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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
MARILENE SCALABRIN RODRIGUES
DE PROFESSORES A PARLAMENTARES: DA SALA DE AULA AO
PLENÁRIO
Canoas
2005
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MARILENE SCALABRIN RODRIGUES
DE PROFESSORES A PARLAMENTARES: DA SALA DE AULA AO
PLENÁRIO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Luterana do Brasil para obtenção do título de
MESTRE em Educação.
Professora Dra. Rosa Maria Hessel Silveira
Canoas
2005
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AGRADECIMENTOS
Registro meu agradecimento:
à Profa. Dra. Rosa Maria Hessel Silveira, cuja
orientação, seguramente, constituiu um porto
firme e acolhedor, que me permitiu chegar e
partir, no tempo desta elaboração na
primavera, no verão, no outono, no inverno -,
fora e dentro...
aos Professores do Mestrado, por terem
partilhado suas representações...
experiências...
aos sujeitos da pesquisa, que animaram e
iluminaram o trabalho...
aos componentes da Banca, pela generosidade
de emprestarem seu tempo e de se
disponibilizarem à leitura e análise do trabalho,
bem como a elaborarem sugestões para o seu
aperfeiçoamento...
a todas as fontes, em cujas reflexões, achados,
proposituras, fui-me alimentando, abastecendo
para concretizar esta prática de investigação...
a minha família, companheiros de travessias...
aos presentes na sessão de defesa e aos que
se seguirem, quando aqui aportarem, pelos
mais variados motivos...
enfim...
a todos que, de uma forma ou outra,
contribuíram para que eu pudesse chegar a
esta provisória ancoragem...
RESUMO
Este trabalho, realizado sob a abordagem dos Estudos Culturais, tem por
objetivo perscrutar a história de docentes que acrescentaram às suas trajetórias
profissionais a atividade parlamentar, elegendo-se e constituindo-se deputados ou
deputadas. Fez-se necessária uma revisão de literatura acerca dos Estudos
Culturais, depois sobre Estudos Culturais em Educação e Política; efetivou-se uma
breve retrospectiva sobre a formação de docentes no Brasil; esquadrinharam-se os
conceitos de docência e de docentes, de política e de políticos, de deputados,
identidade, representações, missão, vocação, poder, gênero, pesquisa e acesso.
Foram entrevistados três deputados e duas deputadas, cujas falas, tratadas à luz da
análise de discurso e de conversação, aportaram as visões de homem e de mundo
em que assentam suas práticas e suas representações acerca de educação, política,
pesquisa, gênero, acesso, trabalho docente, trabalho parlamentar; expectativas que
tinham com a realização de suas atividades quando no exercício da docência e,
agora, no exercício do mandato. Com os resultados da investigação, busca-se
colaborar com os estudos realizados acerca das trajetórias de docentes, sobre uma
forma peculiar de direcionamento em suas carreiras, procurando mostrar como
docentes, que se tornam parlamentares, passam a contribuir, em outras esferas,
mais especificamente numa casa legislativa estadual, no campo da Educação.
Palavras-chave: Estudos Culturais; Educação; Política; Docência;
Parlamentar; Deputado; Professor.
ABSTRACT
This work was done on a Cultural Studies approach. It’s objective is to
search life teacher’s stories that added to their professional trajectories the
parliament activities, electing and constituting themselves deputies. It was necessary
to make a literature revision about Cultural Studies; after about Cultural Studies and
Education and Cultural Studies and Politic. We did a brief retrospective as for
teacher’s education in Brazil; scrutinized concepts of teaching and teachers, of politic
and politicians, deputies, identity, representations, missiom, vocation, power, gender,
research and access.
Five deputies were interwied, three men and two women. Their speeches
were treated under the auspices of Discourse and Conversation Analysis and
brought us men and world visions, above those they settle their practices and
representations concerning education, politic, research, gender, access, teacher’s
and deputies work, expectatives they had, when they were teachers and now,
exercising their mandates.
With the results of this investigation, we want to colaborate with studies
already done above teacher’s trajectories, specially above those ones that had taken
a peculiar form of managing their carriers, trying to present how teachers that
become deputies contribute, in other aereas, specifically in a stadual assembly, in
the Education field.
Key-words: Cultural Studies; Education; Politic; Teaching; Teachers;
Deputies; Representatives.
SUMÁRIO
RESUMO.....................................................................................................................3
ABSTRACT .................................................................................................................4
INTRODUÇÃO ............................................................................................................7
1 UM MERGULHO NOS ESTUDOS CULTURAIS....................................................12
1.1 Vejamos, que Campo de Estudo é este? .........................................................12
1.2 Estudos Culturais em Educação ......................................................................14
1.3 Estudos Culturais e Cultura..............................................................................15
1.4 Estudos Culturais e Política..............................................................................20
2 DOCÊNCIA ............................................................................................................26
2.1 Docência e Formação de Docentes .................................................................26
2.2 Docência e Pesquisa........................................................................................41
3 POLÍTICA E FORMAÇÃO DE POLÍTICOS/AS, PARLAMENTARES,
DEPUTADOS/AS ...............................................................................................44
4 OUTRAS NOÇÕES DE REPRESENTAÇÕES IMPRESCINDÍVEIS......................52
4.1 Identidade.........................................................................................................52
4.2 Gênero .............................................................................................................55
4.3 Vocação/missão/pastoralidade.........................................................................61
4.4 Poder................................................................................................................69
4.5 Acesso..............................................................................................................72
4.6 Representação .................................................................................................77
4.7 Relativismo.......................................................................................................79
5 METODOLOGIA.....................................................................................................83
5.1 As Entrevistas na Pesquisa Qualitativa............................................................87
5.2 A Realização das Entrevistas...........................................................................90
5.4 A Construção do Corpus ................................................................................103
5.5 A Análise do Corpus.......................................................................................105
5.6 Tornar-se Professor........................................................................................108
5.7 Falando em Vocação......................................................................................113
5.8 Como esses Professores se tornaram Parlamentares... ................................116
5.9 Recorrências sobre Acesso............................................................................126
5.10 No que Tange à Pesquisa... .........................................................................128
5.11 A Questão do Gênero – na Docência e no Parlamento Estadual.................130
6 INFERÊNCIAS PROVISÓRIAS............................................................................138
6.1 À Guisa de Considerações Finais desta Etapa... ...........................................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................143
ANEXOS .................................................................................................................149
INTRODUÇÃO
Inicio este trabalho instada por indagações que me venho fazendo acerca
dos motivos que levam docentes a mudarem ou acrescentarem às suas trajetórias
profissionais a atividade parlamentar, mais precisamente, elegendo-se e
constituindo-se deputados ou deputadas. A formação dos docentes, o trabalho
docente, o profissionalismo no trabalho docente desde muito mobilizam minha
atenção; afinal, vim traçando o meu caminho na docência, no magistério público
estadual e privado, nos ensinos fundamental, médio e universitário, considerando,
entre outros, esses marcos. pouco mais de dois anos, porém, em razão da
aprovação em um concurso, retornei a um dos ambientes dentre os quais cresci e
onde vivi momentos extremamente significativos da minha formação: um legislativo
estadual.
Vindos do interior do Estado, meus pais ali escreveram, com extrema
dedicação e trabalho incessante, no decorrer de vinte e oito anos – sem férias - suas
vidas profissionais; educaram e formaram dois filhos. A despeito das várias opções
que se projetavam para uma carreira profissional, considerando-se essa vivência no
parlamento estadual, escolhi o magistério. E segui o exemplo que testemunhara:
extrema dedicação ao trabalho, que no campo da educação, na escola privada,
na escola pública estadual e, mais tarde, na universidade.
Ao vislumbrar, doze anos atrás, a possibilidade da aposentadoria, segura da
precocidade do que se dispunha, decidi abrir outra frente de atividade. Retomei uma
8
antiga possibilidade, abandonada que fora, pela opção vocacional identificada como
prioritária, o magistério, e comecei o curso de taquigrafia com vista aos concursos
públicos então anunciados.
Não foi nada fácil atingir meu objetivo. Antes de obter aprovação na área da
taquigrafia, classifiquei-me em quarto lugar nas provas para Técnico em Assuntos
Educacionais, numa universidade federal. Feitos os exames de saúde, psicotécnico,
tudo o mais, abri mão da vaga, alertada sobre as poucas perspectivas de
crescimento, haja vista a crise em que mergulhava o serviço blico federal nos
anos noventa. Prossegui com a taquigrafia; passei em dois concursos, embora
somente num tivesse atingido classificação que me permitisse ter esperança de
nomeação. Vencidos os dois primeiros anos de vigência, quase ao término dos
outros dois, previstos na legislação, fui efetivada num parlamento do estado,
encerrando rica trajetória no magistério público estadual. Enquanto isso, continuei
dando aulas numa universidade particular.
Paralelamente, finalizara estudos atinentes à parte teórica do Mestrado em
Educação Superior na Ulbra. Quando da inscrição no Curso, imaginei investigar o
discurso pedagógico proferido pelos professores da pós-graduação, em nível de
especialização. Embora, a meu ver, fosse apaixonante o tema, por diversas razões –
insuperáveis -, a idéia não prosperou. Noutro momento, pesquisar sobre as
representações (não usava tal terminologia, mas, com toda certeza, era lá que
queria chegar) dos professores que ministram aulas na pós-graduação lato sensu
foi-se constituindo a nova meta. Esbocei a proposta, projetei um referencial teórico,
elaborei e apliquei um questionário. Obtive a aprovação do projeto.
Nesse meio tempo, mudanças fundamentais ocorreram no Curso: novos
professores, nova concepção, novos objetivos, nova estrutura e composição.
Modificada a Área de Concentração, que passou a ser Estudos Culturais em
Educação, foram estabelecidas duas Linhas de Pesquisa, quais sejam: Escola,
currículo e pedagogias e Trabalho, identidade e formação docente. Tentei fazer
algumas aproximações entre o que construíra e o quê, aos poucos, foi-se mostrando
como constituinte da nova Linha de Pesquisa à qual me integrara: Trabalho,
identidade e formação docente, à luz dos aportes que também, paulatinamente,
9
foram-se tornando mais nítidos, dos Estudos Culturais em Educação. Assim,
fortalecida pelo encorajamento firme, respeitoso e carinhoso da Orientadora, parei
para recomeçar, agora pela terceira vez, e mergulhei num terceiro projeto.
Por incrível que pareça, por mais que tanta mudança pudesse causar
angústia, por mais que fosse clara a necessidade de ler, estudar muito, mas muito
mesmo para apreender o máximo possível desse novo universo que se me
apresentava, em circunstâncias tão adversas sem o grande grupo para as
discussões, sem os trabalhos que vão-nos permitindo constituir os arcabouços da
fundamentação teórica sobre a qual vamos alicerçar todo o processo da realização
da pesquisa e da análise dos dados colhidos, sem o tempo imprescindível para tudo,
algo vem-me impulsionando fortemente para o trabalho. É uma espécie de empatia,
uma identificação inexplicável com conceitos, idéias, descrições, análises, objetos de
reflexão, pesquisadores, autores, estudiosos, enfim, tudo o que vi até agora tratando
de Estudos Culturais em Educação.
Talvez isso se porque, realmente, não como falar em educação sem
falar em cultura, e, falando em cultura, é inegável reconhecer que ao longo do
século passado, os seus domínios se expandiram e se diversificaram como jamais,
“remetendo-nos para territórios desconhecidos”, como registrado na Proposta de
Curso de Mestrado em Educação (2002, p. 12). E é ali acrescentado:
A tradicional perspectiva estética ou humanista ampliou-se,
diversificou-se e complexificou-se, acentuando suas nuances políticas. A
cultura não pode mais ser tomada no sentido estrito de acumulação de
saberes ou de processo estético, intelectual ou espiritual. Ela precisa ser
compreendida, hoje, segundo Stuart Hall um dos mais conceituados
analistas contemporâneos da cultura a partir da enorme expansão de tudo
que está associado a ela, e do seu papel constitutivo em todos os aspectos
da vida social (BUJES, 2002, p. 12).
E foi no rastro da criação desse
E
spaço de discussão sobre as políticas educacionais e culturais
em suas conexões com o amplo e matizado panorama das práticas sociais
contemporâneas (...) especialmente no que se refere aos mecanismos
implicados nas políticas de produção do conhecimento, de identidades e de
regimes de representação, com vistas a fazer avançar o campo do
conhecimento; preparar pesquisadores em educação; qualificar docentes;
10
qualificar profissionais da educação para atuarem em diferentes
instituições e níveis de ensino [...]
objetivos propostos e desenvolvidos no Curso, é que fui ampliando os
domínios da minha compreensão de cultura e associando a convicção de que
docentes que têm um entendimento maior da complexidade que a educação envolve
podem fazer diferença em outros espaços de atuação que não somente a sala de
aula. O grifo na citação de Bujes é nosso.
A par disso, esta vivência mais recente no legislativo permitiu-me observar
mais de perto a atuação de parlamentares estaduais. Dentre eles, alguns traziam na
sua trajetória a experiência do magistério. Divagações acerca dessas reflexões
permeavam as sessões de orientação. E a Orientadora, sensivelmente, foi
perscrutando e instigando minha curiosidade sobre esses sujeitos, cujas trajetórias
anteriores à chegada ao Legislativo Estadual, em algum momento, entrecruzaram-se
com a minha, no vasto universo da educação. E, eis que agora, ainda que em
funções diversas, em momento, aparentemente tão distinto de suas vidas, por
motivos ainda não muito claros, nenhum negava a origem, haja vista informações
possíveis de serem lidas nos seus respectivos sites, à disposição na web da
instituição de que fazem parte.
E as indagações começaram a tomar forma: como se descreviam esses
parlamentares? que tipo de docentes tinham sido? sobre quais teóricos e teorias
assentavam suas reflexões, suas práticas? o que pensavam sobre educação e
educando? como tinham se tornado parlamentares? quais tinham sido suas
plataformas políticas quando das respectivas candidaturas? que ações no campo da
educação desenvolviam no momento? Assim, arremessei-me a um território que me
era desconhecido para responder à questão: como, por que docentes se constituem
parlamentares?
Com este estudo, realizado sob a abordagem dos Estudos Culturais,
proponho-me a fazer uma aproximação aos discursos de deputados estaduais,
eleitos que foram no pleito de 2002, para exercerem seus mandatos num parlamento
estadual, cujas trajetórias profissionais incluem a formação para o magistério e a
vivência da docência, com a finalidade de analisar como se constituiu essa trajetória;
11
em que visão de mundo e de homem dizem assentar suas práticas? quais são suas
representações acerca de educação, de política, de pesquisa, de gênero, de
trabalho docente, de trabalho parlamentar; que expectativas tinham com a
realização de seu trabalho quando no exercício da docência e agora, no exercício do
mandato? quanto às políticas na área: enquanto docentes, incentivavam seu
estabelecimento quando necessário e colocavam-nas em prática? e enquanto
legisladores, como atuam para criá-las? Convém registrar que o tratamento da
categoria acesso impôs-se depois de já encetado o trabalho, fruto de sua sinalização
e recorrência quando da realização e transcrição das entrevistas.
Com os resultados da investigação busco colaborar com os estudos
realizados acerca das trajetórias de docentes, sobre uma forma peculiar de
direcionamento em suas carreiras, procurando mostrar como docentes que se
tornam parlamentares passam a contribuir, em outras esferas, mais especificamente
numa casa legislativa estadual, no campo da Educação. Para tanto, pareceu-me
fundamental dedicar-me a uma revisão de literatura que me permitisse definir
Estudos Culturais e, a partir deste campo de investigações, lançar um olhar sobre
Estudos Culturais em educação e política, fazer uma breve retrospectiva sobre o
tema da formação de docentes no Brasil, esquadrinhar os conceitos de docência e
de docentes, de política e de políticos, de deputados, identidade, representações,
missão, vocação, poder, gênero, pesquisa e, posteriormente, acesso.
Comecemos, então, por...
12
1 UM MERGULHO NOS ESTUDOS CULTURAIS
1.1 VEJAMOS, QUE CAMPO DE ESTUDO É ESTE?
Ainda que não pretendesse dar uma definição cabal aos termos em seu
“vocabulário crítico”, Silva (2000, p. 55) assim discorreu sobre Estudos Culturais:
Campo de teorizão e investigação que tem origem na fundação
do Centre for Contemporary Cultural Studies-CCCS, na Universidade de
Birmingham, Inglaterra, em 1964. A orientação do Centre desenvolveu-se,
inicialmente, como reação às tendências elitistas de concepção da cultura,
características da tradição de crítica literária tal como representada pelo
crítico F.R. Leavis. Em contraposição à concepção leavisiana da cultura
como sendo constituída pelas obras artísticas e literárias consideradas de
excelência, o Centre adotou uma concepção antropológica, fundamentada
na definição de cultura como a totalidade da experiência vivida dos grupos
sociais. A orientação teórica do Centre sofreu várias modificações ao longo
dos anos. Na sua primeira década de existência, esta orientação era
predominantemente marxista, influenciada, sobretudo, por Althusser e
Gramsci. Posteriormente, a produção do Centre passou a ser influenciada
pelo pós-estruturalismo, adotando elementos das contribuições teóricas de
Michel Foucault e Jacques Derrida, entre outros. Ao longo dessas
transformações, continuou sendo fundamental uma concepção que a
cultura como campo de luta em torno do significado e a teoria como campo
de intervenção política. A idéia de Estudos Culturais do CCCS expandiu-se
consideravelmente nos últimos anos, propiciando o desenvolvimento de um
campo importante e influente de teorização e investigação social (SILVA,
2000, p. 55).
Campo de estudo recente, os Estudos Culturais inscrevem no seu contexto
rupturas com o já-estabelecido; celebram, no dizer de Costa (2000, p. 13), “o fim de
um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias de cultura” e contribuem “para
desfazer os binarismos tão fortemente aderidos às epistemologias tradicionais”,
acrescenta a mesma autora.
Mais adiante, a pesquisadora vai esclarecendo que os Estudos Culturais
despontaram também em contraposição ao até então identificado como cultura,
oriundo de seleto grupo de intelectuais que “atuariam como ‘missionários’ em defesa
da tradição literária, [...] surgidos no período pós-guerra, esses estudos falavam de
um lugar diferente [...], analisavam a cultura popular como integrantes dela e não
como quem a olha a distância, cautelosamente, sem qualquer ponto de contato.”
Não é fácil conceituar os Estudos Culturais, tampouco delimitar sua área de
atuação. Veiga-Neto (2003, p. 135) define-os dizendo que “se constituem num
campo de investigações e práticas que se caracteriza por não ser, e não pretender
13
ser, nem homogêneo, nem disciplinar”. o se restringem a uma metodologia
unificada para serem caracterizados. Acerca disso, o mesmo autor, na mesma obra,
afirma que principalmente duas tendências metodológicas principais são utilizadas
pelos Estudos Culturais: uma de cunho mais etnográfico e outra que trata de
análises textuais. Ao citar o que disse Storey em 1997, Costa (2002, p. 21) fortalece
esse entendimento:
(...) analisando-se a cultura de uma sociedade os tipos de texto
e as práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir os
padrões de comportamento e a constelação de idéias compartilhadas por
homens e mulheres que produzem e consomem os textos culturais e as
práticas dessa sociedade.
Nesse sentido, Costa (2002, p. 30-35) explora uma das características
ratificada por ela como das mais controvertidas dos Estudos Culturais: a da sua
dispersão teórica e metodológica. Para fundamentar seu raciocínio sobre isso, ela se
vale do que disse Stuart Hall (1992):
Os Estudos Culturais têm múltiplos discursos; têm uma grande
quantidade de diferentes histórias. Eles têm uma série de formações; eles
têm suas próprias e diversas conjunturas em seu passado. Neles estiveram
incluídos vários tipos de trabalho. (...) Sempre foram um conjunto de
formações instáveis. (...) Já tiveram diversos itinerários de pesquisa. (...) O
trabalho teórico do Centro de Estudos Culturais seria mais apropriadamente
denominado tumulto teórico. Sempre esteve acompanhado de transtorno,
discussão, ansiedades instáveis e um silêncio inquietante (HALL apud
COSTA, 2002, p. 31).
Entre várias outras características dos Estudos Culturais destacam-se,
ainda, as que dão conta do comprometimento político que lhe é peculiar; de que são
“adeptos da insistência na dimensão política do conhecimento”; são “sempre
marcados [...] por um discurso de envolvimento social”, constituem “um outro jeito de
fazer política”, afirmações respectivamente feitas por O’Connor (1997), Frow e
Morris (1997) e Storey (1997), todos citados por Costa (2002, p. 31).
No que tange à metodologia, os Estudos Culturais valem-se, como disse
Veiga-Neto, da etnografia, da análise textual, e, ainda, a partir do que Costa
igualmente recolheu de Nelson, Treichler e Grossberg (1995), da semiótica, da
desconstrução, das entrevistas, da análise fonêmica, da psicanálise, da rizomática,
da análise de conteúdo, do survey.
14
Outro aspecto de fundamental importância para a caracterização dos
Estudos Culturais é a sua ligação com os movimentos sociais, uma vez que
significativo número de seus estudiosos dá guarida à crítica política.
É imprescindível abordar igualmente, enquanto característica dos Estudos
Culturais, a meu ver, o que Costa (2002, p. 26) referencia, a partir do dito de Heloísa
Buarque de Holanda: “um certo ethos de idéias com vocação ‘viajante’ que se
caracterizariam por transitar entre diferentes universos simbólicos ou culturais e
encontrar novos portos de ancoragem onde se deixam ficar”. Tais viagens permitem
não o estudo de questões da cultura global quanto das configurações locais,
favorecendo incessante reinvenção de questionamentos e perspectivas de análises.
Vale a pena destacar, igualmente, a vocação transnacional dos Estudos
Culturais, o que concorre para sua operação no vasto território da política cultural,
como muito bem exemplifica Costa (2002, p. 27) ao trazer à cena a temática da
conquista das mulheres por igualdade, cujos efeitos rompem as “fronteiras nacionais
ou das diferenças no tom das suas peles, na cor de seus cabelos ou no formato de
seus olhos”, de vez que certas hegemonias, como no caso, de gênero, “são
praticamente mundiais”.
Não salientando tão-somente os aspectos positivos que apontam para a
adoção dos Estudos Culturais para circunscreverem este estudo, é oportuno
mencionar a esta altura que justamente esta vio de “idéia viajante”, para alguns,
constituiria um risco de marcar os trabalhos realizados sob essa ótica com certa
superficialidade.
1.2 Estudos Culturais em Educação
Os objetos de investigações dos Estudos Culturais abrangem, então,
questões referentes às diferenças, às identidades culturais, tanto de caráter étnico
quanto religioso, etário, sexual, de gênero. Fundamentam-se a partir de uma
diversificada gama de visões teóricas, políticas, sempre iluminadas pelo
compromisso de examinar as práticas culturais do ponto de vista de seu
envolvimento com e no interior das relações de poder.
15
Em decorrência disso, Veiga-Neto (2003) diz, ainda, que “para os Estudos
Culturais a espécie humana é uma espécie cultural; que cultura e o próprio processo
de significá-la é um artefato social submetido a permanentes tensões e conflitos”.
Daí, ele conclui, advém a importância desses estudos para a educação sempre
imersa em processos de poder.
E é nesse contexto que se insere a questão da identidade e trabalho
docentes, extrapolando o cuidado com a competência técnica, o campo da
formação, com as investigações que origina, as análises e transformações que
provoca, abrangendo questões éticas e políticas, nas quais o poder é elemento
fundamental.
Mister se faz consignar aqui, também, o que, no mesmo texto, Veiga-Neto
assinala:
Pode-se entender a formação docente como via de
‘empoderamento’ de professores e professoras, de modo a que eles e elas
consigam transformar o alcance do seu trabalho e até mesmo o sentido de
suas vidas pessoais. Além disso, na medida em que o poder também está
envolvido com os processos de subjetivação, ele tem tudo a ver com os
modos pelos quais somos aquilo que somos e aquele quem somos, e nos
transformamos naquilo que queremos ser ou naquilo que os outros querem
que sejamos.
Assim, pois, num mundo tão cheio de contrastes, de injustiças, de
desigualdades, podemos buscar nos Estudos Culturais novas metodologias, novos
instrumentos de análise, novas perguntas e novas respostas que ajudem os sujeitos
a entenderem os discursos que os cercam e a obterem “algum empoderamento”, a
fim de realizarem as mudanças necessárias e possíveis, segundo Veiga-Neto
(2003).
1.3 Estudos Culturais e Cultura
Mergulhar nos Estudos Culturais implica proceder a deslocamentos na
concepção de cultura. Nesse campo de estudos, cultura excede aos domínios
estético ou humanístico para plasmar-se no domínio político (Storey, 1997, apud
Costa, 2002, p. 24). É fundamental registrar, aqui, a afirmação de Nelson (1997, p.
16
279) também trazida por Costa de que “indivíduos com aversão à cultura popular
jamais compreenderão corretamente o projeto dos estudos culturais”.
Ao abordar reflexões acerca de Cultura, culturas e educação, Veiga-Neto
(2003, p. 5-14) explicita haver “muitos entendimentos hoje sobre o que seja ‘cultura’,
sobre o que seja ‘educação’ e sobre as relações entre ambos” que se encontram no
centro de debates sobre diferença e entre os diferentes, “quanto à opressão de
alguns sobre os outros, seja na busca da exploração econômica e material, seja nas
práticas de dominação e imposição de valores, significados e sistemas simbólicos de
um grupo sobre os demais”. Tais embates, prossegue o estudioso, envolvem
argumentos, ações e estratégias que extravasam largamente o plano puramente
intelectual.
Ao mesmo tempo em que se verifica um crescente interesse pelas questões
culturais nas esferas acadêmicas, políticas e da vida cotidiana, “parece crescer a
centralidade da cultura para pensar o mundo”, ainda que isso não signifique que ela
se sobreponha às demais instâncias sociais, tais como a política, a economia, a
educação, menciona Veiga-Neto, acrescentando que ela “atravessa”, isso sim, tudo
aquilo que é do social. E é assim que se assiste hoje, “a uma verdadeira virada
cultural”, que pode ser resumida, segundo ele, a partir de Hall (1997), “como o
entendimento de que a cultura é central o porque ocupe um centro, uma posição
única e privilegiada, mas porque perpassa tudo o que acontece nas nossas vidas e
todas as representações que fazemos desses acontecimentos”.
Buscando explicar a proveniência e a emergência de um conceito
contemporâneo de Cultura, mais especialmente no campo da Educação, Veiga-Neto
aborda os avanços de uma epistemologia multicultural, enunciando não mais o
tratamento de cultura e educação, mas de culturas e educação. Para ele, nos
últimos três culos, as discussões sobre Cultura não vêm problematizando
seriamente os conceitos de Cultura e de Educação, sobremaneira os seus
significados modernos. Vinha-se aceitando o entendimento de que cultura nomeava
“o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor fosse em
termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários, etc.” Em tal sentido, a
Cultura era pensada como única por voltar-se ao que de melhor havia sido
17
produzido, e universal porque se referia à humanidade, de forma global,
assumindo o conceito um caráter totalizante. Nesta epistemologia monocultural
esteve mergulhada a Modernidade. Por sua vez, a Educação, paralelamente, era
compreendida como o caminho para o atingimento das formas mais elevadas da
Cultura. Exemplificavam isso, as conquistas até então realizadas por grupos sociais
mais educados, reconhecidos como mais cultos. E o investigador acrescenta:
Desde que no século XVIII alguns intelectuais alemães passaram
a chamar de Kultur a sua própria contribuição para a humanidade, em
termos de maneiras de estar no mundo, de produzir e apreciar obras de arte
e literatura, de pensar e organizar sistemas religiosos e filosóficos
especialmente todo aquele conjunto de coisas que eles consideravam
superiores e que os diferenciava do resto do mundo -, a Cultura passou a
ser escrita com letra maiúscula e no singular. Maiúscula porque era vista
ocupando um status muito elevado; no singular porque era entendida como
única. E se era elevada e única, foi logo tomada como modelo a ser atingido
pelas outras sociedades (VEIGA-NETO, 2003, p. 7).
A diferenciação entre alta e baixa cultura instaurou-se, provavelmente,
desde aí. A primeira, que abrigava os que se tinham tornado cultos, constituiu um
modelo a ser seguido pela sociedade; a segunda reunia aqueles que não a tinham
acessado. De qualquer sorte, assevera o pesquisador, (VEIGA-NETO, 2003, p. 8) “é
evidente o recurso ao conceito de cultura como um elemento de diferenciação
assimétrica e de justificação para a dominação e a exploração.”
Ao longo da Modernidade, o conceito de Cultura enlaçava três
características principais, apontadas por Kant, em sintonia com outros autores
alemães do culo XVIII, observa Veiga-Neto, no mesmo texto. A primeira identifica
seu caráter diferenciador e elitista, prognosticando o modelo que o povo alemão
deveria vir a ser no futuro, conjugando a idéia que faziam de cultura, abrangendo a
aquisição de instrução e vários conhecimentos, criação de habilidade enquanto
capacidade condizente com todos os fins a que se almeja, mais seu entendimento
de civilidade “como um conjunto de atitudes e ações humanas que eram da ordem
do comportamento tais como gesticulação, cortesia, recato, elegância, boas
maneiras, savoir-faire, amabilidade, delicadeza, cavalheirismo e até afetação,
maneirismo e simulação”. que se ressaltar que civilidade era a denominação que
há muito já vinha sendo dada “à disposição geral em que os comportamentos
individuais eram cada vez mais auto-regulados”, adverte Veiga-Neto (2003, p. 9). De
18
outra parte, a Cultura também era entendida enquanto conjunto de produções e
representações que eram da ordem dos saberes, da sensibilidade e do espírito.
A segunda característica da Cultura, continuando, assentava-se em seu
caráter único e unificador, extremamente ligado ao papel atribuído à educação sob a
ótica de que ela compreendia o cuidado, a disciplina, a instrução, decorrendo, das
duas últimas, a formação. Na junção de todos esses elementos repousava o ideal
de educação escolarizada de tal forma eficiente a garantir a construção de uma nova
germanidade. Ratificava tais concepções, faz saber Veiga-Neto, (2003, p. 10), “sob o
manto de um pretenso humanismo universal”, a imposição, “pela via educacional, de
um padrão cultural único, que era ao mesmo tempo branco, machista, de forte
conotação judaico-cristã, eurocêntrico e, é claro, de preferência germânico.”
Anunciava-se, assim, a escola única para todos, cuja função era propalar essa
ideologia monoculturalista.
Finalmente, a terceira característica aponta o caráter idealista da Cultura,
que termina por impregnar o entendimento moderno do que deveria ser uma
verdadeira teoria de educação voltada a formar uma sociedade e uma cultura cuja
“perfeição ainda não se encontra na experiência”, completa, no mesmo texto, o
referido investigador.
A transição do entendimento de Cultura para culturas teve início nos anos 20
do século passado, quando a questão da epistemologia monocultural passou a ser
argüida pela antropologia, pela lingüística, pela filosofia, pela sociologia, e, mais
recentemente, pela politicologia e pelos Estudos Culturais, no contexto da vasta
crise da Modernidade.
Esse deslocamento, afirma Veiga-Neto, é inseparável de uma dimensão
política em que forças poderosas atuam buscando a imposição de significados e a
dominação material e simbólica. E declara o pesquisador:
Se o monoculturalismo coloca a ênfase no Humanismo e, em boa
parte, na estética, o multiculturalismo muda a ênfase para a política. E se as
atribuições de significado são, sempre ao mesmo tempo, uma questão
epistemológica e uma questão de poder e, por isso, uma questão política
é fácil compreender o quanto tudo isso se torna mais agudo quando se
trata de significações no campo da cultura, justamente o campo onde hoje
19
se dão os maiores conflitos, seja das minorias entre si, seja delas com as
assim chamadas maiorias (VEIGA-NETO, 2003, p. 11).
Ao abordar tais aspectos, Veiga-Neto traz à tela, ainda, a importância dos
aportes recentes da filosofia da linguagem para o estudo dessa problemática. A
virada lingüística, empreendida por filósofos como Wittgenstein e outros, “modifica o
entendimento tradicional de linguagem, assumindo a impossibilidade de
fundamentá-la lógica e ontologicamente fora dela mesma”.
Em decorrência disso, esses filósofos abdicam da busca de qualquer critério
metalingüístico ou metacultural, de qualquer essência translingüística ou
transcultural. E adiciona Veiga-Neto, (2003, p.13) “eles despedem-se da metafísica
da linguagem e trazem a linguagem para o mundo cotidiano; ela não está fundada
num outro lugar. Igualmente não outro mundo a sustentar aquilo que chamamos
de cultura” .
As conseqüências dessa virada, deixa expresso ainda Veiga-Neto, no
mesmo escrito, são imensas: “Ela estilhaça aos cacos e pluraliza não apenas a
Linguagem, mas também a Cultura, e nos leva a falar em linguagens e culturas.” Em
contraponto, as semelhanças entre todas as linguagens e podemos dizer entre
todas as culturas não decorrem de uma suposta invariância metalingüística,
metacultural, mas de uma familiaridade decorrente do próprio uso que fazemos
delas em múltiplos jogos de linguagens, pelo simples fato de estarmos imersos
nelas, jogando dentro delas – linguagens e culturas.
Outra conseqüência da virada lingüística que se verifica no cruzamento entre
culturas e educação se no plano da Ética. A epistemologia monoculturalista, ao
adotar a possibilidade de uma linguagem auto-suficiente e ideal, assume uma
postura intelelectual arrogante, de cunho determinável e determinista. Cabe, então,
à educação, alertar aqueles que estão adentrando o mundo, dizendo-lhes “o que é
mesmo este mundo e como ele funciona” (VEIGA-NETO, 2003, p. 13).
Por sua vez, o multiculturalismo, ao contrário, pelo menos
epistemologicamente, é humilde, referencia o autor acima mencionado, “na medida
em que assume que, por mais que se fale, nunca se saberá o que é mesmo este
20
mundo nem como ele funciona.” Enfim, é no rastro de todos esses entendimentos
que Veiga-Neto, encerra, naquela oportunidade, a sua contribuição, registrando que
“estamos sempre e irremediavelmente mergulhados na linguagem e numa cultura,
de modo que aquilo que dizemos sobre elas não está jamais isento delas mesmas.”
1.4 Estudos Culturais e Política
Parece oportuno, antes de se tratar de Estudos Culturais e Política, tecerem-
se algumas considerações acerca dos diferentes entendimentos do conceito de
Política. No sentido mais geral, o que se chama de política, segundo Finley, apud
Chauí (2002, p. 371), foi criado por gregos e romanos, ainda que, à época, se
desenvolvesse uma economia agrária e escravista, de tal sorte que a parte da
sociedade constituída pelos escravos estava excluída dos direitos políticos e da vida
política. Por outro lado, a sociedade era patriarcal; conseqüentemente, as mulheres
também não exerciam cidadania e não tinham vida blica, tampouco os
estrangeiros e os miseráveis.
De origem grega, a palavra ta politika, significa “vinda de polis”. Por sua vez,
polis é cidade, na acepção de comunidade organizada, constituída por cidadãos,
homens ali nascidos, livres, detentores de direitos inquestionáveis, iguais perante a
lei, que podem expor e discutir em blico suas opiniões quanto às ações que a
cidade deve ou não realizar. Ta politika, continua a explicar Chauí, “são os negócios
públicos dirigidos pelos cidadãos: costumes, leis, erário público, organização da
defesa e da guerra, administração dos serviços públicos e das atividades
econômicas da cidade.”
Polis foi traduzida para o latim como civitas, significando cidade como ente
público e coletivo. Já res publica, também do latim, quer dizer ta politika, em grego, e
conceitua os negócios públicos dirigidos por cidadãos romanos, livres e iguais. A
designação atual de práticas políticas, quando se quer referir o modo de participação
no poder – neste caso, o público -, conflitos, acordos na tomada de decisões,
definição de leis e sua aplicação, reconhecimento de direitos e de obrigações dos
membros da comunidade, ainda no dizer de Chauí, corresponde aos termos ta
politika e res publica.
21
Buscando explicar três dentre as mais usuais concepções de política,
Marilena Chauí (2002, p. 367-71), didaticamente, afirma que usamos a palavra
política, ora para significar uma atividade específica o governo -, realizada por um
certo tipo de profissional o político; ora para significar uma ação coletiva; ora
fazendo menção à maneira como uma instituição ou organização define sua direção,
o modo de participação de seus integrantes ou não em sua gestão, à forma como os
recursos serão nela empregados, ao modus operandi adotado na execução de suas
atividades, às estratégias de avaliação de suas ações, à carreira de seus
funcionários, aos seus salários, ao custo da venda de seus serviços, etc.
