teresina.
126
ruas principais, atualmente, da cidade. Um quilômetro para leste e meio
quilômetro para o norte, a chapada se estende regular e formosa numa
extensão de cerca de 4 guas quadradas, numa planície sem ruga, própria
para todas as plantações e culturas: Nela florescem admiravelmente todas as
árvores frutíferas: a bananeira, a cana, a parreira, o ananaz, batata doce, o
café, todos os cereais inclusive o arroz (FREITAS, 1988, p. 18).
Teresina era representada por Clodoaldo Freitas como um lugar plenamente habitável
e de grandes potencialidades, pois tudo nela frutificaria. Sobre as trovoadas e os riscos de
faíscas elétricas, o autor rebatia dizendo que “não passam de uma lenda”, que era endossada
por argumentos incautos e bairristas. O calor, para o escritor, seria igual ao de todo norte.
Clodoaldo ainda enfatiza que as endemias e epidemias eram casos raros na cidade, pois
“apesar de quente, não clima mais benigno e sadio”. Uma defesa apaixonada dos atributos
da geografia física de Teresina. A região escolhida para as primeiras construções tornou-se o
ponto referencial para a vida dos primeiros anos da cidade. Na foto a seguir, algumas
construções já rodeavam a área do Largo do Amparo, também chamada de Praça da
Constituição.
Largo do Amparo Praça da Constituição.
Fonte: Arquivo Público do Piauí Casa Anísio Brito (Foto 8).
Na foto ficam em evidência as primeiras construções da cidade. Eram prédios públicos
e privados. Podem ser visualizados a Igreja do Amparo, ainda sem suas torres; o Fórum; o
Palácio do Governo e o Mercado Público. Além desses, foram construídos os prédios da
Secretaria da Fazenda, da Delegacia Fiscal e do Conselho Municipal. O início do século XX
127
encontra um Teresina sem calçamento, sem sistema de esgotos, iluminada por lampiões a
querosene, mas sustentada pelos sonhos de se tornar uma cidade referência para as demais
cidades do Estado. A imagem faz referência à área da Praça da Constituição em seus
primeiros momentos. A Praça iria se constituir como um dos símbolos da cidade que já nascia
com o intuito de ser a vitrine da modernização no Estado. A Praça foi idealizada para ser o
centro da vida cultural, política, administrativa e religiosa da cidade, tornando-se, dessa
forma, o ponto irradiador de civilidade.
O traçado irregular da área escolhida para emergirem os primeiros prédios da cidade
teria chamado a atenção de Pereira Caldas quando afirmou que o “terreno era estéril”. É nessa
praça que, no ano de 1859, seria erguido o monumento em homenagem a Saraiva. As
condições do terreno foram mencionadas por Clodoaldo Freitas quando se referia à
construção e reparos das Igrejas de Nossa Senhora do Amparo e Nossa Senhora das Dores. A
construção das duas Igrejas envolveu uma série de debates entre engenheiros e lideranças
políticas, no tocante à solidez dos prédios que eram ameaçados pela imperfeição do solo e
pelo mau uso de materiais. Tais construções e reparos, ou melhor, os debates gerados por eles,
demonstram que a questão urbana, como alerta Bresciani(2002), está associada a diversos
saberes e discursos que intercalam no processo de gerenciamento espacial.
Outro aspecto levantado e criticado pelo historiador pernambucano refere-se ao
abastecimento de água, que, segundo ele, seria precário ou mesmo inexistente.
Contrariamente, Clodoaldo Freitas afirma que
A cidade é abastecida unicamente pelo Parnaíba, que fica, no inverno, com
as águas toldadas, como acontece com todos os rios de grande curso. Mas
não é isto o motivo para o serem as águas poveis. Vinte e quatro horas
de decantação tornam as águas excelentes e com os filtros, hoje, o
vulgares e baratos, posso dizer que esta circunstância não torna as águas do
Parnaíba imprestáveis. O magnífico serviço de encanamento das águas
corrigiu o mal da antiga condução das águas para os domicílios em
ancoretas, servo efetivamente repugnante (FREITAS, 1988, p. 18).
Nota-se que o autor defende o “magnífico serviço de encanamento”, mas também
salienta o fato de a população ter maiores facilidades para a aquisição de filtros para o
tratamento caseiro da água. Isso deixa transparecer que, para Clodoaldo, a responsabilidade
no tocante ao acesso à água sadia é também da população, pois os filtros “tão vulgares e
baratos” estavam ao alcance de todos. Com esses argumentos dos melhoramentos e dos
recursos naturais, Clodoaldo Freitas, em seu debate com o historiador pernambucano, afirma
128
que Teresina é um aconchego para os estrangeiros que passam pela cidade e que logo se
“aclimatam”.
Mesmo propondo a defesa da capital piauiense, o literato permite notar que o serviço
de condução e de abastecimento de água em ancoretas era “efetivamente repugnante” antes da
implantação da encanação, corroborando algumas das críticas formuladas por Pereira da
Costa, atribuindo à geografia as dificuldades vivenciadas.
Essa configuração geográfica, dentre outros aspectos, era vista, às vezes, como o
motivo primordial para a situação de atraso e pela falta de infra-estrutura da cidade, o que
ressoaria na saúde pública da cidade. As imagens que literatos e escritores como Monsenhor
Chaves destacam, nas duas últimas cadas do século XIX, são de um o estado sanitário da
cidade de Teresina que não era muito favorável para a população de maneira geral. Segundo
Monsenhor Chaves, as condições sanitárias de cidade eram preocupantes em decorrência de
que “o estado sanitário de Teresina nunca foi muito lisonjeiro. As sezões, o sarampo, a
tuberculose, o tifo tomavam conta da população da cidade e lhe cobravam pesado tributo
todos os anos” (2005, p. 44). Monsenhor Chaves menciona que as epidemias eram tão
recorrentes, pelo menos até a cada de 1870, que as autoridades começaram a direcionar
campanhas de vacinação em massa, especialmente contra a varíola.
No entanto, conforme suas pesquisas, inúmeras vezes a população não buscava a
vacina. Essa desconfiança com a vacinação se deu pelo fato de que se descobriu que, no ano
de 1875, “a vacina que nos fora enviada ou era velha demais ou estava deteriorada, não
produzindo mais efeito. O povo perdeu a fé na vacinação” (2005, p. 45). Seria uma espécie de
“Revolta da Vacina” local? A população desconhecia as razões da campanha de vacinação?
Pelos fatos expostos por Chaves, a recusa da população em relação à vacina não era algo
inconsciente, pois foi reconhecido que a procedência da vacina era duvidosa. A população,
então, ficou desconfiada do direcionamento que foi dado pelo poder público em relação à
vacina e sua aplicação.
Os anos sucessivos de epidemias até 1877, quando a epidemia de varíola havia
desaparecido, teriam contribuído para um melhor “diálogo” entre a população e as
autoridades, pois
[...] não há desgraça que não traga o seu quinhão de bem. Dali por diante o
povo começou a se convencer de que era do seu próprio interesse colaborar
com as autoridades na preservação do bom estado sanitário da cidade.
Estas, por sua vez, chegaram à conviccão de que certas liberdades devem
cessar nas horas de ameaça coletiva e lhes compete a obrigação de agir
129
energicamente coibindo abusos, para o bem de todos (CHAVES, 2005, p.
46).
Monsenhor Chaves fala que foi preciso que a população passasse por inúmeras
“desgraças” para perceberem sua responsabilidade sobre as condições sanitárias da cidade.
Essa assertiva atribui à população o infortúnio pelo qual a cidade passava. O convencimento
da população teria sido inteiramente espontâneo? Não se trata de uma pergunta retórica ou
infundada, visto que é próprio Monsenhor Chaves quem diz que as autoridades deviam “agir
energicamente” para que os projetos de salubridade e de higienização pudessem ser
cumpridos.
