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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fhoutine Marie Reis Souto
Depois da queda das torres: A cobertura jornalística do 11 de Setembro
nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS: POLÍTICA
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fhoutine Marie Reis Souto
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência
parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais
Política, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação da Professora
Doutora Vera Lúcia Michalany
Chaia.
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
Para minha família.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, pela bolsa que tornou possível a realização deste trabalho;
À minha orientadora, Vera Chaia, que me acolheu de braços abertos e me ajudou a
encontrar meu caminho.
À minha família. Meu marido, Guilherme, meus pais, Paulo e Benise, meus irmãos
Álvaro e Pauline, meu amigo felino, Zaratustra. Pelo afeto, conselhos e apoio nessa
jornada e na vida. Amo vocês.
Aos professores do programa de Ciências Sociais, Ana Amélia, Carla Cristina, Carmen
Junqueira, Edson Passetti, Miguel Chaia, Silvana Tótora, em especial ao professor
Lúcio Flávio, que me orientou durante quase dois anos e teve a grandeza de me dar
liberdade para seguir em frente quando nossos caminhos não mais coincidiram.
Aos amigos Lincoln Noronha, Violeta Caldeira, Izabel Costa, Augusto Mozine, João
Carlos Botelho, Tatiana Moura, Danilo Valença, Silvana Martinho, Synthia Alves,
Leandro Siqueira e tantos outros com quem dividiram alegrias e anseios nas mesas do
bar do Seu Paulo. À Mariana Faraco pela fundamental. Aos queridos Carlos Chernij,
Ygor Salles, Rafael Machado e a todos o ex-focas que de alguma maneira contribuíram
para a realização deste trabalho, como jornalistas e como amigos.
Ao Octávio, com quem aprendi a acreditar.
Muito obrigada!
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a cobertura do 11 de Setembro
realizada pelos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. São analisados textos
publicados pelos dois periódicos no dia seguinte aos atentados e em seus aniversários
até o ano de 2008. Pretende-se verificar como os jornais fazem o recorte da realidade a
partir desta data, verificando a quantidade de textos produzidos pelos jornais ao longo
dos anos, a influência das agências de notícias e meios de comunicação estrangeiros e
os temas predominantes na cobertura. A análise tem como base as reflexões de Michel
Foucault sobre discurso, produção de verdades e a relação saber-poder e o conceito de
palavra de ordem, de Gilles Deleuze e Felix Guattari.
Palavras-chave: 11 de Setembro, jornalismo, produção de verdades, terrorismo.
ABSTRACT
The present research has as study object the press covering of the 9/11 by the
newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo. Texts published on both
periodicals in the following day to the attempted against and in its anniversaries until
the year of 2008 are analyzed. It is intended to verify as the periodicals make the
clipping of the reality from this date, verifying the amount of texts produced for
periodicals throughout the years, the predominant influence of the agencies of notice
and foreign medias and subjects in the covering. The analysis has as base the reflections
of Michel Foucault on speech, production of truths and the relation know-power and the
concept of word of order of Gilles Deleuze and Felix Guattari.
Key-words: 9/11, journalism, production of truths, terrorism.
Verdade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................................11
Capítulo I - A ordem do discurso e a palavra de ordem............................................13
1- Assumir uma outra teoria do poder.............................................................................14
A ordem do discurso........................................................................................................18
2- Discorrer, disciplinar, controlar..................................................................................22
3- Construção de universais e palavra de ordem.............................................................23
Capítulo II - Entre teoria e prática: o campo jornalístico.........................................28
1- Os meios e os fatos.....................................................................................................29
a) A influência da televisão e a autoreferencialidade jornalística...................................29
b) Jornalistas como objeto...............................................................................................32
2- Jornalismo à distância.................................................................................................33
a) Limites da cobertura internacional..............................................................................33
b) Jornalismo internacional na “era do terror”................................................................34
c) Terrorismo: uma palavra, vários significados.............................................................38
Capítulo III - Da queda do muro à queda das torres.................................................43
1- Depois do muro, antes das torres................................................................................44
2- As novas faces da direita estadunidense.....................................................................49
a) O “núcleo duro” do governo Bush..............................................................................49
b) Duas constantes na história norte-americana..............................................................51
3- Neoconservadorismo e neoconservadores..................................................................53
a) Origens........................................................................................................................55
b) Promoção da democracia e ênfase no poder militar...................................................56
c) O caso do Iraque.........................................................................................................58
d) Neoconservadores e a grande imprensa estadunidense...............................................61
4 – Cruzadas do século XXI............................................................................................63
Capítulo IV O 11 de Setembro nas páginas dos jornais brasileiros.......................66
1-Folha de S. Paulo.........................................................................................................68
a) A cobertura do dia seguinte.........................................................................................68
b) 11/09/2002...................................................................................................................74
c) 11/09/2003...................................................................................................................76
d) 11/09/2004...................................................................................................................79
e) 11/09/2005...................................................................................................................81
f) 11/09/2006...................................................................................................................82
g) 11/09/2007...................................................................................................................85
h) 11/09/2008...................................................................................................................85
2- O Estado de S. Paulo...................................................................................................86
a) 12/09/2001...................................................................................................................86
b) 11/09/2002...................................................................................................................90
c) 11/09/2003...................................................................................................................92
d) 11/09/2004...................................................................................................................93
e) 11/09/2005...................................................................................................................97
f) 11/09/2006...................................................................................................................98
g) 11/09/2007...................................................................................................................99
h) 11/09/2008...................................................................................................................99
3- Balanço da cobertura nos dois jornais.......................................................................101
a) Números do 11 de Setembro.....................................................................................101
b) Hipóteses de outros autores.......................................................................................103
c) A cobertura nas categorias pré-definidas..................................................................104
Considerações finais....................................................................................................109
Bibliografia...................................................................................................................112
Anexo I Tabelas
Anexo II Textos selecionados
11
INTRODUÇÃO
O que você estava fazendo em 11 de setembro de 2001? Qualquer pessoa que
viveu aquele dia é capaz de dizer exatamente o que estava fazendo quando tomou
conhecimento dos atentados. Você mesmo, ao ler o início deste parágrafo deve ter se
lembrado imediatamente do que fazia e de como reagiu à notícia. Em 11 de setembro de
2001 eu era estudante de graduação em Comunicação Social Jornalismo e fazia
estágio na assessoria de comunicação da Federação das Indústrias do Pará. A sala onde
trabalhava com mais uma estagiária e três jornalistas estava localizada no mesmo andar
da presidência da instituição. Era uma terça-feira comum, até que o presidente da
instituição entrou correndo na sala de assessoria de imprensa dizendo para ligar a
televisão. Algo terrível havia acontecido em Nova York, mas ninguém sabia exatamente
o quê.
Após algumas horas fui incumbida de selecionar material sobre os atentados
para a diretoria. No primeiro dia minhas fontes foram os sites de notícias. Do dia
seguinte em diante, os jornais de circulação nacional. Lembro que fiquei impressionada
com o volume de material publicado sobre o assunto, com a repetição incessante das
imagens do avião atingindo a segunda torre e a posterior queda do edifício.
Uma das regras não escritas do jornalismo diz que sempre em um caso como
esse (tragédias em geral), a primeira coisa a se investigar é se há alguma vítima
brasileira ou pelo menos testemunhas do ato. As duas coisas vieram, assim como as
interpretações dos especialistas e os anúncios de que “começara o século 21”.
Anos depois, já num curso de especialização em Jornalismo Internacional,
estudei a cobertura da eleição presidencial dos Estados Unidos de 2004, a primeira
disputa eleitoral após o escândalo da apuração na Flórida, em 2000. Nesse trabalho
pesquisei como a política de inspiração neoconservadora do governo dos Estados
Unidos foi abordada pelo jornal O Estado de S. Paulo no contexto da campanha e da
reeleição de George W. Bush. A conclusão foi que o jornal reproduzia o que era ditado
pela imprensa estadunidense e não apenas não se referia ao projeto neoconservador
diretamente, como atribuía a vitória de Bush a uma suposta retomada dos “valores
morais” dos Estados Unidos. A guerra do Iraque e a “cruzada” empreendida contra o
terror foram analisadas como conseqüências dos atentados de 11 de setembro.
12
Esta dissertação de mestrado é uma continuação deste primeiro trabalho, embora
com um rumo diferente. Neste trabalho se estuda a cobertura jornalística brasileira dos
atentados de 11 de setembro nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Nele
são analisados textos noticiosos e opinativos (reportagens, artigos e editoriais)
publicadas nos referidos jornais no dia seguinte aos atentados ao World Trade Center e
Pentágono e as edições de “aniversário” do evento até o ano de 2008.
O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro encontra-se o
referencial teórico-metodológico que irá nortear a análise: as proposições de Michel
Foucault sobre poder e análise do discurso e o conceito de palavra de ordem de Gilles
Deleuze e Félix Guatarri. A segunda parte aborda o campo jornalístico. Começa com
algumas reflexões de Pierre Bourdieu sobre os meios de comunicação em massa e a
autoreferencialidade da mídia. Em seguida aborda-se o cotidiano das redações na
produção das notícias internacionais e apresentam-se algumas reflexões sobre a
cobertura na “era do terror”.
O terceiro capítulo discorre sobre o 11 de Setembro. Este capítulo divide-se em
duas partes. A primeira, de contextualização histórica dos atentados, comenta formas de
interpretação do mundo que ganharam força após o fim da Guerra Fria, como as teses
do Fim da História e do Choque de Civilizações, passando pelo questionamento da
hegemonia dos Estados Unidos e a ascensão dos neoconservadores. Na segunda parte
analisa-se o 11 de Setembro como uma linha de fuga, um acontecimento-catalizador,
desestabiliza e redefine conteúdos e expressões. Por último, o quarto capítulo traz a
pesquisa em si, a caracterização da cobertura de cada um dos jornais escolhidos e em
que aspectos elas se assemelham e se diferem.
O recorte deste estudo compreende quase oito anos de cobertura desde aquela
manhã de Setembro, o que torna tentador arriscar respostas para a pergunta “o mundo
mudou após o 11 de Setembro?”. Ou ainda “os atentados são uma prova do declínio dos
Estados Unidos?”. Não arriscarei respostas. Tentar respondê-las fugiria aos objetivos
deste trabalho e implicaria construção de verdades. É sobre este tema que minha
reflexão se debruça: investigar a produção de verdades sobre o 11 de Setembro nas
páginas de dois grandes jornais brasileiros.
13
CAPÍTULO I
A ORDEM DO DISCURSO E A PALAVRA DE ORDEM
14
Neste capítulo encontram-se as abordagens teórico-metodológicas que servirão
de base para a análise da cobertura de 11 de Setembro de 2001. Os autores aqui
discutidos têm uma concepção do discurso que não procura causas ou intencionalidades
que estariam ocultos nos discursos, concentram-se em como os discursos são
produzidos. Da mesma forma, esta opção teórica afirma outro conceito de poder, na
qual não se tenta localizá-lo num lugar específico (o aparelho de Estado ou uma classe
dominante) , mas se concentra nas condições de sua produção. Trata-se de outra forma
de interpretação, outro modo de pensar as relações de poder e sua interface com a
produção de saberes em uma determinada sociedade.
1- Assumir uma outra teoria do poder
A concepção de poder empregada neste trabalho está amplamente descrita na
obra de Michel Foucault, sobretudo na produção do filósofo na década de 1970. Neste
período se dá a passagem das análises arqueológicas elaboradas na década anterior
1
-
voltadas principalmente para questões relativas às constituições dos saberes para o
período conhecido como “genealogia”, que enfoca os mecanismos de poder. Dentre os
escritos desta fase
2
, destacam-se Vigiar e Punir e o volume I da História da
Sexualidade, intitulado A Vontade de Saber. A proposta era investigar o como do poder,
as articulações entre saber e poder mediadas pelos “modos de produção de verdade”
(Muchail, 2004).
“Quando penso na mecânica do poder, penso em sua forma capilar de
existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos indivíduos, atinge
seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos,
sua aprendizagem, sua vida cotidiana” (Foucault, 2001:131).
É sobre os discursos científicos e particularmente sobre as ciências humanas que
vai incidir esta investigação. Nesse momento de sua obra, Foucault amplia o âmbito das
análises e passa a priorizar o cruzamento dos discursos com a trama das instituições e
práticas sociais. Assim, “arqueologia e genealogia se distinguem ao mesmo tempo em
que guardam, de certo modo, a mesma natureza e o mesmo teor”. Os propósitos da fase
1
Entre os principais livros publicados no período estão História da loucura (1961), O nascimento da
clínica (1963), As palavras e as coisas (1966) e Arqueologia do Saber (1969).
2
Muchail explica que tanto os estudiosos de Foucault quanto ele próprio reconhecem três momentos
em sua trajetória, que se dividiria em “arqueologia”, “genealogia” e nas questões relativas à
constituição do sujeito ético.
15
genealógica já estavam presentes nos primeiros escritos, mas o próprio Foucault adverte
que há neste momento uma mudança na condução das análises. Poder-se-ia dizer que a
arqueologia é englobada e ampliada na genealogia. Enquanto a primeira efetua “uma
análise descritiva veiculando uma denúncia”, a segunda “constrói uma política de
resistência e de luta” (Muchail, 2004:15).
A genealogia vai combater os efeitos de poder próprios de um discurso
considerado científico. Trata-se de uma insurreição dos saberes, não tanto contra os
métodos ou conceitos de uma ciência, mas contra os efeitos centralizadores de poder
que estão vinculados à instituição e ao funcionamento dos discursos científicos
organizados no interior de nossa sociedade. Nesse sentido, as genealogias são anti-
ciências. Porém, não é pelo empirismo que perpassa o projeto genealógico e sim por
fazer emergir saberes locais, descontínuos, não-legitimados, desqualificados, enfim,
toda uma gama de “saberes sujeitados”, contra uma instância teórica que pretenderia
hierarquizá-los em nome de um conhecimento verdadeiro (Foucault, 1999).
Quando se refere ao poder, o autor não se refere a um “Poder” como conjunto de
instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado
determinado. Tampouco a um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou
grupo sobre outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social
inteiro. Não se deve tomar o poder como um fenômeno de dominação maciça e
homogêneo de um indivíduo sobre outros, de um grupo sobre outros, de uma classe
sobre outras. Poder não é uma instituição nem uma estrutura; não é uma potência de que
alguns sejam dotados.
Dentro desta linha é possível destacar algumas proposições:
O poder não é algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou se
deixe escapar; o poder se exerce a partir de certos pontos e em meio a relações
desiguais e móveis.
As relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a
outros tipos a outros tipos de relações (processos econômicos, relações de
conhecimentos, relações sexuais), mas lhe são imanentes.
16
O poder não vem de baixo; isto é, não há, no princípio geral das relações de poder, e
como matriz geral, uma oposição binária e global entre dominadores e dominados.
O poder, segundo esta perspectiva deve ser compreendido como “a multiplicidade
de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua
organização” (1988: 102). Poder é uma situação estratégica complexa numa sociedade
determinada, algo que circula e que se exerce em rede e que perpassa todos os que estão
nesta trama. O poder está em toda parte, não porque englobe tudo e sim porque provém
de todos os lugares. Trata-se, em suma, de uma concepção do poder que “substitua o
privilégio da lei pelo ponto de vista do objetivo, o privilégio da interdição pelo ponto de
vista da eficácia tática, o privilégio da soberania pela análise de um campo múltiplo e
móvel das correlações de força” (1988:112).