Seguindo na sua exposição, considerando a constituição da política por meio
da experiência de gregos e romanos, a mencionada filósofa acrescenta que o
crescimento das atribuições conferidas ao governo, na forma do Estado,
paulatinamente foi levando a uma ampliação do campo das atividades políticas, as
quais passaram a abranger questões administrativas e organizacionais, decisões
econômicas e serviços sociais, generalizando-se o uso do termo política para
denominar “toda modalidade de direito de grupos sociais que envolva poder,
administração e organização”. Mais adiante, a mesma autora propõe uma distinção
entre o uso generalizado e vago do vocábulo e outro, mais específico e preciso, ao
dar-se a ele três significados principais inter-relacionados: a) de governo, sob a ótica
de direção e administração do poder público, na forma de Estado; b) de atividade
realizada por especialistas administradores e profissionais os políticos,
pertencentes a um certo tipo de organização sociopolítica os partidos, que
disputam cargos e postos para governarem o Estado; c) de conduta duvidosa, não
muito confiável, um tanto secreta, repleta de interesses particulares dissimulados,
com freqüência contrários aos interesses gerais da sociedade, obtidos por meios
ilícitos ou ilegítimos. E arremata, mais adiante, Chauí, registrando que o terceiro
significado é o mais corrente para o senso comum social, resultando numa visão
pejorativa da política.
que se ressaltar que os três sentidos de política acima descritos
encerram uma idéia de distanciamento da sociedade, uma vez que a política seria
atividade de especialistas e de profissionais que se ocupam exclusivamente com o
22
Estado e o poder; “a política é feita ‘por eles’ e não ‘por nós’, ainda que ‘eles’ se
apresentem como ‘representantes’ nossos”, enfatiza Chauí.
em 1994, todavia, Maar (p.7) afirmava que a política era uma referência
permanente em todas as dimensões do nosso cotidiano, na medida em que este se
desenvolve como vida em sociedade, alargando o conceito do termo em tela.
Em recente publicação de obra voltada à preparação de possíveis
candidatos, assessores, profissionais, colaboradores voluntários, a mesmo
eleitores conscientes e informados, enfim, pessoas que se propõem a “jogar o mais
fascinante dos ‘jogos’: o do poder”, Ferraz (2003, p. 9) assim conceitua política:
A política, é óbvio, é muito mais que um jogo. É o campo onde as
decisões fundamentais de uma sociedade, que afetam a vida das famílias e
dos indivíduos, são tomadas. É, pois, um setor de atividades onde tragédias
ocorrem, sacrifícios são feitos, decisões que afetam gerações são tomadas,
e onde as possibilidades de progresso pessoal, a garantia dos direitos, o
exercício da liberdade e os valores individuais e coletivos se realizam
(FERRAZ, Francisco, 2003, p. 9).
Especialmente focalizando o contexto latino-americano, Escosteguy (2001,
p. 201) afirma que o ambiente contemporâneo evidencia sinais de mudanças nas
práticas políticas, conseqüentemente, no pensamento político; observa que “a
política moderna, geralmente, é caracterizada por perseguir objetivos universais tais
como liberdade, igualdade e justiça, tentando transformar estruturas institucionais de
dominação.” Acrescenta, ainda, que ela teria por finalidade a resolução de
“determinados conflitos, criando uma atmosfera de harmonia e ordem.” Para ilustrar,
a pesquisadora transcreve o que segue:
A política moderna com freqüência envolve uma política de aliança
e solidariedade por meio da qual grupos oprimidos unem-se na luta por
interesses comuns. [...] Apesar da guerra, pobreza, fome, depressão
econômica e formas selvagens de opressão e sofrimento, a política
moderna era otimista na sua perspectiva, embora fosse freqüentemente
religiosa na sua teleológica de que a lógica progressiva da história seria
pronto realizada. Desse modo, a política moderna era constituída por fortes
valores normativos e visões utópicas de um mundo de liberdade universal,
igualdade e harmonia (KELLNER; BEST, 1997, p. 271).
23
Ressalta, todavia, Escosteguy, que a ênfase ainda se dá “na luta coletiva, na
solidariedade e nas alianças políticas”, a despeito de admitir-se “a existência de
grupos competindo entre si por direitos e liberdades.”
Na ótica dos Estudos Culturais, para Escosteguy (2001, p. 201-4), o
ambiente contemporâneo evidencia alguns sinais de mutação nas práticas políticas,
o que acarreta repercussões no pensamento político. Na obra mencionada, a autora
traz as avaliações e as caracterizações que Steven Best e Douglas Kellner fizeram,
estabelecendo possível distinção entre a política moderna e a política pós-moderna,
conservando os termos empregados pelos dois estudiosos, sem discutir a
propriedade dos mesmos.
Dessa forma, a política moderna caracterizar-se-ia “por perseguir objetivos
universais tais como liberdade, igualdade e justiça, tentando transformar estruturas
institucionais de dominação”, tendo por finalidade a resolução de determinados
conflitos, criando uma atmosfera de harmonia e ordem.
Adiante, Escosteguy novamente se vale do que escreveram juntos Kellner e
Best, em 1997:
Embora ambas as práticas moderna e pós-moderna
concordem que a sociedade contemporânea e sua cultura está envolta
em fragmentação, conflitos, contradições e desordem, a política pós-
moderna vive e convive com esta desordem e fragmentação, admitindo
possibilidades positivas, dentro desse conjunto, que vislumbram estratégias
“mais modestas” de sobrevivência “nos fragmentos”, isto é, tentando
resolver os problemas seccionalmente, em pequenas partes. A ênfase
anterior de transformar a esfera pública e instituições de dominação cedeu
lugar [na prática moderna] a novas ênfases à cultura, identidade pessoal e
vida cotidiana; enquanto a macropolítica foi substituída pela micropolítica da
transformação local e da subjetividade (KELLNER e BEST, 1997, p. 271,
apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 202).
1
1
Segundo aqueles autores, informa Escosteguy, essa forma de política teve origem nos movimentos
dos anos 60, 70, 80, que se foram fragmentando mais e mais na “luta de cada um por seus
interesses”. Como nas décadas de 80 e 90, o processo de “balcanização” continuou, os novos
movimentos sociais se transformaram em “políticas de identidade”, sugerindo, o próprio nome, um
desvio das questões sociais, políticas e econômicas, mais gerais, tomando a direção de
“preocupações com cultura e identidade individual” (KELLNER e BEST, 1997, p. 274, apud
ESCOSTEGUY, 2001, p. 202).
24
Convém destacar o que observa Escosteguy, no mesmo texto, quando
afirma que, mais do que pensar esses movimentos como ‘meramente culturais’, algo
comum nos Estudos Culturais, outra forma é observá-los, entendê-los num
movimento de generalização da política na direção de espaços anteriormente
considerados o-políticos. Assim, reforça a estudiosa, “a constituição desses
‘novos movimentos sociais’ leva a uma expansão da sociedade civil”.
No rastro das reflexões de Escosteguy, é imprescindível que se referencie
o surgimento recente de uma nova forma de fazer política que, segundo Bascetta
(2002, p. 89), “não corta os laços com as forças sociais e com aquilo que se
organiza de baixo [...]com ou sem os últimos resquícios da democracia
representativa, é a política das multidões”.
O movimento dos movimentos, caracterizado pela mobilização de multidões
anônimas, tomou forma a partir do assassinato do jovem Carlo Giuliani pela polícia,
durante manifestações ocorridas contra a reunião dos oito países mais ricos do
mundo, o G-8, ocorrida na Itália, em 2001. Formou identidade, dizem Cocco e
Hopstein (2002, contracapa), nas manifestações contra a reunião daqueles oito
países, nas manifestações de Praga, de Seattle, de Gotemburgo, de Quebec City,
na marcha zapatista que atravessou o México em fevereiro de 2001, no Apocalipse
Nova York.
A formação da multidão como sujeito político, registrada nos estudos de
Hardt e Negri (2004, p. 418), tem suas raízes entre as revoluções comunistas de
1917 e 1949, nas grandes lutas antifascistas das décadas de 1930 e 1940, e nas
numerosas lutas pela libertação da década de 1960 até as de 1989, quando as
condições da cidadania da multidão nasceram, se espalharam e se consolidaram.
Para os mesmos autores, essas revoluções “fizeram avançar e
transformaram os termos do conflito de classes, propondo as condições de uma
nova subjetividade política”, ensejando o aparecimento da cidadania global,
insurgindo-se contra a teocracia do império denominação por eles atribuída à
ordem política da globalização, enquanto ordem universal que não aceita limites e
contra a teocracia religiosa. Poderosa, a multidão maneja o tempo, constrói novas
25
temporalidades que podem ser reconhecidas quando nos concentramos nas
transformações do trabalho. Em suas digressões acerca do tema, Hardt e Negri
identificam uma mudança radical nos conceitos formadores da base filosófica da
política moderna como soberania, nação e povo. Relacionam tal transformação
filosófica à mudança econômica e cultural da sociedade pós-moderna, a novas
formas de racismo, novas concepções de identidade e diferenças, novas redes de
comunicação e controle, novos fluxos de migração e mostram como o poder das
corporações transnacionais e a crescente predominância das formas pós-industriais
de trabalho e produção ajudam a definir a nova ordem imperial global.
Outro aspecto relevante, que não pode deixar de ser mencionado, é o de
que, num contexto de fortalecimento da economia neoliberal, num tempo de visível
retraimento do Estado e do setor público, de emergência de novos grupos,
respaldados na política da identidade e na penetração do espaço público pelos
meios de comunicação, assinala Escosteguy, fortalece-se o papel da sociedade civil,
enquanto depositária da esperança de que a modernização prevaleça sobre a
decadência e de que os Estados reformem-se para realmente promoverem o
interesse público, haja vista as ações que ela vem concretizando para mitigar os
efeitos inevitáveis do programa neoliberal e o questionamento que interpõe ao
absolutismo do mercado.
26
2 DOCÊNCIA
2.1 DOCÊNCIA E FORMAÇÃO DE DOCENTES
Proponho o tratamento desta abordagem começando pelos estudos que
Costa editou em 1995, reunidos em sua Tese de Doutorado em Educação intitulada
Gênero, classe e profissionalismo no trabalho de professoras e professores de
classes populares, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Ao falar das perspectivas históricas do trabalho docente, ela asseverava:
A constituição da profissão docente está relacionada à idéia de
educação como um processo que se efetiva nas sociedades humanas para
que os indivíduos empreendam tanto sua trajetória pessoal quanto sua
participação no projeto coletivo das sociedades. Integrar-se em um grupo,
assimilar e assumir sua cultura é tarefa primordial do ser humano (COSTA,
1995, p. 63).
Investigações da pesquisadora registram que historicamente a educação
como processo deu-se, inicialmente, por “impregnação cultural”, isto é, o fato de o
homem viver em grupo permitia-lhe assimilar e intercambiar valores culturais,
normas de convivência coletiva, representações simbólicas, para que pudesse fazer
frente a todo tipo de experiência a que estava sujeito. A interação com tais universos
de “práticas, fatos, objetos e representações” ensejou a formação e a transmissão
de culturas pelas diversas sociedades.
Acompanhando informações trazidas a público por voa (1987), para
Costa, educação, enquanto projeto explícito de transmissão cultural, sistematizada,
por meio de gestão específica, “é um fenômeno relativamente recente.” Registros
simultâneos do surgimento da escrita, da moeda, da lei e da polis, na Grécia,
traduzem significativas mudanças na forma de o homem perceber o mundo.
Por volta do séc. XII ao VIII a.C., a educação destinava-se à formação dos
guerreiros e assentava-se no desenvolvimento de virtudes tais como “coragem,
prudência, lealdade, hospitalidade, honra, glória e o desafio à morte.” A criança,
então, permanecia com a família a os sete anos e, após, passava a viver nos
palácios de outros nobres, enquanto escudeiro, onde “aprendia o ideal
27
cavalheiresco”. Nessa mesma época surgem os preceptores que educam
integralmente pelo afeto e exemplo, ainda que nem sempre se caracterizassem por
terem conduta ilibada, segundo aportes de Manacorda (1992), também citado por
Costa.
Na Grécia clássica, o Estado, em Esparta, apropriava-se da criança, a partir
dos sete anos, fornecendo-lhe educação pública obrigatória, constituída,
inicialmente, de atividades lúdicas, depois por estudos de música, dança, educação
física, até chegar no treino militar, preparando-a para resistir às intempéries e ao
desconforto, para obedecer, cumprir ordens, aceitar a punição, respeitar os mais
velhos, enfim, desenvolver a capacidade de comandar e obedecer, garantindo a
manutenção da supremacia dos nobres sobre os escravos. Em Esparta, as mulheres
também recebiam educação militar.
Os sofistas, criticados por Sócrates e Platão, em razão de seus discursos
ardilosos - com exceção de Protágoras, a quem aquele respeitava - considerados
inimigos da verdade por outros, eram mestres ambulantes que cobravam regiamente
por suas aulas, as quais fascinavam a juventude, dada a sua retórica. A eles,
contudo, é atribuída a prática de uma educação intelectual “que se afasta da
educação física e musical, e introduz a noção de formação contínua do adulto que
se torna capaz de refletir sobre o seu tempo”, concorrendo para a formação de
líderes políticos, homens ativos, capazes de valorizar novos espaços, voltados à
realização de algo, a serem alguma coisa.
Naquele tempo, cobrar “pelas aulas” provavelmente escandalizasse as
pessoas, visto que trabalhar era algo desprezível, afeto tão-somente aos pobres.
Todavia, a remuneração cobrada pelos sofistas talvez “já representasse uma
tentativa de valorização da função docente, quem sabe, dos primórdios da idéia de
profissionalização”.
É Platão que nos acesso ao modelo socrático de educação, baseado na
ironia e na maiêutica, vocábulo de difícil tradução, cujo significado apreende
acepções de civilização, cultura, tradição, literatura, educação, sem que, ainda
28
assim, represente o sentido pleno e abrangente que tem no contexto grego,
conforme ensina Werner Jaeger, autor de Paidéia, igualmente citado por Costa.
Sócrates desenvolveu uma pedagogia ligada a uma filosofia moral, centrada
no ser humano, para o qual verdades e valores. Sócrates não escreveu filosofia,
mas vivenciou-a por meio de sua pedagogia. A educação humana que conhecemos
tem forte influência daquele filósofo, de sua forma de utilizar o diálogo como forma
de chegar ao conhecimento, o desenvolvimento da capacidade de pensar em
oposição à aceitação dogmática do conhecimento, a auto-educação, o conteúdo da
educação pautado no questionamento do cotidiano dos indivíduos e das
comunidades.
A concepção de escola dedicada à educação de crianças -, próxima do
significado que lhe atribuímos hoje, surge no século XV, em resposta a um
movimento próprio da sociedade burguesa, cuja concepção de mundo é diferente
daquela experimentada pelo homem medieval. O deslocamento da preocupação
com a salvação do ser humano no além, para sua vivência aqui, instaura o
desenvolvimento do modelo escolar que tem por objetivo a educação da criança.
Um jogo complexo, em que se mesclam relações sociais, mudanças de
representações e de orientações normativas a respeito do homem e do mundo,
afirma Costa, valendo-se de Nóvoa (1991), constituiu um longo processo de
formação de gênese da “forma escolar”. E, a seguir, elucida a autora que esse
processo relaciona-se:
a) ao surgimento de uma nova forma de relação com o trabalho
a partir da ética protestante do trabalho explicitada por Max Weber que se
opõe à fruição espontânea das riquezas e promove o desejo de adquirir,
propiciando o ‘espírito do capitalismo’ e o surgimento de uma nova ordem
socioeconômica;
b) à emergência de uma ‘civilização de costumes’ que normatiza o
uso do corpo e regulamenta os comportamentos sociais, estabelecendo os
parâmetros para a distinção entre o adulto e a criança, o civilizado e o
natural. A ação educativa volta-se para esse processo de aquisição de
civilidades;
c) à solidificação de uma nova concepção de infância que, tomada
como ‘classe de idade diferenciada’, precisa ser preparada para a
convivência com os adultos;
d) ao surgimento de uma sociedade disciplinadora (tal como
concebida por Foucault) que se estrutura e instrumentaliza para produzir
29
indivíduos que se submetam aos seus desígnios ( NÓVOA, 1991, p. 112-13,
apud COSTA, 1995, p. 74).
Surge a sociedade disciplinar, em decorrência da idéia moderna de que o
homem é moldável, transformável. Emerge uma nova concepção de infância,
constituindo uma categoria diferenciada, alvo de atenção e de preocupação e, no
século XVI, o processo pelo qual a aprendizagem por impregnação cultural, como
ainda refere Costa, é superada pela escolarização.
À luz da Reforma, cada indivíduo é responsabilizado por sua própria
salvação, que deve ser buscada por meio do conhecimento da doutrina, não mais
transmitida oralmente, mas pela leitura da Bíblia. Em decorrência disso, escola e
escrita passam a constituir uma mediação cultural ativa, imprescindível no processo
de formação da sociedade de classes moderna. Inaugura-se, assim, o processo de
mobilidade social por meio da escola e ocorre “um deslocamento do papel educativo
que passa das comunidades e das famílias para a escola”, anuncia Costa, no
mesmo texto.
É na sociedade moderna emergente que se o surgimento de uma
civilização de base escolar que se vem consolidando até hoje. A partir daí, sob as
mais variadas formas, a esta instituição vem sendo atribuída a tarefa de oportunizar
a reprodução das normas e a transmissão cultural. A partir do século XV, os
colégios, resultantes da transformação de “asilos para estudantes pobres,
organizados segundo regras monásticas e fundados por beneméritos”, como certifica
Costa (1995, p. 75), passam a ser locais de ensinar, destinados à educação de
crianças e jovens dos oito aos quinze anos de idade, aproximadamente -, por
professores que desenvolvem rígida disciplina em classes numerosas. Pouco a
pouco, os colégios foram adquirindo valor intrínseco e se tornaram imprescindíveis a
uma “boa educação”.
O duplo papel de atestação e contestação, como refere Costa, é verificado
quando a escola, a par da função de reprodução, passa a desenvolver uma ação
para a mudança. A Igreja dominara a escola até a segunda metade do culo XVIII.
As tarefas dos mestres, prioritariamente, constituíam-se de obrigações religiosas e
comunitárias, relegando a segundo plano as ações de caráter educativo. À medida
30
que a noção de Estado-Nação foi tomando corpo, possibilitando formar concepções
de moral não estritamente religiosas, e que o modelo educativo-cultural não mais
atendia às exigências econômicas ou às demandas sociais de formação da
população, foi surgindo o processo de institucionalização e de estatização dos
sistemas escolares. É nesse meio que surge a concepção de atividade docente
aproximada da visão que temos dela em nossos dias, ainda que, somente por volta
do final do século XVIII, perpassada por incontáveis influências e mudanças,
enfatiza Costa, tenha-se configurado enquanto uma profissão do tipo funcionário
burocrático, aportando expressão de Nóvoa (1991, p. 118).
A transferência da responsabilidade da instituição escolar para o Estado
estendeu-se por três séculos. Tal mudança fez com que a ação educativa fosse
desenvolvida no sentido de garantir a manutenção e o fortalecimento da ordem
social e econômica, com base na propriedade privada dos meios de produção e na
economia de mercado, resultando mínima a diferença entre a tutela do Estado e a
da Igreja sobre os professores.
Ao abordar a relação entre educação e Estado, Costa (1995, p. 76) ressalta
as contribuições de Foucault sobre o tema. No dizer da autora, não se desprezando
as condições socioeconômicas que envolveram o advento da Modernidade, o papel
da escolarização, segundo uma analítica inspirada no filósofo francês, vai além de
questões relativas à organização econômica; mais, segundo Hoskin (1990), citado
pela mesma estudiosa, “a escola moderna passa a ser o aparelho mais eficaz para
fazer o nexo entre poder e saber.” Seguindo essa linha de raciocínio, a investigadora
citava a afirmativa de Veiga-Neto (1994, então no prelo), de que “numa
perspectiva foucaultiana, a escola é o locus em que se põem em funcionamento as
bases daquilo a que Foucault denominou razão de Estado”.
Ao longo desses três séculos, a função docente foi-se forjando, modificando,
constituindo um conjunto de normas e valores próprios, ainda que sob grande
influência de congregações docentes tais como as dos Jesuítas e Oratorianos.
Todavia, assevera Costa, até então, o corpo de saberes de que se tinha notícias
relacionava-se mais ao aspecto técnico de atender às características da idade
infantil do que ao aspecto fundamental do conteúdo do ensino. A definição de um
31
corpo de saberes ligado ao mundo dos docentes, ao saber pedagógico, próprio
daquela atividade, ainda que incipiente, aflora já nos séculos XVI e XVII, e prevalece
até nossos dias.
No que respeita “à criação de uma codificação valorativa ou normativa”, os
docentes se mantiveram presos a ditames externos, ora aos da Igreja, depois, aos
do Estado, observa Costa. Mesmo quando da laicização dos docentes, eles
continuaram a ser vistos como “clérigos-leigos, cujas virtudes deveriam estar acima
do comportamento dos homens comuns.” É importante ressaltar aqui, igualmente,
que, no entender da autora, “tal fato, até hoje, denuncia a forte influência de
componentes religiosos na gênese e desenvolvimento da profissão.”
A par da constituição de um corpo de saberes e de um conjunto de normas,
as práticas docentes e o entorno educativo vão-se complexificando. A ocupação,
antes acessória, marginal, vai-se transformando em ofício de tempo integral, em
ocupação principal, discorre Costa em seu estudo. Por sua vez, o processo de
funcionarização dos docentes, continua ela,
resulta de um acordo de interesses ao qual os professores
aderiram em troca de um estatuto de autonomia e de independência que os
constitui como corpo administrativo autônomo e hierarquizado; em
contrapartida, o Estado garante o controle sobre a escola. Nesse sentido,
passa a ser exigida uma licença para ensinar que se torna obrigatória e é
concedida após exame ou concurso ao qual podem submeter-se todos os
que apresentem alguns requisitos como conhecimentos literários, idade,
bom comportamento moral, etc. (COSTA, 1995, p. 78).
A licença é uma espécie de aval do Estado, um título que reconhece e
legitima o papel social do docente nas atividades educativas escolares, permitindo-
lhe não somente afirmar-se no grupo ocupacional como também lançar-se à luta
pela melhoria de seu estatuto socioprofissional. Por isso, continua a investigadora,
ela “é decisiva no processo de profissionalização docente, passando a ser referência
à definição de um conjunto de competências técnicas sicas, ligadas a critérios
escolares, que subsidiará tanto o recrutamento do corpo de professores como o
esboço da carreira docente.”
32
De outra parte, enquanto funcionários do Estado, dada a natureza da
atividade, a intencionalidade política do Estado, os professores são difusores da
ideologia dominante subjacente aos ideais nacionais. Mas nem sempre isso se
com facilidade, haja vista, menciona Costa, que:
sua posição se reveste de uma certa ambigüidade, uma vez que,
como servidores do Estado, não podem se opor a ele e estão submetidos a
um controle ideológico; por outro lado, sua condição de autonomização lhes
possibilita uma certa independência e a construção de um discurso próprio
(COSTA, 1995, p. 79).
Assim, em certa medida, parecia “conveniente ser funcionário”, pois tal
condição permitia um certo resguardo de influências locais. Todavia, quando da
criação dos corpos de inspetores para que fosse exercido maior controle sobre o
ensino, no século XIX, os docentes passaram a reivindicar a conjugação aos seus
privilégios de funcionários, também aqueles de que eram detentores os
trabalhadores livres. Aliás, como bem demarca Costa, assim o ideal da profissão
docente parece ocupar um espaço intermediário entre o funcionário e o profissional
livre.
Estudos revelam, porém, que nem sempre os professores foram
instrumentos úteis na mão do Estado, veiculando sua ideologia, assegurando a
manutenção de seus interesses. registros, numa perspectiva histórica, que
comprovam que os docentes também lutaram em causa própria, acreditando que, ao
promoverem a valorização da educação, estariam contribuindo para o
reconhecimento de sua função social e de seu status profissional. Paralelamente a
isso, Costa distingue mais uma vez que
à medida que a escola passa a se constituir em instrumento
privilegiado da estratificação e da mobilidade social, os docentes se
investem de um grande poder pois, detentores das chaves da ascensão
social atuam, simultaneamente, como agentes culturais e como agentes
políticos (COSTA, 1995, p. 79).
Entre as características do século XIX, no mundo ocidental, impõe-se a
crescente demanda pela escola. Conseqüentemente, a prática pedagógica é mais e
mais acompanhada, visto o reconhecimento de que nela os professores exercem um
papel fundamental, qual seja o de assegurar a integração política e social por
33
intermédio da escola. A posse de um conjunto de saberes especializados e a
realização de um trabalho de grande relevância social oportunizam a proposição de
uma formação específica, especializada, longa, fruto da vontade dos próprios
docentes, no intuito de melhorarem seu estatuto e, também, no interesse que o
Estado tinha em continuar detendo um magnífico mecanismo de controle.
Surgem, no Brasil, na segunda metade do século XIX, as escolas normais,
legitimando-se enquanto llugar central da produção e reprodução do corpo de
saberes e do sistema de normas próprios de formação docente, ensejando a
definitiva substituição do “velho mestre-escola pelo novo professor primário”,
assinala Costa.
A formação de uma identidade profissional dos professores é propiciada face
ao desconforto, ao isolamento sociológico que experimentam quando muitos deles,
oriundos de meio social desfavorecido, experimentam, paradoxalmente, um
sentimento de superioridade - em virtude do saber que acumularam -, e outro, de
rejeição e de inferioridade, em razão de não poderem sustentar com seu baixo
salário um padrão de vida típico da burguesia.
Proclamada a República, buscava-se fazer o país triunfar enquanto nação
republicana no cenário mundial. Entre vários objetivos sociais, políticos e
econômicos, afirma Almeida (2004, p. 45), para dar continuidade ao projeto
civilizador idealizado pelos liberais republicanos era necessário alcançar educação
para todos democraticamente. Isso poderia ser feito na escola, por meio de bons
professores.
Mudanças importantes ocorreram naquela época: eleva-se o nível
econômico das classes média e superior; a influência cultural dos imigrantes
europeus implica revisão de valores, enfrentando aqueles oriundos do colonialismo;
alastram-se as idéias positivistas entre políticos e intelectuais; germina a oposição à
escravidão; ensaia-se a separação entre Igreja e Estado; instalam-se escolas
estrangeiras e inauguram-se novas metodologias e novas idéias pedagógicas. Na
prática, porém, a população permanece mergulhada em extrema pobreza e
34
ignorância, enfrentando problemas de saúde, habitação e altos índices de
anafalbetismo.
Informa Almeida (2004, p. 46), igualmente, ter-se inscrito naquela época, o
início dos debates acerca das classes mistas, mesmo que apenas sob a idéia de
experiência pedagógica, ensejando-se a possibilidade de mulheres ensinarem
meninas e meninos.
Os positivistas, ainda que afirmassem a inferioridade orgânica e intelectual
das mulheres, consideravam-nas superiores do ponto de vista moral, o que as
tornava “merecedoras da abnegada e louvável missão de educar crianças,
mantendo a estreita relação professora-mãe. Assim, é ainda no final do século XIX
que se registra no corpo docente o início do processo de feminização, corrobora
Costa (1995, p. 80), concorrendo, de certa forma, para a desvalorização do trabalho
docente.
Há que se considerar, ainda, no entendimento de Costa, que, até então, não
havia diferença entre os salários masculinos e femininos. A igualdade de privilégios
econômicos estimulou a feminização do magistério primário. Desde então,
inscrevem-se culturalmente dificuldades às reivindicações de melhoria salarial, de
vez que a remuneração da mulher é vista como renda suplementar, que o lugar
delas, na hierarquia social é determinado pelo status de seus maridos. É preciso
ressaltar, contudo, a posição de ambigüidade ocupada pelos professores na
sociedade, pois, no que tange às características de suas funções, elas fazem par
com as dos médicos e advogados; no que concerne à renda, no entanto, são
remetidos ao lado dos artesãos, ensina Nóvoa (1991) apud Costa (1995, p. 80).
A par desses embates, é o Positivismo, também, que, opondo-se à influência
da Igreja Católica e ao ensino religioso, propõe a escola laica, pública e obrigatória,
vista como meio de ascensão social, cujos freqüentadores poderiam concorrer
com a classe dominante. Dá-se, assim, a reforma da Escola Normal, visando à
obtenção de resultados rápidos e concretos, para atender a tais anseios da nação.
Implantam-se escolas-modelo. A Escola Normal não atende à crescente demanda
por formação de professores primários. Apesar de nem sempre darem certo as
35
estratégias republicanas para organizar-se um sistema escolar que atenda às
expectativas e necessidades da população, a escola, “como via de ascensão social
se solidificou” enfatiza Almeida. Expandia-se a crença no poder transformador da
educação.
Em meio às mudanças, as mulheres foram-se fazendo cada vez mais
presentes no espaço escolar. Buscavam conhecimento, preparo para a vida no lar e
uma profissão que lhes garantisse sustento. Por sua vez, os homens que
ingressavam no magistério almejavam cargos de chefia, de direção. As mulheres,
diferentemente, permaneciam nas salas de aula.
Todavia, trinta anos após a República, as escolas primárias continuavam
precárias, sem espaço físico, mobiliário e material didático adequados. O processo
de industrialização e urbanização solidificou e evidenciou a classe média. Advêm
dela, então, líderes políticos, estrutura-se o proletariado. Cresce a disputa pelo
controle do Estado entre burguesia industrial e financeira, apoiada pela classe média
urbana, e as oligarquias rurais, tradicionalmente dominantes. As filhas destas
famílias, falidas pela quebra financeira, procuram as Escolas Normais, passando a
disputar espaço com filhas de comerciantes, profissionais liberais e pequenos
fazendeiros.
Reduz-se o período do ensino primário em dois anos de estudo, de modo a
atender à demanda, com menos custo. A escola pública, agora melhor reconhecida
como instituição social, mantida pelo Estado, de natureza obrigatória, gratuita, passa
a fazer parte do cotidiano social. Professoras ocupam espaço antes destinados aos
homens e estes assumem cargos de inspetores e dirigentes, progredindo na
carreira.
Os anos 20 do século XX foram pródigos em reformas, inovações e
disseminação de escolas normais livres e particulares.
A década de 30, segundo alguns intelectuais, trouxe mudanças radicais a
um sistema ainda elitista e seletivo. Destacaram-se, então, alguns educadores
liberais, abafados, posteriormente, pelo autoritarismo do Estado Novo. Para Almeida,
36
ainda era profundo o abismo existente educação e desenvolvimento. O período foi
marcado por ideologias distintas: após a Revolução de 30, crescia o Liberalismo e os
ideais democráticos; de outro lado, mantinha-se forte o caráter antiliberal e
antidemocrático que marcou o Estado Novo na era Vargas.
Em 1933, propõe-se nova reforma para a Escola Normal. Mais adiante,
em 1937, instituído o Estado Novo, inaugura-se uma fase política de extrema
contenção das liberdades democráticas que garantiria, à frente, a mantença dos
interesses das elites, a par de algumas concessões às camadas médias e aos
segmentos populacionais que teimavam em acreditar no poder transformador da
educação, e em reivindicar a universalização do ensino. Consolida-se, então, um
dualismo social e educacional: as elites nas escolas de elevado padrão educativo
versus classes de menor poder aquisitivo são preparadas para o trabalho por meio
do ensino profissionalizante.
O Estado Novo, sob o princípio da nacionalidade e do patriotismo, promoveu
a centralização do ensino, vaticinando unidade nacional e paz social, limitando a
autonomia dos estados, ratificando o autoritarismo, calando educadores liberais,
visando à dominação dos segmentos populacionais, por meio de manobras de falsas
concessões.
O ensino profissionalizante acenava com o diploma, ainda que a preço da
resistência à penetração de novas idéias pedagógicas e da submissão ao Estado
que se arrogava o direito de orientar e selecionar conteúdos conforme as suas
necessidades econômicas. A formação do magistério também se engajava à
ideologia vigente, constituindo profissionais que serviriam de apoio e instrumento
para a sua ratificação.
O Ministro Capanema, da Educação, promulga nos anos 40 as Leis
Orgânicas do Ensino, caracterizando a centralização do Governo Central,
promovendo reformas e evidenciando ingerência em todos os graus de ensino;
enfatizando o ensino profissionalizante; acentuando diferenças entre educação de
classes altas e do povo; organizando a Escola Normal como ramo de ensino
37
profissionalizante; determinando cursos reduzidos para locais economicamente
pouco desenvolvidos e cursos aprofundados para centros mais prósperos.
Com o início do processo de redemocratização do país, a partir de 1945,
com expansão do capitalismo, a queda do entendimento da vocação agrária da
nação, até os anos 50, consolida-se a compreensão de que a Escola Normal
também dava acesso ao ensino superior. Reforça-se a idéia de a escola ser patamar
na busca da ascensão social.
A formação de professores mantém-se sujeita às oscilações sociais,
econômicas e políticas, conforme as forças do momento ideológico vigente. Tomam
corpo denúncias contra a baixa remuneração e desvalorização dos professores.
Urge o estabelecimento de uma Lei de Diretrizes e Bases para a educação nacional.
As mulheres buscam mais e mais a docência. O trabalho feminino se ratifica na
sociedade. Aventa-se, na década de 50, o estabelecimento do curso normal à noite,
esbarrando-se no funcionamento deficiente dos cursos noturnos.
Caracterizada no plano político por um Estado repressor, comenta Almeida
(2004, p. 61), a década de 60 não apresenta grandes modificações no Sistema
Educacional. Naquele período foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases
Nacional Lei n. 4024/61 -, que sistematizou o ensino em todos os estados da
Federação.
Reacendeu-se, à época, a oposição entre setores conservadores e as novas
forças sociais emergentes representadas pela Igreja Católica e pelos educadores
liberais, que lutavam por uma escola realmente universal e democrática,
concretizando-se num conflito traduzido, em especial, no confronto entre escola
pública e escola privada; centralizada e descentralizada.
A nova lei criou o Conselho Federal e os Conselhos Estaduais de Educação,
cujas atuações deveriam incidir na homogeneização da preparação de professores
no território nacional, ainda que o CFE tivesse concedido autonomia aos estados
para criarem seus próprios sistemas de ensino (descentralização).
38
No entanto, persistiam os abismos sociais entre as classes altas e as menos
aquinhoadas da população brasileira. Emergia uma classe média produtiva, exigente
com o ideal de educação, reconhecendo-a como o melhor meio de alçar a outros
patamares sociais. A escola pública expande-se e a ela acessam os filhos dos
trabalhadores.
Vigora, naquele período, uma visão tecnicista no campo educacional,
pautada numa ideologia burguesa, moderna, laicizada, impregnada de uma
concepção liberal. O trabalho feminino passa a ser considerado pela classe média
uma forma de a família alcançar maior bem-estar social, ainda que não deva
exceder os limites do socialmente adequado. A profissão de professor se alicerça,
por excelência, no trabalho feminino.
Contemporaneamente, Candau (1982) apud Pereira (2000, p. 15-52),
informa que na primeira metade da década de 70, o processo de formação de
professores e de especialistas em educação privilegiava a dimensão técnica. Sob tal
abordagem, o professor era visto como um organizador dos componentes do
processo de ensino-aprendizagem objetivos, conteúdo, estratégias, avaliação, etc.
-, os quais deveriam ser rigorosamente planejados, com a finalidade de garantirem-
se resultados instrucionais eficazes e eficientes. À época, treinamentos eram
utilizados para prover aos mestres a instrumentalização técnica.
A busca para situar a problemática educacional, considerando-se os
determinantes históricos e político-sociais que a condicionavam, fez com que
surgisse com força - referencia o mesmo investigador -, a partir da década de 80, um
franco movimento de rejeição ao que até então se apresentava. A sociedade
brasileira reagia, organizando-se para superar o autoritarismo implantado a contar
de 1964 e ensejando a redemocratização do país, incentivada por críticas de cunho
marxista. Os debates propostos a respeito da formação do professor passaram a
assentar-se em dois pontos principais: o caráter político da prática pedagógica e o
compromisso do educador com as classes populares.
Ocorrem, assim, fortes denúncias acerca da crise educacional brasileira, a
defesa de melhores condições de trabalho, de salários dignos para o magistério.
39
Inserido num contexto de uma sociedade capitalista, em que se incentivava cada vez
mais a sua privatização, haja vista o interesse do Estado em aplicar recursos em
empreendimentos mais lucrativos, que dessem retorno mais imediato, o ensino
passara a ser tratado, mais uma vez, como mercadoria. Professores desvalorizados,
tanto social quanto economicamente, perderam, inclusive, o controle sobre as suas
práticas, em decorrência da fragmentação do conteúdo, da parcelarização do
processo de ensino, de uma técnica sem competência.
Surgem as primeiras greves de professores das escolas públicas dos então
1.° e 2.° graus, em meio a muita dificuldade de mobilização, dada a concepção do
magistério como sacerdócio (tanto pelos professores quanto pela sociedade) e por
ser constituído em sua grande maioria por mulheres. Verbaliza-se, desde aí,
segundo Haguette (1991), apud Pereira (2000, p. 20), o questionamento a respeito
da identidade e do status do trabalho docente: seria um “bico”, uma vocação ou uma
profissão? Conseqüentemente, cria-se um “círculo de mediocridade”, no qual o
empregador – estado ou município – “finge” remunerar, e o empregado – o professor
– “finge” que trabalha.
A insatisfação resultante disso tudo dificulta a busca de qualificação por
parte dos professores, o que é agudizado pela falta de incentivo, de apoio, de tempo
para tanto. Inscreve-se naquele contexto a ambivalência do magistério entre o
profissionalismo e a proletarização. A feminização da carreira e as implicações
desse processo para a situação do trabalho docente passaram a tematizar diversos
estudos que se voltam a esquadrinhar as condições históricas de submissão da
mulher.
A função social da educação escolar começou a ganhar espaço nas
discussões ainda na primeira metade da década de 80. Surge a concepção da
função mediadora da educação, em meio à prática social global, informa Pereira
(2000, p. 26), reforçando o que constatara Candau em 1987.