Em função desse “desaparecimento” das epidemias, ocorrendo somente alguns casos
periódicos de certas moléstias como as sezões e o sarampo, Clodoaldo firmemente refutava as
descrições que denegriam a imagem da cidade. Para ele, eram descrições falsas, infundadas e,
nas próprias palavras do autor, fruto do “espírito do bairrismo”.
Enquanto a década de 1870 era grassada pelas epidemias, a vida da cidade abria
caminhos para outras maneiras de experimentar a cidade. Em um mesmo tempo a cidade
apresenta várias temporalidades, pois enquanto muitas pessoas sofriam com os castigos
trazidos pelas doenças, comemorava-se a participação de voluntários piauienses na Guerra do
Paraguai. Isso pode ser ilustrado com o discurso de Deolindo Mendes da Silva Moura,
proferido no dia 05 de setembro de 1870
25
. O discurso realizou-se na Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Amparo, em Teresina. O tom era de exaltação aos “bravos voluntários da pátria,
heróis piauienses!”, como destacou Deolindo Moura. Enquanto festejava-se a volta dos
heróis, inúmeras pessoas tinham de enfrentar outra guerra: contra as epidemias.
3.3 Modernização de Teresina nas duas primeiras décadas do fremente século XX
Esse “espetáculo” de transformações despertava diferentes formas de sentir e
representar a cidade. A cidade parecia brotar sempre nova mediante cada descoberta, o que
não era visto de forma unilateral e homogênea. Assim como a literatura marioandradiana, que
25
Discurso reproduzido em GONÇALVES, Wilson Carvalho. Antologia da Academia Piauiense de Letras.
Teresina: APL, 2000, p. 162-165. O discurso foi publicado pela primeira vez no Jornal “A Imprensa”, no dia 08
de setembro de 1870.
130
se esforçava para falar de uma cidade que era silenciada, a modernização em Teresina vai
despertar um vasto leque de discursos, que transitam entre a admiração e o medo.
Nesses momentos iniciais do século XX, os literatos eram figuras presentes no tocante
às formas de ver a cidade e a sua modernização. Nesse sentido, os cronistas expressavam-se
seus desejos e angústias, exigindo mudanças e propondo que a cidade saísse de seu atraso de
“caranguejo”. As Crônicas que propunham o desejo de mudança eram reflexão cativa nos
escritos dos literatos, que eram enfáticos e diretos:
Creio bom leitor, que é tempo de Teresina salientar com qualquer
melhoramento para distração, mas não ocorre, é como caranguejo [...] Não
sei leitor até quando continuaremos insípidos. Precisamos de um jardim ou
passeio público e com brevidade (Na cidade. A Palavra, 01 jun. 1902, p.
10).
O confronto discursivo permite perceber o quão plurais e diversas são as formas de
sentir a modernização da cidade. A cidade, dessa maneira, também se pluraliza, pois à medida
que é vista ou imaginada de diferentes formas constrói memórias distintas, sem haver a
“verdadeira” cidade, pois cada cidade representada é fruto do sentimento de pertencimento
daqueles que sobre ela falam. E falam na expressão do cotidiano.
Traços do cotidiano da cidade de Teresina podem ser notados em alguns contos, como
o conto “O aniversário da Zezé”, de Zito Baptista. No conto está narrada a euforia de um
grupo por conta da chegada do barco Iguaraçu. Zito Baptista assim descreve a cena: “O grupo
havia passado. Ia dobrar a esquina pxima. Algum desembarque, talvez... O “Iguaraçu
estava a dar o último apito, de volta da Floriano”
26
.
As novidades, como o embarque e desembarque dos barcos em Teresina, eram
festejados como a possibilidade de maior integração comercial da cidade. Mais que isso, para
os jovens, segundo Zito Baptista, a presença das embarcações simbolizavam o estreitamento
do contato com um mundo novo. A algazarra era encaminhada por um grupo com um grande
número de rapazes e moças, que iam prestigiar e se divertir com o desembarque do barco que
navegava no rio Parnaíba à época. Para Zito Baptista, aquilo era “sem dúvida, uma
manifestação estrondosa”, especialmente pela presença da banda da polícia.
26
Trecho do texto reproduzido em TITO FILHO, A. Zito Baptista: o poeta e o prosador. Teresina: Comepi,
1974. (Monografias do Piaui Série Literária). O texto original foi publicando no jornal Diário do Piauí, no dia
1º de outubro de 1912.
131
A navegação
27
teve importante papel para a configuração dos primeiros elementos de
modernização no Piauí, pois representava um passo importante para a aproximação e
integração regional. A navegabilidade do rio Parnaíba permitiu que cidades como Teresina,
por estarem situadas às margens do rio, desenvolvessem com maior dinamicidade suas
atividades comerciais.
Vapor Manoel Thomas.
Fonte: Arquivo Público do Piauí – Casa Anísio Brito (Foto 9).
Nessa foto está enquadrado o Vapor Manoel Thomas, que fez o translado do segundo
contingente de Polícia para o sul do Estado. Pode-se visualizar que o rio tinha sua importância
não somente como transporte de produtos, mas também no embarque e desembarque de
pessoas. O progresso era transportado no barco que, mais que carregar pessoas e coisas,
carregava a modernidade pelas cidades piauienses através das águas do rio Parnaíba. Esse
transporte era festejado conforme a ótica do literato Zito Baptista pela banda da polícia,
simbolizando a comemoração tanto da sociedade quanto do Estado. Na fotografia pode-se
27
A grande representação da importância da navegação para o Piauí foi a criação da Companhia de Navegação a
Vapor do Rio Parnaíba, no ano de 1858. Na escala de viagens da Companhia estavam estabelecidas quatro
viagens mensais de Teresina à Parnaíba, nos dias 5, 12, 20 e 28 de cada mês. As viagens de Parnaíba à Tutóia
eram combinadas no porto de Parnaíba com as viagens do Vapor Lloyd Brazileiro. Havia, também, viagens de
Teresina à Floriano, nos dias 7 e 22 de cada mês.
132
notar que as condições para o embarque eram ainda muito sticas em meio ao declive
arenoso da margem do rio.
A cidade de Teresina que se amotina em grupos ao som da banda da polícia é a cidade
que também presenciava a violência dos incêndios das casas mais humildes da cidade. Com
os incêndios, os murmúrios o o os mesmos que eram com os desembarques dos barcos.
Com os inndios, a cidade fragmenta-se e apresenta circunstâncias diferentes no seio de uma
mesma configuração histórica. O poema “O incêndio”
28
, de Lucídio Freitas figura bem esse
acontecimento:
O ar queima, o vento queima, a terra queima e abrasa.
Ondas rubras de Sol batem fortes na areia...
No espaço nem sequer um leve ruflo de asa,
Passa aos beijos do Sol que fustiga e esbraseia.
Fogo de um lado e de outro e o vento o incêndio ateia,
Da planície a fazer vasto lençol de brasa;
E o fogo sobe e desce, e volta, e mais se alteia,
E abraça e beija, e morde a ossatura da casa.
Nisto um grande rumor pela terra se escuta.
Braços abertos no ar, soluçando, o Castelo, Se desmorona, enfim, depois de
estranha luta.
Velho Castelo Real! Ó sombra de outra idade!...
Lembras hoje, depois desse horrível flagelo,
As ruínas de Sol no poente da Saudade!...
(FREITAS, Lucídio. Alexandrinos, 1912).