“O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como
algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali,
nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza
ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os
indivíduos (...) são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o
poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles”. (Foucault, 2001:
183)
Esta forma de se conceber o poder está em contraposição a algumas noções
clássicas do pensamento político como a teoria jurídica clássica do poder, na qual o
poder é considerado um direito do qual se seria possuidor e que seria da ordem da
cessão e do contrato. A constituição do poder político nessa série se faz num conjunto
teórico cuja base seria o modelo da troca contratual (características expressas em
Hobbes e demais contratualistas). Nega-se também a concepção marxista de
“funcionalidade econômica do poder”, na qual o papel essencial do poder seria manter
as relações de produção e ao mesmo tempo reconduzir a uma dominação de classe. Para
Foucault, o poder não se dá nem se troca. Ele se exerce, só existe em ato. Assim, poder
não é primariamente recondução das relações econômicas, mas primariamente uma
relação de força.
As grandes instituições que se desenvolveram na Idade Média a monarquia, o
Estado com seus aparelhos tomaram impulso sobre um fundo de multiplicidades de
poderes preexistentes. Elas conseguiram se implantar e se fazer aceitar porque se
apresentaram como instâncias de regulação (Foucault, 1988). O papel essencial da
17
teoria do direito desde a Idade Média é o de fixar a legitimidade do poder, problema
central da soberania. É necessário, então, que nos libertemos da imagem do poder
traçada pelo os teóricos do direito e do Estado e construir uma analítica do poder que
não tome mais o direito como modelo e código.
“Trata-se, portanto de, ao mesmo tempo, assumir uma outra teoria do
poder, formar outra chave de interpretação histórica; e, e examinando
de perto todo um material histórico, avançar pouco a pouco em direção
a outra concepção do poder. Pensar, ao mesmo tempo, o sexo sem a lei e
poder sem o rei”. (Idem, 1988: 101)
Foucault adverte que não há poder que não se exerça sem uma série de objetivos,
mas isso não quer dizer que esses objetivos resultem da escolha individual de um sujeito
ou um grupo que preside sua racionalidade. A racionalidade do poder é a das táticas que
se encadeiam entre si e que esboçam dispositivos em conjunto. A diferença da análise
proposta é que ela seja feita inversamente; ao invés de deduzir qualquer coisa da
dominação de classe burguesa, por exemplo, dever-se-ia primeiramente verificar como
alguns mecanismos se articularam de modo a começarem a ser economicamente
lucrativos e politicamente úteis. Os mecanismos de controle relativos à exclusão da
loucura, repressão da sexualidade, aparelhagem de vigilância, mudanças no tratamento
dado à delinqüência, toda essa micromecânica do poder representou em certo momento
um interesse para a burguesia e por esta razão foram acabaram por finalmente ser
adotados pelo sistema de Estado.
Do mesmo modo devem ser vistas as transformações no nível das técnicas de
poder nos séculos XVII e XVIII, quando surgiram técnicas essencialmente centradas
nos corpos individuais, que lhes aumentavam a força útil através do exercício, do
treinamento e que se exerciam por meio de um sistema de vigilâncias, hierarquias e
relatórios, a tecnologia disciplinar do trabalho. Ou o processo que se delineou a partir
do século XVIII e que levava em conta não mais os corpos individuais, mas o conjunto
de fenômenos de uma população. Tanto no caso do poder disciplinar
3
quanto na
biopolítica
4
, há diversas estratégias de poder que atuam em conjunto, se apoiando umas
3
Foucault descreve detalhadamente a sociedade de disciplina e os procedimentos de adestramento do
corpo em Vigiar e Punir (1975).
4
A passagem da sociedade disciplinar para outro momento e a uma nova tecnologia de poder, a qual o
Foucault chamou de biopolítica estão descritos no curso do Collège de France, Em defesa da
18
nas outras e que são, sim, utilizadas pelos aparelhos de Estado, embora estes
movimentos não ocorram apenas por decisão do Estado. Há para o seu funcionamento,
algo fundamental, que é a produção de saberes.
“Em vez de orientar a pesquisa sobre o poder para o âmbito do edifício
jurídico da soberania, para o âmbito dos aparelhos de Estado, para o
âmbito das ideologias que o acompanham, creio que se deve orientar a
análise do poder para o âmbito da dominação (e não da soberania),
para o âmbito dos operadores materiais, para o âmbito das formas de
sujeição, e para o âmbito, enfim, dos dispositivos de saber” (1999: 38).
No primeiro volume de História da Sexualidade, Foucault fala regra da
polivalência tática dos discursos, que institui o discurso como lugar onde vão se
articular poder e saber. Deve-se conceber o discurso como uma série de segmentos
descontínuos, suja função tática não é uniforme nem estável. Mais precisamente, o que
Foucault diz é que “não se deve imaginar um mundo do discurso dividido admitido e o
discurso excluído, ou entre o discurso dominante e o dominado; mas, ao contrário,
como uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias
diferentes” (1988: 111). Nesta proposição o discurso é simultaneamente instrumento e
efeito de poder. Não existe um discurso de poder de um lado e em face dele outro que se
contrapõe. Dentro de uma mesma estratégia podem circular discursos diferentes e
contraditórios.
Neste jogo complexo e instável o discurso pode ser também lugar de resistência
e ponto de partida de uma estratégia oposta. Se o discurso veicula, produz, reforça o
poder, ele também o mina, expõe, debilita. Onde há poder há resistências e esta nunca
se encontra em exterioridade em relação ao poder. Os pontos de resistência estão
presentes em toda rede do poder, distribuídos de modo irregular e diferentes entre si.
Resistências no plural que algumas vezes podem operar grandes rupturas, mas que na
maioria das vezes introduzem na sociedade clivagens que se deslocam e atravessam os
indivíduos.
A ordem do discurso
sociedade, ministrado entre os anos de 1975-1976, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes.
19
Em todas as sociedades a produção de discursos é controlada, selecionada,
organizada e distribuída por procedimentos que têm a função de “conjurar seus poderes
e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade” (Foucault, 2005: 8). Para isso há três formas de exclusão/interdição do
discurso: a palavra não-dita (o que não se diz ou se diz apenas em alguns momentos); a
separação entre razão e loucura (a rejeição do que diz o louco) e a vontade de verdade
(separação entre falso e verdadeiro). Os dois primeiros procedimentos se articulam na
direção do terceiro. Esse procedimento, como os outros sistemas de interdição, é
sustentado por um sistema de instituições que não se exercem sem pressões ou
violência. A separação entre verdadeiro e falso está em perpétuo deslocamento e é
reconduzida pelo modo como o poder é atribuído, valorizado, repartido e aplicado numa
sociedade.
Esta concepção é importante para esta pesquisa para pensar o modo de produção
dos discursos jornalísticos. O jornalismo é uma prática indissociável da vontade de
verdade. A credibilidade de um órgão de imprensa é uma operação de separação entre o
mundo falso e o mundo verdadeiro, o mundo dos fatos que merecem ser narrados. A
empresa jornalística funciona, assim, como uma instituição que, se não cria verdades,
atua como uma instituição que confere a legitimidade a algumas verdades que circulam
em um determinado meio social. O que é publicado no jornal é automaticamente tido
como verdadeiro. Foucault afirma que pouco (ou nada) se fala sobre a vontade de
verdade, como se houvesse um mundo verdadeiro totalmente separado à espera de
contemplação. Do mesmo modo, quase não há no jornalismo uma autocrítica que
questione as verdades criadas ou legitimadas pela imprensa.
Os outros procedimentos de separação/exclusão também podem ser observados
na grande imprensa. A separação entre razão e loucura também está presente quando a
mídia busca legitimar a informação sempre se amparando em fontes oficiais, primando
pelos saberes técnico-científicos em detrimento de outros, que são desqualificados sob a
alegação de serem conhecimentos místicos ou populares. Há sempre um especialista a
interpretar a fala do líder religioso do Oriente ou os fatores que culminaram na
existência do homem-bomba. Há sempre um psicólogo para identificar a patologia do
criminoso. A racionalidade técnico-científica, oficial, está até nos domínios que
aparentemente não podem ser explicados pela razão.
20
Neste meio o que não se diz também é importante. Uma vez que o jornalismo
opera por uma seleção de pauta que define o que é ou não notícia, atua estabelecendo o
que é importante ou não de ser dito ou o que é dito em apenas algumas ocasiões. O que
não é dito não existe para o “mundo” da mídia. Ou não importa.
Existem outros modos de controle e delimitação do discurso que diferente dos já
citados, se exercem em seu interior. Os procedimentos internos remetem o discurso à
dimensão do acontecimento e do acaso. O comentário é um nível do discurso onde se
constrói o novo ao mesmo tempo em que se fixa o tradicional. São textos do nosso
sistema de cultura, os textos religiosos, jurídicos e, em certa medida, os textos
científicos. A multiplicidade aberta pelo princípio do comentário é transferida pela
circunstância, pela forma de repetição. O novo não está no que é dito, mas no
acontecimento a sua volta.
Outro princípio de rarefação do discurso é o do autor, não necessariamente o
indivíduo que pronunciou ou escreveu um texto, mas um princípio de agrupamento do
discurso, como unidade e origem de suas significações. Não se pode negar a existência
do indivíduo que escreve e inventa, já que o indivíduo que se põe a escrever retoma por
sua conta a função de autor: o que escreve, o que não escreve, todo esse jogo de
diferenças é reflexo de sua época, como ela a recebe e/ou a modifica. O terceiro
procedimento de controle dos discursos, a rarefação dos sujeitos que falam, determina
as condições de seu funcionamento, impõe aos indivíduos que pronunciam os discursos
certo número de regras e assim não permite que todo mundo tenha acesso a ele.
Esses princípios permitem duas constatações. A primeira é a necessidade de se
verificar como atuam os comentários do texto jornalístico, na medida em que estes
constroem o novo sem abalar antigas crenças, ao contrário, muitas vezes acabam por
reforçá-las. O outro ponto diz respeito ao autor, já que o selo institucional é o que
muitas vezes confere legitimidade ao jornalista como formador de opinião. Salvo
poucos profissionais, a maioria dos jornalistas só existe sob a chancela do sobrenome
institucional, que o autoriza a falar com especialista (e os que não estão num grande
veículo de comunicação tiveram de passar por eles até que seus nomes se descolassem
das instituições).
21
Foucault afirma que o pensamento ocidental fez com que o discurso aparecesse
apenas como “um pensamento revestido de seus signos e tornado visível pelas palavras”
(2005: 46). O discurso anula-se em sua realidade e inscreve-se na ordem no significante.
Ou seja, a racionalidade dá a impressão que o discurso não existe. É preciso, pois,
questionar a nossa vontade de verdade, restituir ao discurso seu caráter de
acontecimento e suspender a soberania da ordem significante. Tais tarefas implicam
exigências de método, no qual quatro princípios servirão como reguladores da análise:
Princípio de inversão: é preciso reconhecer o jogo negativo de um
recorte e a rarefação do discurso impressos nas figuras do autor, da
disciplina, da vontade de verdade.
Descontinuidade: “os discursos devem ser tratados como práticas
descontínuas, mas também se ignoram ou se excluem”. Em outras
palavras, não há por baixo dos discursos um grande discurso ilimitado,
que teríamos a missão de descobrir.
Princípio da especificidade: não transformar o discurso num jogo de
significações prévias.
Princípio da exterioridade: não passar do discurso para o âmago do que
se manifestaria nele, mas a partir do próprio discurso passar às suas
condições externas, “àquilo que dá lugar à série aleatória desses
acontecimentos e fixa em suas fronteiras”.
As análises propostas por Foucault se dividem em dois grupos: de um lado, o
conjunto crítico, do outro, o genealógico. O conjunto crítico irá versar sobre o que foi
designado como “funções de exclusão”, em especial sobre a terceira forma, a vontade
de verdade. O aspecto genealógico concerne à formação efetiva do discurso. Enquanto a
crítica analisa os processos de rarefação (e também de reagrupamento e unificação dos
discursos), a genealogia estuda sua formatação, que é ao mesmo tempo dispersa,
descontínua e regular.
Essas duas tarefas nunca são inteiramente separáveis. “Entre o empreendimento
crítico e o empreendimento genealógico, a diferença não é tanto de objeto ou de
domínio, mas, sim, de ponto de ataque, de perspectiva e delimitação”. As descrições
22
críticas e genealógicas devem se alternar, se apoiar umas nas outras, se complementar.
A parte crítica busca detectar os procedimentos de exclusão; a parte genealógica se
detém nas séries de formação efetiva dos discursos. Em todo caso, uma coisa deve ser
sublinhada: a análise do discurso não desvenda a universalidade de um sentido. Não há
um “discurso puro” a espera de ser revelado ou uma intencionalidade, uma manipulação
que deve ser exposta. A análise do discurso proposta por Foucault mostra o jogo de
rarefação imposto em sua construção.
2- Discorrer, disciplinar, controlar
Mayra Rodrigues Gomes explica que na origem do jornalismo há uma raiz
panfletária que conclama à ação política, congrega em torno de ideais e mobiliza em
direção a lutas. Essa posição implica a presença de uma verdade central, de preferência
para além de época e circunstância. É por uma vontade de verdade que o jornalismo se
faz crítico, e é também por isso que ele se faz “um discurso fundado na referencialidade,
sempre testemunhando sua palavra, sempre apresentando provas, ou ao menos
simulando apresentá-las” (Gomes, 2003:15).
A autora afirma que assistimos na imprensa a uma perpétua “procissão de
verdades, sempre em dissonância”. Contudo, por muitas que sejam as verdades o que
importa é ver que cada uma delas funciona em seu tempo e lugar para a construção do
verdadeiro, dando a impressão de que existe uma verdade em sua plenitude. Os
discursos se constroem como fundamento e justificativa para as regras, enquanto as
expressam também as legitimam.
“O que a mídia faz ao reunir o seu coro de verdades que no fim vão soar
em uníssono a verdade da norma jurídica, da religião, do saber
técnico-científico como uma apresentação do mundo nos moldes em
que este deve ser vivido, o que passa necessariamente por uma educação
dos sentidos, valores e da razão” (2003: 44).
As mídias são os espaços onde os discursos se acumulam e onde possuem
máximo poder de difusão. Gomes afirma que a visibilidade nas mídias conecta-se com a
exploração realizada por Foucault sobre as táticas de majoração de poder em Vigiar e
Punir (1976). É por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial
como disciplina e controle, mantenedores de escala de valores como vigilantes.
23
Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira do mostrar e controlam pelo
próprio ato de mostrar.
Gomes chama a atenção para o alcance das palavras em Foucault como um
efeito de organização sobre “um dado a ver, recorte pelo qual um segmento se abre a
construções imaginárias, a relações sociais, mecanismos de produção” (Gomes, 2003:
66). A autora afirma que toda disciplina encerra um projeto de controle fazendo com
que distinções como gordo e anoréxico, branco, preto, amarelo e pardo, lésbicas e gays,
homossexual ativo e passivo, etc., pareçam ter fundamento na natureza. Assim, estas
subcategorias reclamam atenção, passam pelo entendimento como consideração pelas
diversidades e pelos direitos, mas implica mobilização pela atuação conveniente ou
politicamente correta, sempre supondo controles (Gomes, 2003: 62).