De outra parte, observa-se na literatura especializada de então, o uso
gradativo da palavra educador em detrimento à de professor, estimulando os
mestres a tomarem consciência de seu papel de agente sócio-político, procurando-
40
se romper com o modelo tecnicista vigente. Essa distinção estendeu-se até a
segunda metade dos anos 80, e teve sua importância diminuída na entrada da
década de 90.
Inauguram-se debates sobre a dualidade competência cnica e
compromisso político que mobilizam as atenções, indicando uma possível
bipolarização entre as duas temáticas, o que estaria mascarando a adesão a um
novo e disfarçado tecnicismo pedagógico. As discussões culminam por introduzir um
elemento não menos importante no debate: a relação teoria e prática na formação
de professores.
Mais adiante, estudos revelam que a discussão da questão passou a ser
centrada na “separaçãoentre teoria e prática, considerando esses dois elementos
isoladamente, até opostos, ou, ainda, separados, mas não contrários, ocorrendo,
neste último caso, o primado da teoria. A prática, então, deveria ser uma aplicação
da teoria, ainda que esta não traga situações novas, relacionando tal concepção
com a perspectiva positivista de conhecer o mundo.
A esta altura, passa-se a considerar os trabalhos de Schön ao discutir essa
relação entre a teoria e a prática na organização dos cursos profissionais. Todavia,
como endossa Pereira (2000, p. 35), “mais importante para a atividade profissional é
a própria estruturação dos problemas, uma vez que eles não se apresentam ao
profissional definidos ou dados.” E Donald Schön enfatiza o papel da reflexão na
prática profissional, concorrendo para quê, por meio da prática da reflexão-em-ação,
o profissional, diante de uma dada situação que ele não poderia converter em um
problema gerenciável, pudesse inferir soluções assim que construísse uma nova
forma de estruturar o problema. Segundo ele, assim que o pesquisador refletisse
durante a ação, ele se tornaria um pesquisador no contexto prático.
A par disso, acrescenta Pereira (2000, p. 36), a publicação, em 1986, do
livro Universidade, escola e formação de professores, organizado por Denice
Bárbara Catani, que resultou de um seminário realizado um ano antes, desencadeou
um processo de autocrítica nas instituições brasileiras de ensino superior quanto a
41
sua relação com o ensino de 1.° e 2.° graus, no que tangia aos seus papéis na
formação de docentes para esses níveis de ensino.
2.2 DOCÊNCIA E PESQUISA
Na virada da década de 80 para 90 deu-se a denominada “crise de
paradigmas”. Naquele cenário, explana Pereira (2000, p. 41), privilegiava-se a
formação do professor-pesquisador, ressaltava-se a importância do profissional
reflexivo, “aquele que pensa-na-ação, cuja atividade profissional se alia à atividade
de pesquisa”.
É fundamental ressaltar a preocupação gradativamente postulada da
necessidade de se desmistificar a pesquisa como algo ao alcance apenas de alguns
eleitos, preferencialmente daqueles situados na universidade. Estudiosos como
Donald Schön destacaram o papel da reflexão na ação, enquanto meio de tornar-se
o professor um profissional pesquisador no contexto prático. Enfatiza-se, igualmente,
a necessária interação na formação do professor entre produção e socialização
do conhecimento, isto é, entre pesquisa e ensino, a despeito da ainda evidente
separação existente entre os dois campos de trabalho nas universidades.
Tomando por empréstimo manifestações como a de Costa (2002, p. 14),
registrando que “pesquisa é sempre um exercício de busca de verdade”, e a de
André (1996, p. 96), indagando em que medida a pesquisa pode vir a desempenhar
uma função social, e considerando a crise de paradigmas presente no contexto
atual, há que se reconhecer a necessidade de criação de novos e diferentes
caminhos, de sorte que, augura Costa, estes nos possam “levar a descobrir espaços
cotidianos de luta na produção de significados distintos daqueles que vêm nos
aprisionando, séculos, em uma naturalizada concepção unitária do mundo e da
vida.”
Prosseguindo em suas análises, Costa menciona ser imprescindível o
reconhecimento de que vem-se enfrentando, nos últimos 20 anos, “um
questionamento radical das concepções epistemológicas norteadoras da produção
de conhecimentos” no campo da pesquisa. Um grande desafio para os
pesquisadores e pesquisadoras sociais é tentar superar as limitações impostas pelo
42
formalismo metodológico instaurado pela ciência moderna, com seu característico
rigor, “supostos e interessados atributos de neutralidade, objetividade e assepsia
conceitual.”
Convém estar alerta, entretanto, para que não se crie, no extremo oposto,
enfatiza Costa (2002, p. 15), a possibilidade “de um saber emancipatório,
desideologizado, mediador de todos os discursos, verdade ‘verdadeira’”, quando o
pensamento pós-moderno rebate a “verdade ‘verdadeira’”, caracterizada como
“sonho, pura ficação”.
Lembrando importantíssima contribuição de Michel Foucault, de que “todo
conhecimento, seja ele científico ou ideológico, pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os
domínios do saber”, Costa ratifica o significado dessa concepção para quem
pesquisa hoje, começando pelo método, reconhecendo que, de fato, o que “faz a
diferença são as interrogações que podem ser formuladas dentro de uma ou de
outra maneira de conceber as relações entre saber e poder.”
Adiante, Costa sinaliza, ainda, a “fragilidade intelectual e emocional” de que
somos acometidos, “quando temos que enfrentar as ‘metodologias’, nas
investigações, “fruto do endeusamento desse tipo de pensamento a que
denominamos ciência e que está impregnado de ‘parâmetros’”, que tudo e a todos
enquadram, homogeneizam, definem como certo ou errado, bom ou mau, falso ou
verdadeiro. E a pesquisadora sugere a troca dos óculos concedidos pela episteme
moderna, que “engendrou lentes e luzes tão ardilosamente dispostas”, que apenas
permitem que se vislumbre algo se usarmos aquele que ela nos alcançou.
É impossível deixar-se de estabelecer um paralelo entre a direção para a
qual foi concebido o livro Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em
educação e as representações acerca do fazer pesquisa contidas, especificamente,
no texto de Costa (2002, p. 19):
[..] pretende contribuir para criar saídas, fretas, desvios para
escapar das grades totalizantes e homogeneizadoras das grandes
metanarrativas e buscar possibilidades para a singularização. [...] Não se
43
destina àqueles e àquelas que acreditam que existe ‘um caminho certo’ e
que, ao encontrá-lo, tudo se resolve como num passe de mágica. Dirige-se
a todas e todos que estão dispostas/os a inventar seu próprio caminho.
Do ponto de vista de Costa (2002, p. 106), “pesquisar é uma atividade que
corresponde a um desejo de produzir saber, conhecimentos, e quem conhece,
governa.” Adentrando o texto, a autora explicita seu argumento em favor da
pesquisa, em especial, na oportunidade, pesquisa-ação, e da sua
produtividade na política cultural da representação para defender o
diálogo como um caminho para a produção de saberes que subvertam os
discursos hegemônicos e inscrevam no currículo, na escola e na sociedade
narrativas que contem histórias de novos sujeitos e novas histórias que
desinstalem as velhas identidades de suas privilegiadas posições de
referência e normalidade (COSTA, 2002, p. 115).
A par disso, Costa defende “projetos coletivos que se abram para a
diversidade, acolham as diferenças e incentivem a que múltiplas leituras do mundo
reivindiquem voz e espaço para nomeá-lo.” Assim:
O olhar do fotógrafo ou do cineasta através da câmara, o olhar do
cientista através do microscópio, a observação do naturalista, o experimento
do psicólogo, a descrição do geógrafo, a escuta do historiador, o debate do
pesquisador participante, o traço, a palavra, a forma ou o som produzidos
pelo artista, para citar apenas alguns exemplos, são sempre guiados por um
desejo de conhecer que resulta na captura do objeto através da
significação. [...] quem tem o poder de narrar pessoas, coisas ou processos,
expondo como estão constituídos, como funcionam, que atributos possuem,
é quem as cartas da representação, ou seja, é quem estabelece o que
em ou não tem estatuto de ‘realidade’ (COSTA, 2002, p. 104).
Tornar a investigação uma maneira de aprender é uma mudança
paradigmática que enseja conduzir a uma prática que vitaliza os espaços. A par de
seu caráter científico e epistemológico, pois se aprende pensando, refletindo,
participando, questionando, analisando, experimentando, errando, recomeçando, a
investigação, quer realizada na sala de aula, nos laboratórios, nas mais diversas
instituições, enfim, nos mais diversos espaços, proporciona essas condições e seus
resultados podem significar mudanças desde pueris a essenciais na vida
pessoal, coletiva, no âmbito social, econômico, cultural, existencial dos sujeitos.
44
3 POLÍTICA E FORMAÇÃO DE POLÍTICOS/AS, PARLAMENTARES,
DEPUTADOS/AS
Não raro nos dias de hoje, vê-se o desdém das pessoas, quando ouvem
falar em deputado ou deputada. Aparentemente, todos parecem “saber” o que é um
deputado, uma deputada. No intento de caracterizar o legislador estadual, Weffort
(1987, p. 7), numa das escassas fontes que se debruçam sobre esta temática,
afirma que, para começar, deputado é um sujeito que se destaca do povo, é
diferente das pessoas comuns, não se mistura. rememorava imagens mais
negativas, ao mencionar fotografias do plenário da Câmara dos Deputados vazio,
ainda que em dia de sessão. Mais adiante, todavia, em seu texto, o mesmo autor
ressalva: “Assim como não é verdade que todos os deputados estão ao lado dos
trabalhadores, também não é verdade que todos faltam às suas obrigações.”
Enfim, quais são as concepções correntes sobre deputado, deputada, no
Brasil, nos dias de hoje? Pesquisas acerca do termo remontam aos anos sessenta,
quando ainda segundo Weffort -, Orlando de Carvalho, “um dos primeiros que
estudaram sociologia eleitoral no Brasil”, conta a seguinte história. Ao pesquisar
sobre as características sociais, culturais, etc. dos parlamentares, no Congresso
Nacional, o investigador inquiria precisamente: “Qual é a sua profissão?” E, em
média, 30% dos deputados respondentes afirmavam: “Eu sou deputado.” Daí se
comprovava o respectivo desconhecimento do que era ser deputado. Sob um
determinado ponto de vista, diferentemente do dentista, médico, advogado,
professor, encanador, mecânico, vendedor, etc., constituírem-se profissionais, ser
deputado não corresponde a uma profissão. E prossegue o mesmo autor dizendo
que “O deputado é um representante do povo e só existe se for eleito pelo povo para
representá-lo. (...) E, para isso, ele o precisa de nenhum conhecimento técnico
específico, como ocorre com qualquer profissão.”
Isso posto, ao prisma da democracia representativa, verifica-se que o
deputado é uma espécie de procurador, de um representante, alguém em quem se
deposita confiança para tratar de nossos interesses, opiniões, frente a uma
autoridade. Aliás, mais adiante, no mesmo estudo, Francisco Weffort destaca quão
importante é essa relação de confiança, haja vista a responsabilidade que o
parlamentar assume quando aceita ser representante dos que o elegeram e do povo
45
em geral. E acentua tal importância, ao correlacioná-la com o lapso de tempo
existente entre um pleito e outro, especialmente no Brasil, que é de quatro anos. No
seu entender, quanto mais distanciadas as eleições, maior deverá ser a confiança
do eleitor em relação ao deputado distinguido com seu voto. Em contrapartida,
quanto mais extensa for a duração do mandato, maior descomprometimento poderá
ter o parlamentar em relação aos interesses e opiniões dos seus eleitores.
2
Os deputados, estaduais ou federais, assim como os vereadores,
caracterizam-se como “representantes do povo” que têm como funções principais a
elaboração de leis para a administração pública e a fiscalização do poder executivo.
Seguindo o raciocínio de Weffort, a partir de Hollanda [...] deputado é “um
indivíduo comissionado para tratar de negócios de outrem”. Enquanto representante
do povo, um deputado participa da elaboração das leis e da fiscalização do governo
em lugar de seus eleitores. Logo, desenvolve suas atividades em nome daqueles
que o elegeram. O estudioso apresenta essa seqüência de conceitos, para facilitar o
entendimento da noção de representatividade: “[...] um governo é representativo
quando ele é eleito pelo povo para governar em lugar do povo (ou em nome do
povo).”
E completa, em seguida, afirmando que, ao eleger representantes para
legislar e para governar, o povo vive uma experiência da assim chamada
democracia representativa. Por sua vez, a democracia direta se quando é o
próprio povo que governa. Na Antigüidade Clássica, este sistema predominou na
Grécia e, provavelmente, em Atenas tenha ocorrido o exemplo mais brilhante disso.
2
Não bastasse tal risco para fragilizar a relação representado/representante, no Brasil, algumas
pesquisas revelam que passado um ano das eleições, a maioria dos votantes esqueceu do nome
daqueles a quem confiou sua preferência. Por outro lado, muitos deputados lembram de seus
eleitores às vésperas dos pleitos. De qualquer sorte, o afastamento entre deputado e seus eleitores,
quer seja por razões sociais ou políticas, não no dizer de Weffort, mas passível de ser observado
na mídia falada, escrita, televisionada, ou mesmo em conversas e comentários colhidos nos mais
diversos contextos, é muito grande. Em razão disso, assevera o autor, é importante, evidentemente,
para o parlamentar saber o que é ser deputado, a fim de que ele, de boa-fé, se dedique às suas
funções. Da mesma forma o é, para o eleitor, de modo a garntir que ele escolha bem o seu
procurador.
46
À época, os cidadãos, conceito que não abrangia mulheres, estrangeiros e
escravos, reuniam-se na praça do mercado para discutirem e deliberarem sobre os
problemas da administração da cidade e questões atinentes à guerra ou à paz. Era
um sistema de autogoverno que prescindia de representantes do povo ou de
governos representativos.
Ainda à luz de Weffort, na Idade Média, mais precisamente no século XII é
que surgiram os primeiros parlamentos e o conceito de representação. No que
concerne à figura do deputado e à idéia de democracia representativa, de acordo
com a concepção que se tem atualmente, são elas produtos do mundo moderno: “o
deputado nasce com a democracia representativa no bojo das revoluções inglesas
do século XVII e da grande Revolução Francesa do século XVIII.”
que se assinalar, entretanto, a grande diferença entre o que significava
representatividade na Idade Média e nos dias de hoje. Na representação medieval,
diz Weffort, os parlamentos não representavam indivíduos livres, mas as
corporações, os estamentos – alto clero, pequena nobreza, alta nobreza, etc., enfim,
eram homens vinculados a uma condição social específica de vassalagem, jamais
cidadãos, “homens sem senhor”. A própria cidade era submetida a um nobre, à
Igreja ou ao rei. Naquele tempo, ou os reis eram escolhidos por “eleição dos barões”,
o que os faziam “os primeiros entre os iguais”, ou o eram pelas regras da sucessão
dinástica, “pela graça de Deus”. Logo, o fato de os reis medievais serem
considerados eleitos não implica a idéia de representação no sentido
contemporâneo.
A figura do deputado, declara Weffort, começa a surgir em 1640, quando a
Câmara dos Comuns da Inglaterra se torna base de uma rebelião do parlamento
contra Carlos I. O deputado, enquanto figura típica da democracia representativa,
constitui-se no decorrer de análogo processo histórico em que surgem o Estado
moderno e a Nação.
O mesmo contexto histórico que enseja o surgimento da figura do deputado,
gera, igualmente, os partidos políticos, de origem parlamentar, de facções
parlamentares, não os de massa, os quais se constituirão em meados do século
XIX, na Europa e nos Estados Unidos. Inicia-se, aqui, também, a distinção entre a
47
linguagem política de esquerda e de direita, bem como diferenciam-se as áreas do
plenário onde passaram a tomar lugar os diversos “partidos”.
Weffort entende que na origem do sistema representativo encontram-se,
também, as origens de alguns dos problemas que o caracterizam. A seu ver, o
parlamento moderno surge em contraposição ao absolutismo, contendo alguns dos
elementos típicos da tensão verificável - especialmente nos países em que a
democracia é frágil - entre o executivo e o legislativo. Lembra, oportunamente, o
papel fundamental de Montesquieu introduzindo no pensamento político, desde
então, o princípio da divisão e do equilíbrio dos poderes, inspirado no exemplo
inglês. E acrescenta o estudioso que o poder do parlamento contra o poder do rei é,
igualmente, a origem do princípio democrático de que o poder controla o poder,
presente na teoria dos contrapesos e equilíbrios.
Àquela época, na Europa, surgiram os partidos no momento em que a idéia
de Nação se afirmava contra os particularismos corporativistas da tradição medieval;
isso facilitaria a compreensão das dificuldades que a teoria política enfrentava para
situá-los como meio legítimo do sistema representativo. Predominava, então, o
pensamento de que o parlamento deveria, por si só, sem partidos, ser expressão
suficiente dos interesses e opiniões, ainda segundo Weffort, predominantes na
Nação. Além disso, pensava-se que a soberania, que tinha suas raízes no povo, era
una e indivisível.
Ainda que os partidos tenham surgido, embrionariamente, em sociedades
predominantemente agrárias, dando origem às grandes revoluções democráticas
naqueles países, “é a nação, no sentido moderno da palavra, sociedade burguesa,
industrial e urbana, que sustentará a legitimidade dos partidos”, afirma Weffort.
3
3
Com o surgimento dos partidos, emerge a figura do representante. Há, aqui, que se estabelecer
claramente a diferença entre quem elege o deputado e quem ele representa. Ainda que eleito por
uma parte da Nação, o deputado é visto como representante dela em seu conjunto. E Weffort alerta:
“Aí se acha o risco permanente, em qualquer sistema representantivo, de o representante se
distanciar do representado até o ponto em que o próprio sistema perca sentido.” No Brasil, enquanto
república federativa, o deputado é eleito por um estado-membro; por sua vez, em cada estado,
elegem-se deputados que representam municípios, regiões. Se na primeira abordagem questiona-se
como devem ser considerados como representantes da Nação ou como representantes de seus
estados, na segunda o se pode escapar de perguntar de quem são representantes, de tal
município ou região de pouca expressão ou o contrário.
48
Dada a sua natureza, o sistema de representação enseja a criação de uma
burocracia nos vazios de comunicação que se estabelecem entre representantes e
representados. Assim, continua Weffort, “o sentido democrático que se acha na
origem do deputado como representante da Nação corre o risco de se converter em
seu contrário.” Eis que, então, o significado nacional da representação, que nasceu
contra as corporações, culmina por facilitar o surgimento de uma nova corporação, a
dos políticos, arremata o cientista social. É inegável a existência de deputados que,
da mesma forma que os membros das antigas corporações de ofício, buscam
acumular privilégios pessoais e poder pessoal, e reivindicam esse poder em nome
de um pretenso saber técnico sobre a política. E vai mais além o autor, declarando
que o Brasil é um dos casos mais significativos deste tipo de deformação, à qual
muitos políticos acreditam pertencer, e que chamam de “classe política”. Tal absurdo
explicaria o fato de muitos deputados terem tanta facilidade em se autodefinirem
como deputados profissionais, concebendo-se a si próprios como um poder
separado do povo e sobre o povo.
Em última análise, o que deve ficar claro é que no sistema representativo,
ainda que de modo imperfeito, o representante escolhido por alguns, por parte da
cidade, ou pela Nação - tem o dever de representar o conjunto da cidade e da
Nação. Insere, ainda, Weffort, no cenário dessas reflexões, que “a política não é
nunca não deve ser o simples reflexo das opiniões e dos interesses de um setor,
de uma parte, mas é sempre deve ser a projeção deste setor ou parte sobre o
conjunto.” E arremata dizendo que “é sempre o ponto de vista de uma parte, mas um
ponto de vista particular que diz respeito ao todo da sociedade e da Nação. Nesse
sentido, a projeção geral, nacional, universal que se acha em toda verdadeira
atividade política pode, se compreendida como um dever do político e não como seu
privilégio, ser a fonte de sua grandeza.”
É dentro do contexto da política brasileira que surge a imagem do deputado
perante a opinião pública brasileira. Em 1987, data da segunda edição de O que é
Deputado, fonte que tem preponderado nesta abordagem, neste estudo, já era
registrada uma visão predominantemente negativa desse sujeito político, em parte
como decorrência de uma história na qual a instituição parlamentar esteve quase
sempre inferiorizada e humilhada, à sombra do Executivo; mas também porque o
49
conservantismo característico de muitos deputados, “levou-os a buscar, nos
momentos decisivos, as fórmulas da acomodação oportunista, em detrimento dos
caminhos da luta pela reafirmação da dignidade do Parlamento.”
No Império, o deputado era o fazendeiro escravocrata ou o bacharel, filho do
fazendeiro escravocrata. Alcançar a condição de deputado nada mais era do que
obter do imperador um título a mais para consagrar uma situação social de
privilégio. Foi nesse período que surgiu a expressão “nada mais parecido a um
conservador do que um liberal no poder”. Liberais e conservadores alternavam-se no
poder. O Brasil Império, ainda não-Nação, era constituído por uma sociedade que se
articulava e se fazia representar, dotada de um número cada vez maior de
burocratas, militares e ... deputados, nas palavras de Weffort.
Na República Velha o quadro é pouco alterado. Mesmo com o advento do
voto universal, em detrimento do censitário, as eleições continuam sendo fraudadas,
haja vista a exclusão da imensa maioria dos brasileiros mulheres e analfabetos
não podiam votar. Fase de ouro do “coronelismo”, do “voto de curral”, das eleições
“a bico de pena”, decididas pela falsificação aberta das atas de apuração, da
arregimentação de eleitores pobres, miseráveis, pelo candidato rico. O voto,
oferecido em troca de promessa de auxílio futuro, torna-se uma espécie de
prestação de vassalagem.
Se no Império, o modelo do deputado é o aristocrata, o homem da Corte, na
República Velha, o paradigma é o oligarca, o proprietário de terras, ambas figuras
frágeis e desprestigiadas como o Parlamento em que atuavam. que se
reconhecer, argumenta Weffort, que o Parlamento vem-se fortalecendo no Brasil. Da
República Velha para cá houve avanços, a despeito de algumas recaídas.
No decorrer desses anos, muitos parlamentares tiveram atuações marcantes
e se incorporaram à história do País ou de seus estados, a despeito da
desvitalização do Parlamento brasileiro causada pela ditadura. Houve outros
episódios em que uma composição esmagadoramente conservadora quase sempre
serviu para bloquear eventuais iniciativas de reformas do Executivo. Todavia, o
conservantismo do Parlamento no período democrático tinha algo de
50
fundamentalmente diferente se comparado com o conservantismo de períodos
anteriores.
Apesar do conservadorismo predominante, o Parlamento do período
democrático contribuiu (mesmo que reduzidamente) para o aumento do prestígio da
figura do deputado junto à opinião blica. Foi entre 1946 e 1964 que se formou a
imagem do parlamentar levando projetos ao Congresso, lutando para transformá-los
em lei e procurando fiscalizar a atuação do Executivo. Chama a atenção Weffort
para a constatação de que “não é por acaso que a grande maioria dos deputados
que resistiram à ditadura militar (e dezenas deles foram cassados), surgiu antes de
1964.”
E o Parlamento resistiu à ditadura. Na verdade, os militares usaram uma
estratégia reconhecidamente bem sucedida em outros momentos de dominação
política. Ela consistiu no jogo de cena entre um poder (de fato) ditatorial e um
Parlamento frágil, explica Francisco Weffort. A própria debilidade torna esta
instituição uma reserva confiável. Ainda que temporariamente paralisado o
mecanismo permanece pronto para ser acionado oportunamente.
O Parlamento brasileiro, todavia, não foi, apenas, o único aparelho de
reserva durante a ditadura militar. Ao contrário, indícios advinham da imprensa, da
Igreja e de lá é que se ouvia alguma voz de protesto no decorrer da repressão.
Atualmente, na concepção de Weffort, o primeiro dever do deputado – ou do
candidato a deputado seria o de conquistar (ou reconquistar) a confiança popular.
E não em si próprio, como pessoa ou representante do povo, mas deve lutar para
restabelecer a confiança do povo no parlamento e, por extensão, na atividade
política em geral. Tal confiança é requisito elementar em uma relação política
democrática, e, no Brasil, essa é uma dívida contraída pelos políticos com o povo.
Outros requisitos apontados por Weffort como correspondendo às
expectativas da população em relação aos políticos são a honestidade e a
apresentação de uma identidade política, de um perfil político definidos, por meio
51
dos quais possam ser depreendidas suas perspectivas e propostas em relação ao
futuro da democracia e ao futuro da sociedade brasileira.
Vai mais além o cientista político enunciando que, tal como o deputado
nasce com o Parlamento moderno e com a democracia, a restauração da dignidade
do parlamentar passaria pela luta em favor de uma nova democracia no País. A seu
ver, da mesma forma que a figura do deputado surge com a dos partidos, o
restabelecimento da figura do legislador depende do restabelecimento dos partidos.
Como o parlamentar se origina de um Estado e de uma sociedade moderna, impõe-
se a democratização do Estado e a transformação da sociedade. Enfatiza o
estudioso que é preciso restabelecer a democracia representativa no Brasil, embora
isto o baste, então, acrescenta que é necessária a democracia direta, “pelo
menos de algumas formas de participação popular inspiradas na democracia direta.”
Mesmo reconhecendo-se que o Parlamento é condição indispensável para a
democracia moderna, por si ele não é suficiente. Por sua vez, se o deputado/a
deputada quiser realmente servir à democracia, deve admitir que ele não é o único
agente desse sistema. Nos dias de hoje, no Brasil, isso significa que ele deve ter
ajudado e deve continuar ajudando a criar mecanismos institucionais que assegurem
aos cidadãos, em geral, bem como às instituições e aos movimentos da sociedade,
uma participação efetiva nas decisões do Estado, enfatiza Weffort. Os exemplos são
numerosos, todos levando “à conclusão de que a democracia de um país se tornará
mais sólida se for capaz de combinar mecanismos de representação com
mecanismos de participação,” e, aos que argumentam que tais mecanismos
tornariam muito complexo o processo, responde ele que “a complexidade da decisão
é inevitável numa democracia.”
52
4 OUTRAS NOÇÕES DE REPRESENTAÇÕES IMPRESCINDÍVEIS
4.1 IDENTIDADE
Para falar sobre identidade, busquei subsídios em Stuart Hall, Alfredo Veiga-
Neto, Marisa Vorraber Costa, Rosa Hessel Silveira, Tomaz Tadeu da Silva e Maria
da Conceição Moita.
Inaugurando as reflexões acerca da temática, trago texto de Hall,
subscritado em contracapa da obra de Silva (2000), que dela tratou especificamente,
sob os auspícios dos Estudos Culturais:
A identificação é, pois, um processo de articulação, uma
suturação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. sempre
‘demasiado’ ou ‘muito pouco’ uma sobredeterminação ou uma falta, mas
nunca um ajuste completo, uma totalidade. Como todas as práticas de
significação, ela está sujeita ao ‘jogo’ da différance. Ela obedece à lógica do
mais-que-um. E uma vez que, como num processo, a identificação opera
por meio da différence, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e
a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de ‘efeitos de fronteiras’.
Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é deixado de fora o
exterior que a constitui (SILVA, 2000).
Dentro dessa perspectiva, a identidade não é algo simplesmente adquirido,
nem, por outro lado, algo inato. Não é uma propriedade ou um produto. Identidade
resulta de um processo complexo, constituído num espaço de construção de
maneiras de ser e de estar ao longo do tempo. Passando por esse processo, cada
sujeito vai configurando sua história pessoal e profissional, a par de ir refazendo
identidades, à medida que vai acomodando inovações, assimilando mudanças,
experimentando novas posições de sujeito (NÓVOA, 2000, p. 16).
Para melhor se fazer compreender, Hall (2002, p. 10-2) distingue três
diferentes concepções de identidade: a do sujeito que se pensava como aquele do
iluminismo; a do sujeito que se via como o sociológico e a do sujeito que se percebia
como do pós-moderno. O primeiro,
um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das
capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num
núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e
com ele se desenvolvia, ainda permanecendo essencialmente o mesmo
contínuo ou ‘idêntico’ a ele ao longo da existência do indivíduo (HALL,
2002, p. 10-1).
53
O sujeito sociológico, por sua vez, explica Hall,
refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a
consciência de que o núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-
suficiente, mas formado na relação ‘com outras pessoas importantes para
ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a
cultura – dos mundos que ele/ela habitava (HALL, 2002, p. 11).
Esse sujeito do mundo moderno, ressalta Hall, era visto como tendo sua
identidade “formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade. O núcleo desse sujeito
é um ‘eu real’, formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem”, integrando e
estabilizando “tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais verificados e predizíveis.”
São exatamente essas coisas que estão mudando agora, argumenta Hall
(2002, p. 12-3). O sujeito s-moderno está-se tornando “fragmentado’, composto
por “várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas”. Ao mesmo
tempo, mudanças estruturais e institucionais têm provocado o colapso das
identidades que compunham “as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam
nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura. “O próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades
culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático”, afirma ele.
O sujeito s-moderno, resultado desse processo, não é entendido como
possuindo uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ela torna-se uma
“celebração vel: formada e transformada continuamente em relação às formas
pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos
rodeiam. Assim, a identidade do sujeito s-moderno é definida histórica e não
biologicamente. Ele “assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não o unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente.” Mais do que isso,
junta Hall, “dentro de nós identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão continuamente deslocadas.” A
identidade unificada que parecemos ter, acrescenta ele, traçada do nascimento à
morte, é apenas “cômoda história sobre nós mesmos”, [...] “confortadora ‘narrativa
do eu’”. E arremata, provisoriamente, o autor:
54
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significado e
representação cultural se multiplica, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos
temporariamente (HALL, 2002, p. 13).
Dessa forma, a identidade do sujeito s-moderno, sob “o impacto da
mudança contemporânea, conhecida como ‘globalização’”, corrobora o intelectual
inglês, reflete incessante descontinuidade, fragmentação, ruptura e deslocamento.
Interessante acrescentar o que Woodward importou de Jonathan Rutherford,
ou seja, que a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações
sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos neste momento; que a identidade
é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas
de subordinação e dominação.
Abordando outro viés, não menos importante da temática, Woodward (2000,
p. 31) afirma que “etnia, raça, gênero, sexualidade, idade, incapacidade física,
relações familiares, práticas de trabalho, produção, consumo de bens e serviços,
novos padrões de vida doméstica, identidades sexuais, justiça social e
preocupações ecológicas produzem novas formas de identificação”.
Aspecto também relevante no estudo do tema, aporta a mesma autora,
conta de que os sujeitos, uma vez “sujeitados” ao discurso, devem, eles próprios
assumi-lo como indivíduos que, dessa forma, se posicionam a si próprios. Dessa
forma, as posições que assumimos e com as quais nos identificamos constituem
nossas múltiplas identidades.
E é precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora
do discurso, acresce Woodward, que precisamos compreendê-las como produzidas
em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas
discursivas específicas de poder, as quais são, assim, mais o produto da marcação
da diferença e da exclusão do que o signo de uma “identidade” em seu significado
tradicional isto é, uma “mesmidade” que tudo inclui, uma identidade sem costuras,
inteiriça, sem diferenciação interna.
55
No cerne da problemática das identidades encontra-se a identidade
profissional. Socorrendo-se em Derouet (1988), Moita (2000, p. 115-16) declara que
esta é uma construção que tem uma dimensão espaço-temporal, que atravessa a
vida profissional desde a fase da opção pela profissão, passando pelo tempo
concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais nos quais a
profissão se desenrola:
É construída sobre saberes científicos e pedagógicos como sobre
referências de ordem ética e deontológica. É uma construção que tem a
marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas
desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades, quer ao nível das
representações que ao nível do trabalho concreto (MOITA, 2000, p. 16).
Assim, pois, o processo de construção de uma identidade profissional
própria, ainda sob o olhar de Maria da Conceição Moita, o é estranho à função
social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo de
pertença profissional e ao contexto sociopolítico em que se desenrola. Mais, para a
autora, essa identidade, permanentemente mutante, vai sendo desenhada não a
partir do enquadramento intraprofissional, mas, também, com o contributo das
interações que vão-se estabelecendo entre o universo profissional e os outros
universos socioculturais.
4.2 GÊNERO
Ainda que pesquisas recentes evidenciem um cenário positivo que
gradativamente se abre a uma maior participação da mulher, e que se verifique a
presença feminina por toda a parte, quer seja nas empresas, nas repartições, na
política, batendo recordes de inserção no mundo do trabalho, constituindo maioria
em alguns campos, como por exemplo, nas universidades, “fria aos números, a
igualdade entre os sexos vive distante”, afiança Essenfelder (2005, p. 3). A
abordagem da questão de gênero neste estudo se faz necessária, dada a relevância
da feminização da docência e pela natureza do objeto desta investigação – a
trajetória de professores que se tornaram parlamentares estaduais. Ambos os
gêneros são representados neste estudo. Curiosamente, a princípio, enquanto
docentes, a presença do gênero feminino tem significativa predominância;
posteriormente, enquanto parlamentares estaduais, todavia, invertem-se os
números, e a primazia se dá pelo gênero masculino.
56
Oportuno trazer ao texto considerações de Carvalho (2000, p. 137),
abordando “pelo menos duas definições distintas de gênero que vêm convivendo no
interior dos estudos feministas”. Segundo a autora, a primeira utiliza gênero como
oposto e complementar de sexo, como aquilo que é socialmente construído em
oposição ao que seria biologicamente dado. Tal definição foi usada por feministas
inglesas, a contar do final dos anos 60, para fazer frente à categoria sexo e suas
implicações nas ciências sociais, procurando enfatizar a dimensão social do gênero.
Desse modo, gender, palavra empregada, até então, para designar as formas
masculinas e femininas na linguagem, foi “apropriada como um termo contrastante
com sexo”, nomeando o que socialmente era identificado como masculino ou
feminino.
A segunda conceituação de gênero, mais recente, também à luz das
reflexões de Carvalho, inspirada em Scott (1990) e Nicholson (1994):
Não o opõe a sexo, mas inclui a percepção a respeito do que seja
sexo dentro de um conceito socialmente elaborado de gênero, uma vez que
assume que as próprias diferenças entre os corpos são percebidas sempre
por meio de codificações e construções sociais de significado. O gênero não
seria um conceito útil apenas para a compreensão das interações entre
homens e mulheres, mas como uma parte importante dos sistemas
simbólicos e, como tal, implicado na rede de significados e relações de
poder de todo o tecido social (CARVALHO, 2000, p. 138).
Tomando esse viés, gênero tem sido cada vez mais empregado para fazer-
se referência a toda construção social relacionada à distinção masculino/feminino,
bem como àquelas construções que separam os corpos em machos e fêmeas.
Diferenças e semelhanças entre os sexos e as interações entre homens e mulheres,
prossegue Carvalho, são apenas parte do que é abrangido pelo conceito de gênero
deste modo definido, não podendo, mesmo elas, ser inteiramente explicadas o
somente neste âmbito, visto que estão sempre articuladas com outras hierarquias e
desigualdades, tais como de classe, etnia/raça, idade, etc.
Em razão disso, de um lado, sexo e gênero não podem ser tomados aqui
como opostos, tampouco como complementares, uma vez que a sociedade não
forma a personalidade e o comportamento, mas ela também determina as maneiras
pelas quais o corpo é percebido. Mas, como assevera a autora, no rastro do que
57
afirmou Nicholson (1994), se o corpo é ele próprio sempre visto através da
interpretação social, então o sexo não é alguma coisa separada do gênero, mas, ao
contrário, é algo subsumido no gênero. Compreensão desse porte nos permite
perceber variações históricas e culturais, tanto no que se refere a padrões de
personalidade e comportamento quanto no entendimento do corpo e daquilo que
significa ser um homem ou uma mulher.
Sob outro enfoque, Carvalho adverte, ainda, que se potencializa a utilização
do gênero na análise da sociedade como um todo, não no que tange às
mulheres, ao parentesco e ao sexo, como igualmente à dimensão econômica e
política e às vidas de homens e mulheres.
Adiante, referindo-se a abstrações feitas a partir de estudos de obras de
Joan Scott (1988 a 1994) e Linda Nicholson (1994), autoras ligadas ao pós-
estruturalismo, Carvalho enfatiza:
O gênero não é um conceito que apenas descreve as interações
entre homens e mulheres, mas uma categoria teórica referida a um conjunto
de significados e símbolos construídos sobre a base da percepção da
diferença sexual e que são utilizados na compreensão de todo o universo
observado, incluindo as relações sociais e, mais particularmente, as
relações entre homens e mulheres. Esse código pode também servir para
interpretar e estabelecer significados que não têm relações diretas com o
corpo, a sexualidade, nem com as relações homem/mulher, categorizando,
em termos de masculino e feminino, as mais diversas relações e alteridades
da natureza e da sociedade, conforme cada compreensão cultural e
histórica (CARVALHO, 2000, p. 139).
Ainda que haja críticas a essa abordagem, apontam-se perigos quanto a
uma análise restrita às linguagens, que seria incapaz de abranger igualmente as
práticas sociais. Ao apresentar-se tendência a tomar as estruturas das linguagens
como um sistema de controle a priori, inacessível à intervenção de agentes, parece
possível absorverem-se as contribuições trazidas em primeiro plano pelas
estudiosas pós-estruturalistas - como a atenção ao gênero enquanto construção
mutante de significados - sem que se perca a referência às práticas sociais e às
possibilidades de ação dos sujeitos. Tal concepção, acrescenta Carvalho, propõe a
possibilidade de se fazer uma interpretação social e historicamente construída da
percepção das diferenças entre corpos de machos e fêmeas, sem que se possa
prescindir da força das diferenças de sexo e sua presença na estruturação de nossa
58
sociedade. Isso está registrado nas estatísticas, na polaridade existente entre
homens e mulheres, machos e fêmeas, que organiza as relações desiguais e
hierárquicas no conjunto da sociedade.