O poema “O incêndio” é indicativo de uma realidade de difíceis condições de moradia
na cidade de Teresina na primeira cada do século XX. O texto possui uma narrativa que,
por meio da memória do autor, denuncia a miséria das habitações que salpicavam as ruas da
cidade. Mesmo denotanto a característica subjetivista do autor, o texto retrata o desespero das
pessoas que viam suas casas sendo engolidas pelas chamas. Além disso, o poema parece
criticar o regime republicano e o sonho do progresso e da democracia, pois a “sombra de outra
idade” ainda estava presente, fazendo desmoronar o somente as casas das pessoas, mas
também a sua crença nas promessas de igualdade da campanha progressista e republicana.
Uma dor, um lamento, uma desesperança que, junto ao fogo que engolia as moradias,
28
Poema reproduzido em BRASIL, Assis (org.). A poesia piauiense no Século XX: antologia. Rio de Janeiro:
Imago; Teresina: FCMC, 1995, p. 87.
133
despedaçava os sonhos, os desejos de uma população que clamava de braços abertos sem ser
escutada.
O inndio
29
narrado por Lucídio Freitas parecia ser algo muito recorrente em
Teresina e de grande abrangência, pois “os incêndios destruíam, em série, ruas inteiras de
casas de palha” (QUEIROZ, 1998, p. 30). Essas casas de palha fervilhavam no entorno de um
núcleo de casas de telhas, subsidiando crônicas que rotulavam os casebres como “feridas
gangrenosas”. As casas de palha eram entendidas como um pesadelo para as autoridades
públicas, pois “as casas de palha de Teresina sempre foram um pesadelo para todos aqueles
que tiveram uma parcela de responsabilidade pelo bem público na cidade e no Estado”
(CHAVES, 2005, p. 38).
Teresinha Queiroz, citando Caio Lima, cronista da época, destaca que a miséria era
vista como um ponto negativo à cidade que se pretendia moderna. Dessa maneira, pode-se
dizer que a cidade estava marcada pelas desigualdades, pois casarios de telhas dividiam
espaço com os inúmeros casebres de palha. Isso era motivo suficiente para tornar Teresina, no
olhar da escrita deste cronista, uma curiosa cidade”. Segundo Teresinha Queiroz, ainda se
utilizando das crônicas de Caio Lima, a cidade estava caracterizada como a "cidade curiosa”,
pois era significativo o número de pedintes à porta dos mais afortunados. A cidade mostrava-
se, então, como espo cujas vivências eram espelhos de um conflito velado. Pretendia-se
construir um mundo do futuro e do progresso. Mundo esse que, segundo Teresinha Queiroz,
está “subterrâneo e marginal nas fontes”. É o mundo da cidade idealizada e de inúmeras vozes
silenciadas, pois “é o mundo que se quer destruir e negar, para dar espaço ao da abastança e
da civilidade” (1998, p. 31).
A imprensa dos primeiros anos do século XX defendia, ou pelo menos ventilava, a
necessidade da criação dos Asilos de Loucos e de Mendicidade. Isso endossava os discursos
da “limpeza social”, para tirar das ruas da cidade os mendigos. Algumas matérias vinculadas
em jornais diziam que
[...] é de palpitante necessidade e de grande alcance altruísta criar-se nesta
Capital um asilo que acolha no seio todos esses pobres que nas ruas
teresinenses buzinam com pedidos de esmolas, que nas portas das casas
pedem de maneiras diversas com vozes imitando as variações e notas da
sica (Apud ARAÚJO, 1995, p. 103).
29
No Art. 104 do Código de Posturas de Teresina, de 1912, havia uma determinação que proibia que os sinos
fossem tocados depois das nove horas da noite, mas abria exceção para os casos de incêndio. Isso demonstra que
os incêndios nessa época eram muitos comuns a ponto de fazerem parte dos códigos da cidade.
134
A mendicidade incomodava boa parte da população, pois os pobres “buzinavam” nas
portas das casas com suas vozes com variações de notas musicais. O tom sarcástico do jornal
revela que o mundo da abastança não comportaria o mundo da miséria e que, de fato, um era
reforçador da existência do outro. Nessa configuração histórica, onde os pobres e mendigos
efervesciam as ruas da cidade, surge a imagem que Charles Baudelaire faz da morte dos
pobres. Segundo o autor, a morte “é a única esperança e o mais alto prazer” (2007, p. 147)
para os pobres. Nas condições subumanas e de total exclusão social, sem alimento e sem
abrigo, a morte tornava-se o “albergue” feito para jantar e para adormecer.
Esse mundo novo”, além de ser o recôndito dos esquecidos, contribuiu para que em
seu passeio pela cidade, a musa Clio presenciasse cidades plurais, pois “o território da cidade,
ao contrário de outros territórios, pode conter diversos espaços sociais e, em função disso,
possuir diversas leituras dessa materialidade” (SILVA, 1999, p. 57).
Mesmo diante das intempéries, o discurso da esperança é uma marca constante nos
artigos de jornais da época. Assim como exposto por André Comte-Sponville (2005), a
esperança seria utilizada como um mecanismo de contenção dos desejos, sendo a esperança,
em sua concepção, “um desejo que se refere ao que o temos (uma falta), que ignoramos se
foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós: esperar é desejar sem gozar,
sem saber, sem poder”.
Assim como em São Paulo, cujos discursos oficiais faziam referências a monumentos
como símbolos da grandeza da cidade, no Piauí o repertório discursivo, dentre outros
elementos, girava em torno de grandes obras como a estrada de ferro, cuja concretização foi
fragmentária e deficiente. A estrada de ferro assumiu o papel de baluarte do progresso e do
estreitamento dos laços da cidade de Teresina com outras cidades do Estado e de outros
estados. Tais discursos geralmente exprimiam a confiança de que o sonho não iria
“descarrilar” e que o progresso estava engatilhado. Essa tentativa de universalizar” os
desejos modernos dava-se pelo fato recorrente de que o progresso era experimentado de
formas diversas, visto que seus alcances, e sua efetivação, insistiam em permanecer nos
projetos. Em decorrência disso, discursos que questionavam a validade e a expansão dos tão
propagados “melhoramentos” eram também disseminados. Eram discursos que transitavam
entre o medo e a recusa, como destaca Jônatas Batista:
Vamos vivendo com o nosso atraso, e assim podemos viver tranqüilos,
em perfeita calma, no mais absoluto sossego.
Viva o nosso atraso, a nossa primitividade, o nosso costume, nada de
progresso (BATISTA, 1985, p.118).
135
Na fala de Jônatas Batista está presente um tom de ironia e sarcasmo, fazendo ressaltar
os contrastes entre o discurso oficial, que defendia uma efetivação mesmo que futura de
diversos projetos de melhoramentos urbanos, e as percepções que os literatos viam sobre as
não realizações de tais projetos. O trecho citado ressalta que a Teresina da década de 1910
quando o texto foi publicado na revista Alvorada era uma cidade que o dispunha dos
melhoramentos noticiados e ecoados nas outras cidades de outros estados do país. Se não
havia progresso, não havia os “distúrbios” que com ele eram originados. Dessa maneira, as
pessoas da cidade podiam se apegar aos seus valores e costumes tradicionais. Isso faz lembrar
a postura adotada por Marco Polo ao visitar a cidade de Isaura. Em consonância com o que
afirma Calvino (1990), essa cidade avançava com a cabeça voltada para trás para ver o que
estava às suas costas.
Em reforço a essa percepção, havia aqueles que ao se referirem à cidade de Teresina
ainda viam a cidade em seus aspectos negativos. No trecho a seguir, retirado da revista
Litericultura, de de janeiro de 1912, o autor, que assina como Antonio e escreve de São
Paulo, assim se refere à cidade:
A nossa querida capital está situada no centro de uma chapada triste, áspera
e monótona, sem um monte a emoldurar-lhe os horizontes, sem um vale ou
bosque a mitigar-lhe a atmosfera fulminante. Sob a abóboda desse
castíssimo firmamento desnudado, como impiedoza antíteze resida uma
população em geral raquítica e de estatura abaixo da média (Litericultura,
01 jan. 1912, p. 38).