A concepção de dispositivo disciplinar segue a mesma lógica de um discurso
que delineia saberes e verdades de uma época, o que não pode ser feito sem que uma
propriedade de ordem e comando esteja inserida no discurso. É neste ponto que a noção
de dispositivo disciplinar, de Foucault encontra a palavra de ordem descrita por
Deleuze. Tendo como ponto de partida a idéia de que nomear é isolar campos e não um
instrumento de “representar o mundo como ele é”, o conjunto de nomeações tem então
como efeito o desenho de um mundo a ser visto. Nesta configuração de mundo chama
atenção a constância com que algumas palavras aparecem nos noticiários. A
reincidência não ocorre como efeito simples de uma realidade vivida, mas como
repetição incessante do que é necessário reter, fixar.
Um exemplo bastante elucidativo foi o amplo uso do termo “globalização” na
década de 1990. Gomes afirma que nas matérias jornalísticas há vários esclarecimentos
do que seria a globalização, suas origens e as diversas posições políticas por ela
suscitada. Contudo, “a própria postura a favor ou contra dá respaldo a uma realidade a
ser vista”, induz a admitir uma situação consumada de uma nova ordem mundial. Faz
parte disso a aproximação de termos como mundialização (empregado pelos franceses)
e globalização (empregada pelos norte-americanos). A difusão, explicação e repetição
do tema educa e chama para tomar posição a respeito de uma visão de mundo que se
sobrepõe a diversas outras possíveis. Esta educação consiste em fazer com que verdades
sejam incorporadas pelo meio da repetição. Os atentados de 11 de Setembro de 2001
24
são “exemplos mor” dessa circunstância. Tudo o que temos desses fatos é a visada
ocidental reforçando posições de poder.
3 – Construção de universais e palavras de ordem
Segundo Deleuze e Guattari (1997) a filosofia da comunicação se esgota na
procura de uma opinião universal liberal como consenso. A comunicação (incluindo o
jornalismo) não cria conceitos; ela é feita de opinião. Toda opinião é política no sentido
que exprime funções gerais em estados particulares. A opinião é em sua essência
vontade de maioria e, portanto, só pode falar em nome de uma maioria: será verdadeira
a opinião que coincida com a do grupo ao qual se pertencerá ao enunciá-la (1997: 190).
Por este motivo, “a contemplação, a reflexão a comunicação não são disciplinas,
mas máquinas de constituir Universais em todas as disciplinas”. A idéia do consenso em
torno Estado democrático universal ou as discussões acerca dos direitos do homem são
exemplos desta função da comunicação, pois, para os autores, a única coisa universal no
capitalismo é o mercado.
“Os direitos do homem são axiomas: eles podem coexistir no mercado
com muitos outros axiomas, especialmente na segurança da
propriedade(...). Quem pode manter e gerar a miséria, e a
desterritorialização-reterritorialização das favelas, salvos polícias e
exércitos poderosos que coexistem com as democracias? Que social-
democracia não dá a ordem de atirar quando a miséria sai de seu
território ou gueto? Os direitos não salvam nem os homens nem a
filosofia que se reterritorializa sobre o Estado democrático. E é preciso
muita inocência, ou safadeza, a uma filosofia da comunicação que
pretende restaurar a sociedade de amigos ou mesmo de sábios, formando
uma opinião universal como “consenso”, capaz de moralizar as nações,
os Estados e o mercado”. (Deleuze & Guattari, 1997:139)
Para eles, não falta comunicação em nossa sociedade, nem falta uma outra
comunicação. A comunicação está sempre em excesso. O que nos é falta é resistência
ao presente para não nos agarramos a idéias prontas. E é precisamente por meio das
idéias prontas que operam os meios de comunicação. Os jornais procedem por
redundância, pelo fato de nos dizerem o que é “necessário” pensar, reter, esperar. A
linguagem não é informativa ou comunicativa, mas a transmissão de palavras de ordem.
25
A linguagem não é feita para transmitir informações ou mesmo para que se acredite
nela, mas para obedecer e fazer obedecer.
“Isso pode ser percebido nos informes da polícia ou do governo, que
pouco se preocupam com a verossimilhança ou com a veracidade, mas
definem muito bem o que deve ser observado e guardado. (...) A
linguagem não exige mais do que isso. (...) A informação é apenas o
mínimo estritamente necessário para a emissão, transmissão e
observação das ordens consideradas como comandos” (Deleuze &
Guattari, 2007: 12).
Palavra de ordem não é uma categoria particular de enunciados explícitos
(comandos, no imperativo). As palavras de ordem não remetem somente aos comandos,
mas todos os atos que estão ligados aos enunciados por uma “obrigação social”. A
unidade elementar da linguagem o enunciado é a palavra de ordem. A enunciação
não é individual e não existe mesmo um sujeito de enunciação; ela remete aos
agenciamentos coletivos, atos que se definem pelo conjunto das transformações
incorpóreas
5
em curso numa sociedade e que se atribuem às pessoas dessa sociedade.
Esses aspectos não se situam na lingüística. Eles remetem diretamente à política,
à necessidade de verificar como a política trabalha a língua por dentro, fazendo variar
não apenas o léxico, mas a estrutura e todos os elementos de frases. Deve-se reconhecer
na linguagem características estranhas que apontam para a instantaneidade na emissão,
na percepção e a transmissão de palavras de ordem e, além disso, uma grande
variabilidade e uma potência de esquecimento. Isso pode ser visto na cobertura dos
grandes escândalos políticos ou crimes de grande repercussão. Primeiro há uma
repetição constante do que deve ser fixado, do julgamento moral, de como não se pode
ou não agir. Casos como o do “mensalão” ou da morte violenta das crianças João Hélio
e Isabella figuram nos noticiários por semanas a fio. São reencenados, interpretados e
cada novidade sobre o caso é transmitida pela televisão e outros meios instantâneos
imediatamente. Tudo isso até saírem de cena ou serem substituídos por outra notícia
igualmente espetacular.
5
Sobre as transformações incorpóreas, Deleuze fala que os corpos possuem uma idade, uma
maturação, um envelhecimento. Porém, maioridade, a aposentadoria, enfim, as categorias de idade,
são transformações incorpóreas que se atribuem imediatamente aos corpos em cada sociedade.
26
Os autores afirmam que existem no campo social duas formalizações, uma de
conteúdo (a representação das coisas) e outra de expressão (regime de signos), duas
formas são independentes marcadas por uma pressuposição recíproca e pela passagem
incessante de uma a outra. As expressões se inserem nos conteúdos e os recortam de
outro modo, fazendo com que este seja atravessado o tempo todo por forças que o
desestabilizam (desterritorialização). Conteúdo e expressão são segmentos que
compõem os agenciamentos, que também comportam o agenciamento maquínico dos
corpos (misturas de corpos uns sobre os outros) e o agenciamento coletivo de
enunciação. A articulação desses dois aspectos se dá por meio de movimentos de
territorialização e desterritorialização. Por isso um campo social se define menos por
seus conflitos e contradições do que pelas linhas de fuga que o atravessam. Um
agenciamento não comporta infra-estrutura e superestrutura, mas nivela todas suas
dimensões num mesmo plano de consistência.
Seria um erro acreditar que o conteúdo determina a expressão, ter uma
concepção ideológica do enunciado que o faria depender de um conteúdo econômico
primeiro. O agenciamento não se remete a uma produção de bens, mas a um estado de
mistura de corpos em uma sociedade. Ele não remete a uma produtividade da
linguagem, mas a regimes de signos, uma máquina de expressão cujas variáveis
determinam o uso dos elementos da língua. Esses elementos, assim como as
ferramentas, não valem por eles mesmos. Os agenciamentos não cessam de variar, de
serem eles mesmos submetidos a transformações. Há graus de desterritorialização
segundo os quais os conteúdos e as expressões se alternam operando uma
reterritorialização. As transformações ao longo do tempo com o termo terrorismo é um
exemplo de como um termo pode passar por várias desterritorializações e
reterritorializar em algo novo, de acordo com o contexto político dominante de uma
época
6
.
É importante frisar que esta proposição metodológica nada tem a ver com
ideologia, pois para estes autores não existe nem nunca existiu ideologia. A literatura,
considerada um agenciamento, está em conexão apenas com outros agenciamentos e
6
Degenszajn (2006) analisa várias transformações no entendimento do que vem a ser terrorismo, desde
o terror da Revolução Francesa até os grupos radicais islâmicos, passando pelo anarquistas do século
XIX e XX.
27
escrever nada tem ver com significar, e é antes disso, cartografar regiões. O que a
imprensa faz são recortes do mundo a ser visto, sem, contudo, que esses recortes
caracterizem a dominação de uma classe sobre a outra ou um projeto de manipulação
que precisa ser “descoberto” nas entrelinhas do texto jornalístico.
A palavra de ordem traz em si “uma morte direta àquele que recebe a ordem,
uma morte eventual se ele não obedeceu, ou, antes, uma morte que ele mesmo deve
infligir”, ela também traz outra coisa, inseparavelmente ligada a essa: um grito de
alarme ou uma mensagem de fuga (2007: 54). A questão não é mais como escapar à
palavra de ordem, mas “como escapar à sentença de morte que ela envolve, como
desenvolver a potência de fuga, como impedir a fuga de se voltar para o imaginário, ou
de cair em um buraco negro, como manter ou destacar a potencialidade revolucionária
da palavra de ordem”. Na palavra de ordem a vida deve responder à resposta da morte,
não fugindo, mas fazendo com que a fuga aja e crie.
As proposições de Deleuze e Foucault apresentadas neste capítulo têm em
comum o modo de tratar o poder, a recusa à idéia de ideologia, de ver uma
intencionalidade por traz do discurso e na potência de resistências. Diante de tudo o que
foi dito até aqui sobre jornalismo e discurso, obteve-se algumas conclusões que serão
importantes para a análise dos dados desta pesquisa:
O jornalismo não é a expressão de uma ideologia ou um campo de um
poder que se exerceria de um grupo sobre os demais, ou de uma classe
sobre outras, e sim um campo de saber que é atravessado por diversos
fluxos;
O discurso jornalístico é marcado pela descontinuidade. Porém, como
campo de produção de saber e de fixação de verdades é marcado pela
presença de palavras de ordem, daquilo que é preciso pensar e reter, o
que é reforçado pelo forte componente “oficialista” presente nos
noticiários.
O significado político dos termos empregados pela linguagem
jornalística não cessam de variar de acordo com os agenciamentos e
transformações incorpóreas em curso em uma sociedade, por isso é
fundamental pensar essas desterritorializações no campo da política e não
28
da lingüística.
Se toda palavra de ordem encerra “uma sentença de morte”, o discurso
também é o espaço das possibilidades de linhas de fuga e resistências.
29
CAPÍTULO II
ENTRE TEORIA E PRÁTICA: O CAMPO JORNALÍSTICO
30
Este capítulo tem como objetivo caracterizar o campo jornalístico com enfoque
na cobertura internacional realizada por veículos de comunicação brasileiros. A
compreensão do cotidiano das redações, bem como das dificuldades internas e externas
que impõem limites à apuração é essencial para a o entendimento de como se dá a
produção de notícias. Este capítulo traz também as impressões de algumas pesquisas
sobre a cobertura de guerra recente e sobre o 11 de Setembro de 2001 e sobre os usos da
palavra terrorismo nos meios de comunicação.
1- Os meios e os fatos
a) A influência da televisão e a autoreferencialidade jornalística
Em 1995, Pierre Bourdieu proferiu uma aula que deu origem ao livro Sobre a
Televisão, no qual analisa este meio de comunicação e sua influência sobre os demais
produtos jornalísticos. Para o autor, a televisão trabalha com fatos ônibus” (omnibus:
para todo mundo), fatos que não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa,
que não dividem, que formam consensos, que interessam a todo mundo, mas de modo
tal que não tocam em nada importante (Bourdieu, 1995: 23). Ao mesmo tempo a
televisão procede de uma forma paradoxal que consiste em “ocultar mostrando”,
cobrindo o que é preciso de forma com que aquilo se torne insignificante ou que não
corresponda à realidade.
A televisão, diz Bourdieu, é capaz de reunir diante do jornal das 20h mais
pessoas os leitores de todos os jornais impressos reunidos, por isso detém uma espécie
de monopólio sobre a formação de uma parcela muito importante da população, que não
lê jornais e tem este meio como sua única fonte de informações. Porém, se a informação
oferecida se trata de uma “informação-ônibus” podem resultar dela efeitos políticos e
culturais como a banalização e homogeneização das notícias. Bourdieu diz também que
este meio prioriza as variedades e isso leva à falta de informações pertinentes que o
cidadão deveria possuir para exercer seus direitos democráticos.
A concorrência entre os diversos veículos de comunicação incitaria a uma eterna
vigilância das atividades do concorrente resultando em uniformidade na informação.
Isto não acontece apenas na tevê, mas atinge todos os demais meios de comunicação. A
diferença entre o que é publicado em um ou outro veículo e suas abordagens, segundo
31
Bourdieu, é imperceptível para o espectador médio. Isto só poderia ser notado se o
público assistisse simultaneamente a várias emissoras. Diante deste quadro, as escolhas
que se produzem na televisão são de certa forma escolhas sem sujeito, pautadas pelos
índices de audiência (que definem o que é de interesse) e pela informação circular (a
dependência de fontes oficiais como informes de governos e das assessorias de
imprensa, o material produzido pelas agências de notícias, a repercussão do que é
publicado em outros veículos e todo um esquema de retroalimentação da mídia).
Bourdieu afirma que ninguém lê tanto jornais como os jornalistas. A leitura dos
jornais, do clipping e o acompanhamento das notícias nos canais de televisão abertos e a
cabo, em sites e rádios de notícias são atividades que fazem parte do cotidiano do
profissional e esse é um mecanismo acaba levanto à homogeneização. “Essa espécie de
jogo de espelhos refletindo-se mutuamente produz um formidável efeito de barreira, de
fechamento mental” (Bourdieu, 1997: 33) Com isso a mídia, não apenas televisiva, tem
como característica marcante a autoreferencialidade. Os jornalistas da imprensa escrita
então se encontram diante de uma escolha: caminhar no sentido do modelo dominante
isto é, fazer com que os jornais sejam quase televisão ou acentuar a diferença entre os
jornais e este meio sob o risco de perder o público.
A proposta do autor seria que artistas, escritores, cientistas, etc., tentassem
coletivamente instaurar negociações com os jornalistas, buscar uma reflexão destinada a
buscar meios de superar em comum as dificuldades apontadas e lutar para o que poderia
ter se tornado um instrumento de democracia direta a televisão - não se converta em
um instrumento de opressão simbólica. Da mesma forma, ele propõe que sejam feitas
“alianças trans-jornais” para neutralizar efeitos que nascem das concorrências. Firmar,
por exemplo, um acordo, por exemplo, de não dar voz a fascismos.
A influência da televisão no jornalismo (cobertura sensacionalista,
espetacularizada, com características de programas de entretenimento) não se restringe
aos telejornais. Segundo José Arbex Junior (2001), o advento e a expansão da televisão
comercial produziram efeitos profundos e de grande importância sobre o conjunto da
mídia que atingem até os jornais mais analíticos e radicionais, como o britânico The
Guardian e o francês Le Monde. Entre os efeito imediatamente visíveis dessa influência
estão a adoção de cores, diagramação mais “leve” e a ampla utilização de mapas e boxes
didáticos, o aumento no tamanho dos caracteres, o uso de parágrafos mais curtos, o
32
aumento no tamanho e no número de fotografias, enfim, uma gama de recursos que faz
com que o jornal se pareça uma “televisão impressa”.