Afirmava Costa (1995, p. 155) que “possivelmente os trabalhos de Apple
foram os primeiros que surgiram no cenário educacional-brasileiro, introduzindo a
categoria gênero como elemento fundamental para a compreensão do trabalho
docente”. Por sua vez, Carvalho reitera que Michael Apple, entre outros,
demonstrou que, historicamente, as categorias em que as
mulheres são ou tornam-se maioria tendem a ser mais controladas,
perdendo autonomia e qualificação, como ocorreu no trabalho bancário.
Sendo as mulheres socialmente consideradas menos capazes e mais
dóceis, também devem ser mais rigidamente submetidas ao controle
hierárquico. No caso da educação, entram em cena os especialistas e os
técnicos, os livros didáticos e os testes padronizados, ao lado das novas
tecnologias educacionais, especialmente a informática (CARVALHO, 2000,
p. 157).
É relevante observar dados publicados pela Folha de São Paulo, MULHER,
Especial 1, aos oito de março de 2005, em levantamento feito por Renato
Essenfelder, Editor-Assistente de Suplementos. Em 2003, no item correspondente à
população brasileira economicamente ativa, enquanto os homens são responsáveis
pelo índice de 57,33%, as mulheres o são por 42, 67%. A expectativa de vida entre
as mulheres é de 74 anos; a dos homens é de 66. No que tange ao trabalho, o
índice de pessoas ocupadas, em 2002, aponta 45,9 milhões de homens contra 32,3
milhões de mulheres. Ao abordar o estado civil das mulheres, no mesmo ano,
52,12% delas eram solteiras; 36,50% eram casadas; 7,25%, viúvas; 2,17%,
desquitadas ou separadas judicialmente; e 1,95%, divorciadas. No que concerne à
defasagem salarial, estatísticas comprovam que, em média, as mulheres ganham
43% menos do que os homens para fazerem o mesmo trabalho. Convém assinalar
os percentuais de funcionárias em cargos de diretoria, 9%; de supervisão, 28%; no
quadro funcional geral, 35%.
No contexto desta pesquisa, é oportuno referir os dados referentes à
participação política da mulher comparativamente ao homem. Em 2004, no Brasil,
45.278 homens elegeram-se vereadores e 6.549 mulheres conquistaram as vagas
de vereadoras. No mesmo ano, as prefeituras foram ocupadas por 5.113 homens e
59
408 mulheres. Em 2002, 129 mulheres elegeram-se deputadas estaduais, enquanto
906 homens tornaram-se deputados. Ainda naquele ano, 25 homens foram alçados
ao cargo de governadores.
Em contrapartida, somente 2 mulheres chegaram a ser governadoras. No
âmbito federal, em 2002, 471 homens obtiveram votos suficientes para se tornarem
deputados federais, seguidos de 42 mulheres. Naquele ano, 46 homens e 08
mulheres chegaram ao Senado do País.
Para Valdejão (2005, p. 8), a igualdade entre os sexos – quer seja social, de
direitos, de oportunidades - é considerada tão importante que está entre as oito
metas do milênio estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, para melhorar
as condições de vida dos povos, ao lado da erradicação da pobreza, da fome e da
universalização do ensino básico.
Entretanto, no que respeita ao mercado de trabalho, esse ideal ainda está
distante. Apesar de as mulheres já serem maioria nas universidades, elas continuam
em posições de segundo plano nas empresas, comenta Valdejão.
Em 2002, no Brasil, matricularam-se no ensino superior 1.966.283 mulheres
e 1.513.630 homens, segundo o Ministério da Educação, afirma Valdejão.
Concluíram o curso 15% delas e 11% deles. A vantagem numérica é expressiva,
mas as mulheres ainda ocupam cargos de menor importância e ganham menos,
como revela a pesquisa ‘Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores
Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas’, do Instituto Ethos.
Em razão da dificuldade de competir e de sobreviver em ambientes
machistas, Valdejão noticia que as mulheres tendem a ir para “guetos” femininos,
como as áreas de educação, saúde e serviços domésticos (áreas tradicionais de
atuação das mulheres), onde exercem atividades de “cuidado” e “manutenção do
lar”. Por outro lado, a partir dos anos 70, a mulher começou a conquistar melhores
ocupações por causa de sua ascensão educacional. De outro, grande parte delas
era ainda submetida a ocupações precárias e informais. Aquelas que estão ousando
buscar postos melhores sofrem. Todavia, a despeito disso, vêm conquistando
60
campos masculinos. De acordo com dados da Fundação Carlos Chagas, 14% delas
estão empregadas no setor formal da área da engenharia; mais de 30% na de
medicina e cerca de 55% junto à arquitetura.
Os índices acima evidenciam que as mulheres estão adentrando espaços
considerados, até pouco, caracteristicamente, masculinos. A par dessa
constatação, algumas inferências se impõem: o mercado está oferecendo postos
novos de trabalho; mulheres têm apresentado melhores condições para o
desempenho de atividades antes de primazia masculina; o gênero feminino está
aprendendo a competir e a sobreviver em ambientes predominantemente
masculinos; alterações estão ocorrendo nas áreas anteriormente mais ocupadas por
mulheres: está aumentando o contingente de trabalhadores do gênero masculino
nos mais diversos níveis de ensino; transformações significativas estão ocorrendo
nas rotinas domésticas, tais como o compartilhamento das obrigações e tarefas da
casa e do cuidado com os filhos.
Conveniente se faz trazer mais uma contribuição de Costa (2002, p. 16),
analisando a trajetória dos estudos sobre gênero: “Embora as análises feministas
tenham atravessado um século, em anos mais recentes esse campo começou a
edificar uma imagem própria, despojando-se gradativamente da naturalizada
associação a discursos denunciativos reivindicatórios e contestatórios”.
Foram necessários cerca de cem anos para que algumas correntes
começassem a se “libertar de narrativas que, talvez exatamente por seu caráter
emancipatório e igualitário, vinham expondo o feminino como o outro: deficitário,
menor, emergente, e tantas outras discriminações produzidas em uma matriz cultural
cujo padrão de referência é o universo masculino” (Costa, 2002, p. 16).
De outro lado, assevera Costa, “seria demasiadamente ingênuo e
politicamente pouco inteligente, hoje, persistir nas análises nesse campo, utilizando
noções gestadas no seio das metanarrativas fundantes da modernidade”. E
arremata a autora: “Prosseguir problematizando as questões relativas ao feminino
dentro dos limites desse quadro conceitual pode significar, simplesmente, inocuidade
política”.
61
4.3 VOCAÇÃO/MISSÃO/PASTORALIDADE
As opções pelo exercício do magistério e da vida política na condição de
parlamentar, mais precisamente enquanto deputado/deputada, o passam
incólumes a reflexões acerca de como se dão tais escolhas ou injunções que
conduzem a tal projeto de vida por parte dos sujeitos desta pesquisa. Como alguém
se torna professor/professora? E depois, dentro de que condições, a partir de que
possibilidades, se torna deputado/deputada? Que representações fundamentam tais
opções? Vocação? Missão? Pastoralidade? Conveniências sociais, familiares,
culturais?
Iniciemos com Ferreira (1986, p. 1786) que, entre outras acepções, assim
define vocação: [Do lat. vocatione.] S. f. 1. Ato de chamar. 2. Escolha, chamamento,
predestinação. 3. Tendência, disposição, pendor. 4. Talento, aptidão.
Ao embrenhar-se na teia de representações que integra a vida da mulher-
professora primária, Assunção (1996) afirma:
Quando o ‘discurso da vocação’ se apresenta, os outros calam:
ele é conclusivo. É como se frente a ele, nada mais restasse a investigar.
Ele traz a idéia de que existe ‘algo’ da ordem do sobrenatural, do inato, de
uma força interna que orienta e encaminha as pessoas para determinadas
profissões.
[...]
A ‘vocação’ encontra-se associada a algo pertencente à ordem do
místico, relacionada a ‘dom’, a qualidades especiais para a ‘missão’ de
ensinar, a doação, enfim, o magistério como sacerdócio. Existe, sem dúvida,
no discurso da ‘vocação’ a marca provocada pelos mais diversos
entrelaçamentos, entre eles, a estreita relação, historicamente construída
entre religião e educação. Relação que contribuiu não para uma
representação do magistério como um sacerdócio, mas também para o
perfeito casamento entre mulher e magistério. Mas o discurso da ‘vocação’,
engendrado no campo religioso, encontra ressonâncias diferenciadas nos
diversos segmentos de classe, gênero e campos profissionais específicos,
confirmando uma internalização dos aspectos ideológicos de valores
culturais, morais, etc., que estão na base, orientando as ‘escolhas’ e
comportamentos, e dissimuladamente justificando-os, como sendo ‘vocação’
(ASSUNÇÃO, 1996, p. 14-15).
Todavia, no decorrer de sua explanação, a autora, valendo-se do que leu em
Accardo (1991), faz um alerta dizendo que, em face da impossibilidade de
compreender conscientemente a força do habitus nas atitudes e reações, os
indivíduos acabam por creditar os efeitos do habitus na conta de causas misteriosas
(...) a um destino transcendente, a um fenômeno sobrenatural que não exprime nada
62
além de uma predestinação socialmente determinada. Para ela, a “ideologia” da
vocação expressa um conjunto de representações sociais que orientam a carreira
profissional das mulheres rumo ao magistério, e acrescenta que, com isso, “a
consciência social do papel da educação na sociedade e a visão do magistério como
uma profissão estão, geralmente, ausentes e/ou comprometidas na prática
pedagógica das professoras primárias.”
Por sua vez, ao tratar do mesmo assunto no âmbito da política, Weber
(2003, p. 13) postula que o poder fundado na submissão ao carisma puramente
pessoal é a base da idéia de uma vocação na sua expressão mais alta. Para o
filósofo, a devoção ao profeta portador de um carisma, ao dirigente da guerra ou ao
demagogo que age no parlamento significa que eles teriam sido chamados
interiormente para conduzir os homens. Se o carisma for mais do que o produto da
conjuntura, o dirigente certamente viverá pela causa dos subordinados e procurará
realizar sua obra. Acrescenta, ainda, que “é a pessoa e suas qualidades de chefia
que orientam a devoção de seus discípulos e adeptos”.
Mais adiante, nesse mesmo texto utilizado em uma clássica conferência e
que leva o nome A Política como Vocação, Max Weber ensina que a liderança
carismática se verificou em todas as épocas históricas e em todos os lugares.
Apareceu, no passado, na figura do mágico e do profeta, do chefe guerreiro ou sob a
forma de um grupo na qualidade de condottiere, na hegemonia política exercida pelo
demagogo livre que emergiu na cidade-estado, ainda que ele tenha triunfado no
Ocidente, mais ainda nas regiões mediterrâneas. Além disso, adiciona o
conferencista, a hegemonia política na forma de chefe de partido parlamentar
nasceu no espaço do Estado constitucional, típico do Ocidente. Tais políticos, que
seriam orientados por uma vocação, prossegue ele, não são de modo algum as
únicas figuras determinantes na luta política pelo poder; os meios de que dispõem
os políticos são o fator decisivo.
Weber distingue, então, o que chama de políticos profissionais e políticos
por vocação. Para ele, a política, tal como a ação econômica, pode ser uma
atividade transitória ou constituir uma vocação para a pessoa. Em seu entender,
63
revela, duas formas de fazer da política uma vocação: ou se vive para a política,
ou se vive da política. E pormenoriza:
Tal contraste não se dá de forma exclusiva. Tanto na prática como
no discurso, uma e outra coisa são feitas ao mesmo tempo. Quem vive para
a política a torna o fim de sua existência, ou porque essa atividade permite
obter prazer no simples exercício do poder, ou porque mantém seu
equilíbrio interior e sua auto-estima fundados na consciência de que sua
existência tem sentido à medida em que está a serviço de uma causa. Num
sentido profundo, todo aquele que vive para uma causa vive dela também.
É o aspecto econômico um dos elementos importantes da condição do
homem político. O que na política uma fonte permanente de rendas vive
da política como vocação; no caso oposto, vive-se para a política. Num
regime fundado na propriedade privada, são necessárias certas
precondições que os senhores considerarão banais para que um homem
possa viver para a política. Em condições normais, deve o homem político
ser economicamente independente das rendas que a ação política lhe
possa proporcionar. Isso significa simplesmente que o político deve ser rico
ou contar na vida com uma fonte de rendas independentemente da sua
qualidade de político (WEBER, 2003, p. 22-3).
Posteriormente, o filósofo alemão aponta o que entende ser três qualidades
decisivas para a constituição do político (2003, p.83): paixão, sensação de
responsabilidade e sentido das limitações. E detalha: “Isso significa paixão no
sentido de objetividade, devoção apaixonada a uma causa, ao Deus ou ao demônio
que é o soberano dela. Não se trata de paixão no sentido [...] de excitação estéril”. A
seu ver, a paixão, por mais autêntica que seja, é insuficiente, quando a serviço de
uma causa; faltando, porém, o correspondente sentimento de responsabilidade,
enquanto elemento fundamental da atividade, a paixão não cria o líder político. E diz
mais: é isso que implica a existência de um sentido dos limites, e essa é a qualidade
psicológica fundamental do político: “sua habilidade para permitir que os fatos ajam
sobre si, mantendo a calma interior do espírito, sabendo manter o sentido de
distância ante os homens e as coisas. A falta de distância constitui um dos pecados
capitais do homem político”.
O problema maior dessas constatações, assevera Weber, é conviverem, na
mesma pessoa, a paixão ardente por uma causa e o sentido exato das proporções.
A política é feita com a cabeça e não com as demais partes do corpo ou da alma. No
entanto, para evitar que se transforme num jogo intelectual frívolo e, sim, numa
autêntica atividade humana, a devoção política pode nascer e alimentar-se da
64
paixão. E ratifica: “a força de uma personalidade política pressupõe, em primeiro
lugar, a paixão, a responsabilidade e o sentido de proporção”.
Ao investigar sobre o sujeito crítico das pedagogias progressistas, Garcia
(2002, pp-140-78), em uma análise com inspiração foucaultiana, conceitua o
exercício da docência nos discursos pedagógicos críticos enquanto um exercício de
uma função governamental-pastoral “que tem por tarefa a produção do sujeito de
consciência e do ‘bem’ agir (de modo crítico e emancipado)”. E ela vai explicando
que, em nome dessa função pastoral, esclarecedora, humanizadora e salvadora, as
pedagogias críticas instituem para os docentes a moral de um ermitão aliada a
convicções políticas profundas. Desse modo, docentes e outros guias e intelectuais
pedagógicos devem se posicionar como intelectuais universais, de esquerda,
membros de uma intelligentsia crítico-pastoral-humanista, cuja personalidade moral
exemplar funda-se na auto-reflexão, na autodeterminação e num certo
fundamentalismo intelectual, o que redundou para as mulheres, especialmente, até
um certo peso, um zelo até excessivo quanto à conduta, à postura.
Sob tal concepção, professores e professoras críticos e outros intelectuais
ou guias pedagógicos não devem mais se restringir a serem os “condutores dos
processos educacionais”, mas sim aqueles que “são capazes de interpretar as
carências reveladas pela sociedade”. A teoria da educação, segundo a autora,
assume nessa tarefa seu “verdadeiro papel”: “ser intérprete da necessidade
demonstrada e revelada pela própria sociedadee, a par disso, direcionar e orientar
políticas, ao nível do Estado, capazes de responder a essas demandas.
No rastro dessas afirmações, Garcia acrescenta que professores e
professoras críticos devem ser não somente intérpretes e tradutores das
necessidades e aspirações da população, como igualmente, têm que ser quem
articula e oferece as soluções no campo pragmático e político (por meio do
engajamento nas lutas partidárias, sindicais e populares), de sorte que “aqueles que
são objetos dos programas de educação crítica se encontrem com sua ‘destinação
social’”. E vai além a autora, dizendo:
65
‘Ora, a atividade intelectual por excelência é essa.’ E é necessário
que todos os que militam no campo intelectual o saibam, sejam professores,
dirigentes, líderes políticos, escritores. É necessário que todos
compreendam e assumam a tarefa de ‘conduzir os segmentos sociais a um
melhor entendimento da experiência histórica vivida.’ Cada indivíduo, de
posse dessa compreensão, irá incorporar em sua visão e em sua prática no
mundo a responsabilidade de transformá-lo. É nessa direção que o
professor e o intelectual devem rever os seus ‘caminhos’, a sua ‘prática
intelectual’ e os ‘riscos do compromisso’ (GARCIA, 2002, p. 143).
Um pouco mais à frente, continuando seu trabalho, a autora esclarece que, a
seu ver, os discursos pedagógico-críticos posicionam os docentes e as docentes,
como aqueles sujeitos que fazem uso do seu saber, de sua competência e de sua
relação com a verdade nas lutas políticas. Acrescenta, ainda, a pesquisadora que a
personalidade moral do docente e do intelectual do campo pedagógico - conforme o
corpus discursivo então por ela trabalhado:
guarda muito dos atributos da personalidade que o humanismo
liberal instituiu: a defesa de uma humanidade essencial que precisa ser
‘formada’, desvelada, despertada; a defesa do completo desenvolvimento
da pessoa e de valores universalizados como a verdade, a justiça, a
igualdade, a liberdade, a autonomia, etc. (GARCIA, 2002, p. 144).
O intelectual crítico, preceitua a referida pesquisadora, deve realizar o
esclarecimento das consciências, acompanhando suas performances e evoluções
rumo a um maior discernimento e engajamento. Essa seria a sua função precípua:
exercer uma forma de pastorado da consciência crítica e engajada, acompanhando
com dedicação e atenção cada indivíduo em particular e todos rumo a uma
existência racional e moral superior. Em razão disso, o problema político
fundamental para docentes e intelectuais educacionais críticos seria modificar as
consciências das pessoas, levando-as ao entendimento de que o engajamento é a
possibilidade de sua emancipação e salvação, ao mesmo tempo em que devem
livrar a verdade de todo o sistema de poder.
Em decorrência de tudo isso, intelectuais educacionais de esquerda, ou
docentes críticos, por suas relações com o saber e a verdade, deveriam assumir a
função de guias, intérpretes e representantes dos interesses dos seres humanos e
da humanidade.
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Intelectuais e professores - a entender a autora - investem-se do poder
de representar o outro, de dar a conhecê-lo e a sua realidade, de convertê-lo em
uma entidade superior que afastou de si o erro, a mistificação e os efeitos danosos
da dominação econômica e política.
Com o escopo de enfatizar o papel dos intelectuais que exercem essa
função pastoral, Garcia cuida de registrar que os discursos pedagógicos por eles
proferidos instituem políticas de verdade, que eles identificam o poder a uma
instância centralizada, homogênea e repressora, que reivindicam a universalidade e
a eqüidade da justiça para todos os indivíduos, que têm como princípios a no
desenvolvimento integral do ser humano e o compromisso com a verdade, com a
paz, com a emancipação do homem. E ajunta ao já descrito:
Para exercerem o papel da consciência alheia e de guardiães da
verdade e da justiça, os sujeitos intelectuais e docentes críticos necessitam
de princípios inabaláveis e qualidades morais exemplares. Necessitam ter
as habilidades de um pastor e a abnegação de quem sabe a grandeza
moral da tarefa que exerce (GARCIA, 2002, p. 149-50).
Não bastasse o que foi mencionado, Garcia leva ainda mais longe o
esboço do que se esperaria dos intelectuais até aqui retratados:
O professor e o intelectual pedagógico-crítico educam pela força
moral do bom exemplo e pela retidão que caracteriza sua conduta e suas
crenças. Como defensores da verdade e da justiça social, devem ser
pessoas de princípios e ter uma conduta exemplar e irrepreensível
(GARCIA, 2002, p. 150).
E acrescenta ponderações de Rodrigues (1987, p. 65), às suas asserções:
‘Não se é educador como se é operário de uma fábrica de móveis’.
O ‘educador consciente’ luta para que a escola seja competente em
possibilitar aos trabalhadores e aos seus filhos as condições intelectuais e
sociais necessárias para que possam construir ‘um espírito de solidariedade
e autodesenvolvimento’. Nessa tarefa, o professor e a professora devem ter
uma conduta exemplar, porque a ‘imitação é o primeiro e mais poderoso
veículo para a formação da consciência do educando’. Assim, ‘devemos
cuidar para que nossos comportamentos sejam sobretudo imitáveis por eles’
(GARCIA, 2002, p. 150).
Fazendo uma minuciosa descrição de tudo que a teoria educacional crítica
exige dos professores, a estudiosa que vem iluminando estes escritos houve por
67
bem consignar, igualmente, que o projeto de formação humana que o intelectual
educacional crítico encarna tem algo do ‘homem cultivado’, de uma personalidade
prestigiosa que exerce uma função carismática, que se destaca por atributos tais
como o carisma, a vocação, a paixão e o compromisso moral com a universalização
de valores como a humanização e a verdade. E mais, acrescenta Garcia, “se as
condições materiais da profissão docente se assemelham às de funcionário civil, sua
formação moral é decididamente pastoral”. E ela se volta à idéia de vocação,
referindo-a a uma ocupação que exige paixão e compromisso moral de seus
praticantes.
É importante ressaltar o que dispõe Garcia acerca da incompetência
profissional, afirmando que ela desqualifica a autoridade do docente crítico e de sua
tarefa emancipadora, por isso a sua importância. Para a autora, ensinar exige
clareza nas opções políticas e comprometimento com essas opções no sentido de
buscar uma coerência cada vez maior entre o que se pensa, o que se diz, e o que
realmente se faz.
Em outras palavras, e se vale de Freire (1998, p. 109) para enriquecer sua
análise, “se minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática
reacionária, autoritária, elitista”. E adiciona: “Professores e intelectuais educacionais
críticos não podem se omitir de dar o exemplo da coerência entre aquilo que
defendem e aquilo que fazem e de ser o testemunho dessa coerência”.
Mister se faz registrar que tal representação de docência e de docentes não
pode dar conta de corresponder à totalidade de uma categoria profissional tão ampla
e diversificada na sua formação e tão marcada por diferentes determinações sócio-
econômico-culturais. Também no bojo desse raciocínio, convém ressaltar não haver
possibilidade de se assegurar que a formação moral de todos os docentes seja
decididamente pastoral, ainda que se reconheça essa forte influência tanto de parte
das instituições religiosas muito mais numerosas até por volta de uma década e
meia atrás que arrogavam para si, em grande extensão, a “missão” de formar
docentes, quanto as laicas que, à luz do desenvolvimento de princípios
característicos da atividade pastoral, intentavam manter o controle do sistema
educacional, sob os auspícios da disciplina, da docilização, da auto-reflexão, da
68
autoproblematização, autoconsciência, auto-responsabilidade, enfim, autolimitação.
De outra parte, convém consignar, ademais, que posicionamento crítico não pode
ser redutoramente associado a posicionamento político de “esquerda”.
No que tange ao magistério enquanto missão, Lopes (1991, p. 26-7)
esclarece que tal concepção foi-se formando gradativamente:
Séculos XVI, XVII, XVII, XVIII. Assim se falava homens e
mulheres falavam e escreviam do que se devia ensinar às mulheres para
que ensinassem. O que professavam era a maternidade espiritual, pois que
a vida dedicada a um só noivo, casadas com uma instituição, impedia
serem mães segundo a natureza. Os saberes continuavam a ser aqueles de
mulheres. Não era ainda um trabalho. Era uma missão.
No século seguinte, prossegue a autora, a “missão” ganhou contornos de
apostolado e não foi eliminada no século XX, quando escolher uma carreira, um
trabalho, sintetizava toda uma preparação, sob a orientação de certos valores
sociais, que culminavam por encaminhar a mulher para determinadas carreiras. A
par de escolhas determinadas pela vocação es um longo processo que induz a
jovem a gostar de carreiras ‘adequadas’ ao sexo feminino, à conciliação com o
casamento, a despeito da remuneração e do prestígio social pouco elevado, “sem
deixar de ser missão, sem deixar de ser apostolado, as mulheres começam então a
trabalhar como professoras”. E, mais adiante, complementa: “Mães espirituais, mães
intelectuais. Mães. Naturais? Professora/mãe. Mater et Magistra. Seu temperamento
que impede e que obriga -, sua missão, seu apostolado, sua vocação” (LOPES,
1991, p. 28). Enfim, de certa forma, o exposto o se distancia do que se encontra
em Ferreira (1986, p. 1141), “função ou poder que se confere a alguém para fazer
algo; encargo; incumbência. [...] Ofício; ministério. Obrigação; compromisso; dever a
cumprir.
Por sua vez, falando em professores e intelectuais educacionais críticos,
Garcia (2002, p. 151) menciona que: “A vocação refere-se a uma ocupação que
exige paixão e compromisso moral de seus praticantes. É um chamado ou uma
missão”. Enfim, dentre as múltiplas nuanças que contribuem para a escolha do
magistério, essas constituem significativa recorrência.
69
4.4 PODER
Para Silva, poder, enquanto
conceito central na Sociologia Crítica da Educação e na Teoria
Educacional Crítica, é concebido de forma diferente nas diferentes
perspectivas críticas. Na teorização neomarxista, o poder, na sociedade
capitalista, está centralizado nas instituições do Estado, tendo um status
derivado relativamente às relações sociais de produção. Na teorização de
Pierre Bourdieu, o poder está relacionado à luta pelas diversas modalidades
de capital (econômico, social, cultural) nos diversos campos sociais. Nas
análises pós-estruturalistas inspiradas em Foucault, o poder é concebido
como descentralizado, horizontal e difuso (SILVA, 2000, p. 91).
A análise do porquê dos saberes, ao pretender explicar sua existência e
suas transformações, situando-o como peça de relações de poder ou incluindo-o em
um dispositivo político, é chamada por Foucault de genealogia, tomando o termo por
empréstimo de Nietzsche. Ao afirmar, todavia, que não existe em Foucault uma
teoria geral do poder, Machado esclarece que as análises daquele pensador
não consideram o poder como uma realidade que possua um
natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas características
universais. Não existe algo unitário e global chamado poder, mas
unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O
poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal,
constituída historicamente (MACHADO, 1992, p. X).
É inegável, porém, a constatação de que as análises genealógicas do poder
realizadas por Foucault produziram um importante deslocamento com relação à
ciência política, que limitava ao Estado o fundamental de sua investigação sobre o
poder.
Postulou ele, sim, a existência de formas de exercício do poder diferentes do
Estado, a ele articuladas de modos diversos, funcionando fora, abaixo e ao lado dos
aparelhos do Estado, em níveis elementares, cotidianos, indispensáveis.
Para o filósofo, no dizer de Veiga-Neto (2003, p. 142), o poder é um
operador que funciona dividindo, numa prática que fraciona cada um de nós
internamente - em relação a nós mesmos -, e em relação aos demais. As forças
identificadas por Foucault como poder atuam no que temos de mais concreto e
material: nossos corpos. Em razão disso, o corpo é domesticado, disciplinado,
70
obrigado, sujeitado, mutilado; os corpos são separados, reunidos, organizados. E o
efeito desse poder ao fazer isso é a produção de almas, de idéias, de saberes, de
moral. E é justamente nessa produção de almas, idéias, saberes e moral, infere
Veiga-Neto, que Foucault estabelece radical diferença entre poder e violência, em
razão de suas respectivas naturezas, e assim elucida o pesquisador brasileiro:
Enquanto que uma ão violenta age apenas sobre um corpo, age
diretamente sobre uma coisa, submetendo-a e destruindo-a, o poder é uma
ação sobre ões. Ele age de modo que aquele que se submete à sua ação
o receba, aceite e tome como natural, necessário. Se na violência dois
pólos antagônicos um sujeito que a pratica e um objeto que a sofre, cuja
única alternativa é a resistência ou a fuga -, no poder não propriamente
dois pólos, que os dois elementos não são antagônicos, mas sim sujeitos
num mesmo jogo. E para que isso seja possível, o saber entra como
elemento condutor do poder, como correia transmissora e naturalizadora do
poder, de modo que haja consentimento de todos aqueles que estão nas
malhas do poder. No interior das relações de poder, todos participam, todos
são ativos (VEIGA-NETO, 2003, p. 143).
Uma tal produção de corpos ultrapassa a dimensão psicológica ou
simplesmente atitudinal, fixa Veiga-Neto, para dar origem a corpos que
necessariamente têm de participar e que, em razão disso, são corpos políticos. E
mais:
Desse modo, é em decorrência desse caráter do poder que a
genealogia se torna uma tecnologia política que trabalha sobre um corpo
que, por sua vez, tem também uma dimensão política. Assim sendo, a
genealogia faz também uma anatomia política (VEIGA-NETO, 2003, p. 144).
Então, em um espectro mais amplo, a microfísica do poder vai ocupar-se
também das relações do corpo ao nível do Estado. Como para Foucault o Estado
moderno o tem a importância que costumeiramente se lhe atribui, tampouco é
fonte privilegiada de poder, nem é tão funcional como se pensa usualmente, ele
corrobora que é necessário, sim, liberarmo-nos a nós próprios do Estado e do tipo
de individualização vinculada a ele, ao contrário do que vivenciamos durante
séculos.
Continuando suas reflexões, Veiga-Neto ajunta que, “para Foucault, o poder
se manifesta como resultado da vontade que cada um tem de atuar sobre a ação
alheia, - como resultado de uma ‘vontade de potência’, diria Nietzsche de modo a
‘estruturar o campo possível da ação dos outros’, ou seja, governá-los.” A essa
71
vontade ela chama de vontade de poder e acrescenta outras duas acepções: poder
enquanto capacidade que cada um tem de modificar, destruir, usar coisas e recursos
e poder como capacidade que cada um tem de transmitir informações – saber
confere poder. E vai mais além nas inferências que faz ao estudar a obra do filósofo,
afirmando que o poder existe nas práticas em que se manifesta, atua, funciona e se
espalha universal e capilarmente.
No entendimento de Veiga-Neto, Foucault chamou de governamentalidade o
caráter governamental que o Estado moderno assumiu, resultante de um longo
processo histórico, cujas raízes foram por ele buscadas na pastoral cristã,
característica da sociedade da lei, no Estado de justiça, da Idade dia. Ao passar
pelo contexto regulamentador, disciplinador característico do Estado administrativo
(séculos XV e XVI), constituiu-se a sociedade de polícia, controlada por dispositivos
de segurança. Esse processo, enfatiza Veiga-Neto, se alicerçou em três dispositivos:
pastoral, novas técnicas diplomático-militares e a polícia.
Outra abordagem que parece ser oportuna a esta altura também é trazida
por Veiga-Neto (2003, p. 151), quando relata que para o filósofo francês o poder
funciona e é exercido em rede. Em suas malhas, os indivíduos não só circulam, mas
estão sempre prontos a exercê-lo e a sofrerem sua ação; nunca são meramente seu
alvo inerte e consentido; são sempre, isso sim, centros de transmissão. Por outro
lado, pontos de resistência são gerados dentro da própria rede, às vezes de forma
abrangente, mas, em geral, “minúsculos, transitórios e móveis”. E segue,
complementando:
Dito de outra maneira, a resistência ao poder não é a antítese do
poder, não é o outro do poder, mas é o outro numa relação de poder e
não de uma relação de poder... -, uma vez que a ‘antagonismo das lutas
não passa por uma lógica dos contrários, da contradição e da exclusão de
dois termos separados e opostos’ (VEIGA-NETO, 2003, p. 151-52).
É imprescindível chamar a atenção para o modo como Foucault interpreta o
saber. Ao lecionar que o saber é um agenciamento prático, um “dispositivo” de
enunciados e de visibilidades, Foucault denota haver sempre dois elementos na
estratificação, traduz Veiga-Neto: o enunciável, formações discursivas; e o visível,
formações não-discursivas. E adiciona: “Há um primado do primeiro (palavra) sobre
72
o segundo (luz), na medida em que o visível se deixa determinar (citar, descrever)
parcialmente pelo enunciável; mas tal determinação é sempre parcial, de modo que
o primado não implica redução”. Para Foucault, adita o investigador, o saber é uma
construção histórica, ele mesmo produz suas verdades, seus regimes de verdade,
as quais, ao mesmo tempo se instauram e se revelam nas práticas discursivas e não
discursivas.
Outro aspecto de suma importância trazido por Veiga-Neto (2003, p. 157),
ao esquadrinhar a obra de Foucault, é a aproximação que o filósofo faz entre saber
e poder, numa quase fusão, deixando claro, porém, que o são a mesma coisa,
mas os dois lados de um mesmo processo. “As relações de força”, diz ele,
“constituem o poder, ao passo que as relações de forma constituem o saber; mas
aquele tem o primado sobre este”. E prossegue, aclarando ainda mais:
O poder se dá numa relação flutuante, isso é, não se ancora numa
instituição, não se apóia em nada fora de si mesmo, a não ser no próprio
diagrama estabelecido pela relação diferencial de forças; por isso, o poder é
fugaz, evanescente, singular, pontual. O saber, bem ao contrário, se
estabelece e se sustenta nas matérias/conteúdos e em elementos formais
que lhe são exteriores: luz e linguagem, olhar e fala. É bem por isso que o
saber é apreensível, ensinável, domesticável, volumoso. E poder e saber se
entrecruzam no sujeito, seu produto concreto, e não num universal abstrato.
Como referi, aquilo que opera esse cruzamento nos sujeitos é o discurso,
uma vez que ‘é justamente no discurso que vêm a se articular poder e
saber’ (VEIGA-NETO, 2003, p. 157-58).
Enfim, poder e saber implicam-se mutuamente. Não há relação de poder, diz
Silva (2000, p. 91), sem a constituição de um campo correlato de saber, como
também não existe saber que não pressuponha e constitua relações de poder.
4.5 ACESSO
O termo acesso, conforme Ferreira (1986, p. 28), abriga, entre outras, as
seguintes acepções: [Do lat. accessu.] 1. Ingresso, entrada: Não teve acesso ao
palácio. 2. Trânsito, passagem; estrada particular: proibido o acesso. 3. Chegada,
aproximação: porto de fácil acesso; via de acesso. 4. Alcance de coisa elevada ou
longínqua: Nem todos, infelizmente, têm acesso à cultura. [...] 9. Proc. Dados. Na
operação de um computador, comunicação com uma unidade de armazenamento.
73
Para efeito deste estudo, entendeu-se por bem distinguir duas dentre as
várias concepções de acesso. Fundamentalmente, sob uma das acepções, tem-se
acesso a algo, com vista a obter um benefício próprio; noutra abordagem, tem-se
acesso a algo, com a finalidade de beneficiar alguém.
Para ilustrar o conteúdo da primeira acepção, tomo emprestadas inúmeras
reflexões obtidas por Kuschnir, em 2000, ao debruçar-se sobre a trajetória de duas
personagens do cenário político do Rio de Janeiro. Desde o início das falas
coletadas, fica claro que, no entender de ambos os sujeitos da pesquisa, no âmbito
da política, “ter acesso” diferencia os parlamentares das demais pessoas. O acesso
é um atributo constitutivo do político, e lhe confere poder e prestígio em todas as
esferas da sociedade. Segundo Kuschnir (2000, p. 88), através do exercício da
política é possível adquirir conhecimento, encontrar caminhos, abrir espaços junto ao
Poder Executivo. A autora de O cotidiano da política recolheu essa afirmação ao
fazer uma investigação antropológica sobre o mundo da política, como bem
sintetizou Gilberto Velho, professor titular de Antropologia Social, Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, na apresentação da publicação que veicula
o trabalho da jornalista, antropóloga e professora da UFRJ.
A pesquisa de Kuschnir registra que os sujeitos de sua investigação situam
os políticos como mediadores fundamentais na sociedade brasileira, minimizando,
se não contradizendo, o reconhecimento de movimentos populares espontâneos,
deliberando decisões, guiados por outras lideranças. Desenvolveu seu estudo a
partir de uma etnografia realizada entre agosto de 1995 e janeiro de 1997. A autora,
através de histórias de vida, observação participante e pesquisa em arquivos, vai
mapeando redes de relações, sistemas de troca e reciprocidade, culminando por
contribuir significativamente para uma antropologia urbana. O estudo dos Silveira,
pai Fernando -, e filha Marta -, deputado e vereadora, respectivamente, é uma
importante fonte de dados que nos permite compreender melhor um dos vieses da
prática cotidiana dos dois políticos pesquisados.
É em tudo relevante, todavia, notadamente para que não se tenha tal
concepção de acesso como de uso generalizado dos políticos, que sejam trazidas
as palavras da própria pesquisadora ao caracterizar os sujeitos de sua investigação:
74
O universo dos Silveira é pautado por valores e regras que diferem
daqueles normalmente associados às práticas políticas ‘corretas’ ou
‘democráticas’. Entretanto, sua existência e vigor confirmam a metrópole
como um lugar especial, onde convivem diversas tradições culturais e
visões de mundo (KUSCHNIR, 2000, p. 10).
Através da análise dos relatos de Marta sobre a atuação de seu pai,
realizada por Kuschnir, o “deputado ideal” é aquele que tem seu poder reconhecido
tanto pelos órgãos públicos quanto pelas demais pessoas da sociedade. Sua
posição é a de um mediador que tem por obrigação dar, receber e retribuir acessos
– materializados na forma de bens, votos e serviços públicos.