Nessa passagem citada, o filho da terra está em outras terras e esrespondendo a carta
de um amigo, que lhe pede para falar sobre a cidade de Teresina. O autor do texto diz que a
“querida capitalpossui poucos atrativos e isso refletiria na própria população, que também
estaria apática e pouco motivada para a melhoria de vida na e da cidade. A antítese,
evidenciada pelo autor, entre a beleza do firmamento da cidade e a baixa estatura do
piauiense, traz em si uma demonstração de uma população subnutrida que se tornara raquítica
se comparada às pessoas de outras cidades do Brasil.
Era comum alguns escritores piauienses trilharem carreiras em outros estados, mas
sem deixar de escrever para aqueles que haviam ficado em Teresina. Muitos escritos falam
das cidades onde estavam e geralmente ressaltam as diferenças entre as cidades, no tocante ao
espaço físico, bem como sobre os costumes. A literatura consultada, geralmente, trata o Piauí
do fim do século XIX e início do XX, como um espaço atrasado, carente dos ares da
136
modernidade. Zito Baptista, em sua temporada no Rio de Janeiro, onde publicou Chama
Extinta e Harmonia Dolorosa, escrevia crônicas acerca da sociedade carioca. Seus textos
continuavam sendo publicados nos jornais de Teresina. Algo que chamava a atenção de Zito,
no tocante às vivências do espaço urbano, eram os cemitérios. Não no sentido religioso em si,
mas no que concerne à estruturação física e à relação dos indivíduos com aquele espaço. Os
cemitérios do Rio de Janeiro surgiam ao autor como desencadeador de memórias, dizendo que
Os cemitérios do Rio, o de o Francisco Xavier e o de São João Batista,
por exemplo, parecem-me quase alegres, mesmo neste sugestivo dia 2 de
novembro, em que venho de visitar, carregado de recordações amargas e
vivendo para meus mortos queridos, todo cheio de uma saudade que o
tem limites...
A morada dos mortos, aqui, tem para mim um outro aspecto, que não é
aquele que o espírito se habituara a rever todos os anos, na província, dia
de finados, no poético campo-santo da minha pequena cidade de Teresina
30
É importante notar que essa identidade, demonstrada por Zito Baptista, aproxima-se
das noções de que as identidades são construções que se constituem pelo próprio indivíduo,
mas que não estão desvinculadas das relações com as demais pessoas e suas convivências e
experiências.
Para Zito Baptista, todos os cemitérios pareciam-se com os “pequeninos cemitérios”
de sua terra natal, menos os cemitérios do Rio de Janeiro. Em Teresina, os cemitérios
pareciam preservar o significado habitual, como local de reflexão e de homenagens. No Rio
de Janeiro, o clima era quase festivo. Seus mausoléus despertavam admiração em Zito por
serem artisticamente decorados com inscrições em túmulos de mármore luxuoso. O cemitério
do Rio de Janeiro vai marcar, na memória de Zito Baptista, as distinções entre o “aqui” e o
“lácomo definidores de sua identidade e de seus sentimentos de pertencimento à cidade em
diferentes espaços.
Outro acontecimento que tornava Zito extático era o carnaval. Seu olhar sobre o
carnaval pode ser visto no soneto “Carnaval”
31
, que diz
Põe a máscara e vai para a folia,
Na afetação de uns gestos singulares,
30
Texto reproduzido em TITO FILHO, A. Zito Baptista: o poeta e o prosador. Teresina: Comepi, 1974.
(Monografias do Piaui – Série Literária).
31
Soneto que compõe a coletânea “Harmonia Dolorosa”, de poesias que foram reunidas, juntamente com a
coleção “Chama Extinta”, em um volume pela Editora Brasileira Lux, no Rio de Janeiro no ano de 1924.
Texto reproduzido em TITO FILHO, A. Zito Baptista: o poeta e o prosador. Teresina: Comepi, 1974.
(Monografias do Piauí – Série Literária).
137
Esquecido dos íntimos pesares
Que te atormentam todo o santo dia...
Homem doente, perdido nesses mares
Tenebrosos da dúvida sombria,
que há lá fora um frêmito de orgia,
Mesmo através das coisas mais vulgares!
Põe-te a cantar, desabaladamente!
Vai para a rua aos trambolhões, às tontas,
Como se enlouquecesse de repente...
Agarra-te à alegria passageira:
Olha que o que te espera, ao fim de contas.
É o triste carnaval da vida inteira...
Nesse soneto, Zito Baptista diz ao “folião” para ir à rua em busca dos prazeres.
Contudo, o texto, que aparentemente parece conclamar à diversão, é uma crítica sutil ao
excessos praticados no carnaval. Zito reconhecia a magnitude do carnaval do Rio de Janeiro,
mas afirmava que durante os dias do carnaval, o povo se esquecia das preocupões e dos
tormentos do dia a dia. Havia, no início da década de 1920, como afirma Sevcenko (2000)
32
um espírito de alegria, que impulsionou as pessoas para o lazer e a diversão.
Para Zito Baptista, o carnaval tinha um efeito anestesiante na memória dos indivíduos,
pois a angustiosa situação política do país, a crise financeira que tanto tem abalado a alma
martirizada do povo faminto [...] tudo foi esquecido inteiramente, completamente”
33
. O
trecho citado foi publicando no jornal “Correio de Teresina”, em 22 de março do ano de 1914.
Faz referência às crises políticas e econômicas pelas quais o país passava no governo de
Hermes da Fonseca.
E em Teresina, o havia festas carnavalescas? Segundo Teresinha Queiroz, “a
diversão popular por excelência, a partir da década de 20, em Teresina, foi o carnaval(1998,
p. 58-59). A cada de 1920, em consonância com o que defende Nicolau Sevcenko,
despertou uma demanda avassaladora por diversões. Isso se deu de tal forma que em 31 de
dezembro de 1922 é inaugurado o Clube dos Diários, tornando-se o centro de referências para
as festas de carnaval na cidade.
32
Em “Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20”, Sevcenko diz que
com o fim das aflições a gripe espanhola, a geada, os gafanhotos, a primeira guerra mundial e as greves no
ano de 1918, um estado de excitação e euforia tomou conta da cidade, prenunciando que a década de 1920 seria
marcada pelo imperativo de harmonia e paz, bem como de um futuro brilhante. Os carnavais tornaram-se
símbolos dessa euforia.
33
Texto reproduzido em TITO FILHO, A. Zito Baptista: o poeta e o prosador. Teresina: Comepi, 1974.
(Monografias do Piaui – Série Literária).
138
No entanto, Teresina, por exemplo, por ser a capital e vitrine do projeto de
modernização, acabou por ter sido melhor contemplada por ações modernizadoras. Tornou-se,
notoriamente em décadas posteriores, referência de educação escolar, nos lazeres, no
atendimento médico, nos transportes etc. Tornou-se o lugar das experiências, das vivências e
das memórias de muitos literatos piauienses, que a viam como lar e aconchego, e a partida
para outras terras seria o martírio para esses indivíduos. Distanciar-se da cidade seria
distanciar-se de suas memórias e de suas tradições, para lançar-se ao conhecimento de novos
costumes e de novos espaços.