Arbex afirma que à medida que a imagem se torna suporte preponderante na
transmissão da informação tende a ganhar força a concepção de que o jornalismo é uma
espécie de espelho fiel dos fatos e que o trabalho do jornalista é mostrá-los ao público
“tal como realmente aconteceram”. Contudo, a pretensão de que os fatos possam ser
capturados “objetivamente” e transmitidos ao “fielmente” ao público é insustentável. O
narrador que pode ser o historiador, o jornalista, o cientista político escolhe e
singulariza o fato motivado por aquilo que deseja demonstrar, faz o recorte da realidade
que pretende mostrar. Isso não significa, porém, que tenha o poder de alterá-los
livremente.
Para Eugênio Bucci (2003), a idéia de que as notícias dos jornais “retratam a
realidade” não faz sentido. Seria melhor dizer que os jornais “consolidam a realidade”.
Não que os jornais mintam, distorçam ou manipulem. É possível admitir que os grandes
veículos da imprensa se esforcem na direção da objetividade e da verdade factual. O que
está em jogo neste caso, não é como procedem os jornalistas, uma conduta ética da
imprensa, mas a natureza do que é considerado como fato jornalístico.
Para o autor o fato já nasce como relato. Isso quer dizer que não há fato
jornalístico sem o relato jornalístico. O que chamamos de “realidade” é um discurso que
articula signos lingüísticos e visuais. A realidade seria antes uma realidade discursiva.
Nessa concepção o relato jornalístico é o fator que ordena e constitui a realidade que ele
mesmo apresenta. Os protestos antiglobalização, as intervenções do Movimento de
Trabalhadores Sem Terra, ações do Green Peace e outras ações voltadas para chamar
atenção da opinião pública seriam exemplos de fatos que já nascem para ser relatos. Isso
não significa que aqueles sujeitos que detêm o poder sobre as instituições midiáticas
(mais precisamente sobre as instituições jornalísticas) adquiram o poder de controlar a
função simbólica exercida pelo fluxo das notícias. Existem conivências e interesses
palpáveis de acionistas ou de empresas jornalísticas que interferem sobre o conteúdo
editorial. Mas existem também determinantes do discurso que fogem aos desígnios de
patrão ou sindicato.
33
Embora essa proposição a respeito de fatos que já nascem para ser relatos faça
algum sentido (sobretudo nos casos citados de ações que nascem com o objetivo de
atrair atenção da mídia), ela não se aplica a tudo o que é publicado na mídia. A
concepção de jornalismo aplicada nesta pesquisa é que este não é um “retrato fiel da
realidade” e sim um recorte que deixa de lado vários outros possíveis. O que motiva
este recorte e por que ele é feito (se é que existe uma causa) foge aos objetivos deste
trabalho. Por outro lado, como afirma Arbex, aceitar puramente que os fatos não
existem coloca situações embaraçosas, especialmente quando se trata de eventos que
provocam impacto coletivo, como é o caso do 11 de Setembro. Isso significa dizer que
podem existir fatos simplesmente e também fatos que nascem para serem relatos. O
modo em que eles serão tratados na mídia será um recorte de realidade que atravessado
por múltiplas forças, mas que não depende inteiramente da vontade ou intenção de um
indivíduo, seja o narrador, o agente da notícia ou dono da empresa jornalística.
O mundo do jornalismo é um microcosmo que tem leis próprias e que é definido
por sua suposição um mundo global e pelas atrações e repulsões que sofre da parte de
outros microcosmos. “O que se passa nesse mundo não pode ser compreendido de
maneira direta a partir de fatores externos, o que seria uma forma de materialismo curto,
associado à tradição marxista, que não explica nada, que denuncia sem esclarecer nada”,
diz Bourdieu. O campo jornalístico é atravessado por fluxos que transformam o campo
e a prática. Com isso, nada mais impróprio do que afirmar que o jornalista é o sujeito
que “manipula os fatos”, pois o próprio jornalista é atravessado pelas mudanças em
curso na sociedade, ainda que não sejam conscientes disso.
b) Jornalistas como objeto
Bourdieu afirma que os jornalistas e o campo jornalístico devem sua importância
ao fato de que eles detêm um monopólio real sobre os instrumentos de produção de
difusão em grande escala de informação e isso acaba proporcionando aos jornalistas
(pelo menos aos mais poderosos) uma consideração muitas vezes desproporcional a
seus méritos intelectuais. Isso nos remete ao que Foucault diz a respeito da rarefação do
sujeito que fala, da autoridade, que está ligada a legitimidade conferida pelo
“sobrenome institucional”. Esta é a situação dos “âncoras” dos telejornais, colunistas
dos grandes jornais, ou ainda aqueles que depois de vasta experiência na reportagem
migraram para os blogs; todos encontram-se confortavelmente instalados na posição de
34
intelectuais-jornalistas, mas o que credencia como sujeitos falantes é justamente o fato
de trabalharem ou terem trabalhado em grandes empresas jornalísticas. Vide o caso dos
blogs de Josias de Souza, Luís Nassif, Sérgio Dávila, entre outros, ou a mítica em torno
do falecido Paulo Francis.
As mudanças econômicas e as inovações tecnológicas das últimas décadas
promoveram transformações significativas no cotidiano das redações e perfil do
profissional jornalista. A alta rotatividade de profissionais nas redações e o advento da
Internet, somados ao endividamento progressivo dos jornais desde a década de 1970
deram origem a outro tipo de profissional e outro tipo de cobertura. Ao mesmo tempo
em que houve a diminuição de salários e a saída dos profissionais mais velhos e melhor
remunerados, aumentou a exigência pela qualificação dos jornalistas que ingressam nas
redações. Bourdieu afirma que o campo jornalístico é um lugar onde há pessoas cada
vez mais cultas e onde cada vez mais cedo os profissionais entram em crise. “O
jornalismo é uma das profissões em que se encontram mais pessoas inquietas,
insatisfeitas, revoltadas ou cinicamente resignadas” (1995: 53). Contudo, ainda se está
longe de uma situação em que essas amarguras ou repúdios poderiam tomar a forma de
uma verdadeira resistência, individual ou coletiva. Individualmente os profissionais que
atuam nas redações vão se adaptando.
2- Jornalismo à distância
a) Limites da cobertura internacional
Um problema que atinge a imprensa latino-americana em geral é que os
jornalistas da área internacional na maioria das vezes não têm acesso direto aos fatos
que relatam. O número de correspondentes é bastante reduzido e as “fontes” acabam
sendo as agências internacionais de notícias. O trabalho nas editorias que cobrem
assuntos internacionais consiste basicamente na reciclagem da informação para
convertê-la aos padrões de cada veículo. Como explica Margarethe Steinberger,
“no cotidiano de nossas redações, a ‘checagem’ das informações nas
fontes primárias é praticamente nula, e sua reciclagem por outro lado, é
intensa; em geral, a Internet, as rádios e a televisão tomam a dianteira,
35
ficando os jornais com mais tempo para ‘cozinhar’ os fatos, isto é,
contextualizá-los e interpretá-los”. (Steinberger, 2005:30).
Além do processo de contextualizar e reinterpretar os fatos, as grandes empresas
jornalísticas costumam dar preferência a articulistas e comentaristas estrangeiros que
assinam textos em grandes jornais e revistas como The New York Times, Newsweek, etc.
A participação de correspondentes e enviados especiais existem, mas é restrita aos
grandes veículos e a algumas ocasiões (Olimpíadas, Copa do Mundo, eleições). Há três
décadas O Estado de S. Paulo mantinha uma equipe de dez correspondentes
internacionais permanentes; a Folha, sete. Os problemas financeiros das empresas
jornalísticas surgidos nos anos 80 (que se arrastam até os dias atuais) tiveram como
conseqüência imediata a redução desses efetivos. Uma parcela maior das tarefas
necessárias à produção e ao fechamento das editorias de política internacional passou a
ser feita por jornalistas que atuam dentro das redações.
Segundo Natali (2003), esse processo fez com que as empresas passassem a
exigir mais dos redatores das editorias internacionais, levando a uma demanda crescente
por uma melhor qualificação dos profissionais que atuam nesta editoria. A Internet teve
papel fundamental neste novo jornalismo internacional, fazendo com que “o redator
abandonasse seu papel passivo diante dos telegramas das agências”, dando a ele “um
poder de intervenção inimaginável na elaboração mais pessoal de um texto noticioso”
(Idem, 2003: 57). Se as agências internacionais pensam em um cliente abstrato ao
redigirem seus despachos, a competência jornalística consistiria em “colocar uma linda
cereja no bolo” antes de servi-lo ao leitor.
“Até o início dos anos 90, a receita pra incrementar esse bolo tinha
limitações de ingredientes. Eram anuários ou almanaques com dados
políticos, econômicos e históricos de cada país, era a leitura de grandes
reportagens ou artigos de fundo em publicações estrangeiras que tinham
um custo elevado de assinatura e chegavam com grande atraso às
redações daqui, eram arquivos de recortes ou bibliotecas. A Internet traz
tudo isso. E traz bem mais”(Natali, 2003: 57).
Natali afirma que o uso da Internet não substitui a existência de uma boa rede de
correspondentes, o problema pode ser compensado por profissionais familiarizados com
os múltiplos recursos disponíveis na rede mundial de computadores. Ele acrescenta que
essa “reviravolta qualitativa” beneficiou também outras editorias do jornal, embora as
36
editorias de Política internacional tenham diante de si um potencial infinitamente maior.
Nesta mesma linha, Buarque (2008) afirma que diante da falta de acesso direto aos
acontecimentos cotidianos, o bom jornalismo internacional brasileiro deve focar no
diferencial, na análise fundamentada, apresentando aos leitores a opinião dos temas em
discussão. Sem sair da redação, a forma de se ter acesso a essas pessoas é por Internet
ou telefone.
“No mundo ideal, nos manuais de jornalismo usados nas faculdades de
comunicação e redações, o repórter deve ter tempo para apurar uma
reportagem, pesquisar o assunto, sair à rua e entrevistar as pessoas
envolvidas no tema (...). No mundo real, (...) são poucos os repórteres
que saem de suas mesas de trabalho. Há, é verdade, repórteres especiais
de jornais e revistas dedicados a uma apuração mais profunda (...) Mas
a maioria dos jornalistas de redação quase nunca sai à rua e acaba
apurando tudo do escritório, com acesso a telefone e computador”
(Buarque, 2008:13)
Para o autor, o grande mérito do telefone é tornar o jornalismo possível. Se isto é
algo que atrapalha a reportagem que precisa de observação, não é algo que impossibilita
o jornalismo de análise, no qual o foco está apenas nos entrevistados e no que eles têm a
dizer. Ele acrescenta que a prática do jornalismo lida com uma série de desafios e
dificuldades que normalmente são ignorados pela teoria dessa forma de comunicação
social e pela crítica acadêmica. No dia-a-dia, sob pressão de prazos, acúmulo de tarefas,
cobranças variadas, impossibilidade de locomoção e mesmo falta de recursos muitas
vezes é impossível fazer o ideal. Os profissionais da comunicação realizam seus
trabalhos da forma possível. Este trabalho à distância, feito pela Internet ou telefone,
“pode não ser o ideal, mas é o real”.
b) Jornalismo internacional na “era do terror”
Há algumas décadas o controle da cobertura de conflitos internacionais passou a
fazer parte das estratégias dos países envolvidos nas disputas. Fontenelle (2004) explica
que a guerra do Vietnã foi uma linha divisória na história da participação da mídia em
guerras, moldando em diversos países os investimentos em relações públicas e
propaganda. A divulgação de número de mortos e descrições acerca do sucesso das
operações pelos correspondentes de guerra gerou grande impacto na opinião pública. O
governo norte-americano viria a responsabilizar a imprensa e desde então o controle da
37
mídia em situações semelhantes passaria a ter destaque nos Estados Unidos e em outros
países. A expressão “Síndrome de Vietnã” se tornou uma referência ao “medo que um
governante tem de não convencer a população devido a uma cobertura contrária da
mídia” (Fontenelle, 2004: 26).
Uma nova fase do controle da cobertura jornalística em conflitos foi inaugurada
com a Guerra do Golfo, em 1991. Neste período o controle dos jornalistas foi tão
intenso que a operação de mídia ficou conhecida como “Operação Mordaça no Deserto”
(uma referência ao plano militar “Tempestade no Deserto”). A campanha de mídia
empreendida pelo governo estadunidense visou minimizar as iniciativas de cobertura
independentes e toda a informação repassada aos correspondentes vinha dos militares.
“A estimativa é que cerca de dois mil correspondentes foram enviados
ao Golfo, dos quais mil e duzentos eram americanos. A maioria foi
retirada do Iraque antes do início da guerra. O Pentágono estabeleceu
que dois grupos de dezoito repórteres fariam a cobertura, mas as
organizações de mídia pressionaram o governo, que acabou
acrescentando onze grupos de sete jornalistas para acompanhar os
acontecimentos. De início, apenas as duas maiores equipes tinha acesso
aos campos de batalha (Fontenelle, 2004: 28).
Durante a guerra contra o Iraque os governos americano e britânico conduziram
uma campanha de comunicação que envolvia repórteres enlistados
7
que
acompanhavam as tropas nos campos de batalha, correspondentes no Centro de Mídia
do Comando Central, em Doha, Qatar; e bases nacionais para coordenação da
campanha. Em algumas situações os militares forneciam informações inexatas aos
repórteres deliberadamente para “levantar a moral dos soldados; abalar a confiança do
governo iraquiano; ou simplesmente criar uma situação que fortaleceria sua campanha
de guerra” (Fontenelle, 2004: 54). Havia também normas estabelecidas pelo
Departamento de Defesa Americano e Ministério de Defesa Britânico sobre o tipo de
informação que não poderia ser revelada na cobertura, como número de tropas, navios e
aviões; nome e localização de instalações militares ou imagens que as identificassem;
informações sobre táticas e operações futuras; imagens de prisioneiros de guerra que
possibilitassem identificação.
7
Em inglês, a palavra usada para designar esse tipo de repórter é embedded, que numa tradução
próxima significaria “acamado”. A idéia era de correspondentes que dormissem e acordassem com os
soldados. Havia 700 jornalistas enlistados nas tropas dos exércitos britânico e norte-americano.
38
Para Arbex Júnior (2001) a característica marcante da cobertura do conflito foi a
“espetacularização” da notícia ou o “showrnalismo”, quando os jornalistas utilizaram as
mesmas táticas dos shows midiáticos na formatação das notícias. A possibilidade de
crítica ou apontamento de possíveis falhas no combate dos soldados estadunidenses foi
totalmente eliminada pelo governo daquele país pela criação de pool de controle da
mídia e dos repórteres presentes no Iraque. O pool consistia na censura de imagens e
reportagens com soldados ou em locais considerados zona de guerra. Os jornalistas
podiam entrevistar apenas oficiais instruídos e visitar instalações previamente
escolhidas pelo Pentágono.
A cobertura do 11 de Setembro também passou pela estratégia de informação do
governo dos Estados Unidos, demonstrando a relação entre o governo norte-americano e
as empresas de mídia Arbex ressalta que a mídia daquele país, que costuma se
apresentar como defensora dos valores democráticos da civilização ocidental pouco
comentou a destruição militar das instalações da rede árabe de televisão Al-Jazeera em
Cabul tão logo as tropas americanas entraram no Afeganistão.
“Logo após o atentado, a grande mídia inteira, da CNN às redes
brasileiras, começou a fazer uma campanha pela guerra. A primeira
vinheta da CNN dizia “America Under Attack” (América sob ataque),
dando a impressão de que se tratava de uma guerra convencional (...) No
dia 12 de setembro os jornais exibiam fotografia de página inteira de
soldados americanos empunhando a bandeira dos Estados Unidos (como
fizeram no Brasil praticamente todos os veículos da “grande
imprensa”)” (Arbex, 2001: 8).