Ao afirmar que “a política é um meio facilitador de acessos que não têm
preço”, Marta, a vereadora que mobilizou a atenção de Kuschnir, vai subsidiando a
pesquisadora na urdidura do texto, cujo tema, haja vista a sua relevância, mereceu
ser tratado, na obra, no capítulo denominado Política: acessos que não têm preço.
Assim, é explicado que os acessos não podem ser comprados, precisam, sim, ser
conquistados por meio de um mandato e das alianças que dele decorrem. O maior
benefício que um político obtém ao eleger-se não é o dinheiro, mas a posição de
intermediário ou de facilitador, de alguém que detém os acessos. Uma vez de posse
de um mandato, o parlamentar pode ampliar consideravelmente os seus acessos
oferecendo cargos públicos aos seus aliados. Dessa forma, distribuindo
estrategicamente as pessoas contratadas, são garantidos acessos nos mais
variados setores, blicos e privados, nos mais diversos patamares hierárquicos.
Obras, audiências, visitas e convites dão dimensão concreta à noção de acesso.
A posse de um mandato é condição fundamental para se ter
acesso aos recursos públicos, sejam ele cargos, bens, obras, benefícios
legais, burocráticos ou simbólicos. Sem um mandato, o político pode até
‘orientar’, mas ‘não tem acesso’ [...]. reside a grande diferença entre ser
um mero assessor ou um parlamentar eleito [...]. Antes [do mandato] eu não
tinha o conhecimento e o acesso [...] O trabalho comunitário é muito ligado à
prefeitura e a gente tinha dificuldade de encontrar caminhos na prefeitura.
Então hoje eu faço isso direto, não uso intermediário. Hoje eu abro esse
espaço (KUSCHNIR, 2000, p. 88).
Os Silveira classificam toda a administração pública em termos das
possibilidades de acesso. Para usufruir os benefícios desses acessos, é preciso
cultivar alianças, em vários níveis. Por sua vez, o sistema de alianças não é simples,
tampouco linear, elucida a antropóloga. Abalos nas alianças geralmente implicam
75
enfraquecimento do acesso. No rastro dessas reflexões, Kuschnir acrescenta, à
página 98 de seu livro, que “o trabalho legislativo é uma das contrapartidas
importantes para a criação e manutenção dos acessos junto ao Poder Executivo”.
Mais adiante, ao descrever a política como sendo um meio para os acessos, ela
registra o entendimento da vereadora quanto à sua obrigação de atender às
solicitações que lhe são feitas: “Assim, as pessoas que ‘ajudam’ o vereador a se
eleger precisam e esperam ser recompensadas com esses acessos (empregos e
vagas de escola, nesse caso)”.
De outra parte, cabe trazer a distinção que a autora detectou em se estudo
entre as noções de aliança e acesso, ao ouvir sua entrevistada. Para Marta, “os
acessos são as alianças que efetivamente resultam em atendimento. se
consegue acessos através de relações com pessoas, e não com o poder público,
aparentemente impessoal e distante”.
Os acessos mais valiosos resultam das amizades, as quais, muitas vezes
são promovidas e cultivadas por pequenos agrados, por meio do convívio social, da
troca de homenagens e honrarias, registra Kuschnir. Uma rede social extensa e
complexa, da qual fazem parte funcionários públicos, empresários, profissionais
liberais, diretores de escolas, parlamentares, ex-assessores, parentes, amigos, que
têm no acesso a palavra-chave, continua a estudiosa, garante o êxito do trabalho de
atendimento e das campanhas eleitorais.
O acesso, ainda, no dizer de Kuschnir, define as noções de política - onde
se tem acessos; de poder público - de acordo com os níveis de acesso; de
identidade do político - visto como aquele que tem bons acessos”. Finalmente,
ainda que o se encerrem de todo, neste ponto, as abordagens da jornalista e
antropóloga sobre a temática, os entendimentos dos sujeitos pesquisados sobre o
assunto são assim caracterizados:
A conquista dos acessos, ou a entrada para a política, é resultado
da colaboração dos membros da rede em uma série de trocas. Votos,
cargos, indicações, pedidos de promoção, interferência em processos
burocráticos e legais, encaminhamento de pedidos são os principais
recursos de que os Silveira dispõem para trocar com os membros de sua
rede. Em contrapartida, recebem financiamentos, bens materiais e ajuda em
76
forma de trabalho na campanha. Esta é a base que constitui o sistema de
dar, receber e retribuir acessos (KUSCHNIR, 2000, p. 105).
Imprescindível se faz consignar a relação acesso/líderes comunitários e
acesso/associações de moradores na investigação de Kuschnir. Na área de atuação
dos Silveira, alguns indivíduos se destacam dos demais, estabelecendo relações
privilegiadas com Marta, Fernando e seus assessores. Esses líderes comunitários se
sobressaem em razão de seu comportamento, considerado exemplar, dada sua
atuação espontânea, desinteressada, conferindo-lhes uma significativa capacidade
de mobilizar pessoas. Ao contrário disso, as associações de moradores são evitadas
justamente por sua autonomia. “Historicamente”, leciona a pesquisadora, “essas
organizações têm tido um papel destacado na história dos chamados ‘movimentos
sociais’. Sua criação e fortalecimento o apontados como sinais de
amadurecimento nos processos de negociação entre cidadãos e poder público”.
A participação nos trabalhos de uma associação de moradores, o exercício
de sua presidência, não raro constituem a etapa inicial de uma carreira no serviço
público, no Legislativo ou no Executivo. E Kuschnir externa, adiante:
É comum encontrar ex-presidentes de associações de moradores
como assessores políticos, funcionários de diversos níveis da administração
estadual ou municipal e, até mesmo, parlamentares. Na maior parte dos
casos, a ascensão se durante o exercício da presidência, quando são
feitos os contatos com políticos, secretários e funcionários públicos em geral
(KUSCHNIR, 2000, p. 114-15).
Tal como as associações de moradores, também as favelas têm forte
ligação política com o mundo dos movimentos sociais organizados e dos partidos de
esquerda, para os quais a existência de uma associação dessa natureza naqueles
espaços revela indício de politização das classes menos favorecidas, o que é
bastante valorizado. A autora exemplifica a sua assertiva, comentando que muitos
vereadores de alguns partidos políticos
são ex-presidentes de associações e têm como assessores
presidentes e ex-dirigentes até de confederações regionais ou nacionais. Há
vereadores do partido que promovem trabalhos comunitários se os
moradores estiverem ‘organizados’ em associações ou comitês
(KUSCHNIR, 2000, p. 115).
77
Esse tipo de acesso, ao contrário daquele que gera vínculo de dependência,
de dívida, de patronagem, de subserviência a ser cobrada, lembrada uma ou
infinitas vezes, concorre para a conquista da autonomia, para o exercício do direito,
da cidadania, para o reconhecimento livre de qualquer forma de retribuição.
4.6 REPRESENTAÇÃO
Inspirados por Silva (2000), toma-se o termo representação enquanto
conceito central em campos como a Filosofia e a Psicologia
Social, nos quais tem conotações bastante diferentes. Na análise cultural
mais recente, refere-se às formas textuais e visuais através das quais se
descrevem os diferentes grupos culturais e suas características. No
contexto dos Estudos Culturais, a análise da representação concentra-se
em sua expressão material como ‘significante’: um texto, uma pintura, um
filme, uma fotografia. Pesquisam-se aqui, sobretudo, as conexões entre
identidade cultural e representação, com base no pressuposto de que não
existe identidade fora da representação (SILVA, 2000, p. 97).
Ao discorrer sobre identidade e diferença, o mesmo autor (2000, p. 17)
informa que a representação inclui as práticas de significação e os sistemas
simbólicos por meio dos quais os significados o produzidos, posicionando-nos
enquanto sujeitos. E ensina ele que é por meio dos significados produzidos pelas
representações que damos sentido a nossa experiência e àquilo que somos.
Podemos, inclusive, afirma Silva, sugerir que esses sistemas simbólicos tornam
possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar. A representação,
assim, é compreendida como um processo cultural, estabelece identidades
individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem
possíveis respostas a questões tais como: Quem sou eu? O que eu poderia ser?
Quem eu quero ser? E diz mais o autor mencionado: “os discursos e os sistemas de
representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se
posicionar e a partir dos quais podem falar”.
Para Hall (1997) apud Wortmann (2002, p. 81), “a representação é a
produção de significados através da linguagem”. Como o “significado e a
representação são expostos radicalmente à história e à mudança, as representações
estão constantemente expostas ao jogo do ‘desligamento do significado’, do qual
decorre a produção de novos significados e interpretações”. Adiante, no mesmo
texto, a autora declara que as representações “atuam na constituição das
78
identidades dos sujeitos e dos grupos sociais, estando, então, identidade e
representação intimamente vinculadas, pois a ‘identidade é ativamente produzida na
e por meio da representação’”.
Ao mencionar que “a representação atua simbolicamente para classificar o
mundo e nossas relações no seu interior”, afirmação de Hall (1997), Woodward
(2002, p. 8) ratifica a importância da representação. Prosseguindo em suas reflexões
acerca do tema, a autora assevera que a representação “inclui práticas de
significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são
produzidos, posicionando-nos como sujeito”.
que se trazer à cena inferências feitas por Silva (1995, p. 198) acerca do
assunto: “A questão da representação ocupa um lugar central na política de
identidade. Identidades sociais e regimes de representação estão ligados através de
um nexo íntimo e inseparável”. E diz mais, o autor: “embora a política da identidade
não possa ser reduzida às formas de representação, essas constituem um elemento
crucial de sua dinâmica”. A seguir, ele enfatiza a linguagem, o discurso como meio
de expressar a representação. E acresce: “É nesse caráter constituidor, formativo,
que a linguagem e, portanto, o discurso e a representação se vinculam com o
poder.” A representação é, portanto, um processo de produção de significados
sociais que se concretiza com a concorrência dos diversos discursos.’’ Os
significados, por sua vez, portam a marca do poder que os produziu e, “organizados
em sistemas de representação, em sistemas de categorização, atuam para tornar o
mundo social conhecível, pensável e, portanto, administrável, governável.” Eis
porque representação, enquanto uma forma de saber, e poder “estão estreitamente
vinculados.”
É indispensável registrar, igualmente, que, como processo de produção de
significados, “a representação opera por meio do estabelecimento de diferenças”, diz
Silva. E é pela construção de diferença que nos tornamos s, e eles se tornam
eles. E arremata: “As ‘diferenças’ não existem fora de um sistema de representação,
e esse sistema o existe fora de um sistema de poder”. Por fim, “a diferença é
dependente da representação e do poder”, complementa Silva (1995, p. 200).
79
4.7 RELATIVISMO
Também à luz dentese formulada por Silva (2000, p. 97), é de todo
oportuno referir o conceito de relativismo no contexto da análise cultural: reporta-se
à perspectiva antropológica segundo a qual não existe nenhum critério absoluto pelo
qual se possa efetuar uma hierarquização dos diferentes grupos culturais. No
contexto da polêmica entre modernismo e pós-modernismo, volta-se à concepção
supostamente pós-moderna –, assevera o autor, segundo a qual o existem
normas ou critérios absolutos ou universais que possam servir de referência para se
decidir entre ações sociais alternativas. E arremata explicitando: “Embora seja
comum opor-se ‘relativismo’ a ‘universalismo’, seria mais correto opô-lo a
‘absolutismo’: o contrário de ‘relativo’ não é ‘universal’, mas ‘absoluto’”.
Embora contrariando uma visão de ciência dividida entre naturais e sociais,
haja vista que as ditas naturais também, às vezes, são “construídas” e a
interpretação de seus fatos também é variável, no mínimo historicamente, Damatta
(2000, p. 17-27), ao comparar ciência natural com ciências sociais, diferencia-as,
entre outras descrições, em razão de a primeira cuidar de fatos simples, de
fenômenos recorrentes, sincrônicos, que se repetem e têm uma constância
sistêmica, que podem ser vistos, isolados e, assim, reproduzidos dentro de
condições razoáveis num laboratório, enfim, sendo passíveis de testes.
Contrastando com isso, as chamadas ciências sociais estudam fenômenos
complexos, situados em planos de causalidade e determinação complicados. E diz
mais: “Nos eventos que constituem a matéria-prima do antropólogo, do sociólogo, do
historiador, do cientista político, do economista, do psicólogo, não é cil isolar
causas e motivações exclusivas”.
Os eventos a serem analisados nas ciências sociais podem ocorrer em
ambientes diferenciados tendo, por causa disso, a possibilidade de mudar seu
significado de acordo com o sujeito, as relações existentes num dado momento e,
ainda, com a sua posição numa cadeia de eventos anteriores e posteriores, além de
serem irreproduzíveis em condições controladas. Em vista disso, os fatos sociais,
quando analisados, quase sempre fazem parte de um passado, quer seja recente
ou não. Assim, para estudarem-se tais fenômenos, pode-se “reconstruir” tais
realidades (ou pedaços de realidades), mas “jamais clamar que nossa reconstrução
80
é a ‘verdadeira’, que foi capaz de incluir todos os fatos e que compreendemos
perfeitamente bem todo o processo em questão”.
que se reconhecer, sob a abordagem acima mencionada, que, entre o
acontecimento e nós, existem zonas conhecidas e áreas profundas, insondáveis.
Sendo assim, continua o antropólogo, nossas reconstruções são sempre parciais,
dependendo de documentos, observações, sensibilidade e perspectivas. Além de
não podermos reproduzir inteiramente tais eventos, ainda “temos de enfrentar a
nossa própria posição, história biográfica, educação, interesses e preconceitos. O
problema o é o de somente reproduzir e observar o fenômeno, mas
substancialmente o de como observá-lo”.
Avançando em suas explicações, Damatta adiciona um informe sobre o
modo característico de proceder à comparação em Antropologia Social e, por meio
dela, descobrir, relativizar e pôr em relação o nosso sistema ou parte dele -, pelo
estudo e contato com um sistema diferente, que tem uma posição intermediária,
visto que, ao mesmo tempo que individualiza, também permite a apropriação e a
expressão do coletivo. E desenvolve seu raciocínio, buscando situar a Antropologia
Social no centro epistemológico de todo um movimento relativizador que ele reputa
como fundamental nos últimos tempos. Sua proposição diz que quando
apresentamos a nossa teoria sobre um ”objeto”, nós não estamos nos abrindo
para uma relativização dos nossos parâmetros epistemológicos, como também
estamos fazendo nascer um plano de debate inovador: aquele formado por um
diálogo entre as interpretações intrínsecas a cada informação e as nossas
interpretações sobre cada informação.
Em abordagem advinda de um outro “olhar” sobre o que dizemos acerca das
coisas, Veiga-Neto (2002, p. 31-2) afirma: “Em suma, o que importa o é saber se
existe ou não uma realidade, mas, sim, saber como se pensa essa realidade”, [...] “o
que interessa é o sentido que damos ao mundo”, e que tal sentido “só pode ser dado
através de enunciados”, e lembra, oportunamente, que a virada lingüística instigou-
nos a constituirmos um novo entendimento sobre o papel da linguagem,
especialmente, reconhecendo que o temos sobre os discursos “o controle que
pensávamos ter”.
81
Avançando nas suas reflexões, Veiga-Neto vale-se de Foucault,
mencionando que “para ele, no nosso entendimento sobre o mundo, o enunciado
tem primazia sobre a imagem”, e acrescenta:
De tudo isso deriva a idéia segundo a qual todos os entendimentos
sobre o mundo (e, de novo, mundo principalmente social) se dão em
combinações flutuantes entre olhares e enunciados, entre visão e palavra,
entre formações não-discursivas e formações discursivas. Não um porto
seguro, onde possamos ancorar nossa perspectiva de análise, para, a partir
dali, conhecer a realidade (VEIGA-NETO, 2002, p. 33-4).
Prosseguindo em tal reflexão, Veiga-Neto registra que “para o pensamento
pós-moderno não uma perspectiva privilegiada a partir da qual possamos ver e
entender melhor a realidade social, cultural, econômica, educacional etc.Portanto,
perde o sentido falar-se em ideologia como falsa consciência, em princípios
universais, válidos para sempre. Mas isso não significa, esclarece o autor, que
passemos a viver num mundo sem princípios. Ao contrário, para o pós-moderno, o
que interessa é problematizarem-se todas as certezas, as declarações de princípios;
que questionemos, revisemos e critiquemos permanentemente tudo que pensamos e
fazemos.
que se trazer à tela, ainda que sucintamente, duas idéias mencionadas
por Veiga-Neto, acerca da verdade. A primeira, dado o caráter pragmático do
pensamento pós-moderno, conta de que ele não busca a(s) verdade(s) sobre o
mundo, mas insights, que possam ser úteis ao entendimento do mundo. A segunda,
aborda o relativismo do pensamento pós-moderno. Em não sendo essencialista, o
pensamento pós-moderno “vê o mundo como um jogo de relações entre as coisas e
entre as categorias”. O que se salienta, como novo e diferente entre o pensamento
iluminista e o pós-moderno, ambos relacionais, é que este abandona a “esperança
de haver um lugar privilegiado a partir do qual se possa olhar e compreender
definitivamente as relações que circulam no mundo”. Saindo da redução de um
relativismo epistemológico, do ponto de vista das perspectivas iluministas, Veiga-
Neto aporta de Popkewitz (1991), a expressão
Epistemologia social, trazendo para o conceito elementos que até
então lhe eram estranhos tais como o poder e o interesse. A epistemologia
social não tem a dureza da tradicional racionalidade iluminista; ela é
82
necessariamente provisória e humilde em suas pretensões (VEIGA-NETO,
2002, p. 35).
Em tal altura, o pesquisador cita duas questões importantes para os que se
envolvem com a pesquisa e a prática educacionais: inicialmente, a total
impossibilidade do distanciamento e da assepsia metodológica que se quando
lançamos olhares sobre o mundo, visto que “somos irremediavelmente parte daquilo
que analisamos e que, tantas vezes, queremos modificar”; e, em segundo lugar, o
fato de que, ao não se eleger uma categoria à qual outras sempre se subordinem,
“esse alegado relativismo” culmina por abrir espaço “para que se compreendam os
infinitos recortes e combinações que compõem o mundo”.
É imprescindível frisar que “o alegado relativismo epistemológico não pode
ser confundido com um relativismo ético”, emenda Veiga-Neto (2002, p. 36-7),
resumindo: “mesmo não tendo como fazer uma fundamentação estrita dos valores
morais isto é, nos moldes tradicionais -, podemos assumi-los e por eles pautar
nossas ações”. Enfim, retoca o estudioso, “a epistemologia social deixa espaço para
uma ética de circunstância e, a mesmo, para uma ética transcendental”, a ser
exercitada, como um desafio, quer sejamos investigadores, investigadoras ou
militantes pedagógicos.
83
5 METODOLOGIA
Tão logo definiu-se a temática do presente trabalho, a opção pela pesquisa
qualitativa impôs-se quase como uma decorrência lógica, entre as alternativas que
se tinha para melhor enfrentar seu objeto. Em razão do tipo de proposição o
estudo do discurso de professores que se tornam deputados, sob os auspícios dos
desafios que se projetam a partir da Linha de Pesquisa Trabalho, identidade e
formação docente, escolheu-se a entrevista semi-estruturada, realizada com o
auxílio de um roteiro, contendo uma série de perguntas-referência planejadas para
dar conta dos fins e objetivos da investigação. Essa modalidade de trabalho, informa
Gaskell (2003, p. 78), permite que se explore com certa profundidade o mundo da
vida do entrevistado; aproxima o entrevistador da experiência individual de cada
respondente; viabiliza a realização da atividade junto a pessoas difíceis de recrutar.
O roteiro, depois de várias triagens, restou constituído de vinte e sete
perguntas, por meio das quais ensejava-se garantir a obtenção de informações que
dessem conta das finalidades e objetivos da pesquisa. Ora constituído de questões,
ora de tópicos frasais criados para provocar respostas em parágrafos, foi traçado
com a intenção de proporcionar gradação e lógica na abordagem dos temas em
foco. Cuidou-se para que a linguagem utilizada fosse clara, simples. Deveria servir
como um referencial, guardada certa flexibilidade para adaptações que se fizessem
necessárias frente a alguma circunstância peculiar que se instalasse, desde que,
posteriormente registradas. Para tanto, buscou-se fundamentação combinando uma
leitura crítica de literatura apropriada, reconhecimento de campo e trocas nas
sessões de orientação.
Todavia, pretendia-se mais. Não se dominavam os aspectos cnicos, mas
intuía-se que, por meio deles, poder-se-ia ir um pouco além e encontrou-se em
Silveira (2002, p. 119-41) um estudo que deu guarida ao que se vislumbrava.
Apoiando-se na concepção constitutiva da linguagem, “pela qual ela não é mais vista
como ‘espelho’ variavelmente translúcido de uma verdade anterior, mas como
constituidora de verdades, como atravessada por vozes anteriores”, a autora sugere
o questionamento de nossas crenças sobre o que ela chama de “função partejadora”
das entrevistas na pesquisa da área de Educação. É nesse intuito que, pouco
adiante, ela revela o propósito de
84
levar o leitor/a a olhar as entrevistas como eventos discursivos
complexos, forjados não pela dupla entrevistador/entrevistado, mas
também pelas imagens, representações, expectativas que circulam – de
parte a parte – no momento e situação de realização das mesmas e,
posteriormente, de sua escuta e análise (SILVEIRA, 2002, p. 120).
Os respondentes são cinco dos cinqüenta e cinco deputados eleitos para
exercerem seus respectivos mandatos num legislativo estadual no período de 2003
a 2006.
Dentre inúmeras questões metodológicas levantadas, a que exigia resposta
imediata dizia respeito ao número de deputados que tinham sido professores.
Buscaram-se dados no site da instituição, que disponibiliza os currículos de
todos os seus atuais parlamentares. Em princípio, os registros apontam doze
deputados estaduais isto é, 21,82% dos então integrantes da legislatura em curso
naquele período - que, em algum momento de suas existências, exerceram a
docência em alguma modalidade de ensino, em instituição pública ou particular, para
alunos das mais diversas faixas etárias.
Além das muitas tarefas que executam, desde os trabalhos no plenário, os
parlamentares integram diversas comissões temáticas, dentre elas a que se volta à
Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, cuja principal função é levar a
efeito a apreciação de assuntos referentes à educação, cultura, patrimônio histórico,
desenvolvimento artístico, científico e tecnológico. Enquanto comissão permanente,
ela tem caráter técnico legislativo ou especializado e, além de avaliar as proposições
submetidas a seu exame, é sua prerrogativa fiscalizá-las, emitindo parecer sobre a
sua forma, como disposto no Regimento Interno da Casa. Como as demais
comissões permanentes, ela exerce a fiscalização dos atos do poder público
estadual, no âmbito dos respectivos campos de atuação. No ano de 2004, constitui-
se de doze deputados, nove homens e três mulheres, além de nove suplentes.
Desse total, onze exerceram o magistério no decorrer de suas trajetórias
profissionais.
A delimitação de cinco sujeitos a serem entrevistados decorreu de vários
aspectos: o mero de parlamentares que foram professores/professoras
85
considerando-se o universo total dos que atuam no Legislativo Estadual; o mero
de deputados e deputadas que exerceram o magistério e integram a Comissão que
trata dos assuntos da Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia; a exígua
disponibilidade de tempo dos selecionados, dada a natureza das suas atribuições e
compromissos; a constatação advinda de várias experiências de que, ao
procederem-se inúmeras entrevistas, com pessoas de um meio social específico, os
primeiros registros trazem surpresas, todavia, pouco a pouco, temas comuns,
determinadas percepções passam a ser recorrentes, chegando algumas vezes à
saturação, evidenciando um sinal de que é tempo de o pesquisador parar.
Não bastassem todos os aspectos apontados, talvez devesse ser
considerada anterior a qualquer um deles, a questão da extensão do corpus a ser
analisado. Vale sobre este aspecto trazer o alerta de Gaskell (2003, p. 71):
A transcrição de uma entrevista pode ter até quinze páginas; com
vinte entrevistas haverá, então umas trezentas páginas no corpus. A fim de
analisar um corpus de textos extraídos das entrevistas e ir além da seleção
superficial de um número de citações ilustrativas, é essencial quase que
viver e sonhar com as entrevistas ser capaz de relembrar cada ambiente
entrevistado, e os temas-chave de cada entrevista. Há uma perda de
informação no relatório escrito, e o entrevistador deve ser capaz de trazer à
memória o tom emocional do entrevistado e lembrar por que eles fizeram
uma pergunta específica. Falas ou comentários que numa primeira escuta
pareciam sem sentido podem, repentinamente, entrar em cena à medida
que as contribuições de diferentes entrevistados são comparadas e
contrastadas.
Além disso, de vez que uma das finalidades efetivas da pesquisa qualitativa,
como afirmam os autores recém-citados “não é contar opiniões, mas ao contrário,
explorar o espectro das opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em
questão”, e, especialmente porque as perguntas relacionadas no guia foram feitas
tal como se fossem, uma a uma, convites para o entrevistado falar longamente,
entendo que os dados coletados, ainda que longe de esgotarem as possibilidades
de reflexão acerca do assunto estudado, dão conta de oferecer no âmbito desta
investigação, um significativo corpus de textos para ser analisado.
Mister se faz enfatizar, igualmente, que, ao se adotar a entrevista em
profundidade ou também chamada compreensiva, a intenção o é produzirem-se
dados quantitativos. Nesse sentido, reforça Zago (2003, p. 297), as entrevistas não
86
precisam ser numerosas. Em última análise, as respostas sobre a delimitação do
número de entrevistas dependem da orientação teórico-metodológica que sustenta e
sentido aos procedimentos adotados no trabalho investigativo. Se se considerar,
então, que cada todo corresponde a um modo de pensar e produzir que lhe deve
ser próprio, continua alertando Zago, deve-se entrar na lógica do todo qualitativo,
não pretendendo, portanto, a aplicação dos mesmos procedimentos das
interpretações estatísticas, visto que a entrevista se inscreve num outro modelo de
construção do objeto.
No que tange à formulação de questões abertas, que se destacar que
uma das características da entrevista é procurar assegurar a obtenção de
informações em maior profundidade do que seria garantido por um instrumento
constituído de questões fechadas.
É importante assinalar-se, também, que a entrevista apóia-se em outros
recursos que têm a função de complementar as informações e ampliar os ângulos de
apreensão e produção de dados. Nesse sentido, cabe salientar a relação
inseparável, como ensina Zago, entre entrevista e observação. Em razão disso, esta
etapa implicava uma série de preparativos, desde a confecção de cartas de
apresentação, assinadas pela Coordenação do Curso, à mobilização de superiores,
colegas, assessores de gabinetes, além das deputadas e deputados a serem
entrevistados.
A primeira providência foi partilhar a dificuldade com as chefias da Casa, a
fim de verificar-se a possibilidade de obtenção de licença para entrevistar os cinco
parlamentares selecionados. Ambos os Superintendentes foram extremamente
compreensivos, acolhedores à iniciativa; não permitiram que se procedesse às
entrevistas, como apresentaram sugestões para facilitar a execução do intento.
A natureza das atividades dos respondentes parlamentares estaduais, no
exercício de suas atribuições -, impõe-lhes uma agenda extremamente concorrida.
Por isso, a concretização das entrevistas, ainda que prevista com bastante
antecedência, culminou por ocorrer no segundo semestre de 2004, coincidindo com
a campanha para o pleito municipal que se realizou no país. Em razão disso, entre
87
as tratativas para a realização das conversações, a partir de setembro, e a
concretização propriamente dita da coleta de dados, passaram-se mais de dois
meses, efetivando-se a primeira somente em dezembro.
Além da carta de apresentação oriunda da Universidade, elaborou-se outra
correspondência, que foi entregue inicialmente na Comissão integrada pelos futuros
entrevistados, dirigida ao seu Presidente, por meio da qual procurou-se
contextualizar a pesquisa, falar de sua importância e da necessidade de se poder
contar com a colaboração de alguns de seus integrantes, além de se solicitar
informações à cerca daquele órgão técnico, tais como seu histórico, sua
composição, atribuições e realizações. Registrou-se o ensejo de contar-se com a
participação de quatro a seis respondentes, dentre eles das duas deputadas cujos
currículos registram experiência de docência, a fim de garantir-se a presença
feminina no corpus da pesquisa. Julgou-se de bom alvitre anexar cópia do guia de
questões a serem propostas aos entrevistados, para que pudessem tomar
conhecimento da natureza das informações que se pretendia colher, concorrendo,
assim, para a compreensão do objetivo do trabalho, o estabelecimento de confiança
na pessoa que o efetuaria e a fundamental cooperação dos respondentes.
A partir daí, tratou-se do estabelecimento do contato com a assessoria de
cada parlamentar, no intuito de agendar a realização das entrevistas, frente à
premência do tempo e às dificuldades encontradas no seguimento dos trâmites de
rotina.
5.1 AS ENTREVISTAS NA PESQUISA QUALITATIVA
Alguns fundamentos teóricos justificam a escolha do método em pauta na
realização deste trabalho. Para Gaskell (2002, p. 73), “toda pesquisa com entrevistas
é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as
palavras são o meio principal de troca”. Além disso, este não é um processo de mão
única, em que o entrevistado simplesmente passa algo para o entrevistador. Ele
enseja, isto sim, troca de idéias e de significados, em que várias realidades e
percepções são exploradas e desenvolvidas de maneiras diferentes pelos dois
sujeitos em torno de um mesmo objeto, formando uma tríade dialógica, que se
ocupa da elaboração de um sentido cambiante, uma vez que suscetível à influência
88
do outro. Assim sendo, a entrevista é uma tarefa comum, uma partilha, uma
negociação de discursos. Por outro lado, como bem expressa Zago (2003, p. 294),
ainda que represente um excelente instrumento de coleta de dados, dela não se
podem esperar receitas que possam ser transpostas diretamente para todas as
situações.
No seguimento da partilha de suas experiências, a autora lembra, ainda,
que, apesar dos reiterados cuidados ratificados nos livros de metodologia, convém
não ignorar que considerável parte da produção da entrevista e do aprendizado que
adquirimos sobre sua condução se dá no processo concreto da investigação.
Cumpre lembrar, igualmente, no rastro dos ensinamentos de Zago, que a
opção pelo tipo de entrevista, como igualmente é o caso de outros instrumentos de
coleta de dados, não é neutra. Justifica-se, como se disse antes, pela
necessidade decorrente da problemática do estudo, pois é esta que nos leva a fazer
determinadas interrogações e a buscar as estratégias apropriadas para respondê-
las. É assim que são definidos a natureza da entrevista e o modo como será levada
a efeito para melhor responder às preocupações que se impõem.
Em decorrência do exposto, o pesquisador termina por se apropriar da
entrevista, como mais uma vez subsidia Zago, “não como uma técnica que transpõe
mecanicamente para uma situação de coleta de dados, mas como parte integrante
da construção sociológica do objeto de estudo”.
Outra reflexão que se instaura diz respeito ao reconhecimento de que a
construção da questão estudada sofre um processo de amadurecimento, à medida
que se problematizam a busca de informações e a forma de se interpretarem os
respectivos resultados. Indispensável reproduzir, aqui, a citação que Zago faz no
mesmo trabalho, da observação de Bourdieu (1989, p. 27) sobre a
[...] demanda de um trabalho de grande fôlego, que se realiza
pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções,
de emendas, sugeridos pelo que se chama o ofício, quer dizer, esse
conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo
minúsculas e decisivas (BOURDIEU, 1989, p. 27 apud ZAGO, 2003, p. 295).
89
Outra característica importante da entrevista compreensiva, adjetivo que
Zago toma emprestado para registrar o sentido weberiano do termo, enquanto
instrumento de pesquisa qualitativa, “é permitir a construção da problemática de
estudo durante o seu desenvolvimento e nas suas diferentes etapas”. Em função
disso, este tipo de entrevista não tem uma estrutura rígida, de tal sorte que as
questões previamente definidas podem sofrer alterações, de acordo com o
direcionamento que se vai querendo dar à investigação. Neste aspecto, a entrevista
compreensiva difere do modo mais clássico de se usar inflexivelmente tal técnica de
coleta de dados. Assim, ao invés de se partir da definição da problemática na fase
inicial, da confecção e utilização de instrumentos padronizados, totalmente definidos
na fase que antecede à coleta de dados e voltados para o teste e comprovação de
hipóteses, de estabelecer-se a amostragem tendendo para a representatividade,
com questões estabilizadas, de um posicionamento impessoal do investigador, o
qual, centrado no rigor do método, faz seu trabalho com pouca margem de variação
de uma entrevista a outra, na pesquisa compreensiva, revela Zago, “o pesquisador
se engaja formalmente; o objetivo da investigação é a compreensão do social e, de
acordo com este, o que lhe interessa é a riqueza do material que descobre”.
Tais peculiaridades que dão margem de liberdade para o investigador,
porém, o devem, de modo algum, na concepção de Bauer e Gaskell ( 2002, p.
26), afastá-lo do interesse de produzir um esforço contínuo, de sorte que se construa
a objetivação pretendida. Nesse sentido, alerta Silveira (2002, p. 124), contribuindo
com o que colhera no estudo realizado por Alasuutari em 1995, opõem-se duas
perspectivas trabalhadas nas ciências humanas a fatista “que estabelece
claramente uma divisão entre mundo/realidade externa, por um lado, e, por outro, as
afirmações que se possam fazer sobre ambos” e a da interação. À luz da primeira
perspectiva, explica a pesquisadora, habitualmente, a realização e a interpretação
da entrevista, enquanto todo de “coleta de dados”, seriam tomadas como um dos
meios de se gerar informações sobre o objeto de estudo. Nesse sentido, a situação
de interação, vista como inseparável da própria entrevista, ‘é definida como fonte
potencial de erro’. Assim, “veracidade, honestidade do informante, engano,
testemunho, informatividade... o questões tradicionalmente implicadas nessa
perspectiva”, conclui ela.
90
De outra parte, no que tange à perspectiva da interação, conforme Silveira,
Alasuutari concebe a função da entrevista de outra maneira: “[...] ao invés de nos
concentrarmos na fala do respondente como fonte de informação de ‘dados’,
tomamos toda a situação de interação como objeto de análise”. E nesse sentido, a
perspectiva da interação, ainda segundo o autor citado, “vai um ou dois passos
além, perguntando como entrevistador e entrevistado coproduzem a ‘entrevista em
profundidade’: como sua interpretação e sua adaptação ao contexto particular é
visível nas estruturas de interações ou nos conceitos que eles usam”. “É assim,” diz
Silveira, “que Alasuutari, de certa forma, provoca a todos aqueles que, como nós,
fomos forjados sob a ótica iluminista da verdade e da busca de objetividade.” É
fundamental remarcar, pois, que da perspectiva da interação, continuando-se a
leitura de fragmentos do texto do autor finlandês trazidos por Silveira, o se pensa
que existam afirmações ou posições de sujeito “imparciais”, “existe apenas uma fala
situada que alguém pode usar como dado, quando se tenta fazer sentido de
fenômenos sociais ou culturais.”
Silveira enriquece ainda mais essa abordagem, ao registrar que o grifo na
citação de Alasuutari fora feito justamente para
sublinhar as coincidências entre a visão bakhtiniana de qualquer
discurso como permeado pelas imagens do interlocutor atual, por sua vez
atravessadas pelas experiências anteriores e situadas de interlocução
(utilizada por Arfuch), e a visão de Alasuutari, que, enfatizando as
dimensões circunstanciais da entrevista, afugenta mais uma vez as
ilusões da objetividade e atemporalidade do discurso (SILVEIRA, 2002, p.
124-5).
A partir dessas ponderações, “recolhidos a nossa condição de sujeitos
culturalmente constituídos, circunstancialmente situados”, como afirma Silveira, seja
como entrevistadores ou como entrevistados, podemos passar à reflexão “sobre
outras questões que o fidedignidade, imparcialidade, exatidão e autenticidade.
Podemos pensar sobre jogos de linguagem, reciprocidade, intimidade, poder e redes
de representações.
5.2 A REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Como foram realizadas, uma a uma, as cinco entrevistas? Com a finalidade
de proteger-se a identidade dos parlamentares que colaboraram na realização da
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pesquisa, tomaram-se emprestados nomes de estrelas para serem seus
pseudônimos. Pesquisou-se sobre o assunto num site da Internet, que apresentava
a lista das cinqüenta estrelas conhecidas mais brilhantes, dispostas em ordem
decrescente. Como as entrevistas foram feitas junto a três homens e duas mulheres,
atribuíram-se, respectivamente, aos parlamentares entrevistados os três primeiros
nomes masculinos da lista; em seguida, os dois primeiros femininos, de sorte que o
primeiro entrevistado passou a chamar-se Sírius; o segundo, Canopus; a terceira,
Vega; a quarta, Capella, e o quinto e último, Arcturus.
No que tange aos partidos aos quais são filiados, seguindo-se na mesma
linha de raciocínio, tomaram-se os nomes das constelações da Via Láctea enquanto
pseudônimos das respectivas agremiações partidárias. Far-se-á uma exceção.
Deputado Sírius e Deputado Canopus, na realidade, pertencem ao mesmo partido.