Dessa maneira, a capital piauiense teria se tornado o lugar das lembranças e das
saudades, o que abre espaço para o aspecto de que as memórias construídas sobre a cidade
transcendem o aspecto da modernização em si, mas remetem aos sentimentos de
pertencimento. Lucídio Freitas é um bom exemplo desse apego à cidade, ao dizer:
Teresina apagou-se na distância,
Ficou, longe de mim, adormecida,
Guardando a alma do sol de minha infância
E o minuto melhor da minha vida...
A saudade me aterra...
E que vontade eu sinto de chorar,
Distante do meu lar,
Vendo outro céu, vendo outro sol, vendo outra gente,
Tão diferente
Da gente boa lá da minha terra!
(FREITAS, Lucídio. Minha Terra. 1921).
34
É importante notar que essa identidade demonstrada por Freitas aproximam-se do que
Zygmunt Bauman (2005) denomina de identidades flutuantes, “algumas de nossa própria
escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta” (p. 19). Assim, a cidade
que se “apagou na distânciaé, para Lucídio Freitas, a cidade de sua identificação com sua
infância. Teresina é, para ele, a expressão de sua jovialidade e vigor. Teresina é a cidade da
qual vive uma “gente boa”, que possui vivências e costumes que a diferenciam da gente de
outras terras.
Para Lucídio, a cidade é bem mais que o aspecto material, pois Teresina é o lugar de
um céu, de um sol e de uma gente que a tornam sua “terra”. Sua imagem sobre a cidade está
34
Texto reproduzido em BRASIL, Assis (Org.). A poesia piauiense no Século XX: antologia. Rio de Janeiro:
Imago; Teresina: FCMC, 1995, p. 90.
139
vinculada ao sentido de pertencimento, seria o minuto melhor” da vida do poeta. A
identificação com a cidade ultrapassa, dessa forma, os ditames de base urbanística e de
modernização, toca os sentimentos, a saudade, a melancolia. Mas, como lembra Bauman, esse
“‘pertencimento” e a identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para
toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio
indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age e a determinação de se
manter firme a tudo isso são fatores cruciais, tanto para o ‘pertencimentoquanto para a
‘identidade’” (p. 31). O “fazer” ou “não fazer” parte de uma cidade não se daria somente pela
presença do indivíduo no espaço em si, mas perpassa pela escolha de se tornar membro da
cidade.
Em Teresina, os ideais de modernização e de uma vida moderna também eram
questionados pelos dissabores que poderiam proporcionar para a maioria da população.
Exemplo dessa reflexão pode ser percebido no artigo A hygiene na cidade e no campo”,
publicado na revista Litericultura, em 30 de setembro de 1913. O teor do texto extrapola a
discussão da saúde pública, como sugere o título. De fato o que vai ser apresentado com
maior ênfase no artigo são reflexões acerca do impacto das transformações da civilização
moderna” nos costumes e nos valores dos seres humanos. O texto é um conclame à sociedade
e uma espécie de alerta sobre os riscos da civilização moderna. Em muitos momentos, o tom é
o seguinte:
E a civilização moderna, meus senhores, “esta mulher venenosa”, diz o
prof. Austregésilo, não abandona o seu séqüito de maldades e de desgraças,
sombreada, sempre, pela vida humana deformada, esfarrapada, seguida pela
moléstia eterna em sua corrozão minaz, pela moléstia que vence o
homem, que o mata em suas aspirações deglutindo com sua bocca hiante,
dia a dia, milhares de vidas utilíssimas ao mundo (Litericultura, 30 set.
1913, p.12).
O artigo escrito por R. Fernando e Silva fala que a vida moderna tem ceifado a vida de
pessoas de maneira acelerada e fremente. As pessoas levariam uma vida muito intensa e com
hábitos pouco saudáveis ao corpo e à mente, bem como ao espírito. Denomina a civilização
moderna de “mulher venenosa”, cheia de maldades que dilaceram os humanos, denunciando
as moléstias que ela gera no mundo. Para Fernando e Silva, a vida de ostentação é o próprio
suicídio dos indivíduos, pois
Nós nos suicidamos, levamos, passo a passo, um punhado dos nossos
órgãos para a destruição, ora com os excessos de uma ostentação supérflua,
140
ora com a falta de recursos, ora com a vida intensíssima de um labor
improfícuo, sem methodização e a igualdade (Litericultura, 30 set. 1913, p.
23).
Além dos excessos provocados pelo consumo do supérfluo ou da falta dos recursos
para a sobrevivência gerada pelo trabalho injusto e desigual, uma das grandes preocupações
de Fernando e Silva era com a falta de valores por parte dos jovens, que se encontrariam em
uma vida de “torpezas”. Nesse sentido, Fernando e Silva caracteriza a juventude nos seguintes
moldes:
A mocidade atual, longe de dedicar-se às coisas úteis, de procurar na
elevação moral o elemento indispensável à construção do templo futuro,
amesquinha-se, avilta-se, sepulta-se no lado das abjecções e ufana-se ainda
em praticar torpezas (Litericultura, 30 set. 1913, p. 28).
O soerguimento da cidade por meio de seus projetos de modernização e de civilidade,
com suas “faces incongruentes, seus ritmos desconexos, sua escala extra-humana e seu tempo
e espaço fragmentários” (SEVCENKO, 2000, p. 40), promoveu o estranhamento de gerações
em relação aos traços culturais cristalizados na sociedade. A mocidade estaria vivendo em um
tempo cujas experiências e desejos são muito mais impulsionados pela vivência do presente,
sem o peso enrijecido do passado e das amarras das promessas do futuro. Esse “mal-estar”
promovido pelas inovações criou uma esfera na qual conviviam experiências e temporalidades
divergentes e contraditórias, lançando olhares dicotômicos uns sobre os outros. A juventude,
no turbilhão de transformações, tem menos propensão a se apegar às reminiscências de uma
tradição cultural, daí essa juventude ser alvo dos comentários ásperos dos mais moralistas.
Para Elias Martins(1920), as razões da existência de uma juventude que não seguia as
tradições e os valores estavam vinculadas à desestruturação da própria família. Tal
fragilização familiar se dava, para Elias Martins, pela invasão das influências do cinema e do
cinematógrafo, que contribuíram para o contato com outros valores culturais. As mulheres,
para Elias Martins, deixavam-se enfeitiçar pelos romances das “fitas” e não mais se
dedicavam aos domínios e afazeres do lar. Em decorrência disso, Elias Martins diz que
Vazio o lar, nublado o astro, que o regularisa e aclara, vagueiam os filhos
descurados e soltos, sem guia, sem conselhos, campeões dos jogos e dos
theatros, lustrosos bonecos dos saraus e dos passeios, às vezes defrontando
os paes na meza do tapete verde ou em equívocas situações, ainda mais
depressivas e niveladoras (MARTINS, 1920, p. 17).
141
O cinema, que em certa medida era visto como mais um elemento da modernização da
cidade de Teresina, teve ressonâncias na vida e no cotidiano da sociedade. A desestruturação
familiar é salientada pelos mais conservadores como Elias Martins. Os mais jovens pareciam
se deixar capturar mais facilmente pelos encantos dos filmes e acabavam por mudar suas
rotinas e as suas prioridades. Isso interferia diretamente até nos estudos, visto que
São de aborrecimento e cançaço as horas do estudo, não atráe a belleza dos
livros, inpidos companheiros, nem mesmo os doces brincos do lar; as
exaltadas cabecinhas, em surtos de fogo, estão a reproduzir as illuminações
da tela, passando e repassando palpitantes scenas, na deleitosa variedade
das cálidas sensações (MARTINS, 1920, p. 27).