Arbex afirma que a atuação da mídia foi fundamental para a criação de um
“clima patriótico” que posteriormente foi aproveitado pela extrema-direita daquele país
na aprovação da concessão de “poderes ilimitados” ao presidente a fim de combater o
terrorismo. Esta visão é partilhada por Dorneles (2002), que considera a cobertura do
pós-11 de Setembro o episódio “mais censurado, autocensurado e distorcido” de que se
tem notícia na história da imprensa em frontes de guerra.
“Logo depois da divulgação do primeiro vídeo com pronunciamentos de
Bin Laden, a assessora de Segurança Nacional, Condoleezza Rice,
conversou com diretores das redes de tevê e dos principais jornais e
39
revistas. Todos se comprometeram a não divulgar na íntegra os vídeos
seguintes. Conforme matéria publicada pelo jornal francês Libération, a
CNN ‘prometeu até aconselhar-se com as autoridades no futuro’”
(Dorneles, 2002: 20).
Com base em um estudo das matérias publicadas em quatro grandes jornais (O
Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil) e três revistas
nacionais (Veja, Época e IstoÉ) durante o período de um ano após os atentados de 11 de
Setembro, o jornalista afirma que pouca coisa foi publicada na imprensa brasileira sobre
o controle de informações veiculadas pela mídia que estava sendo feito pelo Pentágono.
O fato foi condenado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, que classificou os
Estados Unidos como um dos países que prejudicam a liberdade de imprensa,
declarando que desde o 11 de setembro se constatava esta ameaça, devido à “censura
oficial de imagens e opiniões e à autocensura motivada pelo patriotismo” (Dorneles,
2003: 26).
A estratégia do governo norte-americano para conquistar o apoio mundial
incluía três escritórios batizados de Centros de Influência Estratégica que funcionavam
em Washington, Londres e Islamabad. Eles tinham a incumbência de disseminar dados
de interesse dos Estados Unidos e de reagir imediatamente às declarações de Bin Laden.
Dorneles relata ainda que o cinco meses após os atentados o presidente Bush anunciou a
criação do Escritório de Comunicações Globais, que de acordo com o então porta-voz
da Casa Branca, Ari Fleischer, buscaria “explicar o que é a América e os motivos pelos
quais ela faz o que faz”. Um dos resultados disso é que os jornais e revistas estudados
publicaram matérias muito parecidas, baseadas em agências e notícias e utilizando
informações do Pentágono e de fontes oficiais.
O autor aponta outras características importantes da cobertura realizada pelos
veículos de imprensa nacionais, como a assimilação da tese do Choque de Civilizações,
visão estereotipada e negativa dos países árabes e islâmicos, uso parcial do termo
“terrorismo” e a retórica pró-Israel. Essas tendências também são identificadas em
jornais estrangeiros e agências de notícias. Estas características foram apontadas no
estudo de Helena Santeiro do Val (2007), que analisou as matérias publicadas nas
revistas Carta Capital e Veja nas duas edições das referidas publicações após os
40
atentados
8
. A revista Veja revelou preconceito contra árabes e muçulmanos e a
cobertura de Carta Capital apresentou uma grande quantidade de matérias que
retratavam os Estados Unidos e seu presidente de forma negativa. A cobertura de Veja
foi mais contraditória, ora fazendo duras críticas ao governo Bush e à invasão do Iraque,
ora apresentando visões estereotipadas dos povos orientais, retratando-os de forma
generalizada e preconceituosa.
Entretanto, Jacques Wainberg (2005) tem outra interpretação da cobertura
brasileira do 11 de Setembro. O autor afirma que os discursos jornalísticos foram
construídos com farta utilização de metáforas e neologismos e que “prevaleceu a
sensação de que há um pólo dominador (Estados Unidos), que, ao fazer uso de seu
poderoso aparato tecnológico, militar, econômico e comunicacional, ameaça os países
em desenvolvimento” (Idem, 2005:141). O terror da Al-Qaeda teria aparecido como “a
expressão de um mal-estar de uma civilização constrangida pela predominância e
avanço dessas forças globais”.
Wainberg diz que ao contrário da revista Veja, que descreveu os atacantes como
“fundamentalistas antimodernos que se opõem aos valores das liberdades civis”, a
opção editorial das televisões nacionais nesse “grave momento de tensão intercultural”
no mundo foi evitar tal rotulação. Na sua avaliação este discurso traz nas entrelinhas
certa tolerância em relação aos atos terroristas, que teriam sido interpretados como
inevitáveis. Para ele “o ódio antiamericano falou mais alto” na cobertura e tão teria
havido espaço “a vitimização dos norte-americanos” (2003: 142). As deficiências da
cobertura brasileira apontadas pelo autor também incluem a reprodução dos conteúdos
de agências internacionais e o despreparo para lidar com este tipo de evento seja para
noticiar e explicar o ataque no contexto das relações internacionais.
Dentre as “fraturas expostas” da imprensa brasileira, destacam-se os fatos de que
apenas dois jornalistas (da Folha de S. Paulo) cobriram a invasão em solo iraquiano; a
participação do apresentador da tevê Record José Luís Datena (que entrou no ar pela
manhã, logo após o atentado, e a noite assumiu o papel de debatedor no programa de
Adriane Galisteu para comentar os atentados) e o tom de sensacionalismo empregado
(na Rede TV! a apresentadora Luciana Gimenez pôs-se a revelar seu conhecimento
8
As revistas analisadas foram publicadas em 19/09/2001 e 26/09/2001.
41
pessoal da vida norte-americana e cartomantes foram consultadas sobre previsões dos
atentados).
c) Terrorismo: uma palavra, vários significados
Wainberg chama atenção para a excessiva e pouco precisa utilização do
vocábulo terrorismo, que acarretaria conseqüências semânticas graves. A alegação de
que existem vários “terrorismos” terrorismo cultural, terrorismo econômico,
terrorismo ecológico, entre outros levaria ao esvaziando do termo, fazendo com que a
violência política perca o significado que tentava dar ao seu ato. Segundo ele, a tentativa
de evitar um imbróglio político fez com que alguns veículos de comunicação passassem
a utilizar o termo “terrorismo” com cautela.
“(...) a BBC inglesa proibiu seus correspondentes de utilizarem o termo
“terrorista”, embora ‘terror’ tenha sido empregado para descrever as
cenas de desastres ocasionadas por esses episódios (...) Da mesma
forma, o jornal americano Minneapolis Star Tribune modificaria em pelo
menos cinco oportunidades despachos do The New York Times trocando
o vocábulo terrorista por ‘atacantes’. Já a imprensa árabe tem se
mostrado ambígua e atordoada ‘num cardápio de rótulos’, utilizando
além deste termo, ‘suicidas’ e ‘mártires’, preferencialmente este”
(Wainberg, 2005: 96).
A agência de notícias inglesa Reuters, que cobre eventos em 160 países, também
teria decido cancelar este termo de seu vocabulário, recomendando que se utilizasse em
seu lugar adjetivos como torturadores, extremistas, assassinos, seqüestradores,
sabotadores.
“a própria CNN teria de desmentir comentários de que o termo
‘terrorismo’ e/ou ‘terrorista’ tinham sido proibidos em sua cobertura do
ataque da Al-Qaeda”. Também o Wall Street Journal teria deixado claro
aos leitores que a palavra era empregada para descrever “organizações
não-governamentais e pessoas que planejavam e executavam atos de
violência contra populações civis ou alvos não-combatentes” (Wainberg,
2005: 102).
Na imprensa brasileira também houve debate sobre o uso do termo após os
atentados. Wainberg cita a coluna de 08 de agosto de 2004 do ombudsman da Folha de
S. Paulo, na qual este explicou que o jornal costuma usar o termo terrorista “para
42
identificar grupos armados como a Brigada de Mártires de Al Aqsa ou Hamas, que
resistem à ocupação de Israel”. Ele acrescenta que na visão do jornal (expressa em Nota
da Redação), “a Folha considera terrorista grupos que atacam civis de forma
deliberada”. O uso do termo informado pelo colunista polemiza com o recomendado
pelo Manual de Redação
9
do veículo, que orienta seus jornalistas a usar este termo
“apenas em sentido técnico evitando a carga ideológica positiva ou negativa”. Nesta
mesma coluna o ombudsman afirma que O Estado de S. Paulo usa termos como
“militantes”, “extremistas” ou “radicais” para caracterizar os grupos palestinos, para
evitar “cair no rótulo aplicado por um dos lados”. Já em O Globo, o termo seria
utilizado para designar “atos ou ações específicas levadas a cabo por esses grupos
contra a população civil em Israel” (Wainberg, 2005: 100-101).
A conclusão do autor é que se observa no comportamento da imprensa uma
peculiaridade: é mais fácil denominar terror o ato que vitima a própria população e
utilizar paliativos lingüísticos toda vez que esta violência envolver a população de
outras nações. No Brasil a imprensa enquadrou facilmente como terrorista o ataque
realizado contra a sede das Nações Unidas em Bagdá, em 19 de agosto de 2003, no qual
morreu o diplomata Sérgio Vieira de Melo. Da mesma forma, o termo “terror” e/ou
“terrorista” é mais facilmente utilizado se o número de vítimas for tal que “caracterize
matança e horror”. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Beslan, próxima à Chechênia,
onde foram assassinadas, em setembro de 2004, 335 pessoas, entre as quais, mais de
uma centena de crianças.
O redimensionamento do termo terrorismo a partir do 11 de Setembro na
imprensa é objeto do estudo de Nicoletti (2007) sobre a produção e os usos do conceito
no jornalismo. Sua análise incluiu os sites dos jornais Folha de S. Paulo e The New
York Times, da agência de notícias Reuters, da rede de televisão árabe Al Jazeera e os
9
O texto do Manual da Redação da Folha de S. Paulo d no verbete terrorista/guerrilheiro que “o termo
terrrorista se refere a indivíduos, organizações e governos quando praticam ações violentas contra
alvos civis, ainda que não de maneira exclusiva (podem eventualmente atingir alvos militares). Seus
objetivos são essencialmente de propaganda, mesmo que mantenham retórica militar. Se não for
possível aplicar esses critérios adequadamente empregue o termo extremista, que tem a desvantagem
de ser menos preciso. Exemplos: as ações do Unabomber, o ataque com gás sarin ao metrô de Tóquio,
o bombardeio de uma fábrica de remédios no Sudão pelos EUA. Guerrilheiro é o combatente de
forças paramilitares engajadas em luta armada para a conquista do poder. Em alguns casos, praticam
ações terroristas. Em caso de dúvida, discuta a aplicação desses termos com os editores”. No Manual
de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo não há orientações sobre o uso das palavras
terrorismo/terrorista.
43
informes divulgados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Seu estudo
também identifica a dependência de fontes institucionais nos meios analisados e um
desequilíbrio para o modo de como o termo é empregado. Nos press-releases do
governo norte-americano, a palavra aparece associada aos combatentes de países do
“Eixo do Mal” (inicialmente Irã, Coréia do Norte e Iraque, depois ampliado para incluir
Líbia, Cuba e Síria). Esses países eram acusados de desenvolver armas em destruição
em massa e financiar organizações terroristas.
“O uso do termo terrorismo nas comunicações oficiais para designar os
combatentes que enfrentam as forças norte-americanas no Iraque se dá
apesar de os comandos militares terem definições claras sobre cada um
dos termos. No guia militar para terrorismo produzido pelo Exército dos
EUA, os três termos são discutidos claramente. Insurgência é definida
como “um movimento organizado com o intuito de derrubar um governo
estabelecido pelo uso da subversão e do conflito armado”. Já guerrilha
são as operações militares e paramilitares, conduzidas em território
dominado pelo inimigo ou hostil, por forças irregulares e
predominantemente nativas. Terroristas são ‘indivíduos que usam
violência, terror e intimidação para alcançar um resultado’” (Nicoletti,
2007: 76).
Nicoletti afirma que, por ser um termo associado ao mal, a palavra terrorismo é
acionada pela imprensa e por governos sempre que é necessário demonstrar indignação
ou clamar pelo endurecimento de penas. Um caso recente de uso indiscriminado do
termo terrorismo durante os ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da
Capital) no Estado de São Paulo, em maio de 2006. Na ocasião, “o termo parece não ter
sido empregado de forma consciente pela imprensa para obter alguma vantagem ou
justificar alguma ação, mas sim para caracterizar algo que foi extremamente danoso
para a sociedade” (2007: 79). Os atos foram qualificados como terroristas para que
fossem julgados como algo extremamente reprovável, como sinônimo de mal. Esta
posição foi expressa no blog da jornalista Tereza Cruvinel, no dia 16 de maio de 2006,
no qual ela afirmou taxativamente que o que ocorria naquele momento em São Paulo e
em outros Estados era terrorismo, “um terrorismo sem causa, disposto a enfrentar o
Estado, a lei e a autoridade”.
O autor afirma que em mais de trinta anos de discussões sobre o assunto a
Organização das Nações Unidas nunca chegou a uma noção única sobre o que é
44
terrorismo. Na primeira vez que o assunto foi discutido, em 1937, na então Liga das
Nações. Considerava-se então terrorismo todo ato direcionado a um Estado com a
intenção de “criar um estado de terror nas mentes de pessoas específicas, em um grupo
ou no público em geral”. Na década de 60, entraram em vigor nessa definição
convenções sobre o uso de aviões e a colocação de bombas em seu interior. O assunto
não receberia tratamento mais amplo da ONU até 1972, quando foi morta parte da
delegação israelense durante os Jogos Olímpicos de Munique. O episódio teve cobertura
intensa da mídia e trouxe o debate sobre o terrorismo, especialmente o palestino, para o
centro das discussões. Nas duas décadas seguintes, o grande número de explosões de
bombas se tornaria a forma mais comum de atentado. Como reação, no final da década
de 90 foi criada pela ONU a Convenção Internacional para Supressão de Atentados
Terroristas a Bomba. O texto trouxe uma novidade porque considerava legítimas as
lutas de libertação nacional.
Este panorama iria mudar nas resoluções do Conselho de Segurança pós-11 de
Setembro, quando a ressalva presente desde 1972 lembrando do direito à
autodeterminação dos povos e à luta anticolonial não iria mais aparecer. Em vez disso,
aparece uma condenação a todos os atos de terrorismo, independentemente de suas
motivações, de quando ou de quem os tenha cometido. “O termo terrorismo, antes até
certo ponto relativizado de acordo com os motivos, adquiriu sua carga negativa mais
plena. Agora, a discussão passa a ser do que enquadrar como terrorismo e não se há
possibilidade de um terrorismo bom” (Nicoletti, 2007: 87).
Para o autor há um caminho de mão dupla: os meios de comunicação sofrem a
influência da sociedade por meio dessas categorias e influenciam na sociedade com a
formação, transformação e consolidação dessas categorias. Desde o fim da Guerra Fria,
com seu apogeu logo depois do 11 de Setembro, a palavra terrorismo foi sendo ligada
lentamente a novos significantes. A imprensa teve papel decisivo nisso, já que boa parte
das interações comunicativas que os indivíduos estabelecem em seu dia-a-dia é
catalisada pelos meios de comunicação de massa.