Como Deputado Sírius foi o primeiro entrevistado, portanto, o primeiro nome
da lista das cinqüenta estrelas mais brilhantes, seguido de Canopus, e sendo aquele
integrante da constelação Cão Maior, ficticiamente, este também faria parte dela
para efeitos desta investigação. Enfim, foi proposta a seguinte nominata para os
entrevistados e seus partidos, com a sigla correspondente:
Deputado Sírius - Partido Cão Maior (PCM)
Deputado Canopus - Partido Cão Maior (PCM)
Deputada Vega - Partido Lira (PL)
Deputada Capella - Partido Auriga (PA)
Deputado Arcturus - Partido Boieiro (PB)
Quem são os entrevistados? Três deputados e duas deputadas que na sua
trajetória foram professores. Um deles está na faixa dos quarenta anos; três, na dos
cinqüenta; e um, na dos sessenta. O que disseram quanto ao ser professor?
Deputado Sírius atuou por vinte e seis anos nas áreas do então 1.° e 2.°
graus, em disciplinas vinculadas às Técnicas Agrícolas e à Informática. Trabalhou
enquanto professor substituto nas três áreas, incluindo o ensino fundamental,
92
lecionando Matemática, inclusive, suprindo carências das escolas que integrou. Hoje
encontra-se licenciado.
Deputado Canopus foi alfabetizador. Ministrou aulas de 1à 4.ª série. Deu
aulas também de Ciências e Matemática de 5.ª à 8.ª rie e para o Ensino Médio,
além de Física para a 8.ª série, num período de cerca de dez anos.
Deputada Vega, licenciada em Filosofia e História, lecionou História no
Ensino Fundamental e Médio, além de Filosofia e Sociologia, ao longo de uns vinte
anos.
Deputada Capella, formada em Arquitetura, não precisou por quanto tempo
ministrou aulas de Desenho Arquitetônico no Ensino Técnico, em nível médio,
formando Técnicos em Edificações. Também está licenciada atualmente.
Deputado Arcturus, por sua vez, foi professor unidocente de Ensino Rural.
No Ensino dio dedicou-se à área dos Estudos Sociais, Filosofia e da
Administração Escolar, perfazendo quarenta e cinco anos de atuação.
Contatei com um assessor do deputado Sírius, explicando-lhe minha
necessidade. Ele foi extremamente acessível e ágil. o logo ouviu a solicitação
feita, nos últimos dias de novembro, obteve o aval do parlamentar e comunicou-me
que o encontro havia sido aprazado para o dia primeiro de dezembro, uma quarta-
feira, no seu gabinete, após a sessão plenária.
chegando, a secretária informou-me que o parlamentar tivera que reunir-
se extraordinariamente com seus assessores, e estaria disponível o-somente dali a
uns vinte ou trinta minutos. Voltei às dezessete horas.
Deputado Sírius recebeu-me acolhedoramente, demonstrando total
disponibilidade para o que se apresentava. Ainda que fosse desnecessário,
esclareceu o imprevisto que culminara por retardar nosso compromisso. Ele,
certamente, estava mais tranqüilo do que eu. Pela primeira vez na minha vida estaria
fazendo uma entrevista. Socorro-me, mais uma vez, das reflexões de Silveira (2002,
93
p. 125-6) para reconhecer e partilhar o misto de sensações de constrangimento, de
um certo poder, de responsabilidade, de compromisso que foram se alastrando em
mim, à medida que marcava um encontro e a sua efetivação. Eis como a
pesquisadora aborda os jogos de poder e controle em situações de entrevista:
Ainda que o ponto de vista foucaultiano tenha influído
poderosamente no entendimento do poder não mais como um atributo fixo,
mas como circulante, variável, capilar, é inegável que a entrevista, tal como
a entendemos na cultura ocidental de algumas décadas, se estabelece
sob o signo do que os analistas da conversa chamam de assimetria a
dupla nomeação entrevistador/entrevistado aponta, em sua morfologia,
para valores semânticos bastante consagrados. O uso do sufixo –or em
entrevistador (indicativo de agente) e do particípio passado entrevistado,
sempre indicando “quem sofre a ação”, para usarmos o velho jargão da
gramática escolar, etiqueta (ainda que não de forma definitiva) os papéis
que a dupla envolvida deveria assumir. Como gênero discursivo, a
entrevista apresenta suas características; pode-se subvertê-las, questioná-
las, ressignificá-las... mas tais regras são a sua referência e, de certa forma,
sua garantia (SILVEIRA, p. 125).
Na seqüência de seu texto, a autora traz a contribuição de Andrade (2001, p.
99), que procurou delimitar, “como regras centrais para o gênero, o estabelecimento
prévio de ‘papéis’: um entrevistador, com o direito (e poder) de perguntar, um
entrevistado, com a obrigação de responder e com o direito de ser ouvido e de
defender sua imagem”. E acrescenta Silveira, o que me pareceu oportuníssimo,
“não se pode pensar que haja encontros angelicais entre dois sujeitos,
absolutamente divorciados de referências de hierarquia, de poder e persuasão,
ainda que as posições de domínio, direção e supremacia sejam objeto constante de
disputa”. Provavelmente, daí o meu constrangimento.
Conhecera um pouco mais Deputado Sírius desde o ano anterior, quando
fizera parte da Mesa, órgão diretivo responsável pela administração da Casa, da
qual sou secretária. A natureza de minha função ali, a periodicidade das reuniões,
uma por semana, salvo raras exceções, o movimento, a rapidez e o cuidado que
devem ser dispensados ao preparo, à realização e às providências que se fazem
necessárias após as inúmeras deliberações que ocorrem nesses encontros,
conjugados à vertiginosa rotina dos parlamentares, não ensejam maior aproximação;
portanto, certamente ele desconhecia esta outra atividade a que me dedico. Assim,
antes de iniciar a entrevista propriamente dita, conversei com ele, informando-lhe do
curso que fazia, do trabalho a que me estava propondo e entreguei-lhe as cartas e o
94
guia de questões. Ele leu cuidadosamente as cartas e passou os olhos pelas
perguntas. Pedi-lhe licença para usar o gravador. Aquiesceu.
No decorrer da entrevista, talvez por ser minha primeira experiência desse
tipo, procurei valer-me do guia de questões, embora fosse me dando conta de que,
em determinados momentos, ao responder a uma dada pergunta, a riqueza da
resposta abrangia o conteúdo de uma ou outra das interrogações seguintes.
Algumas vezes, em razão disso que ia brotando, fui anotando palavras esparsas,
para mais tarde reconhecê-las como “chaves”. Afinal, não pretendia taquigrafar e
não pedira licença para tanto. Talvez pressentisse o problema que enfrentaria mais
tarde, dado o defeito da fita. Mas foram poucas as oportunidades em que me afligi
assim, pois o entusiasmo do Deputado Sírius ao partilhar suas memórias era tal que
me pareceu falta de delicadeza dividir-me entre ouvir, olhar - observando -, e
escrever.
De fala mansa, segura, por vezes emocionada, Deputado Sírius variava a
tonalidade da voz e não foram raras as vezes em que o final do seu pronunciamento
restou quase inaudível. Ao terminarmos, mais à vontade, e certamente movida pela
receptividade que tivera, perguntei-lhe, de improviso, se gostaria de falar sobre algo
que não tivesse sido perguntado. Rindo, ele respondeu que não, mas que gostaria,
isso sim, de ler o trabalho depois de pronto; ficara curioso, pois nunca vira alguém
investigar a temática em tela.
Agradeci-lhe a gentileza de ter-me atendido, o tempo disponibilizado entre
tantos afazeres, a qualidade da atenção com que me distinguira e prometi-lhe uma
cópia da dissertação, tão logo fosse possível socializá-la.
Estava aliviada por ter, finalmente, conseguido realizar a primeira entrevista.
Mais do que isso, experimentei um intenso sentimento de satisfação com o conteúdo
da conversação. É impossível manter neutralidade. Afinal, também nessa linha de
compreensão, Zago (2003, p. 301) sublinhou que “o pesquisador não pode ser
interpretado como se ele não fosse tal pessoa, não pertencesse a tal sexo, etnia e
profissão, ou ainda, como se não ocupasse determinado lugar na sociedade”
.Adiante, a autora sustenta, inclusive, que a interação que se estabelece entre
95
entrevistador e entrevistado decide o desenvolvimento da entrevista e, não raro, a
natureza das informações produzidas. Não foram poucas as passagens em que me
percebi balançando a cabeça, comungando o mesmo sentimento, especialmente
quando foram abordados temas como docência, vocação, o papel do professor junto
aos alunos, questões de gênero, de acesso, de construção e assunção de
cidadania, e até mesmo de habilidades ou valores significativos para serem
desenvolvidos por quem gosta de trabalhar com gente.
O agendamento da entrevista com Deputado Canopus foi feito,
preliminarmente, quase ao acaso. Conhecia-o de vista, de alguns cruzamentos nos
corredores, de rápido cumprimento no plenário, por ocasião do apanhamento da
assinatura do Presidente em documentos a serem expedidos. Encontrei-o nas
imediações da Assembléia, por volta das treze horas. Estava se despedindo de
alguém. Aproximei-me, apresentei-me, mencionei a entrega das cartas na Comissão
de Educação, a necessidade da realização da entrevista. Concordou imediatamente,
demonstrando ter conhecimento do assunto e pediu-me que ligasse confirmando
na véspera da próxima quarta-feira, no horário de almoço. De fato, o colega
secretário da Comissão de Educação, numa das vezes em que o procurei para
saber da possibilidade de realizar meu objetivo, garantiu-me que falara sobre o
assunto com Deputado Canopus, ressaltando que ele era muito acessível, que não
haveria dificuldade de obter sua colaboração.
Como combinado, liguei na véspera. Deputado Canopus lembrou; porém,
adiantou que o poderia ser no horário de almoço, oferecendo a alternativa de me
atender também após a sessão plenária. Terminada a sessão, me dirigi ao gabinete.
chegando, aguardei por uns dez minutos. Alguém anunciou que ele estava
subindo. Reconheceu-me assim que chegou. Atendeu alguém, brevemente, e,
depois, pediu-me que passasse para uma outra sala. Entramos e sentamo-nos à
volta de uma mesa. Chamou-me a atenção a dimensão dos ambientes, revelando
necessidade de constituição de vários pequenos espaços, o mobiliário simples.
Inúmeros pôsteres cobrindo as paredes, divulgando eventos e informações
pertinentes às temáticas de que se ocupa o legislador.
96
Para começar, entreguei ao Deputado Canopus as cartas e o guia de
questões. Leu rapidamente as duas, dobrou-as, guardando-as novamente no
envelope. Deixou o guia de questões sobre a mesa. Perguntei-lhe se me permitiria
gravar a entrevista. Concordou de pronto. Liguei o gravador e iniciei identificando-o e
registrando a data. Indaguei sobre sua idade, respondeu-me. Propus-lhe mais uma
ou duas interrogações e dali em diante, ele passou a falar, falar, falar rapidamente,
parecendo guiar-se pelas questões que deixara a sua frente. Não respondeu a
todas, embora observasse certa seqüência, de sorte a constituir também esta
entrevista um texto rico, apresentando recorrência a algumas temáticas já abordadas
por Deputado Sírius, contribuindo para a hierarquização dos assuntos, visto que
abrira significativamente o leque de abordagens, fazendo correspondência, pelo que
se pôde constatar, às inúmeras problemáticas que lhe são trazidas pela comunidade
e que constituem foco de sua atenção.
A certa altura, talvez um pouco cansado, Deputado Canopus permitiu-se
uma pausa e pude propor-lhe cerca de oito questões, improvisando algumas com a
finalidade de obter as informações que interessavam ao objeto da pesquisa. Nessa
etapa, as interrogações foram respondidas com mais calma. De qualquer modo,
finalizamos a entrevista em menos de trinta minutos. Ao solicitar-lhe que registrasse
alguma coisa que não tivesse sido perguntada e que fosse do seu interesse,
Deputado Canopus aproveitou para fazer algumas recomendações aos professores
que estão se formando e conclamou-os a organizarem-se para exercerem seus
papéis enquanto cidadãos. Atencioso, conferiu bastante importância à entrevista,
ainda que, dispondo de menos tempo, tivesse que administrá-lo dividindo-o com os
demais compromissos previamente agendados no gabinete. Ao terminarmos,
agradeci-lhe a gentileza, acolhendo também o seu pedido de ter acesso ao produto
final do trabalho que estava sendo realizado.
Nesse meio tempo, mantivera contato com as assessorias das Deputadas
Capella e Vega. Por três vezes consegui agendamento para entrevistar Deputada
Capella. Seus assessores sempre marcavam o encontro para ser feito em intervalos
de votações nas sessões plenárias ou após o término das mesmas. Por motivo de
doença, a Deputada precisou licenciar-se.
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Quase concomitantemente, acertei data e horário para entrevista com uma
assessora da Deputada Vega. Mais de uma vez liguei para confirmar o
compromisso, mesmo que tivesse ficado acertado de que seria chamada, quando
fosse oportuno, preocupada com os imprevistos que muitas vezes terminavam
causando adiamentos.
Mas deu tudo certo, e em meados de dezembro, noutra quarta-feira, após o
término da sessão plenária, Deputada Vega, pacientemente, concedeu-me uma
longa entrevista, depois que lhe entreguei, como aos seus colegas anteriores, as
duas cartas e o anexo contendo o guia de questões. À medida que as perguntas
foram sendo feitas, foi ficando mais à vontade e, generosamente, foi partilhando
suas experiências, sem preocupar-se com o tempo, entusiasmando-se,
emocionando-se, até, em alguns momentos, o que contribuiu para enriquecer o
material que dali foi-se constituindo. Terminamos a entrevista além das dezoito
horas.
A entrevista com Deputada Capella resultou de uma grande insistência. Para
dizer a verdade, tive que superar minha própria dificuldade em insistir e insistir para
conseguir esse agendamento. Finalmente o encontro foi marcado para as dezesseis
horas de uma quinta-feira, no gabinete da deputada, no primeiro dia do recesso
parlamentar regimentalmente instituído.
Como de costume, liguei antes para confirmar o encontro e, finalmente,
desta feita, tudo deu certo, ainda que em horário um pouco retardado. Ao chegar no
gabinete, fui recepcionada com simpatia e logo me fizeram passar para a sala da
Deputada. Bastante desenvolta, tão logo deu uma olhada nas cartas e no guia de
questões, demonstrou estar pronta para conversar. À medida que fui propondo-lhe
as questões, foi respondendo sem demonstrar pressa, à vontade, parando um
pouquinho para pensar, às vezes. Chamou-me atenção um comentário que fez ao
término de um dos comentários, “não sei se consegui te responder adequadamente,
mas...” Ao mencionar o estudo de questões relativas à entrevista de história oral,
Silveira (2002, p. 135-6) remete o leitor ao trecho de obra de Leonor Arfuch (2001, p.
8), registrando comentários daquela autora quando buscara “nos sucessivos relatos,
as regularidades, as significações compartilhadas e não a ’verdade’ ou infidelidade
98
dos relatos”, o que a fez acrescentar que os entrevistados, muitas vezes, se
preocupam ou se deixam levar pelo que supõem que se espera deles.
Ao comentar sobre a questão da diferença que se verifica entre o salário de
um professor e o de um deputado, um telefonema interrompeu seu depoimento.
Parou de falar dada a insistência do toque. Ao atender, foi comunicada de uma
possível alteração de agenda: uma audiência marcada para as dezoito horas numa
Secretaria de Estado, juntamente com outras pessoas e com o titular da pasta, havia
sido antecipada. Redarguiu, solicitando que confirmassem a mudança. Logo após,
outro chamado, e tivemos que encerrar por ali, suspendendo a conversação. Ciente
da convocação extraordinária que havia sido anunciada para a terça-feira da
semana seguinte, fez questão de agendar um espaço para concluirmos o trabalho,
tão logo fosse encerrada a sessão plenária. Desculpou-se e levou-me até a porta,
ratificando o compromisso para a próxima semana.
Uma série de fatos político-econômico-sociais eclodiu nos dias que se
seguiram, de tal sorte que na data agendada para reencetarmos e encerrarmos a
entrevista, a Senhora Capella não era mais Deputada Capella. Isso se deu em
virtude de o Deputado Titular, cuja vaga ela ocupara em razão do afastamento
daquele para exercer o cargo de Secretário de Estado, ter-se exonerado e voltado
ao Legislativo diante da decisão de Capella de não acompanhar sua Bancada na
votação de um projeto apresentado pelo Governo Estadual. Uma reviravolta que se
poderia considerar insólita, não tivesse ocorrido no mundo da política, causou uma
drástica ruptura em nosso trabalho. Retomamos a entrevista quando do reinício dos
trabalhos legislativos.
Entrevistar Deputado Arcturus foi uma verdadeira façanha. Exigiu que eu
superasse nãominha própria timidez, como me obrigasse, frente ao risco de ter o
trabalho empobrecido, desistindo de sua participação, a ser mais do que ousada,
obstinada, inoportuna, até.
Registrara minha primeira solicitação para entrevistá-lo e aos demais
membros da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia,
entregando as cartas de apresentação e guia de questões no início de novembro.
99
Entendera que a partir daquela iniciativa os respectivos agendamentos seriam
propostos via Comissão.
Ao verificar que tal estratégia não funcionara, haja vista que o tempo
passava célere e, apesar de insistir na busca de resposta, não estava obtendo
retorno, tratei de providenciar a realização das entrevistas diretamente com as
assessorias dos parlamentares. Chegara a vez de fazer o mesmo em relação a ele.
Fui até seu gabinete, levando outra vez as cartas e anexo. Uma de suas assessoras,
ao lê-las, pediu-me tempo para falar sobre o assunto com o Deputado, embora já me
adiantasse preocupação face aos seus inúmeros compromissos e a concentração de
viagens naquele período em decorrência deles. Estabeleceu uma data para que eu
ligasse, a fim de que se tivesse uma posição a respeito. Sucederam-se telefonemas
e nada.
Entráramos no recesso e, logo a seguir, no período de convocação
extraordinária. Minha aflição ia aumentando, na medida em que a perspectiva de
atingir meu objetivo parecia ir-se esvaindo no atropelo dos acontecimentos típicos do
término do ano legislativo, especialmente neste, em que a apresentação de projeto
extremamente polêmico dividira não só os parlamentares, mas levantara, como
nunca, significativas forças representativas da sociedade, provocando reflexos
importantíssimos em todos os partidos, ameaçando de tal forma a hegemonia de
alguns que causara a reviravolta que culminara por redundar no afastamento da
Deputada Capella.
O clima na Casa estava extremamente tenso. Deputado Arcturus também se
posicionara contra o projeto governamental. Em períodos assim, os estudos, as
reuniões, os debates, a construção de argumentos, derrubam agendas, invadem
horários de almoço, estendem-se noite afora. Mas pensar que perdera
importantíssima parte da entrevista com Deputada Capella e imaginar o prejuízo que
o trabalho sofreria ao prescindir da participação de Deputado Arcturus, me fez tomar
coragem e a decisão de literalmente fazer acontecer a entrevista.
Novamente recorri à minha chefia, expliquei-lhe a excepcionalidade da
situação. Obtive seu integral apoio para ligar diretamente ao celular de Deputado
100
Arcturus. Fiz o contato, me identifiquei, historiei rapidamente a situação para que
pudesse contextualizá-lo e sensibilizá-lo. O retorno foi imediato. Eram mais ou
menos doze horas e trinta minutos, estava em reunião. Às treze realizaria outra, em
seu gabinete, com seus assessores. Às duas voltaria para a sessão plenária da
tarde. Indicou-me o nome do chefe de seu gabinete, a quem deveria procurar num
espaço contíguo ao plenário, e aguardar o momento propício para ali realizarmos a
entrevista.
Preocupada, bem antes das duas horas dirigi-me ao seu gabinete. Fui bem
recebida, mas percebi que minha insistência causava algum desconforto. Logo
entendi o motivo. Em seguida foram chegando outros assessores. Vinham para uma
reunião. Encaminharam-me para um espaço onde poderia aguardar mais à vontade.
Enquanto esperava, conversei com algumas pessoas que participariam do
encontro. Foram chamados. A conversa foi breve, à porta aberta, numa sala em
frente àquela em que eu estava. Explicava-se o desconforto. Temerosa de perder a
oportunidade, chegara num momento inadequado. Na verdade, o combinado fora eu
me dirigir diretamente ao plenário.
Ao término da reunião, quando Deputado Arcturus saiu da sala, viu-me ali. O
assessor anteriormente indicado lembrou o que fora combinado. Argumentei com
sinceridade, explicando minha apreensão, ao que o próprio parlamentar redarguiu,
tranqüilizando-me. Fomos corredor afora, caminhando juntos rapidamente; ele, em
direção ao elevador que lhes é privativo; eu, procurando tomar as escadas. Muito
simples, demonstrando calma apesar da tensão, agitação, escassez de tempo,
realmente afável, cavalheiro, convidou-me a partilhar do elevador. Insistiu quando
referi a restrição do uso daquele serviço aos parlamentares, mencionando sua
prerrogativa de poder partilhá-lo com convidado. Aceitei. No curto trajeto, falamos
brevemente sobre pesquisa, dificuldades de levá-las a efeito, do ritmo frenético da
vida de hoje em dia, que nos faz exercer vários papéis ao mesmo tempo, tendo que
dar conta de inúmeros compromissos, muitas vezes, simultaneamente. Ao
chegarmos no andar do plenário, ele ratificou a combinação e fomos cada qual para
o espaço que deveríamos ocupar dali em diante.
101
Dada a repercussão da votação do polêmico projeto do Governo que
mencionei, a administração da Assembléia tivera que tomar medidas preventivas, a
fim de garantir o bom andamento dos trabalhos do plenário. Dentre elas, restringir-
lhe o acesso, permitindo a entrada de um número mínimo de assessores e de
profissionais da imprensa, devidamente identificados. Expliquei rapidamente aos
colegas que faziam a segurança o que havia sido combinado com Deputado
Arcturus. Foram gentis e me permitiram passar.
Enquanto aguardava, fui rememorando as incansáveis tentativas de realizar
esta última entrevista. Certamente, aquela tarde seria um dos espaços de tempo
mais inoportunos possível. De outro lado, se não lograsse êxito então, corria o risco
de rever Deputado Arcturus somente ao término do recesso, quando do reinício dos
trabalhos legislativos, a partir de quinze de fevereiro. E procurei constituir uma
coragem, uma força que surpreenderam até a mim mesma, teimando em aguardar,
confiando na palavra de meu entrevistado, mortificada por estar impingindo-lhe uma
interrupção insólita, numa ocasião que, certamente, deverá ter marcado, de forma
ímpar, sua trajetória política.
O espaço onde aguardei o parlamentar liga-se ao plenário por meio de duas
portas laterais. Ambas estavam protegidas por servidores que fazem a segurança da
Casa.
Também para eles, com certeza, minha presença ali, naquela hora, causava
surpresa. Tive o cuidado de explicar-lhes a razão de estar ali. A cooperação com
que contara para entrar se estendia na ajuda inestimável, àquelas alturas, em
acompanhar a movimentação de Deputado Arcturus no interior do plenário. Ficara
pouco tempo sentada, percebi logo que teria, isto sim, que ficar vigilante. Quantas
pessoas mais mobilizava para me ajudar, maior era a minha sensação de
responsabilidade em fazer tanto esforço e consideração frutificarem.
Deputado Arcturus me avisara, faria um pronunciamento na tribuna,
defendendo sua posição, e após, conversaríamos. Fui alertada, numa das entradas,
quando ele ocupou a tribuna e também quando terminou sua manifestação. Assim
que se movimentou, em direção a outra saída, me sinalizaram. Corri até lá. Ao
102
encontrá-lo, perguntei-lhe se deveria continuar aguardando ali ou... Nem me deixou
concluir, pareceu-me determinado a dar conta de tudo a que se propusera ou por
que teria que passar naquela tarde e pediu-me que o acompanhasse.
O salão abriga um serviço de café e algumas mesas e cadeiras. Olhamos o
ambiente rapidamente e vislumbramos uma única mesa desocupada; tacitamente
nos dirigimos para lá. O barulho era intenso. Havia tanta gente que era difícil
locomover-se em qualquer direção. Sentamos e imediatamente pedi-lhe licença para
gravar a entrevista, consentiu e começamos. Não demonstrou pressa ao falar, mas
não se alongou nas respostas, e, em muitas delas, a tensão em que estávamos
todos imersos, uns mais, outros menos, por razões diversas, indubitavelmente,
perpassou.
Fomos interrompidos por outro Deputado que, provavelmente, não se dando
conta de que estávamos gravando uma entrevista, cumprimentou-nos e, com
espontaneidade e simpatia, congratulou Deputado Arcturus pelo discurso proferido
pouco antes, ratificando a importância de manterem a posição assumida diante do
projeto em pauta. Foi tudo tão rápido que nem consegui desligar o gravador.
Deputado Arcturus aquiesceu, balançando a cabeça, e continuou a responder sobre
o que havia lhe perguntado instantes antes.
Sensível à situação, não segui à risca o roteiro. Não havia como. Entretanto,
o registro feito, ainda que de menor extensão, é rico e constituído de um valor
inestimável, em razão das condições, do insólito contexto em que se deu. Um pouco
antes de concluirmos, aproximou-se o chefe do gabinete de Deputado Arcturus,
educadamente, e falou que o tempo estava se esgotando. Os três sabíamos disso, e
o parlamentar fechou o seu depoimento. Agradeci-lhe, enfatizando que o fazia
especialmente em razão das peculiaridades daquela situação. Ele, gentilmente,
acolheu meu comentário e despediu-se, retornando ao plenário.
Enfim, conseguira realizar cinco entrevistas com professores que se
tornaram deputados.
103
5.4 A CONSTRUÇÃO DO CORPUS
Minha experiência em pesquisa de natureza qualitativa, utilizando
entrevistas enquanto técnica é nova. Minha atenção à palavra corpus foi despertada
muito recentemente, talvez um pouco antes de iniciar o mestrado, quando ainda
pretendia investigar o discurso pedagógico e as leituras, ainda aleatórias, volta e
meia, apontavam o vocábulo. Incidiu, pela primeira vez sobre o termo, quando já em
meio ao curso, fomos instados a realizar uma atividade em grupo, sobre a análise de
conteúdo, a ser apresentada à turma toda posteriormente.
Agora, passado um tempo, eis que me deparava com a imprescindibilidade
de aprender a construir um corpus, a partir das entrevistas recém-feitas. Era preciso
“começar do início”. A partir do texto A construção do corpus: um princípio para a
coleta de dados qualitativos, redigido por Martin W. Bauer & Bas Aarts, que
integra a obra intitulada Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático, editado por Bauer e Gaskell (2002), traduzido por Pedrinho A.
Guareschi, fui deslindando o desafio.
Em princípio, corpus, palavra também oriunda do latim, cujo plural é corpora,
significa corpo. No dicionário inglês Oxford (1995), é definida como uma coleção, um
corpo, um conjunto de textos escritos ou orais.
4
Para Barthes, segundo Bauer e
Gaskell, corpus “é uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo
analista, com (inevitável) arbitrariedade, e com a qual ele irá trabalhar”; portanto, não
neutralidade no estabelecimento do corpus. Sua escritura é precedida de uma
leitura interessada, enviesada, utilitária, que o investigador realiza a partir de onde
se encontra. Observam, ainda, os autores, que, na visão de Barthes, incluem-se no
conceito textos, imagens, música e quaisquer outros materiais, enquanto
significantes da vida social, ainda que não seja aconselhado misturá-los em um
mesmo corpus. Segundo os estudiosos mencionados, “uma boa análise permanece
dentro do corpus e procura dar conta de toda a diferença que está contida nele”.
Mais recentemente prepondera este significado de coleção de textos ou de outros
materiais de natureza simbólica, reunidos de acordo com um tema comum,
guardada a diferença existente entre os significados de corpus e de material.
4
Tradução livre da autora de parte do verbete.
104
Quanto ao tamanho do corpus, convém assinalar que o tempo para se fazer
as entrevistas e analisá-las assume grande importância na determinação da
dimensão daquele. Por outro lado, procurando evitar cair no “incômodo atrativo”
referido por Bauer e Gaskell, ao mencionarem a facilidade com que em pesquisa
qualitativa se recolhe significativo volume de material interessante, acarretando,
muitas vezes, dificuldade de lidar efetivamente com ele em momento posterior,
dentro do tempo determinado de um projeto, e dificultando sua análise em
profundidade, estabelecemos um máximo de cinco entrevistas a serem feitas com
professores que se tornaram deputados, tendo como única exigência a necessidade
de preservar-se a participação de representantes do gênero feminino, haja vista a
preponderância do gênero masculino no parlamento estadual, diferentemente do
que se constata no universo do magistério, em geral.
Colhidas as entrevistas, tratei de fazer as respectivas transcrições. Tomei o
cuidado de traduzi-las com a maior fidelidade possível, procurando guardar todas as
características das falas, salvo, eventualmente, algumas questões de concordância
e de regência verbal ou nominal. Vale ressaltar que ao proceder a elas, foi possível
observar aspectos muito significativos que emergiram da repetição de certas
palavras, expressões e sons, dos silêncios... das hesitações... das interrupções...
Ouvindo e transcrevendo foi possível rememorar entonações, falas sobrepostas,
respirações... Algumas transcrições foram feitas numa média de seis horas, outras
levaram de dez a doze horas. No entanto, realizá-las o me pareceu, de forma
nenhuma, tempo perdido. Ao contrário, concorreram para que se desse um
engajamento mais profundo com o texto. Não o fiz de início, mas, pelas tantas,
tornou-se tão necessário que passei a produzir pequenas notas analíticas no
decorrer dessa tarefa.
A par das informações ensejadas pelas questões formuladas, outras tantas
foram surgindo, e a recorrência de algumas culminou por determinar alterações na
relação de temáticas a serem exploradas. É o caso, para exemplificar, da palavra
acesso, não cogitada inicialmente para ser destacada e que, no entanto, foi citada
em diversos momentos por quase todos os entrevistados, ainda que o voltada
para universos idênticos.
105
À medida que as falas foram sendo transcritas, a coleção de registros o
corpus foi-se materializando em textos, cinco textos, dos quais irromperam temas,
opiniões, traços de atitudes, estereótipos, cosmovisões, indícios de comportamentos
e de práticas sociais e profissionais. Ainda que, até então, essas variedades fossem
desconhecidas, algumas delas eram cogitadas, muitas outras não.
Tempo (embora muito escasso), trabalho e disciplina foram os
imprescindíveis companheiros no decorrer de um procedimento inevitável: ler e reler
tantas vezes quantas fossem necessárias as transcrições para podermos nos
familiarizar com elas e selecionar as temáticas de análise.
Os assuntos a serem tratados a partir do guia de questões - ainda que a
utilização daquele, a contar da primeira entrevista feita, passasse a assumir, cada
vez mais, apenas o papel de referência - tinham sido eleitos tendo em vista um foco
temático: perscrutar a trajetória de professores que se tornaram parlamentares,
identificar em seus discursos, atitudes, sentimentos, explicações, estereótipos,
representações, crenças, etc. Isso nem sempre foi fácil, dadas as diferentes formas
de cada indivíduo manifestar-se sobre determinado assunto, categoria ou tema.
Embora outros materiais tenham surgido ao longo da coleta de dados
informativos, livretos que me foram doados por um dos entrevistados e materiais da
mesma natureza que me foram cedidos pela assessoria do entrevistado, em outro
gabinete - restringi-me ao uso das transcrições das entrevistas.
Realizadas as transcrições, as leituras e as sinalizações de palavras ou
expressões recorrentes, verificou-se significativa variedade de formas dentre as
quais foram finalmente escolhidas as temáticas que, mesmo não sendo citadas ou
abordadas por todos ou de forma muito semelhante, o foram, no mínimo por três
entrevistados.
5.5 A ALISE DO CORPUS
Optei por valer-me, ora mais acentuadamente, ora menos, da análise de
discurso e de conversação para estudar os diferentes enfoques emergentes no
estudo dos materiais textuais que compõem o corpus desta investigação por somar-
106
me aos que rejeitam a “noção realista de que a linguagem é simplesmente um meio
neutro de refletir, ou descrever o mundo”, Gill (2002, p. 244), e também por partilhar
da convicção da autora quanto à importância central do discurso na construção da
vida social, enfim, por entender imprescindível a escuta do corpus; mais, por
reconhecer que é preciso “deixá-lo falar”, sem perder a noção, contudo, de que se
trata de uma escuta dirigida, interessada, informada.
Segundo Gill, “a análise de discurso é o nome dado a uma variedade de
diferentes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes
tradições teóricas e diversos tratamentos em diferentes disciplinas”. Adiante, a
autora explica que “estritamente falando, não existe uma ‘única análise de discurso’,
mas muitos estilos diferentes de análise, e todos reivindicam o nome”. Todavia,
algumas características-chave predominam no fazer de todas as acepções:
1. A postura crítica com respeito ao conhecimento dado, aceito
sem discussão e um ceticismo com respeito à visão de que nossas
observações do mundo nos revelam, sem problemas, sua natureza
autêntica.
2. O reconhecimento de que as maneiras como nós normalmente
compreendemos o mundo são histórica e culturalmente específicas e
relativas.
3. A convicção de que o conhecimento é socialmente construído,
isto é, que nossas maneiras atuais de compreender o mundo são
determinadas não pela natureza do mundo em si mesmo, mas pelos
processos sociais.
4. O compromisso de explorar as maneiras com os conhecimentos
a construção social de pessoas, fenômenos ou problemas estão ligados
a ações/práticas (BURR, 1995, apud GILL, 2002, p. 245).
É ainda Gill que alerta ser conveniente pensar a análise de discurso como
tendo quatro temas principais: preocupação com o discurso, propriamente dito,
tomando o termo “discurso” para se referir a todas as formas de fala e textos, “seja
como ocorre naturalmente nas conversações, como quando é apresentado como
material de entrevistas, ou textos escritos de todo tipo”; visão da linguagem como
construtiva (na concepção de criadora) e construída, realçando três facetas da
metáfora “construção”. Inicialmente, chama a atenção para o fato de que o discurso
é construído, ou manufaturado, a partir de recursos lingüísticos preexistentes; a
seguir, a metáfora ilustra o fato de que a montagem de um conjunto implica escolha
ou seleção de um número diferente de possibilidades, sendo viável descrever-se o
mais simples fenômeno por meio de uma multiplicidade de formas, e que qualquer
107
descrição dependerá da orientação do locutor ou escritor. Por fim, a noção de
construção enfatiza que nós lidamos com o mundo em termos de construções, e não
de maneira mais ou menos direta ou imediata, de tal sorte que diferentes tipos de
textos constroem nosso mundo; ênfase no discurso como forma de ação, ou
orientação da função do discurso, isto é, os analistas de discurso vêem todo
discurso como prática social, de sorte que a linguagem é tomada como uma prática
em si mesma; as pessoas empregam o discurso para fazerem coisas: para acusar,
pedir desculpas, apresentarem-se de maneira aceitável... Isso parece responder à
necessidade que alguns têm de, enquanto atores sociais, estarem continuamente se
orientando pelo contexto interpretativo em que constroem seu discurso para se
ajustarem a esse contexto; os analistas de discurso argumentam, pois, que todo
discurso é circunstancial; finalmente, a convicção na organização retórica do
discurso, percebendo a vida social como sendo caracterizada por conflitos de vários
tipos. E, discorre, ainda, Gill, para melhor se fazer entender:
[...] grande parte do discurso está implicada em estabelecer uma
versão do mundo diante de versões competitivas. Isto fica claro em alguns
casos políticos, por exemplo, quando estão claramente tentando levar as
pessoas a aderirem às suas visões de mundo, e publicitários, quando estão
vendendo seus produtos, estilos de vida e sonhos mas é também verdade
para outros discursos. A ênfase na natureza retórica dos textos dirige nossa
atenção para as maneiras como todo discurso é organizado a fim de se
tornar persuasivo (GILL, 2002, p. 250).
Fazer análise de discurso, como afirma Gill, (2002, p. 253), no mesmo texto,
“implica questionar nossos próprios pressupostos e as maneiras como nós
habitualmente damos sentido às coisas”. Isso implica ceticismo e mentalidade
analítica, isto é, deve-se suspender a crença naquilo tido como algo dado,
contrariando o quê, academicamente, se aprende, quer dizer, a ler os textos
buscando sua essência. Ao contrário do usual - ler produzindo uma síntese simples,
unitária, ignorando nuanças, contradições, imprecisões - ao proceder-se à análise de
discurso, convém interessar-se pelos detalhes das passagens, ainda que
fragmentadas e contraditórias, e com o que foi mesmo dito ou escrito, não com
alguma idéia que parece ser pretendida, sem descurar de boa dose de sensibilidade
para “trocar as lentes dos conhecidos óculos”, permitindo-se o descortinar de novos
horizontes.
108
Não há como deixar de trazer, ainda outra vez, mais uma reflexão de Silveira
no que respeita às análises das falas das entrevistas, à necessária ênfase maior que
se deve fazer
à situação da própria entrevista e do entrevistador como co-
partícipe (de certa maneira, co-locutor) da mesma, o abandono da
expectativa de encontro e levantamento de verdades, o perscrutar de uma
lógica interna, discursiva, dos próprios relatos, das respostas curtas, que se
tecem às perguntas desse ora arrogante, ora constrangido, mas sempre um
pouco incômodo personagem – o/a entrevistador/a (SILVEIRA, 2002, p.
138).