Para Elias Martins, as “iluminações da tela” contribuíam para o obscurecimento do
respeito da juventude aos estudos, fortalecendo a inaceitável situação do analfabetismo e dos
baixos índices educacionais. Os jovens estariam reproduzindo a vida boêmia e de prazeres
que era exibida nas telas. O caráter “erosivo” do cinema, como denominava Elias Martins,
denegriam as bases da sociedade sob o véu do discurso da modernidade e civilidade dos
costumes.
Nesse sentido, pode-se perceber que o fenômeno da modernização e o ideal de uma
“civilização moderna” não eram apreendidos e sentidos da mesma maneira. Alguns percebiam
suas conquistas, outros denunciavam os males e dores que ela provocava. Essa diversidade na
percepção da modernidade configura-se em função da pluralidade de desejos, angústias e
interesses que os sujeitos têm sobre seu tempo e seu espaço.
Vale a pena ressaltar que a memória situada no tempo e no espaço faz com que as
lembranças do indivíduo estejam muito mais atreladas a determinadas experiências de sua
vida e seus valores. Isso explica o caráter da meria individual, ou melhor, autobiográfica
dos literatos, pois tal memória
[...] não está inteiramente isolada e fechada. Para evocar seu próprio
passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se
transporta a pontos de referências que existem fora de si, determinados pela
sociedade (HALBWACKS, 2006, p. 72).
As maneiras pelas quais a cidade é representada e sua relação na constituão de
memórias transcende uma temporalidade fixada. O processo modernizador da cidade vai
assumindo dinâmicas diferentes, pois os condicionamentos sociais, políticos e culturais vão
142
assumindo especificidades de cada tempo, o que faz com que os literatos falem da cidade a
partir de suas memórias, tentando construir outras memórias por meio da coletivização de
seus textos. Nesse diapasão, a cidade é lida e (re) escrita por diferentes escritores que usam e
experimentam o espo urbano de diferentes maneiras, atribuindo significados vários à
cidade.
A cidade, por esse viés, pode ser vislumbrada pela literatura que permite entender o
espaço urbano por meio das “variações entre as representações literárias e as realidades
sociais que elas representam” (CHARTIER, 2002, p. 259).
Dessa maneira, a literatura permite perceber a cidade em diferentes momentos e por
diferentes olhares. Olhares esses que estão carregados de memórias que são socialmente
localizadas. Os discursos desses literatos devem ser entendidos tanto do lugar de onde falam
como o lugar de endereçamento. A cidade que surge a partir do olhar de cada literato abre
espaço para a visualização de inúmeras cidades que se confrontam e também se
complementam. As memórias da cidade pela perspectiva da literatura é um arcabouço a mais
para o entendimento de como a cidade é sentida em temporalidades e espacialidades
diferentes.
As vozes da literatura permitiram ouvir os sussurros que ecoavam da modernização da
cidade de Teresina. Sussurros que representavam sentimentos vários, que transitavam entre a
no futuro, a esperança no progresso e o estranhamento e a desconfiança. Essa configuração
histórica, palco das transformações e seus conflitos, foi marca constante na modernização em
Teresina, pois “todo raio de esperança vem sempre ligado a uma nuvem” (WEBER, 1989, p.
295). E é sobre essa nuvem que o olhar do historiador se volta, para perceber não somente o
que está claro, mas também, o que está obscuro.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir esta pesquisa, a primeira observação a ser feita é que a cidade não
conta sua história como a contém. É preciso enveredar pelos “caminhos irregulares” da cidade
para perceber que cada rua, cada prédio, cada praça e cada pessoa são partes da cidade e de
sua história. Além disso, não cidade irregular, mas sim, diferentes cidades que se
sobrepõem, se negam e se completam conforme a cidade que cada indivíduo experimenta e
representa.
Dessa maneira, ao analisar o corpus documental que subsidiou esta pesquisa, pode-se
considerar que a aventura moderna da cidade de Teresina, foi marcada por lutas. Lutas de
representações acerca das transformações da cidade. Lutas de uma população que resistia aos
maus tratos da exclusão social e que sonhava que uma sociedade efetivamente igualitária
pudesse ser conquistada. Lutas de uma população que presenciava a euforia daqueles que
defendiam as ações modernizantes e que eram os quase que exclusivos beneficiados pelos
projetos de modernização e progresso. Essa população produziu representações sociais
divididas entre uma realidade na qual a propaganda da modernização tentava disfarçar um
cotidiano de miséria e de exclusões e, ao mesmo tempo, difundiu o sonho de se transformar
no retrato de uma sociedade que realmente teria alcançado o progresso, atendendo a todos os
setores sociais.
Havia conflitos que as transformações do espaço urbano despertaram incisivamente. À
medida que se tentava ordenar o espaço buscavam-se também mecanismos de ordenamento
das condutas sociais. Dessa maneira, no processo de modernização da cidade de Teresina,
inúmeras estratégias de ordenamento e de embelezamento dos espaços na malha urbana
impuseram certas barreiras às camadas mais humildes, afastando-as principalmente da região
144
central da cidade. Lutas de Perseus, que armados com o escudo da modernização insistiam em
superar o “olhar de Medusa”, que dava ao progresso das cidades piauienses o seu teor
simbólico e, por que não dizer, mitológico. Percebeu-se que a “petrificação social” também
reverberou na dimensão cultural, no tocante aos costumes e às tradições. Nos discursos em
defesa da modernização e do progresso era preciso superar as características provincianas da
cidade. Contudo, tal superação era encarada, pelos segmentos mais conservadores, como a
perda das raízes e o domínio da anarquia social. Não eram lutas diretas. Eram lutas veladas e
disfarçadas com os longos e sedutores véus da modernização, que buscavam vestir a cidade
nas sedas de uma nova civilidade.
A modernização da cidade de Teresina, como em geral aconteceu com a maioria das
cidades brasileiras no início do século XX, esteve pautada, em consonância com os princípios
elencados por Sevcenko (1999), em quatro eixos de atuação: o primeiro refere-se às tentativas
de transformação dos espaços urbanos como uma forma de superação do passado, visto como
expressão da memória e dos costumes de sociedade ligada às tradições; o segundo eixo seria a
legitimação da imagem de uma sociedade civilizada por meio da negação das práticas
relacionadas à cultura popular; o terceiro foi o ordenamento dos espaços urbanos mediante
estratégias de expulsão ou controle da população pobre das áreas de concentração e convívio
das elites locais; e, por fim, uma aproximação com os valores e costumes de tradição burguesa
européia, que reforçavam as contradições entre as tradições e as inovações sobretudo no que
se refere aos comportamentos e condutas sociais.
Por esse diapasão, conclui-se que a modernização da cidade de Teresina esteve
atravessada pelos ideais de um futuro que devia ser antecipado, pois os discursos
modernizadores pensavam o “possível” e o “novo” em sua concretização no presente. O
presente tornou-se o espelho do próprio futuro. Tal concretização dar-se-ia mediante a
suplantação da memória e da tradição que remetiam ao atraso e à incivilidade. O futuro, como
o “presente que podia ser”, era o estandarte dos discursos modernizadores do espaço urbano e
da sociedade. Tais discursos, em geral, representavam o imaginário das elites locais. Isso não
significa dizer que a população também não tivesse, em algum momento, se deixado capturar
pelo fenômeno da modernização, pois a própria modernização assumia o papel de suavizar os
abismos sociais presentes na cidade. No entanto, como alguns mecanismos de exclusão social
foram encaminhados de maneira muitas vezes autoritária, fizeram com que a população
“culpasse” a modernização como a responsável pelas mazelas.
Constatou-se, na análise dos discursos oficiais, que a modernização da cidade de
Teresina processou-se com ritmos e alcances diferentes em decorrência dos projetos e ões
145
destinados às transformações do espaço urbano, no qual o Estado funciona como o agente
mediador e regulador do processo de modernização. A cidade surgiu, desde a transferência da
capital, sob a égide dos ideais de progresso. Os avanços e recuos de tal modernização
estiveram intimamente ligados à configuração política que marcou o transcurso do século
XIX ao século XX.