***
Quando se aborda o jornalismo internacional brasileiro, os autores discutidos
neste capítulo apontam várias deficiências, como a cobertura jornalística como marcada
45
pela dependência das agências internacionais de notícias e de informações fornecidas
por fontes oficiais, além do fato de ser um tipo de jornalismo feito à distância no qual
nem sempre a pessoa que escreve tem acesso direto aos fatos. Porém, há divergências
sobre os prejuízos que essas características poderiam causar à reportagem. Enquanto
alguns vêem esses fatores como falhas que levariam à falta de uma visão brasileira das
notícias e à homogeneização da informação, outros defendem as possibilidades desse
tipo de cobertura, que não prejudicaria o jornalismo de análise e ofereceria mais
informação aos profissionais.
Com relação aos estudos da cobertura dos atentados de 11 de Setembro, percebe-
se também diferenças entre os autores citados quanto aos usos da palavra terrorismo a
partir desta data e a respeito da cobertura jornalística. De um lado há acusações de que a
imprensa nacional segue o que é ditado pela mídia estadunidense; de outro, denúncia de
ódio antiamericano. Em face disso, a análise feita nesta pesquisa levará em conta todos
esses aspectos: a presença de material produzido por agências e meios de comunicação
estrangeiros; as semelhanças e diferenças entre as coberturas dos dois jornais
analisados, os usos do termo terrorismo e a retroalimentação ou autoreferencialidade
midiática. Mas antes, relembra-se o pano de fundo político que antecedeu os atentados
no capítulo a seguir.
46
CAPÍTULO III
DA QUEDA DO MURO À QUEDA DAS TORRES
47
Este capítulo tem por objetivo situar historicamente o acontecimento de 11 de
Setembro de 2001. Para isso relembram-se algumas discussões a respeito do poder
norte-americano após a queda do Muro de Berlim. Aborda-se o surgimento do
neoconservadorismo, ainda na década de 1970. Esta doutrina política viria ter destaque
no governo de George W. Bush na elaboração de sua política externa ou na criação de
dispositivos de exceção dentro e fora do país como parte da política de segurança após
os atentados.
1- Depois do muro, antes das torres
Após a queda do muro de Berlim, em 1989 e da dissolução da União Soviética,
em 1991, anunciava-se o início de uma nova ordem mundial, alicerçada em dois pilares:
a democracia liberal e a globalização. O crescimento dos regimes democráticos no
mundo desde a década de 1970
10
somado ao fim da bipolaridade entre o comunismo
soviético e o “mundo livre” deu origem a interpretações entusiasmadas, sendo a mais
famosa a tese sobre o “fim da História”, de Francis Fukuyama.
Segundo o cientista político, mais do que o epílogo da bipolaridade, o que se
testemunhava era “o fim da história como tal, ou seja, o ponto de evolução ideológica
da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como forma de
governo humano” (Fukuyama, 1992: 114). A tese celebrava a chegada a um modelo
societário que seria o estágio final da humanidade, seu “destino teleológico” cujo ápice
seria o triunfo da democracia liberal face à experiência socialista. A queda das ditaduras
na Europa na década de 1970 e a crise do autoritarismo na América Latina na década
seguinte seriam expressões de que os regimes autoritários haviam sido alijados pela
idéia de democracia. A História teria se completado com a disseminação do “mercado
livre” e a universalização da democracia.
A tese do fim da História se desenvolveu e ganhou fama sobre o pano de fundo
da globalização, tema presente na mídia e nos debates acadêmicos durante a década de
10
Em 1972 havia 52 democracias no mundo; em 1996 este número havia crescido para 118, 62% do
total de 191 Estados. O processo de aumento dos regimes democráticos no mundo está
detalhadamente descrito por Huntington em A Terceira Onda (1991).
48
1990. Este conceito também emergiu após a queda do Muro de Berlim e o fim da União
Soviética para designar uma nova cartografia de mundo tecida por fluxos globais de
mercadorias, capitais e informações, na qual emergiam novas potências econômicas e se
organizavam novas relações de poder (Magnoli, 1997). Tão logo surgiu o conceito já
abrangia toda a História do Ocidente: a globalização havia sido iniciada nas Grandes
Navegações do século XVI e o pioneirismo europeu era frequentemente explicado como
conseqüência da centralização do poder político pelo Estado monárquico, uma
experiência bem sucedida decorrente da associação do Estado e dos empreendedores
privados.
A Revolução Industrial do século XIX, as décadas do pós-guerra, a reconstrução
de Europa e Japão capitaneados pelos Estados Unidos, a crise do petróleo na década de
1970, as políticas de liberalização da economia promovidas por Reagan e Thatcher nos
anos 80, a financeirização da economia, a revolução da informação pelo advento da
Internet e da comunicação instantânea, a organização dos paises em blocos regionais
como a União Européia, NAFTA, as discussões sobre a ALCA: tudo foi tratado nessa
interpretação como um processo linear e certeiro. À exceção de alguns questionamentos
para alguns autores marxistas como Almeida (2003), a globalização tratava-se de uma
continuação do imperialismo descrito por Lênin -, a globalização foi dada como um
fenômeno certo, cuja existência foi tratada como inquestionável e não como uma forma
de interpretação, cabendo aos indivíduos se posicionarem contra ou a favor
11
. Nesse
sentido, podemos citar a teoria do “sistema global”, ou sistema-mundo de Immanuel
Wallerstein, o “Império” descrito por Michael Hardt e Antonio Negri, a globalização
contra-hegemônica de Boaventura de Sousa Santos, as manifestações antiglobalização
de Seatatle e as discussões em torno do enfraquecimento ou não do Estado-nação diante
deste fenômeno
12
.
Com os atentados de 11 de Setembro a tese do “fim da história” foi suplantada
pela do “choque de civilizações”
13
, de Samuel Huntington. A tese postula que o fim da
11
A esse respeito é interessante observar o exemplo dos usos do termo globalização pelo jornal Folha de
S. Paulo feito por Gomes (2006), já citado no primeiro capítulo desta dissertação.
12
Para um panorama mais amplo sobre as visões de mundo que surgiram após a guerra fria consultar
Vesentini (2002).
13
Assim como a proposição de Fukuyama esta tese foi esboçada primeiro em um artigo acadêmico que
posteriormente deu origem a um livro (o do primeiro publicado pela revista The National Interest, em
1989; o do segundo pela Foreign Affairs, em 1993).
49
era bipolar inaugura uma fase em que os conflitos globais serão de ordem cultural entre
nações e grupos de diferentes civilizações. Huntington afirma que existem seis
civilizações nos dias atuais - ocidental, islâmica, hindu, eslava ortodoxa, japonesa e
sínica ou confuciana - e duas “subcivilizações”, a latino-americana (uma mistura de
civilização ocidental com a população indígena local) e a africana (mistura de culturas
locais com os países islâmicos do norte do continente).
O ressurgimento global das religiões no final do século XX seria a causa da
ascensão de movimentos fundamentalistas e tenderia a reforçar as diferenças entre
civilizações. Huntington recupera e enfatiza as formulações acerca da forte religiosidade
que muitos (Weber, 2004; Tocqueville, 2000, entre outros) e ele próprio - consideram
constitutiva da sociedade estadunidense como um elemento que desempenhou papel
fundamental no desenvolvimento capitalista daquele país. Huntington afirma que
“a religião tem sido e ainda é um elemento central, talvez o elemento
central da identidade americana. Em um mundo no qual cultura e
particularmente, religião, definem as lealdades, as alianças e os
antagonismos de povos em cada continente, os americanos podem
reencontrar sua identidade nacional e seus objetivos nacionais em sua
cultura e em sua religião” (1997: 20).
Uma noção fundamental dessa interpretação é a “linha de cisão entre
civilizações”, áreas em que os choques ocorreriam com maior intensidade, como áreas
de fronteira e locais onde há presença de civilizações diferentes. A região dos Bálcãs e
as guerras ocorridas no local na década de 1990 são exemplos dessas linhas de cisão. Na
Bósnia ocorreria a disputa entre povos ocidentais (croatas), islâmicos (bósnios) e
eslavos ortodoxos (sérvios); no Kosovo a disputa seria entre islâmicos (kosovares) e
eslavos ortodoxos (sérvios).
Conforme demonstrado no segundo capítulo dessa dissertação, a tese de
Huntington teve destaque na imprensa brasileira após os atentados de 11 de Setembro,
interpretado como um ataque da civilização islâmica e ocidental. Para os críticos do
liberalismo político e econômico, como Wallerstein, os atentados constituíram uma
prova do declínio do país como potência hegemônica. Para alguns mais moderados,
como Joseph Nye e Joseph Barber, o 11 de Setembro foi um alerta para a necessidade
na mudança da política isolacionista que vinha sendo adota pelo país desde a década de
50
1990. Para os grupos de direita que formavam o “núcleo duro” do governo George W.
Bush, o evento foi uma oportunidade de colocar em prática políticas que vinham sendo
gestadas há algum tempo e que caminhavam timidamente à espera de um catalizador.
Wallerstein (2003) afirma que os Estados Unidos demonstram sinais de
decadência política, econômica e militar desde década de 1970
14
. O sucesso do país
como potência hegemônica teria criado condições para sua própria extinção, que se
expressaria em quatro símbolos: o Vietnã, 1968, 1989 e 11 de Setembro. A derrota no
Vietnã “um acontecimento do qual a auto-estima e o prestígio mundial dos Estados
Unidos nunca se recuperaram”, além da derrota militar foi um conflito muito
dispendioso, que praticamente esgotou as reservas de ouro do país, abundantes desde
1945. Isto se deu justamente num momento em que Europa Ocidental e Japão passavam
for fortes retomadas econômicas.
As conseqüências “geoculturais” do ano de 1968 também teriam influenciado o
processo de declínio do país por causa dos protestos internos e externos contra a Guerra
do Vietnã, simpatia dos manifestantes de 68 com os vietnamitas e a condenação por
parte da opinião pública da hegemonia/imperialismo estadunidens. Wallerstein
acrescenta que na década seguinte o prejuízo econômico foi acompanhado do declínio
do poder militar, expresso nas intervenções que não foram bem sucedidas (Líbano e
Somália). Em conseqüência disso o país teria adotado uma política externa isolacionista
até o 11 de Setembro.
No ano de 1989, com a derrubada do muro de Berlim, o país viria a sofrer mais
um golpe. Isso porque “o final do comunismo foi também o final do liberalismo, pois
tirou da cena mundial a única justificativa ideológica sólida que os Estados Unidos
tinham para legitimar sua hegemonia”. Durante a década de 1990, o declínio político-
militar estaria expresso na Guerra do Golfo e nos conflitos no Oriente Médio e dos
Bálcãs, as principais arenas de conflito mundial antes dos atentados de 11 de Setembro.
No primeiro caso, a permanência de Saddam Hussein no poder após o fim da guerra
demonstrou a possibilidade de uma simples potência regional entrar em guerra com os
14
Diversos autores descrevem outros exemplos de decadência estadunidense no plano interno e no
plano externo não militar, como a falência de Bretton-Woods, a crise do petróleo, o caso Watergate, os
protestos da sociedade civil ocasionados pela guerra do Vietnã, etc. (Hobsbawn, 1995; Arbex, 1993
entre outros.
51
Estados Unidos e sobreviver (e teria irritados os “falcões” e explicaria seu fervor em
invadir o Iraque após o 11 de Setembro). No caso dos Bálcãs, a intervenção
internacional capitaneada pelo país trouxe uma trégua que acabou com a violência mais
aberta, mas não foi capaz de mitigar os conflitos étnicos. A hipótese de Wallerstein nos
dois casos os Estados Unidos não conseguiram exercer eficazmente a sua proteção
hegemônica, não por falta de vontade ou esforço, mas por falta de verdadeiro poder
(Wallerstein, 2004:30).
Os atentados de 11 de Setembro de 2001 teriam sido mais um golpe na imagem
do país como superpotência, atingida em seu próprio solo, uma mostra de
vulnerabilidade militar sem precedentes. O 11 de Setembro foi o maior desafio ao poder
dos Estados Unidos porque as forças hostis capazes de destruir o World Trade Center e
atingir o Pentágono não representavam uma potência militar importante e mesmo assim
tiveram êxito em um audacioso ataque ao coração do país. Com os ataques os falcões
finalmente dominariam a ação política, podendo colocar em prática o projeto de fazer os
Estados Unidos agirem como potência imperial mesmo sem ter o direito teórico de fazê-
lo sob a legislação internacional. “Os falcões acreditam que os Estados Unidos devem
agir como potência imperial por duas razões: primeiro porque podem fazê-lo; segundo
porque se não o fizerem serão cada vez mais marginalizados” (Wallerstein, 2004: 31).
Para o autor essa postura seria o principal fator de aceleração do declínio dos Estados
Unidos.
Enquanto Wallerstein considera o 11 de Setembro um sinal inquestionável de
decadência, Joseph Nye (2002) avalia os atentados como um alerta para os Estados
Unidos. As mudanças pelas quais o mundo passou desde o final da Guerra Fria (o
advento da comunicação instantânea e a intensificação dos processos de globalização)
não estavam sendo adequadamente acompanhadas pela política estadunidense, que
havia se isolado. A alternativa proposta por Nye ao isolacionismo ou ao unilateralismo
que se apresentava após o fim da Guerra Fria seria aproveitar o que o autor chama de
“poder brando”
15
. Para isso sugere a combinação de dois elementos: uma política
15
Joseph Nye postula que o poder dos Estados Unidos está dividido em “poder bruto” (hard power) e
“poder brando” (soft power). O primeiro seria constituído pela força militar, êxito na economia e
influência na política, enquanto o segundo seria composto por valores característicos dos Estados
Unidos, como a democracia, a liberdade e a defesa dos direitos humanos, o que inspiraria outras
nações a desejar imitar suas ações. O autor defende uma combinação entre ambos, pois acredita que
52
antiterrorista mais eficaz e o abandono da política externa arrogante e prepotente,
adotando o multilateralismo. Nye defende a postura militar ativa, que considera
fundamental para a manutenção da estabilidade global. O importante seria aproveitar o
poder que os Estados Unidos possuem hoje e a influência que poderiam exercer com
seus valores enquanto é tempo, pois ele próprio reconhece que a condição de potência
do país não há de ser eterna.
Há sentido em todas as formas de interpretação aqui apresentadas - globalização,
fim da história, choque de civilizações, o suposto declínio dos Estados Unidos como
potência hegemônica. Nenhuma delas é absurda ou está completamente descolada da
realidade. Segundo Vesentini (2003), essas novas geopolíticas não são apenas tentativas
de pensar a realidade, também são apostas, tentativas de influenciar o rumo dos
acontecimentos. Afirmar que a lógica da História leva à universalização da democracia
liberal ou ler o mundo como a coexistência problemática de diferentes civilizações não
são apenas modos de interpretação, são produções de verdades que dão origem a novas
propostas para as relações internacionais. Por isso a importância das proposições de
Foucault sobre a relação saber-poder.
Verdade é poder, assinalou Foucault. E como não existe “o” poder, no
singular, e sim poderes que são exercidos em lugares, instituições,
discursos, relações sociais enfim, também existem verdades, que
correspondem a diferentes representações dos personagens em luta.
Exercer um determinado poder é também produzir certa verdade, e não
existem verdades sem que suas representações de mundo tenham alguma
credibilidade” (Vesentini, 2003: 111).
O tópico a seguir apresenta algumas verdades produzidas nos Estados Unidos e
que foram fundamentais para a formulação da política externa do país após os atentados
de 11 de setembro de 2001: a retomada da direita cristã e a doutrina neoconservadora.
2 – As novas faces da direita estadunidense
seria um erro considerar que na era da informação global apenas o poder militar garantirá a força do
país.