Em razão disso, volta e meia, ao fazer a análise, perguntava-me, como
ensinou Gill: Por que ler isso dessa maneira? Que características do texto produzem
essa leitura? Procurei, assim, manter-me em constante alerta, aprendendo que fazer
uma análise de discurso muda fundamentalmente as maneiras como se
experienciam a linguagem e as relações sociais, considerando-se, ainda, como
registra Silveira, que a entrevista na pesquisa em educação é
uma arena de significados. Ela sinaliza o que agora, findo o
percurso de sua escrita e leitura, penso ter enfatizado sobre a situação de
entrevista um jogo interlocutivo em que um/a entrevistador/a ‘quer saber
algo’, propondo ao entrevistado/a uma espécie de exercício de lacunas a
serem preenchidas... Para esse preenchimento, os/as entrevistados/as
saberão ou tentarão se reinventar como personagens, mas não
personagens sem autor, e sim, personagens cujo autor coletivo sejam as
experiências culturais, cotidianas, os discursos que os atravessaram e
ressoam em suas vozes. Para completar essa ‘arena de significados’, ainda
se abre espaço para mais um personagem: o pesquisador, o analista, que
fazendo falar de novo tais discursos os relerá e os reconstruirá, a eles
trazendo outros sentidos (SILVEIRA, 2002, p. 139-40).
Por fim, que se ter ciência de que não nada simples em linguagem,
mas que uma análise, como diz Gill (2002, p. 266), fruto de “uma leitura cuidadosa,
próxima, que caminhe entre o texto e o contexto” poderá ensejar percepções
significativas.
5.6 TORNAR-SE PROFESSOR...
A opção pelo magistério, no caso do Deputado Sírius, deu-se, inicialmente,
por necessidade de trabalho. Essa motivação também foi registrada por Assunção
(1996, p. 12), quando, ao investigar as razões da escolha do “ser professora”,
menciona o contrário no caso específico de uma docente cujos pais o queriam
que ela fizesse o Curso de Magistério: “Essa professora apresentou características
109
bem peculiares, pois enquanto as outras explicitaram as dificuldades,
principalmente econômicas, enfrentadas pela família, ela contou com condições
mais favoráveis para o êxito escolar e profissional” [grifo nosso].
Com habilitação de Ensino Médio como Técnico Agrícola, graduou-se em
Informática posteriormente. No decorrer de sua formação desenvolveu algumas
disciplinas ligadas às duas áreas. A cada ano que passava, disse Deputado Sírius,
foi tomando gosto pela atividade, face à relação que estabelecia com os alunos, pelo
fato de ter a possibilidade de transmitir informações, de realizar o processo de
ensino-aprendizagem com os discentes, de aprender com eles, com diferentes
turmas, constituídas por estudantes de idades diversas, dos nove, dez, aos trinta,
quarenta anos, instaurando práticas, experiências muito prazerosas. Motivações
dessa sorte, escolha deliberada pelo “desejo de ensinar, de partilhar o saber, [...] de
contactar com os jovens”, citadas por Fontoura (2000, p. 186), foram motivos
apresentados, independentemente de sexo, o quê, registrava o pesquisador, “nos
permite pensar, o sem satisfação, estarem em ‘vias de extinção’ as chamadas
vocações femininas. Os dois aspectos mencionados, da necessidade
(sobrevivência) e o da descoberta (entusiasmo crescente) são mencionados
igualmente por Huberman (2000, p. 39).
Para o Deputado Sírius, a escola é um “importante espaço para a formação,
não apenas técnica como também humanística”. No seu entender, sem desfrutar do
processo de informação/formação que ela oportuniza, o indivíduo não se completa,
não é. “Ela não deve formar pessoas qualificadas para o desempenho das mais
diferentes funções que a sociedade exige, mas, igualmente, agregar a esta
formação técnica sempre uma visão humanista a respeito da realidade, dos
processos sociais”. Na sua opinião, essa deveria ser a sua principal função.
Para desenvolver sua atividade de professor, Deputado Sírius informou ter
recolhido experiências que vivera enquanto aluno: “Espelhei-me em alguns
professores da escola pública.” O exemplo de professores influenciando a escolha
de outros professores também é mencionado por Costa (1995, p. 181). Ao
experimentar a vivência do internato, revela ter tido ali oportunidade de formar-se
enquanto cidadão. O convívio com o conjunto dos professores e funcionários da
110
escola foi importante na formação de sua personalidade e “serviu como paradigma,
digamos assim”, para o desenvolvimento de sua atividade profissional
posteriormente. Essa foi a sua referência forte, o exemplo de seus professores.
Ainda que nunca tenha tido a possibilidade de freqüentar qualquer curso de
qualificação profissional, visto que o Estado não lhe viabilizara tal condição, o
Deputado procurou, “sempre que possível, participar de seminários, de cursos de
formação, além de ler e de informar-se muito, porque o curso universitário assim o
exigia”. Registrou ter recolhido “forte contribuição de Paulo Freire no decorrer do
processo de sua formação”. Enfatizou que não seria o que é, tampouco a Educação
no País teria avançado aos “níveis em que se encontra”, sem o aporte daquele
grande educador.
Deputado Sírius manifestou sentir-se feliz pela oportunidade que teve,
enquanto professor, de “participar, ainda que passageiramente, do processo de
formação de milhares de jovens no Estado, ao longo dos vinte e seis anos,
lecionando em regime de quarenta, sessenta horas semanais”, haja vista o número
de disciplinas e da quantidade de escolas em que trabalhava. Conviver com os
jovens àquela época e reencontrá-los nos dias de hoje, ressalta o parlamentar,
“recebendo deles manifestações de reconhecimento ao trabalho então
desenvolvido”, é algo que lhe é muito gratificante. Isso lhe permite inferir e
manifestar que de alguma forma contribuiu “para a formação e desenvolvimento
desses cidadãos”.
Deputado Canopus relatou que sua formação como professor teve início
com a realização do curso de Magistério. Desde então, trabalhou com crianças de
primeira à quarta série, inclusive alfabetizando-as. Foi o único homem a se formar
conjuntamente com cerca de quarenta “meninas” em 1979. Sua declaração,
enfatizando a “quase excepcionalidade de sua presença, marcando a única
representatividade masculina na turma, nos remete a confirmar o que foi dito por
Assunção, ao abordar a questão da escolha da docência enquanto profissão, sem
poder deixar de relacioná-la com “gênero”:
A ‘sexualização’ das profissões continua presente até hoje. O
gostar e a facilidade de lidar com crianças continuam sendo uma marca
estereotipada ainda com força para encaminhar as mulheres ao magistério
111
primário. Outra atividade profissional poderia ser estranha a seu
aprendizado enquanto mulher. De muito distante aprendemos, e permanece
viva a sintonia entre professora-mulher-feminino (ASSUNÇÃO, 2000, p. 12).
Enfatizou que “seu sonho era ser professor”, sempre almejara chegar ao
exercício dessa profissão. Em razão disso, foi para a universidade, buscar a
licenciatura, então curta, em Ciências, cuja habilitação já lhe ensejava trabalhar
nessa área, e ainda com Matemática, nos Ensinos Fundamental e Médio. A
afirmação de Deputado Canopus chama atenção, tanto pelo fato de um homem
revelar ter sonhado desde sempre ser professor, carreira predominantemente
seguida por mulheres, como demonstram Costa (1995, p. 137-259), Assunção
(1996, p. 3-20), quanto por trabalhar nos níveis de ensino por ele mencionados.
No decorrer do estudo feito, verificou-se a predominância da presença do
homem no exercício da docência em várias épocas, nas diferentes civilizações e
regiões do mundo. No Brasil, a abertura para integração das mulheres a essa
carreira profissional deu-se a partir de meados do século XIX, a par de importante
declínio de status dessa atividade. Paralelamente, diminuiu sensivelmente a busca
do Magistério por parte dos homens, ao traçarem seus projetos de vida,
especialmente no tocante à realização profissional. O período de formação docente
do Deputado Canopus cingiu-se a uma das muitas fases de dificuldades por que
vem passando o professorado não só no Estado, quanto no País.
Deputada Vega fez o curso Clássico, em nível médio. Optou pelo magistério
depois de cursar Filosofia e experimentar a restrição que a disciplina oferecia em
razão de esse campo de estudos ser previsto somente nos currículos do Ensino
Médio.
Habilitou-se para dar aulas de História quando se tornou Especialista em
História da América Latina. Considera a influência de seu professor de Filosofia no
Ensino Médio, a realização do curso de Filosofia em nível universitário e a
experiência adquirida em sala de aula, as grandes razões que a levaram a ser “uma
professora apaixonada por ser professora”. Novamente a influência de um professor
é fator determinante para a opção profissional e a experiência gradativamente
112
constituída contribuem para a formação de um docente que se reconhece com
exceção à questão salarial -, “apaixonada” pelo seu trabalho.
Deputada Capella, por sua vez, arquiteta por formação, ingressou no
magistério ao prestar concurso pelo Centro de Educação Tecnológica, numa cidade
do interior do Estado. Trabalha em nível de Ensino Médio, em curso que forma
Técnicos em Edificações. Salienta considerar-se “sempre mais professora do que
arquiteta”. Explica sua opção por lecionar, em razão de “acreditar plenamente que o
País não tem outra saída para seu crescimento a não ser fazendo um grande
investimento na área da educação. Exemplos mundiais têm mostrado isso”,
acrescenta. Os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento que conseguem
alcançar melhores níveis de progresso “são aqueles que investiram maciçamente
em educação”.
Considera “entusiasmante o fato de ensinar, de poder transmitir às pessoas
aquilo que conhece mais profundamente, o contato direto com jovens e
adolescentes, à época em busca de seus futuros, de seus objetivos de vida”,
endossando, também ela, o já apontado por Fontoura (2000, p. 186). Entende que “a
política em si, desenvolvida nesse contato pessoal com todas as pessoas, chega a
ser um complemento da própria educação”, referendando o que foi dito por
Semeraro (2004, p. 57-8): “[...] nesta avaliação, está incluída a incalculável legião
dos que, [...], com mais ou menos visibilidade, fizeram da educação um ‘ato político’
dedicado a ‘conscientizar’ e mobilizar” pessoas. Identifica sua escolha como
“vocação, resultante de uma opção pessoal”, que vem-lhe permitindo dedicar-se à
educação como um todo, porque acredita nela, “é aquilo que a gente faz com
prazer”.
Deputado Arcturus disse ter tido a convicção de que deveria ser professor
rural tão logo concluiu o curso na Escola Normal Rural, corroborando o que foi
sublinhado, igualmente, por Assunção:
Ao mesmo tempo em que a condição rural aparece (no conjunto
do estudo) como pouco relevante na ‘escolha’ profissional, ela pode, no
entanto, se tornar, juntamente entre outras condições, um ‘sinal distintivo’ da
pessoa (ASSUNÇÃO, 1996, p. 11).
113
Embora morasse na cidade, Deputado Arcturus preferiu sempre trabalhar no
interior. Chegou a exercer o ofício em quatro escolas e ainda estudava. Formado em
Filosofia, sempre atuou na área do magistério, ministrando disciplinas concernentes
a essa área. Foi orador de todas as turmas que integrou e, em 1970, registrava
em seu discurso de término de curso, que “não o alfabetizador/a alfabetizadora
precisava ter curso superior para melhor atuar, como o professor/a professora do
Ensino Fundamental”. defendia, à época, “a dedicação dos mestres em tempo
integral (regime de trabalho de quarenta e quatro horas); qualificação permanente
por meio de cursos a distância; educação continuada em função da rapidez com que
se dão as mudanças nos mais variados campos de conhecimento.
5.7 FALANDO EM VOCAÇÃO...
Segundo Deputado Sírius, “para agüentar dar aula com o salário miserável
que ganha o professor nos dias de hoje, é preciso, é fundamental ter vocação”. Ela
é necessária, igualmente, para manter-se enquanto parlamentar numa sociedade
que tem do político uma imagem depreciativa. A generalização do menosprezo aos
políticos incomoda-o sobremaneira. Expressões de desdém tais como “[...] são todos
a mesma coisa”, aborrecem-no muito.
O depoimento do Deputado Sírius confronta o que foi afirmado por Kreutz
(1986) apud Pereira (2000, p. 23), ao procurar desmistificar a concepção de
magistério como sacerdócio, vocação “nobre e santa”, em particular, quando aquele
autor frisa que tal concepção de magistério “dificulta a participação efetiva dos
professores na organização da categoria profissional e na luta pelas reivindicações
salariais”, haja vista a trajetória feita pelo parlamentar.
Deputado Canopus iniciou seu depoimento mencionando que ser professor,
especialmente de Matemática, fora o centro de sua intenção, de sua vocação. Mais
adiante esclarece, todavia, que num passado bem recente, dizia-se que ser
professor respondia a uma vocação, cuja aceitação pressupunha aquiescência à
baixa remuneração, o que coincide, de certo modo, com a noção de sacrifício, de
sacerdócio, apresentada por Kreutz, embora também a trajetória desse parlamentar
evidencie, como se verá, a seguir, sua participação efetiva na organização da
categoria profissional e na luta pela melhoria salarial.
114
Ao afirmar que mesmo assim, muitas professoras, com formação
acadêmica, ingressavam no magistério porque simplesmente gostavam de lecionar
e, também, porque muitas delas dependiam do próprio marido, companheiro, em
virtude dos parcos salários recebidos muitas vezes com atraso, Deputado Canopus
permite que se depreenda, mais uma vez, que muitas professoras vivem “uma
situação profissional precária e pouco compensadora”, como assinala Gatti (2000, p.
60).
Hoje em dia, ressaltou Deputado Canopus, “temos uma grande massa de
professores que são chefes de família; mulheres sem companheiros, que sustentam
casa e filhos”. Explica por esse viés, a necessidade de serem reconhecidos esses
profissionais como trabalhadores em educação. Credita a essa alteração a mudança
do termo, da nomenclatura que identifica os docentes. Entende, todavia, que “a luta
pelo reconhecimento, pela valorização do magistério enquanto profissão” deve existir
e destaca que isso “ocorre, obviamente, com idealismo, visto que sem idealismo,
sem paixão, não há como existir docência”. A seu ver, então, “é preciso que os
professores continuem sendo românticos, gostando do que fazem, lutando pelo que
acreditam ser justo para a categoria e para o alunado”.
As análises de Costa (1995, p. 228-43), no mínimo, implicam reflexão sobre
o recém referido. E prossegue a autora:
As circunstâncias aviltantes do exercício da docência eram, e
ainda são, associadas à exploração do mito do magistério vocacionado que
em nome de um chamamento sagrado, de uma missão, exerce seu trabalho
contra todas as forças hostis, todas as restrições de ordem material,
inclusive colocando em segundo plano sua remuneração e sua vida
pessoal. Foi essa mística que contribuiu, em grande parte, para a
manutenção das aviltantes condições de funcionamento da educação
básica no país, e é contra ela que se dirige, em grande parte, a plataforma
de críticas do movimento docente (COSTA, 1995, p. 235).
Inquirida sobre a mesma temática, Deputada Vega sublinhou julgar
“determinante a existência da vocação para o desempenho das duas atividades,
docência e mandato parlamentar estadual”. Foi além, disse não acreditar em
magistério sem vocação. Enfatizou reconhecer igualmente que “os professores são
profissionais, mas que, em contrapartida, não existe bom profissional sem vocação”.
E acrescentou que “a categoria o só levou certo tempo para acreditar nisso, como
115
também, terminou por perder nesse processo, ao não conseguir reconhecer-se na
condição de profissional”. E assinalou: “Sem ter vocação, ninguém é bom
profissional, em área alguma, quer seja no magistério ou em outra qualquer,
inclusive na política. É preciso que se goste do que se vai fazer, caso contrário...”.
Deputada Capella assinalou que:
Tanto para a docência quanto para a atividade parlamentar, é
necessário ter-se vocação. O professor que não se sentir realizado dentro
de uma sala de aula, que não tiver essa vocação para retribuir à pergunta,
para estar em permanente convívio com os alunos, para criar um ambiente
favorável ao ensino, enfim, para manter um relacionamento diário na sala de
aula, sabendo posicionar-se, sabendo ouvir os estudantes, tendo paciência
para explicar, expressando as suas idéias e respeitando as idéias dos
contrários, deveria buscar outra forma de realização. Finalmente, é
necessário ter vocação para sentar na cadeira de docente. Para ser
professor, é preciso gostar muito do que se faz, até porque se é pouco
valorizado quanto à carreira, quanto aos salários. Por outro lado, é preciso
ter vocação para este tipo de atividade como em qualquer outra, mas, em
especial, por ser esta uma atividade muito importante na vida de qualquer
pessoa.
“O parlamentar, por sua vez”, disse Deputada Capella:
tem que ter vocação, gostar muito do que faz, visto ser sua
atividade extremamente desgastante, extremamente cobrada, isto é, a cada
minuto, os deputados são cobrados por toda a população, não por
aqueles que votaram, que se agradaram de suas propostas, que
acreditaram, enfim, nas suas idéias.
“De outra parte”, emendou Deputada Capella:
os deputados são julgados diariamente por suas atitudes e
comportamentos. Têm que ter vocação, igualmente, para dialogar com os
adversários, com ideologias diferentes, visto que a política implica conversa,
conversa e conversa. E respeito, respeito e respeito. Então, é preciso haver
vocação para se gostar desse meio, para gostar das coisas que se faz.
Tanto o magistério quanto a atividade parlamentar implicam vocação e,
muitas vezes, uma paciência fora do comum; e, antes de mais nada,
conceber idéias claras, sabendo defendê-las.
Deputada Capella também referenciou que, freqüentemente, as pessoas têm
muito preconceito sobre a atividade política. No Brasil, infelizmente, verifica-se uma
forte tendência para generalizar-se tudo o que acontece, “tem-se a sensação,
inclusive, de que se procuram os defeitos dos políticos, em detrimento de suas
qualidades”, registrou.
116
Mostrou, além disso, Deputada Capella, seu desapontamento em
reconhecer “significativa incidência de generalizações desabonatórias pronunciadas
referentemente aos políticos, às campanhas eleitorais, às promessas ouvidas nas
propagandas veiculadas nos períodos que antecedem aos pleitos”.
O desconforto demonstrado por Deputada Capella quanto às referências
depreciativas emitidas generalizadamente também foi referido pelos Deputados
Sírius, Canopus e Deputada Vega.
Por sua vez, Deputado Arcturus também afirmou considerar importante a
vocação. Segundo sua opinião, “cada sujeito, cada pessoa traça seu destino,
constrói seu futuro e reconhece que que se ter uma certa vocação, uma
determinada intuição para que se tenha um determinado desempenho, numa
determinada atividade”.
Considera-se uma pessoa “intuitiva” e diz que essa capacidade o tem
levado, muitas vezes, ao sucesso. Reputa importância à vocação, tanto para o
magistério como para o exercício da atividade parlamentar. Aliado a isso, reitera,
confere “grande significado à intuição, seguida de muito trabalho e persistência.”
5.8 COMO ESSES PROFESSORES SE TORNARAM PARLAMENTARES...
Deputado Sírius relatou participar da atividade política desde 1979. era
professor quando “iniciou-se na organização de movimento social, ainda que não
participasse de política partidária”. Foi integrante de grêmio estudantil, de centro
acadêmico, tomando parte, no final da década de setenta, da reorganização das
entidades estudantis. Participou ativamente de movimentos de reconstrução da UNE
em 79, 80, organizando o diretório central de estudantes, vindo a ser seu primeiro
presidente. Ao mesmo tempo, enquanto professor, incorporou-se ao movimento
reivindicatório de sua categoria profissional, que encetara sua cruzada àquela
mesma época. Por conta desse trabalho, foi dirigente do CPERS-Centro de
Professores do Estado do Rio Grande do Sul, contribuindo para a constituição do
Núcleo de sua região e para a incorporação do movimento dos professores gaúchos
ao movimento nacional.
117
Enfim, durante a década de 80 teve forte atuação política em diversos
movimentos sociais. Orgulha-se em registrar no seu currículo político “o papel que
desempenhou na organização de oposições sindicais, como a dos metalúrgicos, dos
calçadistas, dos borracheiros, concorrendo para uma nova concepção de
sindicalismo que emergia então”. Em decorrência dessa intensa participação,
associou-se ao movimento de construção do Partido do “Cão Maior”. Assim, em
1988, sob a sigla do “PCM”, elegeu-se o vereador mais votado num município da
Região Metropolitana, não em função e reconhecimento pela trajetória em
movimentos sociais e reivindicatórios protagonizados por sua categoria, como
,também, contando com o apoio de outras tantas.
Por meio dessas experiências realizadas no seio dos mais diversos
movimentos sindicais, Deputado Sírius diz ter adquirido “consciência da importância
que tem a educação enquanto instrumento de libertação”. A partir dessa
conscientização diz ter iniciado sua vida parlamentar, tendo como uma das tarefas
“contribuir para que no Parlamento a educação fosse assim reconhecida, e, mais do
que isso, valorizada e respeitada”. “Em vista disso”, enfatiza, durante todo o período
por que vem se estendendo a sua vida parlamentar,
tem-se somado, não apenas a movimentos sociais, mas às
bandeiras que sustentam e defendem a necessidade de uma educação
pública de boa qualidade para toda a sociedade brasileira, por reconhecer
sua fundamental importância para que se possa pensar o futuro do Brasil
enquanto um país soberano.
Deputado Sírius corroborou que sua experiência profissional como professor
foi sua grande escola para o seu exercício na atividade parlamentar, aliada a sua
militância política nos diferentes movimentos sociais de que vem participando. Nela
se deu o seu aprendizado para a atividade política como um todo, e a partir dela,
vem instituindo sua atividade política enquanto parlamentar.
Enquanto parlamentar, Deputado Sírius acredita que a contribuição mais
valiosa que tem dado é a de somar-se à luta do povo gaúcho para construir um
Estado melhor. Enfatiza que seu mandato “está inteiramente voltado para a defesa
dos interesses da maioria do povo gaúcho”, quer seja promovendo, participando das
discussões realizadas acerca de projetos voltados ao desenvolvimento social, ao
118
apoio às micro e pequenas empresas, à geração de empregos, à distribuição de
renda. Estar atento às demandas populares, sem perder de vista a vinculação a
programas e ações propostos na área da assistência social, da saúde, da educação,
da segurançablica, enfim, mobiliza constantemente seu cuidado, bem como
“pensar um projeto de estado, de nação, mais do que isso, participar ativamente da
construção de um país soberano, que possa se desenvolver gerando emprego,
renda, políticas públicas para a maioria da população, que um passo adiante na
construção de um mundo melhor para todos” .
Em razão disso tudo, afirma gostar muito de seu trabalho parlamentar, ainda
por não se “ater apenas ao tratamento de questões pontuais, específicas, aqui ou
acolá”, mesmo reconhecendo que, às vezes, seja “imprescindível ajudar a resolver
problemas individuais de determinadas pessoas, de determinado grupo social, sem
jamais descurar do conjunto, da globalidade das ações, do desenvolvimento de um
projeto para o Estado, para o País”.
As manifestações do Deputado Sírius encontram eco nas palavras de
Semeraro (2004, p. 58), quando este afirma:
Em um amálgama que coadunou marxismo e cultura popular,
militância política e Teologia da Libertação, transformações sociais e
anseios por novas relações intersubjetivas, a condição dos ‘oprimidos’ foi
tomada como ponto de partida e referência constante nas experiências
político-pedagógicas populares dando origem a um fenômeno singular de
fecunda reciprocidade entre educação e política.
Um número considerável de educadores-militantes provenientes
dessas ‘atividades instituidoras de sujeitos’, direta ou indiretamente, tem
fornecido quadros para movimentos populares, organizações da sociedade
civil, partidos de esquerda, instituições públicas e políticas governamentais.
Uma das características comum a todos é a recusa de uma educação
abstrata, elitista, alheia a um projeto de sociedade e de Estado que
deveriam ser re-fundados sobre a formação política e a participação ativa
das classes subjugadas, dos mais pobres e espoliados (SEMERARO, 2004,
p. 58).
O direcionamento de Deputado Canopus para a vida parlamentar deu-se
como fruto do amadurecimento de suas “reflexões acerca do projeto de vida que
deveria desenvolver de sorte a contribuir para mudar o mundo”. Conscientizou-se de
que “era necessário atingir mais do que os trinta alunos da primeira e da segunda
séries, quiçá a escola inteira”. Paulatinamente, deu-se conta de que, “uma vez
119
professor, trabalhador em educação”, tinha que “filiar-se a um sindicato”, e o fez, ao
dos Professores.
Seguiram-se as adesões a outras categorias e a inscrição na CUT.
Observando outros trabalhadores, rodoviários, metalúrgicos, bancários,
petroquímicos, etc., encontrou “naquele vasto universo os pais de seus alunos,
pobres e portadores do mesmo sonho de melhorar de vida, de entrar ou de re-
ingressar no mercado do trabalho”, de qualificar o ensino para assegurar um futuro
mais promissor para seus filhos.
Tantas lutas em comum exigiam representações nas greves, nas passeatas,
“gerenciando instrumentos de pressão”. Deputado Canopus convenceu-se de que
“era hora de ocupar também espaço político-partidário”. Filiou-se ao Partido do “Cão
Maior” (PCM) em 1985. Três anos depois, “fazendo campanha de bicicleta, sem
recursos”, elegeu-se vereador, por um município da Região Metropolitana, “contando
com o voto de pais, professores e alunos, voltado a um trabalho fundamentalmente
direcionado à área da educação, a intransigente defesa da escola pública, sem
descurar da melhoria da qualidade de vida dos munícipes, bem como do apoio às
bandeiras de lutas de outras categorias”.
Deputado Canopus manifestou que essa forma de entrar na política ajudou-o
a constituir e a moldar sua postura enquanto parlamentar e a ter a visão do todo,
enfim, da consecução das políticas ensejadas por sua categoria.
Posteriormente, o jovem vereador elegeu-se o primeiro deputado estadual
de seu município, ratificando a importância e o sucesso de sua atuação ao
conquistar o segundo mandato ora em andamento. Tem mantido como eixo de
trabalho:
O cuidado para com a educação; a melhoria da qualidade do
ensino; as políticas de inclusão, quer seja dos portadores de necessidades
especiais, de todo e qualquer cidadão que não tenha ainda acesso à escola;
o sistema de quotas; a defesa da instituição, manutenção e
aperfeiçoamento da UERGS; a adequação e atualização dos currículos
escolares; a valorização dos professores; a questão salarial, sindical, dos
funcionários de escola; a política de educação de jovens e adultos, mais
especificamente o MOVA e a EJA; o combate à AIDS; a prevenção ao uso
120
de drogas; a luta pela igualdade racial; a defesa e promoção da paz; a
educação para o trânsito; a reforma universitária; a criação do FUNDEB; a
articulação da educação com a saúde, promovendo ações voltadas ao
combate e à prevenção a doenças tais como a obesidade mórbida, a
anemia falciforme e outras, sem falar em todos os aspectos que tangem à
proteção ambiental.
Deputado Canopus destacou vantagens que a formação e a experiência da
docência conferem a sua atuação enquanto parlamentar, tais como:
Desenvoltura para o trato com as pessoas e para falar em público;
a observância da ética em todas as instâncias das relações políticas; o
saber ouvir; o exercício da crítica responsável; a aceitação e a convivência
com as diferenças, com as divergências. Veio constituindo essa postura,
informou, no decorrer de sua trajetória desde a sala de aula, nas diversas
dependências da escola, nos sindicatos, no CPERS.
O Parlamentar reconhece que em razão disso tudo “chegou no Legislativo
Estadual com uma boa formação política”.
A narrativa de Deputado Canopus ratifica o que já foi aportado de Semeraro,
ao analisar-se o depoimento anterior de Deputado Sírius. Dentre outros tantos
aspectos interessantes desse trecho da entrevista com Deputado Canopus, chama a
atenção a referência que ele faz ao modo de fazer política que lhe rendeu,
inicialmente, a vereança e, posteriormente, a vaga no Legislativo Estadual, o qual é
muito incentivado por Ferraz, referido como “contatos de alta intensidade em
campanhas de baixa intensidade: o ‘corpo a corpoe o ‘porta a porta’” (FERRAZ,
2003, p. 114-28).
Num capítulo inteiramente dedicado a estratégias que devem garantir a
eficácia do contato com o eleitor, Francisco Ferraz, especialista em marketing
político, esmiúça as vantagens e o que deve ser evitado nos eventos que
oportunizam o contato com o eleitor. na introdução explica a diferença entre os
dois tipos de contatos com o eleitorado: os de baixa intensidade atingem o eleitor
“de maneira generalizada, os de alta intensidade de maneira individual.” [...] “A
terminologia, alta/baixa intensidade, diz respeito ao efeito do contato sobre o eleitor
e seu poder de persuasão” (Ferraz, 2003, p. 114-15).
121
Nesses contatos, assevera Ferraz, “o comportamento do candidato é de
grande e decisiva importância. Cumprimentar as pessoas, olhá-las nos olhos e dizer
a frase mágica que ele pode dizer, e que o deve deixar nunca de dizer
durante toda a campanha: Eu preciso da sua ajuda” (Ferraz, 2003, p. 122) [grifo do
autor].
Não menos interessante é a explicação oferecida pelo referido cientista
político quanto às possíveis repercussões, respectivamente, do pedido de voto, de
apoio ou de ajuda:
O candidato deve pedir ao eleitor, no contato pessoal, ajuda e não
voto ou apoio. Voto passa o sentimento de instrumentalização da pessoa,
de interesse imediatista, é demasiado político; apoio passa o sentimento de
que o político quer um ‘cheque em branco’, uma aprovação antecipada do
que ele vai fazer. Ajuda é, ao contrário, um pedido. É pessoal, valoriza o
eleitor, diminui o perfil do político. É difícil alguém responder negativamente
a um pedido de ajuda. Muito mais fácil é recusar o voto (‘já estou
comprometido com outro candidato’) ou o apoio (‘não gosto do seu partido’,
‘não concordo com o programa’) (FERRAZ, 2003, p. 122).
Deputada Vega salientou estar no seu primeiro mandato político-partidário.
Enfatizou não ter concorrido, anteriormente, a nenhum cargo eletivo dessa natureza.
Relatou ter participado, em 1969, da primeira greve do magistério, envolvendo-se,
então, diretamente com o comando de greve. Mais tarde foi diretora do Núcleo do
CPERS de sua cidade no interior do Estado, completando um mandato, em virtude
do pedido de afastamento da então diretora. A seguir, foi eleita para uma segunda
gestão. Rememorou que participara, à época de sua formação acadêmica, dos
trabalhos do DCE da Universidade de sua cidade, época em que conheceu seu
marido, participando ambos do movimento estudantil que transcorria. Desde então
acompanhou o desenvolvimento da trajetória política de seu esposo, eleito vereador
pela primeira vez no ano em que se casaram. Deputada Vega relaciona datas que
lhe são caras, como a do aniversário de seu primogênito no mesmo ano em que o
marido elegeu-se deputado pela primeira vez; o nascimento de sua filha mulher,
quatro anos depois, às vésperas de outra eleição. “[...] as eleições sempre tinham a
ver alguma coisa com a família, alguma coisa acontecia em ano eleitoral. Nesta
última... na minha eleição para deputada, foi a do primeiro voto da minha filha”.
122
Depois de aposentada, Deputada Vega envolveu-se mais na organização do
“Partido Lira” (PL) Mulher, participando da Executiva, em nível estadual. No
momento em que houve a ruptura que redundou na saída de várias lideranças do
Partido, ela assumiu a coordenação daquele mencionado segmento, o que culminou
por conduzi-la, inevitavelmente, quando da aproximação do último pleito, à
candidatura. Ao referir a circunstância, Deputada Vega lembrou que, apesar de o
atual sistema de cotas assegurar a participação feminina nos diversos partidos, nos
pleitos, em qualquer nível, naquela ocasião, a despeito das vinte e cinco vagas
existentes, nenhuma filiada se apresentou em âmbito federal e somente quatro no
estadual. Em razão disso, sua opção foi fortemente influenciada pelo trabalho que
vinha desenvolvendo partidariamente então.
Um aspecto especialmente significativo na constituição da identidade da
Deputada Vega enquanto parlamentar, mencionou ela, diz respeito à freqüente
alusão feita por várias pessoas ao seu marido parlamentar, “estabelecendo uma
certa confusão, uma certa dificuldade de percebê-la em sua individualidade.”
Conforme a Deputada, foi necessário algum tempo para que reconhecessem as
suas posições independentemente daquelas que possivelmente seu marido
assumira diante de determinadas questões.
No que pertine à influência que a prática docente possa ter aportado à
parlamentar, Deputada Vega assevera que aquela lhe assegurou uma certa
tranqüilidade para refletir, agir, posicionar-se perante o mundo, face à bagagem
cultural que amealhara, especialmente em decorrência da sua formação em
Filosofia.
A trajetória de Deputada Vega distingue-se um tanto das demais. Dedicou-
se até a aposentadoria no Magistério, prioritariamente, à família e à docência.
Paralelamente, ajudou o marido na construção de sua carreira política. Ao participar
da primeira greve do Magistério e ao assumir, posteriormente, a responsabilidade da
direção do núcleo do Sindicato dos Professores Estaduais de sua região, sai do
grande índice que constitui o universo de professores/professoras, que, a despeito
de dedicação ou não ao exercício da docência, não se envolve ou milita quer numa
agremiação político-partidária, quer numa entidade ou órgão classista. Nesse viés, o
123
testemunho de Deputada Vega confronta-se, igualmente, com a tese de Kreutz
(1996) apud Pereira (2000, p. 23), quando aquele autor afirma que o magistério,
enquanto vocação percepção também assumida pela parlamentar em tela -,
dificultaria a participação de professores nas ações de organização da categoria e
na luta por melhoria salarial.
Outra peculiaridade no relato de Deputada Vega é a relação de datas e
episódios que lhe são caros, amalgamando vida familiar e profissional, inicialmente
como professora, depois, na sua constituição enquanto deputada. Isso permite que
nos reportemos a Hall (2002, p. 12), quando fala que o sujeito pós-moderno é
constituído não de uma, mas de várias identidades.
Cumpre que se destaque ainda outra singularidade no depoimento de
Deputada Vega, na certeza de queo foram esgotadas as possibilidades de
análise desse seu turno de fala. É a que conta da menção feita ao sistema de
quota, dispositivo legal, constante na Lei Eleitoral vigente, que garante percentual de
vagas a ser destinado às mulheres nos quadros dos partidos políticos do país,
assegurando-lhes, conseqüentemente, espaço para atuação político-partidária nas
três esferas: municipal, estadual e federal. Cumpre ressaltar, em contrapartida, que,
a despeito da crescente conquista da mulher rumo às mais diversas formas de
participação, neste universo, da atuação político-partidária , ainda, muito, muito a
ser feito, muito espaço a ocupar.
A opção pela carreira política por parte da Deputada Capella deu-se desde
cedo, sinalizada por sua eleição como presidente do grêmio estudantil da escola que
freqüentava na adolescência. Como conseqüência, começou o exercício da política
partidária bem jovem, ainda quando namorava seu futuro marido; posteriormente,
acompanhou-o no desenvolvimento da carreira política que construiu, desde sua
eleição como vereador, prefeito, deputado federal, sempre participando muito das
respectivas campanhas.
Há quatro anos atrás, mais precisamente no ano de 2000, Deputada Capella
foi convidada pelo partido que integra a disputar a eleição à prefeitura municipal de
uma cidade do interior do Estado. Aceitou o desafio. Embora desconhecida na vida
124
pública, chegou ao segundo turno, perdendo a eleição por “pouco mais de dois por
cento de diferença”. Ao contrário do que seria usual, afirmou o ter-se sentido
derrotada, haja vista ter “usufruído da oportunidade de conhecer milhares e milhares
de pessoas”, de ter “partilhado com elas propostas consideradas bem objetivas”, que
veiculavam o seu “entendimento do município que pretendia administrar, registradas
num programa construído sob a influência de estudo elaborado cuidadosamente,
quando da concomitante realização do Mestrado em Desenvolvimento Social.”
Os resultados satisfatórios obtidos naquela ocasião levaram Deputada
Capella a candidatar-se ao parlamento estadual em 2002. Desde então, vem-se
“empenhando em representar as pessoas que confiaram nas propostas e idéias” que
ela defende.
“O exercício da docência”, afirmou Deputada Capella, “de modo especial
dado ao desenvolvimento da comunicação – imprescindível entre o professor e seus
alunos em sala de aula, nas palestras, nos seminários certamente torna mais fácil
a igualmente indispensável comunicação dentro do parlamento”.
A prática parlamentar da Deputada Capella tem-se firmado em três questões
sobre as quais pautou sua campanha: “educação, desenvolvimento e geração de
emprego e renda e a segurança pública”, apesar de, sob seu ponto de vista, “a
atuação de um deputado ser extremamente generalizada, uma vez que qualquer
problema, qualquer coisa, qualquer pessoa que se possa ajudar façam parte desse
contexto”.
A narrativa de Deputada Capella revela uma participação e experiência
política, estudantil e partidária, constituídas desde a sua juventude, o que, sem
dúvida, a diferencia no universo das ‘professoras’. O fato de vir acompanhando o
marido na constituição de sua carreira política, salvo melhor juízo, também lhe
confere certa distinção, minimamente, por estar próxima da vivência político-
partidária, o que a distingue no universo de ‘candidatos’, especialmente,
‘candidatas’.
125
A formação inicial em arquitetura, para posterior direcionamento à docência,
na habilitação que lhe era pertinente, a experiência no magistério, depois a
realização do Mestrado em Desenvolvimento Social, cuja temática de
aprofundamento resultou da conciliação entre as circunstâncias que se
apresentavam (candidatura à Prefeitura de seu município) conferem à Deputada
Capella uma situação particular: sua trajetória parece vir sendo urdida reflexiva,
cuidadosamente.