Dentre os vários aspectos dessa configuração histórica, nas mensagens
governamentais foram ressaltadas as condições precárias que a política federalista do início
do regime republicano relegou ao Estado, sobretudo no que tange às finanças. Esse era o
argumento basilar nos discursos oficiais para o atraso não somente da capital, mas de todo o
Estado. Por outro lado, o discurso republicano era retomado para a defesa dos ideais de
progresso e de civilidade. O regime republicano seria um dos discursos modernizadores que
compunham os projetos de modernização da cidade. Os projetos de transformação da cidade
de Teresina, que foram iniciados durante as últimas décadas do século XIX, seriam reforçados
pelas promessas do discurso progressista republicano.
Nesse sentido, as representações sociais analisadas nesta pesquisa foram fomentadas
pela euforia e incertezas advindas com a chegada de um novo século, bem como com os
primeiros passos de um novo regime político. Essa configuração histórica era endossada com
as transformações nos espaços urbanos da cidade e de suas implicações na vida cultural e
social da capital piauiense. Tais circunstâncias ecoavam nas ações de modernização da capital
que, mesmo sendo a cidade piauiense cujos olhares das lideraas políticas estavam mais
voltados, ressentia-se de maiores melhoramentos em sua urbanização.
A fragilidade orçamentária teria ressonâncias nas políticas voltadas para a instrução
pública, no que se refere às tentativas de modernizá-la. Nas mensagens dos governantes, o
melhoramento da instrução seria um fio condutor para o progresso do Estado. Mais uma vez
pode-se perceber que a capital foi a mais beneficiada pelos interesses do poder público para a
modernização da instrução pública.
Além disso, havia o problema da inadequação de modelos educacionais copiados
indiscriminadamente de outras cidades do ps ou do gerenciamento da legislação. Tal
inadequação dava-se, também, pela falta de atenção às condições socioeconômicas da
população, principalmente das zonas rurais e do perímetro das periferias urbanas.
A década de 1920 ficou marcada como o período de otimismo para a educação, com a
retomada e reformulação de leis e projetos iniciados na cada anterior. Década esta que
ambientou a fundação da Academia Piauiense de Letras, considerada, conforme seus próprios
objetivos, como espaço de valorização da intelectualidade, identidade e memória da cidade e
146
de todo o Estado. Viu, dessa maneira, a fundação de um Pathernon moderno na cidade para a
valorização do saber e da memória da cidade. A literatura foi sua guia e parceira fiel nesse
trajeto pela cidade. A musa da História compartilhou com Atena a euforia e os projetos de
melhoria da instrução pública, mesmo diante de muitas dificuldades relacionadas à falta de
verba, de professores preparados, de remuneração adequada, de prédios próprios, de
freqüência e de matrículas mais expressivas.
A modernização da cidade de Teresina, nas duas primeiras cadas do século XX, foi
marcada, também por seu caráter de ordenamento dos espaços que, em geral, assumiu
dimenes segregadoras. A criação de alguns prédios como a Santa Casa de Misericórdia, o
Asilo de Loucos, Casa de Educandos Artífices tornaram-se espaços que tinham, dentre outras
funções, promoverem a “limpeza social”. A presença da população miserável contrariava os
projetos de construção de uma cidade ideal com novos padrões de civilidade. Eram ações que
partiam, em geral, da iniciativa estatal, visto que o Estado atuava como o eixo organizador e
mediador dos projetos e ideais de mudança dos espaços urbanos.
Nesse ínterim, Clio presenciou Teresina ser acometida pelos males da caixa de
Pandora e a esperança da população em vencer as doenças. Concluiu-se que, nas várias
estratégias de ordenamento da cidade, os condicionantes de higiene e de medidas sanitárias
foram utilizados como aspectos de controle da “saúde social”. Compreendeu-se que as
campanhas sanitárias não se dedicavam somente às camadas pobres da sociedade, embora
fossem mais direcionadas a esse estrato social.
Contudo, a preocupação com a saúde pública na cidade de Teresina estava alicerçada
na premissa de que o controle do corpo, por meio da institucionalização do saber dico,
pretendia alcançar o progresso de toda a sociedade. Um povo saudável seria expressão de uma
sociedade civilizada e inserida nos ditames da vida moderna. Essa noção contrastava com
aquilo que era demonstrado em relatos de jornais e de algumas lideranças políticas, que
enfatizavam o estado cambaleante da realidade sanitária da cidade. Os males da caixa de
Pandora pareciam resistir aos discursos de melhoramentos da saúde pública na cidade.
As cidades piauienses, sobretudo Teresina, sofreram mudanças estruturais, ora com
dinamismo, ora com vagareza. O ideário modernizador esteve intimamente vinculado aos
projetos progressistas de instauração de uma realidade do “novo” e do “atual”, tornando-se a
vitrine adornada com os sedutores discursos de intensas transformações. A cidade moderna
teria de simbolizar essa transição e essa superação. Os indivíduos precisavam, conforme o
discurso oficial, experimentar novas formas de viver em uma cidade moderna” e para tal
147
tinham de se perceber como modernos e como citadinos pertencentes àquele espaço, mesmo
que fosse um espaço idealizado e desejado.
Em seu passeio por Teresina, a musa Clio percebeu a cidade em constante frenesi. Viu
muitos Perseus lutarem contra o olhar petrificante de Medusa. Nessa luta manifestaram-se
muitos avanços na urbanização da cidade, pois praças, pontes, ruas, estabelecimentos de
ensino, casas de espetáculo, prédios públicos e Igrejas foram construídos ou remodelados,
tanto na estrutura física como, às vezes, em suas funções e sentidos. Tais modificações teriam
partido, ora da iniciativa dos poderes públicos, ora da exigência da elite da cidade, como foi o
caso do Teatro 4 de Setembro e o do Clube dos Diários.
Os textos literários contribuíram para o entendimento do processo de modernização da
cidade de Teresina. Isso se deu pelo fato de que a literatura potencializou a percepção sobre
acontecimentos, expondo aspectos políticos, econômicos e sociais que envolvem as
transformações pelas quais a cidade passou. As melhorias materiais, como o surgimento das
primeiras tipografias em Teresina, bem como os graduais incrementos na instrução pública,
contribuíram para a formação de um sistema literário, visto que emergia uma população, ou
pelo menos um segmento dela, que experimentava uma cultura letrada. Além disso, a
literatura foi fundamental para que contrapontos pudessem ser feitos entre os discursos das
diferentes fontes que falavam da “aventura moderna” da cidade.
A literatura permitiu a visualização das representações e imagens que foram criadas
sobre o espaço urbano e suas transformações. Transformações tais que influenciaram direta ou
indiretamente nos costumes e no cotidiano, mostrando a cidade por meio das sensações,
sentidos e projeções múltiplas.
No passeio pela cidade, Clio percebeu que os literatos tinham relatos que falavam da
cidade e que tais relatos também (re)criavam a cidade. Assim como os jornais e os
documentos oficiais dos poderes públicos também eram relatos sobre a cidade. Percebeu que
a modernização da cidade despertou uma multiplicidade de sentimentos, sensações, angústias
e esperanças. Clio, então, compreendeu que o seu passeio não terminou, pois quanto mais se
adentra nas ruas da cidade, mais cidades surgem, visto que a cidade é viva, dinâmica e
múltipla e que as contradições inerentes ao processo de modernização fazem parte de sua
dinamicidade e construção. Na cidade de Teresina, enquanto houver ideais de mudança e de
progresso, haverá inúmeros Perseus e Medusas, assim como infinitas cidades.