53
a) O “núcleo duro” do governo Bush
Tentar definir conceitualmente as escolas de pensamento estadunidenses não é
uma tarefa fácil. Conforme alerta Tatiana Teixeira (2007), existe uma grande variedade
de correntes com características muito próximas e seus integrantes transitam entre as
diversas linhas. Por esta razão optou-se por abordar apenas os grupos que fizeram parte
do “núcleo duro” do governo Bush (e que muitas vezes parecem se confundir). São eles:
os falcões do Pentágono, a direita cristã e os neoconservadores.
Os falcões são funcionários dos altos escalões do Pentágono e Departamento de
Defesa que defendem o uso ativo da política militarista agressiva para neutralizar
potenciais ameaças antes que elas tenham a chance de se concretizar. Os
neoconservadores dão ênfase à tradição e à lei, à estabilidade institucional, à
disseminação da democracia e ao uso da força militar. A nova direita ou direita cristã
destaca o tradicionalismo moral, preocupa-se com o “libertarianismo” econômico,
identifica-se moralmente com o conservadorismo tradicional e se preocupa com
questões sociais como aborto, ação afirmativa e pornografia. Os dois últimos grupos
têm em comum a defesa dos valores tradicionais estadunidenses e a crítica do chamado
relativismo cultural
16
.
Na reeleição de George W. Bush a Direita, em 2004, Cristã representava 40% do
eleitorado republicano
17
. Esta coalizão, além de proporcionar um apoio crucial à
invasão do Iraque (considerado uma “segunda Babilônia”) semeia controvérsias no
domínio da ciência, como a descrença na teoria de Darwin sobre a evolução das
espécies, rejeição a políticas de planejamento familiar, oposição às pesquisas com
células-tronco. Irving Kristol, o “pai” do neoconservadorismo, considera a religião o
principal instrumento no sentido de moldar o caráter humano. Para ele a Direita Cristã
seria importante para o Partido Republicano, pois seria responsável pelo surgimento de
uma “nova era” na política do país (Kristol, 1993 apud Teixeira, 2006: 46).
16
Pelo fatos de seus integrantes transitarem por várias linhas, evitou-se nomear membros de cada uma
separadamente. Donald Rumsfeld e Paul Walfowitz, por exemplo, que são “falcões” que assinam que
também aparecem na literatura como neoconservadores. Por esse motivo optou-se destacar apenas os
neoconservadores, já que estes tiveram maior influência no governo de George W. Bush e na política
externa após o 11 de setembro.
17
Raasch, 2004.
54
Acredita-se que a associação do neoconservadorismo à Direita Cristã presente
nos meios de comunicação se deve ao fato de que George W. Bush personificar o
protótipo do fundamentalista cristão e usar em seus discursos expressões como “eixo do
mal” e “cruzada”
18
. Embora os presidentes estadunidenses comumente recorram à
retórica religiosa, a diferença entre Bush e os demais é a freqüência com que ele a
emprega. O presidente fez uso da retórica religiosa desde o seu primeiro discurso oficial
e desde então não deixou de incluí-la em suas falas públicas, especialmente após o 11 de
Setembro, com os apelos a “chamado”, “missão” e “promessa. Após os atentados Bush
afirmou que o american way of life e a liberdade haviam sido ameaçados, afirmando
que havia uma luta do Bem (Estados Unidos) contra o Mal (terroristas), fazendo um
apelo que tocava em valores éticos e morais da sociedade norte-americana (Marinho,
2006). Mas, apesar da administração Bush ter sido caracterizada pela união entre as
duas correntes não há entre os neoconservadores o apelo ao conceito de guerra justa,
característico da direita religiosa. Conforme alerta Barber,
“os debates em torno da guerra justa envolvem argumentos religiosos e
morais de âmbito universal que são bem distintos da doutrina de guerra
preventiva, embora alguns proponentes do intervencionismo humanitário
tenham acabado apoiando a invasão do Iraque sob pretextos
humanitários” (2005: 119).
É bom lembrar que não foram apenas os religiosos os responsáveis pelas vitórias
eleitorais de George W. Bush e do Partido Republicano em 2004, apesar da correlação
que a imprensa fez entre os resultados eleitorais e um suposto ressurgimento da
religiosidade no país
19
. Mesmo considerando que este tenha tido uma percentagem
maior de votos dos evangélicos protestantes (de 68%, em 2000, para 78%, em 2004), o
número de votantes aumentou em todos os setores (Raasch, 2004). A idéia veiculada
pela grande imprensa brasileira de que a reeleição de Bush em 2004 teria sido produto
de retomada político-religiosa entre os eleitores estadunidenses é uma análise superficial
18
Ver mais sobre a dimensão religiosa nos discursos de Bush em MARINHO, Kleber Maia. In the
President We Trust: uma análise da concepção religiosa na esfera política dos EUA presente nos
discursos de George W. Bush. São Paulo: PUC/SP, 2006.
19
Em um trabalho anterior analisei a cobertura do jornal O Estado de S. Paulo da eleição presidencial
estadunidense em 2004. Na ocasião, diversos artigos e reportagens destacavam a participação da
Direita Cristã na vitória de George W. Bush naquele ano, atribuindo à retomada da religiosidade o
principal fator responsável pela reeleição.
55
que subestima a importância de uma tendência da política que vem ganhando força nas
últimas três décadas naquele país, o neoconservadorismo.
b) Duas constantes na história norte-americana
Antes de falar mais sobre os neoconservadores cabe ressaltar que alguns valores
comumente identificados com esta doutrina fazem parte de uma tradição em política
externa dos Estados Unidos: o ethos missionário, a preocupação com os valores morais
e com a democracia, características presentes desde a independência do país. Ainda no
culo XIX Alexis de Tocqueville identificava a religião como um importante elemento
constitutivo da identidade estadunidense, responsável em boa parte por moldar
sentimentos e opiniões de seus cidadãos.
“Foi a religião que deu origem às sociedades anglo-americanas nunca
se deve esquecer esse fato. Nos Estados Unidos a religião se confunde
pois, com todos os hábitos nacionais e com todos os seus sentimentos
que a pátria fez nascer, o que lhe proporciona uma forma particular. (...)
Na América, a religião, por assim dizer, estabeleceu ela própria os seus
limites; a ordem religiosa permaneceu inteiramente distinta da ordem
política, de sorte que foi possível mudar com facilidade as antigas leis
sem abalar as antigas crenças” (2004: 6-7).
Tocqueville afirma que apesar de existir nos Estados Unidos um Estado e uma
constituição democrática não teriam havido no país “revoluções que revolvam antigas
crenças, debilitem autoridade, revolvam idéias comuns”. Por isso a religiosidade tem
tanta importância naquela sociedade: ela faz parte da nação e reforça as aspirações
universalistas de sua política externa.
A fundação protestante seria responsável pela tradição missionária, cuja crença
seria levar os valores estadunidenses para além de suas fronteiras acreditando que estes
teriam valor universal. Os puritanos acreditavam no “excepcionalismo” dos Estados
Unidos em relação aos demais países, produto de uma trajetória histórica única e
dimensão geográfica e beleza natural extraordinários, um indicativo divino de que os
Estados Unidos ocupam também um lugar único no mundo, “uma cidade sobre a
colina”, donos de um papel missionário e redentor das demais nações.
“Ao conquistarem a independência e estabelecerem um governo
democrático baseado em princípios ‘universais’ e na liberdade religiosa,
os estadunidenses acreditavam estar cumprindo a promessa outrora feita
56
pelos primeiros colonos: os Estados Unidos haviam-se tornado uma
‘cidade na colina’, um paradigma de ‘ordem celestial’, um modelo de
“progresso rumo à perfeição”, um exemplo inspirador para toda a
humanidade” (Fonseca, 2007:172).
O mito da excepcionalidade estadunidense e seu papel missionário se
condensam na expressão “Destino Manifesto”, criada em 1845 pelo jornalista John
O’Sullivan, popularizada no século XIX pelo presidente Woodrow Wilson. De modo
semelhante à preocupação com os valores e com a missão do país, a atenção dispensada
à democracia tem sido uma constante na política externa dos Estados Unidos, apontada
por autores como Schlesinger, Kissinger e Morgenthau. Conforme explica Huntington,
os Estados Unidos possuem especial interesse no espraiamento da democracia pelo
mundo e no desenvolvimento de um ambiente global apropriado para a democracia,
pois “sua identidade como nação é inseparável de seu compromisso com os valores
liberais e democráticos”. Segundo ele, “outras nações podem mudar radicalmente seus
sistemas políticos e continuarem a existir como nações. Os Estados Unidos não têm essa
opção” (1994: 38).
Pierre Bourdieu (2003) afirma que há nos Estados Unidos a pretensão a uma
universalidade política. Do mesmo modo que a França teria em seu patrimônio a
Revolução universal por excelência modelo universal de revolução, mito fundador da
república francesa e dos direitos do homem e o monopólio da legitimidade cultural, os
Estados Unidos teria em face desse imperialismo o mito da democracia na América,
elaborado por Tocqueville, cuja força reside na Constituição, no Congresso, na unidade
dentro do pluralismo. As estratégias de universalização empregadas pelas nações para
justificar seu domínio não estão restritas às instituições políticas ou ao aparelho de
Estado, mas se imiscuem nos domínios da ciência, na defesa dos valores e da moral e
também numa certa forma de filosofia que se apóia na ciência.
Por este motivo deve-se levar em consideração que “muito do que se escreve ou
se diz a respeito da França ou dos Estados Unidos, ou de suas relações, é o produto do
enfrentamento de dois imperialismos, entre um imperialismo em ascensão e um
imperialismo em declínio”. Os discursos sobre as diferenças ou semelhanças entre as
nações (seus regimes políticos, seus sistemas de ensino, etc.) seriam estratégias de
universalização destinadas a defender o capital simbólico dos dois países, estratégias de
legitimação. Nesse sentido, considera-se que essas duas constantes na história norte-
57
americana a democracia e o ethos missionário mais do que características marcantes
da política externa daquele país, podem ser lidas como características dessa pretensão
de modelo político universal. Entre os neoconservadores, ao menos, esta estratégia que
aparece claramente.
3 - Neoconservadorismo e neoconservadores
Nesta pesquisa considera-se o neoconservadorismo um fenômeno
exclusivamente estadunidense. Giddens (1996) fala de um suposto neoconservadorismo
alemão, porém, a literatura mais recente sobre o assunto aponta que as características
mais importantes deste fenômeno dizem respeito exclusivamente aos Estados Unidos e
à formulação da política externa recente daquele país. Assim, podemos dizer que o
neoconservadorismo é, grosso modo, uma escola de pensamento que teve origem na
década de 1970 que tem entre suas características principais a crença no valor universal
do modelo democrático estadunidense, a defesa de um “ativismo” dos Estados Unidos
em relação aos outros países, a rejeição da postura isolacionista em prol das ações
unilaterais, a valorização do uso da força militar, a crítica ao relativismo moral e a
exaltação dos valores tradicionais estadunidenses.
Há mais de três décadas o neoconservadorismo vem exercendo forte influência
na política estadunidense, mais especificamente nos governos de Ronald Reagan (1981-
1989), George H. W. Bush (1989-1993) e George W. Bush (2000-2008). Além das
participações nos governos, esta doutrina conta com representantes na imprensa, nos
meios acadêmicos e nos institutos de pesquisa chamados think tanks. Conforme Tatiana
Teixeira (2007) são pessoas atuantes na prática, que não se contentam com o plano das
idéias. Na administração pública estão concentrados majoritariamente no Conselho de
Segurança Nacional e nos Departamentos de Estado e Defesa. Entre os principais
nomes
20
dessa corrente, a autora destaca:
Irving Kristol: nome mais popular, freqüentemente citado na literatura como
“pai do neoconservadorismo”. Fundador e editor das revistas The Public Interest
e The National Interest, associado ao American Enterprise Institute. Recebeu de
20
Para mais informações sobre neoconservadores de destaque consultar “Os Think Tanks e sua
influência na política externa dos Estados Unidos: a arte de pensar o impensável”. Tatiana Teixeira,
Rio de Janeiro: Revan, 2007 pág. 188-194
58
George W. Bush em julho de 2002 a Medalha Presidencial da Liberdade.
Professor de Pensamento Social no City College, de Nova York, também
trabalhou em The Reporter Magazine (editor), Encounter Magazine (co-
fundador e editor) e Commentary.
William Kristol: filho de Irving Kristol, editor da revista The Weekly Standard,
fundada pelo magnata Rupert Murdoch. Presidente do Project for a New
American Century (PNAC).
Paul Wolfowitz: ex-presidente do Banco Mundial (Bird), foi subsecretário da
Defesa (número dois do Pentágono) governo George W. Bush, e um dos
principais defensores da mudança de regime no Iraque e da estratégia de ataque
preventivo, que já advogava desde 1992, quando era o subsecretário da Defesa
para Políticas, no governo de George H. W. Bush.
Norman Podhoretz: também considerado um dos “Pais Fundadores” do
neoconservadorismo. Faz parte do Hudson Institute, foi editor-chefe da revista
Commentary. Seu filho John Podhoretz, é editor de opinião do New York Post,
colunista da National Review e ex-editor da Weekly. Já a escritora Midge Decter,
esposa de Norman, é conselheira da Heritage Foudation. Assim como na família
Kristol, os Podhoretz todos também são neoconservadores.
Max Boot: editor do Wall Street Journal e membro do Concil on Foreign
Relations, um dos expoentes da nova geração de neoconservadores.
Robert Kagan: colunista do jornal The Washington Post, foi um dos fundadores
da The Weekly Standard e editor-assistente da The Public Interest. Com William
Kristol foi co-fundador do PNAC. Já trabalhou no Departamento de Estado e no
Congresso como assessor de John Kemp. Autor de diversos artigos e livros,
escreveu “Do Paraíso e do Poder”, no qual fala sobre a posição hegemônica que
os Estados Unidos devem ter no mundo. Kagan é casado com Victoria Nuland,
que trabalha no Departamento de Estado.
a) Origens
Segundo Poggio Teixeira (2007), o surgimento do neoconservadorismo tem
como pano de fundo o desencantamento de diversos liberais com as mudanças culturais
59
ocorridas nas décadas de 60 e 70. A contestação dos valores e costumes da sociedade
estadunidense era considerada prejudicial e deveria ser combatida. Ao mesmo tempo, o
contexto da Guerra Fria tinha feito com que esses de jovens liberais se tornasse
“anticomunistas ferrenhos”. Eles também consideravam que o Partido Democrata não
estava suficientemente comprometido em deter o avanço do comunismo. O momento de
ruptura aconteceu quando esta dissidência democrata decidiu apoiar a reeleição de
Nixon, em 1972, em contraposição à postura isolacionista do candidato democrata,
George McGovern. Entre esses jovens liberais
21
estava Irving Kristol, considerado o pai
do neoconservadorismo. O termo neoconservador, cunhado pelo escritor Michael
Harrington, foi criado para designar Kristol e outros liberais que haviam mudado de
lado.
“Kristol, que já vinha flertando com o conservadorismo, aceitou a
denominação (que tinha a intenção de ser ofensiva e depois deu sua
definição famosa de que um neoconservador seria “um liberal que caiu
na real”). A designação de neoconservador acabou por oferecer uma
identidade política àqueles que como Kristol, eram denominados até
então como ‘liberais anticomunistas’ e passou definitivamente a fazer
parte do discurso político estadunidense” (Poggio Teixeira, 2007:26).