Deputado Arcturus elegeu-se vereador em novembro, em um município a
que chegara no s de maio do mesmo ano. Sozinho, obteve um sexto do total da
votação realizada na cidade. Diz não entender até hoje como atingiu aquele
resultado. “Eu era professor do interior”, comentou. Tempos depois, com quase
vinte e quatro anos, candidatou-se, outra vez sozinho, sem sequer fazer-se
acompanhar por candidato a vice, a prefeito. Perdeu a eleição. Desistiu da política
por algum tempo.
Em 1962, Deputado Arcturus foi candidato a vice-prefeito de outra cidade do
interior, mesmo sem estar atuando na política partidária. Exercia o magistério tão-
somente. Não logrou êxito e afastou-se do universo da política. Em 2002, ao decidir
não mais participar da eleição para reitor em universidade na qual vinha
desempenhando tal função, julgou “ser importante partilhar no parlamento estadual
gaúcho a experiência que acumulara trabalhando sempre com a comunidade”.
Mencionou profundo desconforto que lhe causa o desconhecimento do valor da
comunidade, da sociedade.
Deputado Arcturus fez uma trajetória político-partidária um tanto diferente,
constituída de entradas e retiradas do cenário político, cujas causas, embora ele não
as identifique com clareza “Até hoje não sei exatamente o porquê.” -, ousamos
inferir, à luz do todo das suas declarações na conversação que lhe foi proposta:
identificado com o valor da participação da comunidade, da construção coletiva,
exercício visto com mais freqüência na escola, talvez tivesse dificuldade de
encontrar parceiro que se arrojasse em construção artesanal dessa dimensão.
126
5.9 RECORRÊNCIAS SOBRE ACESSO...
Ainda que não utilizasse o termo acesso, explicitamente, Deputado Sírius
menciona que adquiriu “consciência da importância da educação enquanto
instrumento de libertação por intermédio dos movimentos sociais desenvolvidos na
universidade, no movimento sindical”. E mais, diz que, “a partir dessa consciência”
iniciou sua atividade parlamentar, “tendo como uma das tarefas contribuir para que,
no Parlamento, a educação fosse assim reconhecida, valorizada e respeitada”.
Para Deputado Canopus,
não há como desenvolvermos o País, como fazermos o Brasil
crescer, se nós não priorizarmos a educação como um todo: daí por que
defendermos a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, o
Ensino Superior, degrau ao qual, infelizmente, hoje, apenas 10% da
população tem acesso.
E vai além, enfatizando a importância de ter-se essa visão do todo, sempre
numa perspectiva de intermediar o alcance do acesso à autonomia, ao exercício da
cidadania, às mais variadas categorias, aos sujeitos integrantes dos mais variados
grupos, em especial, daqueles que se caracterizam por alguma peculiaridade,
particularmente, os minoritários. Nessa abordagem é plenamente acompanhado por
Deputado Sírius.
Ao afirmar que “os problemas da sociedade brasileira passam pela
educação”, relacionando, por exemplo,
povo educado e menos problemas no trânsito; orientação sexual e
menor índice de doenças, menos gravidezes precoces; maior
conscientização da importância da diversidade, da pluralidade, do
reconhecimento de direitos individuais e sociais a todo cidadão e a toda
cidadã, resulta em respeito às diferentes raças, às questões de gênero;
povo educado, cidade limpa; povo educado, comunicação responsável;
enfim, ao salientar que precisamos reconhecer a educação como um
instrumento, um eixo de desenvolvimento, de crescimento, de melhoria de
qualidade de vida,
Deputado Canopus lhe reputa a característica de “acesso à cidadania, ao
emprego, ao discernimento sobre o que se quer ler, pensar”. Explicita, ainda, que
“por meio disso, os cidadãos conseguem interagir com os governantes, por
intermédio de seus representantes, escolhidos e eleitos à luz da ética, da
127
transparência, por serem capazes de enfrentar a inércia, o egoísmo e o
assistencialismo”.
A educação como acesso aparece na exposição de Deputada Vega desde o
registro feito à importância do trabalho da professora alfabetizadora, ao sublinhar
que para ela “a realização desse processo constitui um símbolo, haja vista que
‘depois que se sabe ler e escrever, parece que tudo é mais fácil’”, aludindo, parece,
ao significativo acesso que o domínio da escrita e da leitura proporcionam.
Deputada Capella igualmente reputa à educação, entre outras, a
potencialidade de constituir acesso e destaca outra abordagem para tanto, quando
menciona que “a educação foi porta de entrada” para que ela “pudesse ter acesso
ao exercício de sua profissão, a sua realização pessoal, à igualdade de condições.
Assinala, inclusive, que sua participação na Comissão voltada à Educação, no
Parlamento Estadual, pauta-se nessa visão da “educação enquanto a grande
possibilidade, a grande saída para que as pessoas possam obter condições de se
realizarem, a despeito do valor menor que os governantes, em geral, têm-lhe
atribuído”.
Considerando-se que o “acesso define as noções de política, de poder
público, assim como a identidade do político”, como esclarece Kuschnir (2000, pp.
88-107), verificou-se que, diferentemente do que constatou aquela estudiosa junto
aos sujeitos de sua investigação, os cinco entrevistados desta pesquisa registraram,
de maneiras diversas, a importância da educação e da política, permitindo o acesso
dos sujeitos à autonomia, realização pessoal, profissional, enfim, ao exercício de
cidadania, e não evidenciaram qualquer indício de se utilizarem de tal prática de
forma clientelista.
Ainda que mais econômico em seu comentário e não utilizando
explicitamente o termo acesso, Deputado Arcturus sintetizou a importância que
atribui à educação e ao conhecimento, ao consignar “a diferença irrefutável que se
constata entre um país que investe em educação, em produção de conhecimento ou
não”. “A falta de uma vio dessa ordem”, firma o parlamentar, “remete um povo à
condição de “caudatário” de outras nações.”
128
5.10 NO QUE TANGE À PESQUISA...
Deputado Sírius reconhece que a pesquisa é uma das áreas de maior
carência entre nós. Segundo ele, “pouco se desenvolve em pesquisa, em trabalho
científico”.
Apenas algumas escolas voltam-se ao “trabalho da investigação”.
Mencionou a experiência de uma que promove feira de ciências todos os anos,
identificando, provavelmente, essa atividade como uma iniciação a tal modalidade
de trabalho. Referiu uma vivência realizada há pouco tempo, em uma missão
desenvolvida por um grupo de parlamentares, do qual fizera parte, oportunidade em
que visitara alguns países bascos.
Descreveu as características da região em que se localizava um
determinado povo que desenvolvera alta tecnologia, e, conseqüentemente, elevado
nível sócio-econômico, autonomia, poder de negociação, a despeito da adversidade
geográfica em que estava situado. Trazia tal testemunho para “significar o quanto a
pesquisa, o desenvolvimento tecnológico são necessários para o desenvolvimento
econômico e social de determinados países.”
A seu ver, “o Brasil só poderá sonhar com um futuro melhor se conseguir dar
conta deste desafio: voltar-se para o desenvolvimento da técnica, da pesquisa, e,
evidentemente, se colocá-la a serviço de um mundo humanizador, visto que, de
nada adianta ter produção tecnológica de ponta para a produção de guerras”, grifa o
parlamentar. E acrescentou: “[...] o resultado da pesquisa não pode ser
disponibilizado para matar gente, para matar pessoas, para produzir guerras. Ela
tem que ser pensada, concebida para colocar-se à disposição da defesa da vida,
para a defesa de um mundo melhor. Este é um grande dilema que enfrentamos
hoje”.
Deputado Canopus enfatizou a “necessidade de se modernizar cada vez
mais as formas de construção de conhecimentos e também de se usar a informática,
a pesquisa como instrumento de educação, assim como os demais dispositivos
tecnológicos de que se dispõe atualmente”. Portanto, ratifica, com bons olhos a
pesquisa e credita à presença do/da professor/professora no desenrolar da mesma,
129
“imprescindível colaboração para a garantia da consecução dos objetivos do
trabalho com a qualidade almejada.”
Para Deputada Vega, “a pesquisa é fundamental para todas as mudanças
conseqüentes que ocorrem no mundo, é a base de todo o conhecimento.” No seu
entender,
não como falar em educação sem pesquisa; tampouco, pensar
em evolução do mundo sem essa ferramenta que nos alcança orientação,
subsidia decisões. Todavia, a par do incessante desenvolvimento a que
deve se dispor, não que se furtar, em hipótese alguma, à observância da
ética, acompanhando todo o seu desenrolar, assegurando-se, assim, a
aplicabilidade de seus resultados ao bem comum.
Deputada Capella, por sua vez, reputou à pesquisa científica, “grande
importância em todos os setores em que venha a ser realizada”. No que tange à
Educação, entende que “sua utilização garante otimização na qualidade da
instituição do processo de ensino-aprendizagem, concorrendo para o
desenvolvimento tecnológico, para o aprofundamento das questões pertinentes
àquele universo”. Não tem a mesma impressão em relação à pesquisa enquanto
ferramenta a ser utilizada no Parlamento, por não ter realizado experiência nesse
âmbito e por entender que ali “as coisas são voltadas mais para o dia-a-dia do
cidadão, tendo em vista a obtenção de soluções mais práticas e mais rápidas”, em
detrimento do maior tempo que implica a consecução de tal atividade. No entanto,
sublinha “a importância da pesquisa, de seu registro enquanto memória, inscrição da
história, das experiências vividas no decorrer da construção do estudo de
determinado tema”. Encerra, reconhecendo, entretanto, que “até aquele momento
não tinha conhecimento de que tal ocorresse” no parlamento estadual, sublinhando
a “importância de realizar-se pesquisa naquele âmbito”.
Deputado Arcturus ressaltou a importância da pesquisa, dizendo, inclusive,
estar “convencido de que uma universidade se constitui como tal, na medida em
que tem autonomia didática, financeira, o que lhe conferiria a independência
necessária para realizar pesquisa”. Ressaltou a “importância do estabelecimento de
grupos de pesquisas, constituídos por professores, não incentivando a realização de
trabalhos solitários, feitos por diletantismo, para satisfação pessoal”. Enfatizou “a
130
importância da socialização dos resultados dos estudos feitos, disponibilizando-os
não para a comunidade acadêmica, mas para a sociedade como um todo, ao
invés de reduzi-los a esquecidos acervos de gavetas ou prateleiras”. Asseverou o
reconhecimento de que “dispomos de excelentes trabalhos de pesquisa, a despeito
de poucas delas passarem a ser de domínio público.”
Apontou este problema como “um dos que devem ser revertidos”.
Os parlamentares entrevistados, guardadas as devidas peculiaridades de
concepção, possíveis de serem apreendidas por meio do registro de suas falas, são
unânimes quanto à importância da pesquisa como propulsora do desenvolvimento
de uma país.
5.11 A QUESTÃO DO GÊNERO NA DOCÊNCIA E NO PARLAMENTO
ESTADUAL...
Para Deputado Sírius, “o predomínio das mulheres no trabalho docente em
detrimento de seu pequeno número na atividade parlamentar é decorrência do
comportamento da sociedade conservadora em que vivemos, que discrimina as
mulheres em geral”. Reconhece o Deputado haver “poucas mulheres no exercício da
atividade política e parlamentar, ainda que o respectivo número venha crescendo de
forma significativa nos últimos anos”.
Quanto à predominância das mulheres na área da educação, faz questão de
remarcar Deputado Sírius, que isso decorre, igualmente, de
uma visão conservadora e distorcida da sociedade, que direciona
à responsabilidade da mulher a ação educacional, em razão de considerar-
se que afinal de contas, serem as mães que cuidam das crianças e,
conseqüentemente, terem as mulheres mais habilidade para ensinar e
educar, atividades que não envolvem a força física, por conseqüência, mais
adequadas ao perfil feminino.
Mister se faz registrar o comentário exarado pelo Parlamentar, dando conta
de que entende que “tudo isso certifica um certo preconceito contra os homens,
resultante da visão inadequada da sociedade sobre o tema”.
131
A reflexão oportuna de Deputado Sírius implicou a busca e o encontro do
trabalho de Lopes (2002, p. 129-86), intitulado As histórias que nos constroem:
masculinidades na sala de aula. Ao falar sobre masculinidade, Connell (1995, p. 71)
apud Lopes (2002, p. 153) indica: “[...] a ‘masculinidade’ é [...] simultaneamente um
lugar de relações de gênero, as práticas através das quais os homens e mulheres
tomam aquele lugar no gênero, e os resultados destas práticas nas experiências
corpóreas, na personalidade e na cultura”.
No intuito de melhor explicar seu ponto de vista, de que essas práticas
envolvem a sexualidade e suas construções discursivas, Lopes explana:
Alguns pontos fundamentais levantados sobre as
masculinidades são: a) a visão não-essencialista de gênero discutida, e,
portanto, a abordagem de gênero masculino em termos dos modos
diferentes de ser masculino na sociedade (masculinidades), construídos no
discurso, e de como os homens aprendem a se tornar homens por meio dos
projetos de gênero masculino com os quais se envolvem; b) a
fragmentação, a contradição e a fluidez são típicas das identidades
masculinas como também são típicas de qualquer outra identidade social; c)
o gênero masculino tem que ser visto de uma perspectiva relacional no que
se refere ao gênero feminino e à sexualidade; d) a ‘masculinidade’
(portanto, a heterossexualidade), isto é, a masculinidade hegemônica, é
usualmente tomada como a norma na sociedade em relação à qual a
feminilidade e as práticas homoeróticas são medidas, sendo, portanto,
naturalizadas; e, e) o pertencimento ao grupo masculino é uma força forte
na preservação da hegemonia da ‘masculinidade’ (LOPES, 2002, p. 153-4).
Ao discutir o conceito de masculinidade hegemônica como uma construção
social “através da qual os homens aprendem a desempenhar a ‘masculinidade’,
Lopes verificou que vários pesquisadores
indicam que o envolvimento com esse tipo de projeto de gênero
masculino requer total vigilância da parte dos homens sobre eles mesmo em
termos de separá-los das mulheres e da sexualidade homoerótica. Um
menino deve provar que é um ser separado da mãe (ele não é um bebê
nem uma garota) e não é gay. Isso é o que Badinter (1992, p. 34) chama de
negação tripla da vida de um homem, que se torna mais evidente na
adolescência. Essa negação tripla indica todo o trabalho que ainda tem que
ser feito depois que um homem nasce. Esse trabalho pode ser entendido
como um emprego de dedicação exclusiva para os homens, que a
ameaça das mulheres e dos gays é um risco constante e persiste por toda a
vida. Os processos de pertencimento ao grupo são cruciais aqui, isto é, a
garantia da ‘masculinidade’ compulsiva está nas mãos dos outros (não
somente dos homens) (LOPES, 2002, p. 154).
132
Continuando seus esclarecimentos, Lopes afirma que a “masculinidade é
imposta pela vida em família e pelos primeiros amigos, e as escolas são um dos
primeiros lugares onde a identidade sexual (entre outras) é produzida”.
Deputado Canopus entende que “a discrepância entre o número (a menor)
das mulheres na atividade parlamentar, uma vez comparado ao das que se dedicam
à docência, responde a preconceitos que devem ser ‘derrubados’”. E mais, o
Parlamentar traz à cena a evidência de que a maioria da população do país é
constituída de mulheres, contrastando, porém, com a maioria da representatividade
masculina no âmbito dos parlamentos do País. E enfatiza seu questionamento:
“Como nós não temos, então, mais da metade dos parlamentares do sexo
feminino?” E esclarece o Deputado, que “ainda há muito preconceito na sociedade
em relação às mulheres”. Chama a atenção Deputado Carnopus “à prerrogativa das
cotas, normativa importante que deu visibilidade às mulheres candidatas, quer seja a
deputadas, vereadoras, enfim, a pessoas do sexo feminino que queiram disputar
espaço igual ao dos homens na sociedade.”
Mas no rastro dessa exposição, Deputado Canopus sublinha a
disposição por uma luta ainda maior, à luta pela igualdade de
oportunidades, pela valorização profissional, asseverando que profissionais
“iguais” devem perceber o mesmo salário, e não valor inferior, aludindo à
discrepância existente entre o salário conferido a homens e mulheres que
respondem à idêntica função.
E Deputado Canopus finaliza a exposição de sua reflexão frisando que
“ainda desafios importantes na sociedade brasileira que devemos transpor: um
deles, certamente, é o preconceito de gênero”, o que é confirmado pelos estudos de
Lopes, já em parte registrados.
Ao discorrer sobre a questão do predomínio das mulheres no trabalho
docente e seu pequeno mero na atividade parlamentar, Deputada Vega enfatizou
a “crescente participação da mulher no mercado de trabalho a partir da Segunda
Guerra Mundial, quando tiveram que substituir os homens nas fábricas,
demonstrando competência, trabalho eficiente e eficaz”. Rememorou a Parlamentar
“o papel fundamental exercido pelas mulheres gaúchas à época da Revolução
133
Farroupilha, quando assumiram as fazendas, a fim de que os homens pudessem
dedicar-se às lutas daquele período”. Ressalta, Deputada Vega, que “o charque foi
por elas vendido pelo melhor preço até então”.
Chama a atenção, Deputada Vega, para “o aspecto usual, em nossa
sociedade, de ser o homem o provedor da família, devendo, em conseqüência, ter
um salário maior do que o da mulher”. Enfatizou, a partir daí, “a decorrência de, ao
se fazer política de massa, voltada a um grande número de constituintes, quase que
automaticamente, isso redundar, em termos salariais, num resultado que aponta a
menores índices”. E é isso que acaba acontecendp com as mulheres. O
questionamento que se segue - “por que tanta mulher no magistério?” - enseja
outras reflexões. Uma delas repousa na concepção de que a mulher sai de casa
para “ajudar” nas despesas da casa, nunca para sustentá-la. Por outro lado, “a gente
quando sai -, o faz sempre precisando de algo que justifique por que não se está
dentro de casa, cuidando dela, dos filhos, fazendo a comida”, questiona a Deputada.
Além disso, segundo a Parlamentar, “o magistério é uma área que se identifica com
a mulher, com a questão de ser mãe, de cuidar da casa e dos filhos. Nota-se a
presença de professores homens, a exemplificar isso, mais no ensino médio e
universitário, raramente na educação infantil ou no ensino fundamental”.
Deputada Vega afirma, ademais, que “as mulheres têm ‘um certo dom’ para
lidar com tudo isso”. E acrescenta que “o magistério é uma carreira que atrai as
mulheres, haja vista implicar, minimamente, meio período de trabalho, ensejando
dedicação no outro aos filhos”. “Na política isso é mais difícil”, complementa a
parlamentar. Aliás, segundo ela, “na política tudo é mais difícil. Em primeiro lugar,
porque os espaços partidários não estão ainda muito abertos para as mulheres, a
despeito da regulamentação das cotas”. E explica:
Ainda que estejamos à luz da lei das cotas, os partidos
normalmente preenchem quando preenchem o que são obrigados a
responderem, simplesmente para que o espaço não fique em branco, e
escrevem o nome de uma mulher. Isso não quer dizer que, posteriormente,
ela terá apoio expressivo. Em função disso, decidir participar de tal processo
é difícil para uma mulher.
134
Outro aspecto muito significativo, ressaltado por Deputada Vega, diz respeito
“ao uso da expressão homem público, implicando, geralmente, a distinção de
‘homem importante’, e não correspondendo ao mesmo significado, quando se trata
de ‘mulher blica’. Ou seja, “a mulher, quando entra na vida pública, na política, se
expõe, se sujeita à crítica diferentemente”. E ela entende ser esse “um processo
difícil”. Apesar de tudo, segundo a parlamentar, “as mulheres estão superando bem
isso”. Ao nível do partido, o número de mulheres estaria crescendo, no que diz
respeito ao índice de vereadoras hoje acrescido em 20% -; e no que respeita às
prefeituras, se antes tinham conquistado duas vagas, na data contavam com cinco.
Ressaltou Deputada Vega ter “ciência de seu papel de disseminadora do
exemplo de mulheres que atingem seu objetivo de participar da vida pública, na área
da política”.
Relatou, inclusive, a relutância com que seu primogênito encarou a
possibilidade de aceitar sua participação na vida política, diferentemente do que
sempre ocorrera com o pai, enfatizando, até, que “chegava o pai na política”.
“Parecia-lhe mais simples”, conforme a parlamentar, “aceitar o pai fazendo aquele
trabalho, expondo-se, sujeitando-se a críticas, a julgamentos... no que pertine à
mãe... seria diferente”.
Rememorou, também, a parlamentar, “quão importante foi poder contar com
o aval” de seu filho quando partilhou com ele a possibilidade de concorrer ao
parlamento estadual, consubstanciado no cartão que lhe foi ofertado no Dia das
Mães, portando os dizeres: “Eu te desejo boa sorte”. então se sentiu liberada,
podendo participar do pleito. Salientou
a dificuldade que uma decisão desse porte acarreta para a mulher,
ainda que ela queira aceitar, em decorrência de tudo com que deverá
conviver posteriormente. Muitas se desiludem logo no início da experiência,
por julgarem que, enquanto mulheres, serão tratadas de modo diferente. E
não o serão, haja vista que durante o processo eleitoral estarão competindo
com todos os outros homens, de igual para igual.
“E eles usarão de todos os artifícios que utilizariam normalmente”,
acrescentou ela, “e será necessário estar preparada para isso”.
135
Por outro lado, Deputada Vega comentou ainda, que “a experiência
parlamentar propicia a vivência de situações as mais variadas; algumas”, reconhece,
implicam certa dificuldade para os homens de tratarem as
mulheres parlamentares em igualdade de condições. É difícil para eles
aceitarem te tratar em igualdade de condições, até pela formação,
educação, por terem que tratar a mulher de forma diferente e por terem que
esperar que ela demonstre uma postura diferente daquela que repisa o ‘sou
igual’. Então, isso choca um pouco.
Perguntada a respeito dessa mesma temática, Deputada Capella
reconheceu que tal questão facilmente vem à tona, à discussão, lembrando que “o
predomínio das mulheres na docência e na enfermagem culturalmente remonta
muitos anos atrás.
De outra parte, segundo Deputada Capella, a despeito da evolução do papel
da mulher na sociedade, ampliando, diversificando espaços de atuação, “a
participação feminina na área da política enseja ainda muito crescimento, superação
de forte preconceito”. No entender da parlamentar, “cabe às mulheres ampliarem
seu exercício no âmbito político-partidário, demonstrando que podem contribuir na
execução de atividades que definem a vida de cada um de nós todos os dias”.
Enfatizando não querer “simplesmente criticar”, Deputada Capella revelou
reconhecer “mais nitidamente da parte de alguns colegas um sentimento forte que
se traduz em manifestações espontâneas, emitidas automaticamente, tais como:
‘Ah, não, é porque é mulher...’” Ou, ainda, “quando estão num grupinho,
conversando sobre algum assunto qualquer, e a gente se aproxima... ocorre uma
espécie de corte. Não é por parte de todos, mas a gente sente”.
Deputada Capella ilustrou suas afirmações acrescentando que no relevante
episódio em que manteve um posicionamento divergente dos demais companheiros
de partido, se deparou com dois tipos de reações. Uma que resultava em
comentários deste tipo: “Ah, podia ter sido uma mulher, para ter resistido às
pressões”; “isso quem poderia ter feito é uma mulher”, dando a entender que
somente uma mulher teria coragem de ser firme, de defender suas idéias com tal
convicção, a despeito do risco das inúmeras perdas que tal posicionamento
136
implicava. Outra, em tom pejorativo, demonstrando o incômodo causado a algumas
pessoas, um certo desdém, era assim enunciada: “Ah, isso é porque foi uma
mulher”. A primeira, todavia, foi emitida por um maior número de pessoas,
expressada com mais intensidade.
“A grande concorrência que se verifica no universo da vida política”, no dizer
de Deputada Capella, “provavelmente explique tal reação, ainda que, em
contrapartida, verifiquem-se aqueles que entendem ser importante a participação da
mulher, que sabem ouvi-la, que se dispõem a acolher seus pontos de vista, a
partilhar da defesa ou do rechaço das idéias que externa”. Para ela, “a cada dia, a
mulher mostra que tem mais garra, mais segurança nas coisas que faz, sabe o que
quer e procura alcançar seus objetivos de forma muito intensa, lutando por eles.” “E
isso”, para a parlamentar, “é o mais importante de tudo.”
Deputado Arcturus, quando instado a falar sobre a questão do predomínio
das mulheres no trabalho docente e seu pequeno número na atividade parlamentar,
iniciou sua manifestação registrando sua “admiração por elas, por sua participação
na política”, ainda que ressalte ser “pouca, frente a sua enorme capacidade.”
Reconhece “a primazia anterior das mulheres no que se refere ao magistério
primário”, mas sublinha que “nos dias de hoje, vêem-se homens exercendo plena e
competentemente a docência no Ensino Fundamental e Médio.Em contrapartida,
assinalou “a mudança no âmbito universitário, antes predominantemente
representado pelos homens, tanto na discência quanto na docência; atualmente,
impregnado da presença feminina, quer seja enquanto alunas, quer seja enquanto
professoras, quer seja enquanto pesquisadoras.
Ao comentar que cada vez “mais mulheres ocupando espaços que lhe
são próprios, nas mais diversas profissões”, lembra de sua experiência, ainda como
reitor, quando “havia cursos freqüentados exclusivamente por homens e outros
exclusivamente por mulheres”. “Hoje”, diz ele, “não existe mais isso.” “Nem o curso
de Moda e Estilo é feminino, tampouco o de Relações Públicas ou o de Secretariado
Executivo. Por sua vez, os cursos de Engenharia Mecânica ou o de Mecatrônica não
contemplam interesse tão-somente do público masculino. Enfim, arremata o
137
Parlamentar, “neste início de culo, cada vez menos parece existir espaço privativo
do homem ou da mulher.”
138
6 INFERÊNCIAS PROVISÓRIAS...
As manifestações dos entrevistados revelam que todos reputam significativa
importância à opção inicial pelo magistério em suas vidas. Relacionam suas
respectivas escolhas à identificação de vocação para o exercício da docência,
confirmando o quanto o “discurso da vocação” se perpetua, ainda que dois deles
tenham situado a concepção corrente de que a alusão à vocação tem servido como
álibi para a baixa valorização econômica dos professores.
Todos dizem, de um modo ou de outro, que se sentiam comprometidos com
a formação de sujeitos capazes de conquistarem e exercerem cidadania e com a
construção de um mundo melhor. A busca da realização desse objetivo teria
ensejado a escolha da atividade a que se dedicam atualmente, ampliando a
dimensão de suas atuações na sociedade.
No que pertine a aspectos do profissionalismo docente, três dos
parlamentares mencionaram que participaram de algum tipo de atividade que lhes
conferiu qualificação curso, seminários; um referiu que o Estado nunca lhe
ofereceu tal oportunidade; outro não fez alusão a esse tema. Todavia, houve
unanimidade na menção, de uma forma ou de outra, de que os professores devem
estar preparados para o exercício de suas atividades. Ainda nesse viés, dois
enfatizaram a necessidade de realização de concurso público para professores nos
diversos níveis da educação, bem como para funcionários de escolas e
universidades.
Enquanto parlamentares, todos vêm trabalhando para a consecução dos
objetivos a que se propuseram desde quando exerciam a docência, alargando o
espectro de suas atuações tanto por meio das ações realizadas na comissão que
integram e que se ocupa dos assuntos da Educação quanto através de suas
respectivas iniciativas, desenvolvidas a partir de seus gabinetes parlamentares, ou
no âmbito de suas agremiações partidárias.
Os três deputados e as duas deputadas reputam máxima importância e
comprometimento para com a responsabilidade que detiveram nos diversos espaços
139
escolares em que atuaram, cientes da importância do desempenho de seus
respectivos papéis não só junto ao alunado bem como aos seus pares.
Ainda que por diferentes caminhos, os cinco parlamentares dizem ter
buscado a carreira política como uma via de ampliação da possibilidade de
contribuírem para as mudanças que identificam como necessárias na sociedade e
para a construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa em todos os
sentidos. Deputados Sírius e Canopus sublinharam várias vezes discursos que
lembram as palavras de Semeraro (2004, p. 60), ao falar “da necessidade de se
construir consenso entre sujeitos sociais organizados em busca de valores públicos
e de projetos coletivos de sociedade.”
Todos os sujeitos da pesquisa mencionaram estar perseguindo a realização
dos pontos constitutivos de suas plataformas eleitorais, ora através de realizações
pontuais, ora contribuindo na construção de políticas que ensejem a efetivação do
exercício dos direitos atinentes ao universo da Educação.
Verificou-se que as deputadas e os deputados entrevistados desenvolveram
ações na área da educação e correlatas, quer seja por meio do próprio gabinete
parlamentar; por meio da comissão relativa à área, da qual todos são integrantes;
quer seja por meio das respectivas Bancadas, ou mesmo em âmbito maior, de
cunho partidário ou constituído de alianças político-partidárias.
Os cinco respondentes vêem a educação como libertação, como
conscientização. A par de suas manifestações, registradas por meio de um discurso
com forte influência de Paulo Freire, verifica-se uma visão de homem autônomo,
solidário, apto ao exercício da cidadania, atento ao coletivo, ao desenvolvimento de
seu ambiente, de seu estado de seu país. Certamente, a predominância desses
seus discursos relaciona-se com o período da educação brasileira em que foram
constituídos. Embora se tratem de discursos mais antigos o do desenvolvimento,
por exemplo, bastante utilizado nos governos militares, os entrevistados trazem
novas preocupações. Deputado Canopus, por exemplo, menciona a AIDS, respeito
às etnias, às diferenças, ao meio ambiente, questões que só mais recentemente têm
chegado à arena educacional. Deputado Sírius enfatiza, igualmente, a necessidade
140
de respeitarem-se as diferenças. Deputada Capella registrou várias vezes a questão
da segurança enquanto “sério problema da população mundial, das grandes, médias
e pequenas cidades”.
São unânimes no reconhecimento do preconceito, ainda verificável, no que
tange às mulheres, a despeito de seu inegável e gradativo crescimento. A par disso,
especialmente dois participantes manifestaram reconhecimento de preconceito em
relação ao gênero masculino, especialmente no magistério, o que enseja,
provavelmente, mais investigações e aponta, cada vez mais, para a necessidade da
eliminação de fronteiras entre funções e ocupações generificadas ou recomendadas
para um ou outro gênero.
Ainda no atinente às questões de gênero, os homens sublinham um
rompimento com o pensamento dicotômico: feminino em oposição ao masculino,
ainda que não descurem a histórica trajetória da mulher na nossa sociedade. É
evidente o reconhecimento de sua parte de que se verifica, no âmbito da educação,
preconceito em relação aos homens. Ambas as mulheres, no entanto, relatam, ainda
que não por parte de todos os colegas, ou durante o tempo todo, sinais de
preconceito, no ambiente ora freqüentado, isto é, no parlamento estadual.
Mesmo que não tenha transparecido em todos os depoimentos, a maioria
dos entrevistados posiciona a educação e a política como acessos imprescindíveis à
conquista da cidadania, à realização profissional e pessoal.
Todos os parlamentares validam a efetivação da pesquisa, ainda que sob
ênfases diferentes, enfatizando sua iniciação na escola, desenvolvendo-se nos
diversos níveis, de sorte a garantir a produção de novos conhecimentos, tecnologias,
enfatizando que seus resultados devem ser divulgados e colocados a serviço de um
mundo humanizador, como é particularmente assinalado pelos Deputado Sírius e
Arcturus.
Todos os entrevistados registraram valorizar, profundamente, a vocação
tanto para o exercício do magistério quanto para o do parlamento estadual. De uma
141
forma ou de outra, todos mostraram em seus discursos - preocupação e
comprometimento com a comunidade, com a sociedade, em geral.
Foram unânimes, igualmente, os parlamentares entrevistados, quanto ao
reconhecimento de que a formação e o exercício da docência conferiu-lhes
qualificação para o desempenho no Legislativo Estadual ao nível de conhecimento,
de experiência, comunicação, de ética.
No que tange às expectativas que tinham e às que têm agora, todos
parecem demonstrar de um modo ou de outro, reconhecer as limitações que a
realidade lhes impõe, tanto de ordem dos mecanismos que regem a economia,
quanto das corporações nacionais e internacionais, da mídia, etc. Com o tempo, o
‘realismo político’ e a ‘governabilidade’ obrigam a compromissos e levam à
conclusão de que, “afinal, o diabo o é como se pintava.” Ainda mais quando no
processo eleitoral e no exercício das funções executivas, as movimentações
econômicas exercem um papel determinante e a política passa a ter um manejo
essencialmente empresarial e midiático.
6.1 À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS DESTA ETAPA...
Enfim, iniciei esta investigação mobilizada por questionamentos que me
vinha propondo a respeito dos motivos que levam docentes a mudarem ou
acrescentarem às suas trajetórias profissionais a atividade parlamentar, mais
especificamente, tornando-se deputados ou deputadas. Abri esta porta e me deparei
com inúmeras outras. Atingi este objetivo, mas, ao fazê-lo, instituíram-se outros.
Nesta etapa, as representações de educação mais recorrentes foram as da
educação como libertação e fator de desenvolvimento. As identidades docentes
mais referidas foram as da vocação, bastante perpassadas por questões de ordem
política e profissional valorização, salário, qualificação. As principais conexões que
os entrevistados estabeleceram entre docência e o exercício legislativo – este, como
expansão da anterior, refletem uma visão bastante idealista de luta por democracia,
que os arrebatou enquanto professores e os impulsiona enquanto deputadas e
deputados. Perscrutar especialmente a prática desses professores-legisladores, no
dia-a-dia de seus gabinetes, nas suas atuações nas comissões em que participam;
acompanhar suas respectivas ações na construção e concretização de políticas que
142
se fazem necessárias no universo da educação; examinar as diversas modalidades
de acesso que constituem, concorrendo para a solução de impasses que se
apresentam nessa área, para a construção de parcerias com os diversos organismos
e instituições, cuja ação conjunta possa garantir melhorias para a sociedade...
Enfim... Esses e outros propósitos estão tomando forma... prenunciando outra
etapa, outra viagem...
143
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149
ANEXOS
150
ALGUNS QUESTIONAMENTOS... À GUISA DE ESBOÇO DE ROTEIRO DE
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA:
1) Nome:
2) Idade:
3) Formação como professor:
4) Área de atuação no magistério:
5) Disciplina(s) que ministrou:
6) Período de atuação:
7) Como explica sua opção por torna-se professor/professora? Fale um pouco de
sua trajetória nessa dimensão.
8) Dentro do seu trabalho como docente, como entendia e entende a educação? A
partir disso, qual seria o papel da escola? E do aluno? Da professora, do professor?
E de parlamentar?
9) A partir de que idéias inspiradoras constituiu sua prática? Que nomes e enfoques
destacaria para tanto?
10) Quando e por que resolveu iniciar carreira na política? Começou diretamente no
âmbito parlamentar? Como tem sido sua trajetória neste âmbito?
11) Em razão disso, ampliou ou mudou seu modo de pensar? Quem/o que ampliou?
Se mudou, quem/o que mudou?
12) Sob que pressupostos está constituindo a sua prática parlamentar?
151
13) Enquanto professor/professora qual ou quais eram os seus maiores focos de
atenção? Enquanto parlamentar, o que mais mobiliza os seus cuidados?
14) Como via o resultado de sua atuação enquanto professora/professor? Como
o resultado de sua atuação enquanto deputado/deputada?
15) Como percebia a criação e concretização de políticas na área da educação
enquanto professor/professora? E agora, enquanto parlamentar?
16) Não há comparação entre o salário de uma/um professora/professor e um/uma
parlamentar. Como o Senhor/a Senhora lida com essa mudança, consigo
mesmo/mesma e com os antigos colegas de classe?
17) Como se relacionam a prática docente e a prática parlamentar?
18) Como o/a parlamentar pode ajudar a/o professora/professor?
19) Ser ou ter sido professor/professora lhe trouxe/traz alguma vantagem/facilidade
na nova atuação?
20) Ser ou ter sido professora/professor significa alguma diferença na relação com
os novos companheiros de trabalho no Legislativo?
21) Mantém vínculo com os colegas do magistério? Como? Com que freqüência?
22) Enquanto professor/professora, como via e interagia com a pesquisa científica?
E enquanto parlamentar, como e interage com tal modalidade de ensino e de
trabalho?
23) Quais são os conhecimentos, habilidades, atitudes, competências, enfim, o que
se exige em termos de preparo para ser professor e para ser parlamentar? Como
vão-se constituindo esses saberes?
152
24) É possível estabelecer semelhanças e/ou diferenças entre a/as finalidades do
trabalho das professoras/dos professores e dos/das parlamentares?
25) Como a questão do predomínio das mulheres no trabalho docente e seu
pequeno mero na atividade parlamentar? Como isso se explica e que
conseqüências teria para a imagem da docência e do parlamento?
27) Finalmente, como a questão da vocação no magistério, é importante...
determinante? E na atividade parlamentar?
153
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R696d Rodrigues, Marilene Scalabrin
De professores a parlamentares: da sala de aula ao plenário / Marilene Scalabrin
Rodrigues - Canoas, 2005.
152 f.
Diss. (Mestrado em Educação) – Universidade Luterana do Brasil. Canoas, 2005
Orientação: Dra. Rosa Maria Hessel Silveira
1. Estudos culturais 2. Política 3. Educação 4. Docência
5. Parlamentar 6. Deputado 7. Professor I. Silveira, Rosa Maria Hessel
CDU 3
7:32
(Bibliotecária responsável: Anneliese Dalmoro – CRB 10/1528)