Ainda em seu passeio, Clio percebeu, nos dias atuais, que a memória documental da
cidade do início do século está enfraquecida. O arquivo público do Piauí encontra-se em
estado de sofreguidão, pois muitas fontes se perderam no tempo ou estão em péssimas
148
condições de manuseio. Este estudo também é um esforço de dar fôlego não às
representações sobre a cidade, mas à sua memória. Mesmo diante da consciência de que a
memória se forma não só por lembranças, mas também de esquecimentos, não se pode admitir
o total silenciamento das vozes que ecoam pelos cantos da cidade e que fazem parte da sua
própria história.
Nesse sentido, Clio despede-se da cidade de Teresina das duas primeiras cadas do
culo XX, que foi povoada pelo frêmito de esperança e de medo em relação à modernização,
pois a esperança está intrinsecamente relacionada aos sopros gélidos da inquietude e da
desconfiança. Seu passeio contribuiu para o olhar sobre Teresina em pleno movimento,
pulsante de sensações e experiências. Sua despedida, contudo, é um convite para que novos
visitantes se aventurem nos mistérios que a cidade tem para serem “desvendados”.
149
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estabelecimento do sistema de viação férrea no Estado, fazendo revisões em decretos
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abastecimento de água potável na capital piauiense.
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Pública no Piauí, estruturando as diretrizes da Escola Normal em Teresina.
PIAUÍ. Decreto Nº 771. Piauí, 06 de setembro de 1921. Propões inúmeras alterações e
diretrizes ao Regulamento Geral da Instrução Pública no Piauí.
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EMPRESA FONTENELLE E CIA. Gazeta. Ano IV, nº 159. Therezina. 12. 08. 1908.
ALFAIATARIA MODERNA. Gazeta. Ano VII, nº 280. Therezina. 30. 11. 1910.
HOTEL 15 DE NOVEMBRO. O Monitor. Ano I, nº 03. Therezina. 15. 11. 1906.
A HYGIENE DE THERESINA. O Norte. Ano XI, nº 417. Therezina. 30. 07. 1909.
ESTRADA DE FERRO. O Piauhy. Ano XVI, n° 870. Therezina. 29.09.1906.
O COROATÁ HOTEL. O Piauhy. Ano XXXII, nº 415. Therezina. 20. 03. 1921.
PONTES NO PARNAHYBA E NO POTY. O Piauhy. Ano XXXII, nº 482. Therezina. 12. 06.
1921.
HOTEL DO NORTE. O Piauhy. Ano XXXIX, nº 485. 23. 06. 1921.
ILUMINAÇÃO PÚBLICA. O Piauhy. Ano LXIII, nº 105. Therezina. 08. 07. 1921.
O PROJETO N. 26. O Piauhy. Ano LXIII, nº 119. Therezina. 11. 07. 1928.
SERVIÇO D’ÁGUA. O Piauhy. Ano LXIII, nº 155. Therezina. 31. 07. 1928.
PALACE HOTEL. O Piauhy. Ano XXXIX, nº 58. Therezina. 16. 07. 1929.
AS LIGAÇÕES FERROVIÁRIAS NO PIAUHY. O Piauhy. Ano XXXIX, 178. Therezina.
13. 08. 1929.
A REPÚBLICA. O Tempo. Ano I. nº 40. Therezina. 16. 11. 1905.
3. REVISTAS
PIAUÍ. Revista Litericultura. Ano I, Therezina, 01. 01. 1912.
PIAUÍ. Revista Litericultura. Ano II, Therezina, 30. 10. 1913.
156
4. MENSAGENS GOVERNAMENTAIS
PIAUÍ. Governador (1890-1890). BESOURO, Gabino. Mensagem apresentada à mara
Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 19 de outubro, 1890.
PIAUÍ. Governador (1892-1896). CARVALHO E SILVA, C. de. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 08 de junho de 1893.
PIAUÍ. Governador (1892-1896). CARVALHO E SILVA, C. de. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 1º de junho de 1896.
PIAUÍ. Governador (1920-1924). FERREIRA, João Luiz. Mensagem apresentada à Câmara
Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 1º de junho, 1921.
PIAUÍ. Governador (1928-1930). LEAL, João de Deus Pires. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 1º de junho, 1929.
PIAUÍ. Governador (1924-1928). MELLO, Mathias Olympio de. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1926.
PIAUÍ. Governador (1924-1928). MELLO, Mathias Olympio de. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1928.
PIAUÍ.
Governador (1904-1907). MENDES, Álvaro A. A. O. Mensagem
apresentada à mara
Legislativa.
Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1906.
PIAUÍ. Governador (1904-1907). MENDES, Álvaro A. A. O. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1907.
PIAUÍ.
Governador (1900-1904). NOGUEIRA, Arlindo F. Mensagem
apresentada àmara
Legislativa
. Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1902.
PIAUÍ.
Governador (1900-1904). NOGUEIRA, Arlindo F. Mensagem
apresentada àmara
Legislativa
. Teresina: Imprensa Oficial. 1º de junho, 1903.
PIAUÍ. Governador (1912-1916). ROSA, Miguel. Mensagem apresentada à Câmara
Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 1º de junho, 1915.
157
PIAUÍ. Governador (1888-1889). SILVA, Raymundo José Vieira da. Mensagem apresentada
à Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial. s/d. 1889.
PIAUÍ. Governador (1910-1912). SILVA, Antonino Freire da. Mensagem apresentada à
Câmara Legislativa. Teresina: Imprensa Oficial, 1º de julho, 1910.
PIAUÍ.
Governador (1896-1900). VASCONCELOS, R. A. de. Mensagem
apresentada à mara
Legislativa
. Teresina. Imprensa Oficial. 1º de julho, 1897.
158
ANEXOS
ANEXO “A” OFÍCIO ENVIADO PELO DIRETOR GERAL DE INSTRUÇÃO
PÚBLICA, ARTHUR PEDREIRAS, ENVIADO A CÓPIA DO PEDIDO DO PROFESSOR
BENEDITO LEMOS PARA AQUISIÇÃO DE UM RELÓGIO PARA A ESCOLA A SEU
CARGO.
159
ANEXO B” CÓPIA DO PEDIDO DO PROFESSOR BENEDITO LEMOS,
SOLICITANDO UM RELÓGIO PAR A ESCOLA A SEU CARGO.
160
ANEXO “C” OFÍCIO ENVIADO PELO DIRETOR GERAL DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, ARTHUR PEDREIRAS, EM RESPOSTA À SOLICITAÇÃO DO
GOVERNADOR DO ESTADO, CORIOLANO DE CARVALHO E SILVA, EXIGINDO
MEDIDAS DE ADEQUAÇÃO DO LICEU AO PROGRAMA DO GINÁSIO NACIONAL.
161
CONT. ANEXO “C”
162
ANEXO “D” DECRETO N. 29, DE DE MAIO
DE 1890, QUE ESTABELECE AS DIRETRIZES
PARA O SERVIÇO MÉDICO POLICIAL EM
TERESINA.
163
CONT. ANEXO “D”
164
ANEXO “E” DECRETO N. 42, DE 28 DE
JANEIRO DE 1891, QUE ESTABELECE AS
DIRETRIZES PARA O SISTEMA DE VIAÇÃO
FÉRREA.
165
CONT. ANEXO “E”
166
CONT. ANEXO “E”
167
ANEXO “F” DECRETO N. 72, DE 20 DE MAIO
DE 1891, QUE DETERMINA AS DIRETRIZES
PARA O ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL
EM TERESINA.
168
CONT. ANEXO “F”
169
CONT. ANEXO “F”
170
CONT. ANEXO “F”
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