Com o passar dos anos os neoconservadores ganharam espaço dentro do Partido
Republicano. A eleição de Reagan, em 1980, uniu neoconservadores e Direita Cristã,
que partilhavam os interesses na militância anticomunista e resgate de valores familiares
tradicionais.
“A Nova Direita e os neoconservadores não eram uma aliança natural.
A Nova Direita desconfiava do governo enquanto os neoconservadores o
adotavam (...). Foi o anticomunismo dos neoconservadores, e sua
resistência à contracultura, que ganhou a aprovação dos conservadores
e levou a um pragmático casamento. O pastor que presidiu a união foi
Ronald Reagan, que precisava da capacidade intelectual dos
neoconservadores e da força de trabalho da Nova Direita, especialmente
a Direita Cristã, para se eleger” (Edwards, 2006 apud Teixeira 2007:
178).
Com o fim da Guerra Fria a corrente perdeu seu principal foco de atuação até
então concentrado no combate ao comunismo. Este período foi chamado por Norman
Podhoretz (1996) de “morte do neoconservadorismo”, pois este “havia cumprido sua
21
O termo liberal é empregado aqui no sentido político e não econômico, como se poderia supor.
60
missão histórica ao propor um enfrentamento mais contundente do comunismo”. Para
Irving Kristol (1996), a adoção de uma política externa de inspiração neoconservadora
após a Guerra Fria necessitaria de um inimigo claro para a sua consecução. Neste
período o discurso neoconservador passou por uma reorientação. A preocupação passou
a ser o papel que os Estados Unidos deveriam ter no pós Guerra Fria. Termos como
unipolaridade, império, hegemonia se tornaram freqüentes no discurso neoconservador.
Com o 11 de Setembro a necessidade do inimigo a ser combatida foi suprida. O
terrorismo internacional se tornou a principal ameaça aos interesses dos Estados
Unidos.
b) Promoção da democracia e ênfase no poder militar
Neste tópico optou-se por destacar dois temas mais relevantes em política
externa dentro do neoconservadorismo: a promoção da democracia e a ênfase no poder
militar. Estes dois pontos estão interligados e dentro deles há vários sub-temas, que
remetem a um único problema, a relação poder-segurança. Poggio Teixeira (2007) elege
quatro temas principais em política externa e além dos dois temas já citados discorre
sobre o internacionalismo não-institucional e o unilateralismo. Contudo, acredita-se
que a discussão sobre esses dois outros temas é mais pertinente ao campo das relações
internacionais. Dentro da reflexão que se pretende fazer aqui, tanto unilateralismo
quanto o internacionalismo não-institucional estão incorporados aos dois temas maiores
destacados. Do mesmo modo, a promoção da democracia para além das fronteiras dos
Estados Unidos e a ênfase no poder militar de alguma forma englobam a preocupação
com valores e a crítica ao relativismo cultural, uma vez que o modelo democrático é
considerado pelos neoconservadores um modelo de validade universal.
Como foi dito anteriormente, a democracia é um elemento fundamental na
identidade estadunidense e por isso sua defesa não é exclusividade da política
neoconservadora. O que diferencia este grupo é a necessidade que estes vêem em
promover este sistema de governo para além das fronteiras dos Estados Unidos. Esta
seria uma forma de defender os interesses do país no mundo e assegurar uma ordem
mundial pacífica, baseados na crença de que democracias não se atacam mutuamente.
Enquanto o conservadorismo tradicional tende a pensar o país como um modelo
democrático a ser seguido, os neoconservadores se empenham numa defesa ativa da
democracia para garantir a segurança do país e reforçar sua supremacia no cenário
61
internacional. Outra diferença entre os neoconservadores e as demais correntes a
respeito da democracia é que estes a utilizam de maneira mais enfática em sua retórica.
Por fim, se a democracia é uma característica historicamente presente na política
externa estadunidense, a visão neoconservadora se destaca pelo seu caráter
essencialmente militarista, o que nos leva ao segundo tema: a ênfase no poder militar.
Desde os primórdios desta doutrina, quando a preocupação no plano internacional era o
avanço do comunismo soviético, seus entusiastas já faziam apelos para maiores
investimentos na Defesa e eram críticos da estratégia de dissuasão. Anos antes dos
atentados de 11 de Setembro, William Kristol e John Kagan publicaram um artigo
intitulado “Toward a neo-reaganite Foreign Policy” (1996), no qual criticavam o
governo Clinton por enfraquecer a defesa americana reduzindo seu orçamento, apesar
da falta de um perigo externo imediato e significativo aos Estados Unidos. Os autores
alertavam que a maior ameaça que os Estados Unidos poderiam enfrentar era a sua
própria fraqueza, que seria combatida com supremacia militar. O objetivo seria mandar
aos inimigos uma mensagem clara: “nem pense nisso” (Poggio Teixeira 2007:180).
Esta ênfase no poder militar que objetiva moldar a ordem internacional de
acordo com os interesses estadunidenses tem alguns desdobramentos importantes como
a autodefesa antecipada, unilateralismo e a pouca importância dada aos organismos
internacionais. Segundo Robert Kagan (2003), a afirmação de que os Estados Unidos
não podem agir sozinhos é “mais uma trivialidade esperançosa do que uma descrição da
realidade” (2003:31). Os Estados Unidos, diz ele, certamente preferem agir junto com
outros países e suas operações têm mais probabilidade de êxito se tiverem aliados.
Contudo, as ações unilaterais não devem ser descartadas.
Além da ação unilateral, outra constante no discurso militarista neoconservador
é a necessidade de neutralizar potenciais ameaças antes que elas tenham a chance de se
concretizar. Embora não seja uma novidade nas relações internacionais
22
, os argumentos
a favor da guerra preventiva ganharam força após o 11 de Setembro, que teriam
ensinado aos Estados Unidos a lição de que não poderiam mais cometer “o erro de
22
Em Império do medo Guerra, terrorismo e democracia (2005), Benjamin R. Barber apresenta uma
discussão mais ampla sobre o emprego dos ataques preventivos na história das relações internacionais
dos Estados Unidos, retomando o conceito de ataques preemptivos conforme empregado na teoria
política daquele país.
62
esperar demais” antes de lidar efetivamente com ameaças (Perle, 2003 apud Teixeira,
2007).
c) O caso do Iraque
A invasão do Iraque, em março de 2003, é o exemplo mais notório da prática
neoconservadora na política externa. Nesta ação pode-se observar tanto o empenho em
neutralizar potenciais adversários por meio da democratização quanto o uso da força
militar para atingir seus objetivos. Após a derrubada de Saddam Hussein a coalizão
liderada pelos Estados Unidos permaneceu no país a fim de estabelecer um regime
democrático e na “reconstrução” do Iraque foi eleito governo e Parlamento e foi
aprovada uma nova constituição. A estratégia de ocupação do Iraque pretendia criar
uma vitrine da influência estadunidense naquela região, a exemplo do que aconteceu
com Alemanha e o Japão após a Segunda Guerra Mundial. Isso está perfeitamente de
acordo com a idéia de “mudança de regime” (regime change), cuja presença no discurso
neoconservador é de capital importância.
Tal conceito baseia-se na proposição de que os Estados Unidos devem utilizar
todos os meios disponíveis para pressionar a transformação de países não-democráticos
em democracias liberais. Com isso se constrói a argumentação que serve de suporte para
intervenções
23
em outros países com o intuito último de efetuar uma mudança de regime
em nações consideradas não-democráticas. No caso do Iraque é possível ver também na
prática dois preceitos importantes no pensamento neoconservador, o internacionalismo
não-institucional e o unilateralismo. Os neoconservadores questionam a legitimidade
dos organismos internacionais porque países não-democráticos os integram, o que
impediria os Estados Unidos de protegerem seus interesses de promoção da democracia.
Ao mesmo tempo a atitude “imperial” é uma mostra de que o país dispõe de poder
militar suficiente para agir de forma isolada.
Concordando com Tatiana Teixeira (2007), parece coerente afirmar que até o
final do governo George W. Bush os neoconservadores tiveram grande influência na
administração. O prosseguimento da ocupação do Iraque apesar das inúmeras críticas é
23
Segundo Chaves, as formas para mudança de regime podem variar de acordo com as circunstâncias,
incluindo, além de intervenção armada, apoio a grupos rebeldes e apoio a dissidentes, que podem
incluir financiamentos, espionagens, etc.
63
o principal motivo para esta afirmação, pois este é um ponto fundamental para os
neoconservadores.
“O neocon Max Boot (...) é um dos defensores da guerra. Para ele há
muitos exemplos de que valeu a pena, apesar das baixas americanas. Sua
lista de vitórias aponta ‘duas eleições realizadas com sucesso, em 30 de
janeiro e 15 de outubro’ (de 2005), ‘referendo constitucional de outubro’
(do mesmo ano), ‘a renda per capta dobrou desde 2003 e hoje é 30%
mais alta que antes da guerra’, ‘o crescimento da mídia independente é
ainda mais inspirador’, ‘o número de carros nas ruas do Iraque é cinco
vezes maior que na época de Saddam’, ‘há cinco vezes mais assinantes
de telefone e 32 vezes mais usuários de Internet’” (Teixeira, 2007: 212).
Teixeira acrescenta que os neocons defendem como conquistas resultantes de
suas idéias a soberania formal iraquiana, restaurada em junho de 2004, a realização de
eleições no Iraque, a ratificação de uma nova Constituição e a crescente participação
sunita na política iraquiana, impulsos democráticos no Egito e em alguns Estados do
Golfo, a retirada síria do Líbano, recuo líbio e um Afeganistão democrático (embora
altamente volátil). Desta forma, os neoconservadores não apenas insistem na ocupação
como também insistem na necessidade de um aumento no número de soldados e de um
treinamento mais efetivo das forças iraquianas.
“Para os neocons, o problema não foi a invasão em si vista como
necessária para mudar o regime no Iraque -, mas a suposta
incompetência da Casa Branca e do então secretário de Defesa, Donald
Rumsfeld, na condução do conflito, ao enviar um baixo número de
soldados no pós-guerra e a falta de uma estratégia de reconstrução”(
Teixeira 2007: 216).
Fontenelle (2005) diz que para entender o ambiente em os planos para a guerra
do Iraque foram concebidos é preciso lembrar que os principais membros da equipe de
segurança de George W. Bush não só foram parte integrante do governo de seu pai
como publicamente endossam o ideário neoconservador, seja na prática política ou na
participação em centros de pesquisa (think tanks) identificados como neoconservadores.
Esses institutos têm importante papel nos planos da invasão do Iraque.
“Em 26 de janeiro de 1998, o então presidente dos Estados Unidos, Bill
Clinton, recebeu uma carta assinada pelos fundadores para o Projeto
para o Novo Século Americano, uma organização sem fins lucrativos
cujo objetivo central é defender o domínio central estadunidense. O
documento tratava diretamente do Iraque. (...) Em setembro de 2000,
outro documento intitulado Reconstruindo a Defesa Americana, foi
64
preparado pela equipe do PNSA [PNAC]. Além de Rumsfeld, Wolfowitz e
Cheney, constam na lista de signatários Jeb Bush, governador da
Flórida e irmão de George W. Bush; e Lewis Libby, chefe de gabinete de
Dick Cheney” (Fontenelle, 2005:39).
É preciso, portanto, descolar a invasão do Iraque do 11 de Setembro, pois a
decisão de invadir aquele país já era um plano de longa data apenas impulsionado pelos
ataques. Mesmo a “Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América”,
anunciada um ano após os atentados como uma aparente resposta dos Estados Unidos
aos ataques não trouxe muitas novidades para história das relações internacionais
estadunidenses. O que esta doutrina marca como novo é o desvio acentuado das
convenções da estratégia dos Estados Unidos e na conduta da guerra. Em outras
palavras, a doutrina é mais uma expressão do pensamento neoconservador que teve com
o 11 de Setembro o momento ideal para ser colocada em prática.
“No passado, os Estados Unidos sem dúvida encetaram ações bélicas
sem prévia aprovação do Congresso e de um modo visto por alguns
como hipócrita e por outros, como imperialista. Mas sempre procuraram
alicerçar seu direito de deslocar tropas na Constituição (cite-se a
Resolução do Golfo de Tomkim, que legitimou a guerra contra o Vietnã),
na Carta da ONU (Coréia) ou no Direito Internacional (Panamá).
Podem ter agido hipocritamente, mas sempre prestaram homenagem aos
princípios da lei e da autodefesa, recusando a admitir que estavam
operando fora de seu âmbito” (Barber, 2005:103).
d) Neoconservadores e a grande imprensa estadunidense
Além das participações em governos, os neoconservadores se reúnem em centros
de pesquisa conhecidos como think tanks. Existem hoje mais de 3.500 think tanks no
mundo, com pelo menos metade deles nos Estados Unidos
24
. Mais do que a produção de
idéias e análises abstratas, os think tanks contribuem de modo direto expansão de seus
preceitos dentro e fora do governo estadunidense por meio de um processo recorrente e
circular.
“Pensar é a função-chave, mas não é a única, pois essas instituições
também são think-and-do-tanks: iniciam, apóiam e monitoram a
implementação ou execução de programas, avaliam projetos, produzem
24
Segundo Teixeira (2007), a influência política dessas instituições é uma característica tipicamente
estadunidense, não encontrada em nenhum outro país. Isso quer dizer que instituições brasileiras
semelhantes como Idesp, Cebrap, etc., não podem ser comparadas com as citadas nesse trabalho por
conta de sua influencia na agenda dos governos, que seria muito mais forte nos Estados Unidos.
65
documentários para TV, capacitam funcionários do governo, reciclam e
sintetizam idéias, reinterpretam o trabalho acadêmico em um formato
mais acessível, traduzem teorias densas e abstratas. (...) Os TTs têm um
papel mais estratégico do que o de simples ponte, com um compromisso
direto com o processo político” (Teixeira, 2007: 110).
A autora explica que esses centros primeiro promovem um grande conceito
operacional e a necessidade de adotá-lo (idéias de governança global, direitos humanos,
livre comércio, luta contra a corrupção e o tráfico de drogas ou de mulheres, guerra ao
terrorismo, proteção ao meio ambiente). Depois, apresentam respostas americanas para
as questões que foram lançadas por essas instituições e apropriadas pelos organismos
internacionais, como a ONU ou a OMC.
Nesse meio repetição é a chave. Para a autora, um dos talentos dos think tanks é
dizer o comum, banal e repetitivo de um jeito impactante e provocador: “mais do que o
fim da Guerra Fria, era o Fim da História; mais do que tensões e conflitos regionais, era
o Choque de Civilizações” (Teixeira, 2007: 99). Histórias e idéias são repetidas várias
vezes pelos especialistas destes institutos, em diferentes mídias e para diferentes
audiências por um longo período até perderem ou diminuírem seu possível grau de
estranheza e serem facilmente aceitas quando chegar a hora de introduzi-las no meio
político. Uma ferramenta bastante usada é um serviço especial de informação por fax ou
e-mail contendo análises feitas pelos membros do think tanks, enviadas gratuitamente
para membros do Congresso, representantes do governo, executivos e imprensa. Outro
recurso são as páginas de Internet. Escrever livros, depor no Congresso, conseguir
contatos informais no Capitólio ou na Casa Branca e na imprensa, fazer conferências e
aparecer na mídia tudo isso faz com que os integrantes dos think tanks sejam
reconhecidos como autoridades legítimas para comentar questões políticas.
Em meados do século XIX Alexis de Tocqueville já falava sobre a importância
dos meios de comunicação para inserir nos indivíduos idéias e opiniões que os levassem
a agir coletivamente. Para ele, somente um jornal é capaz de depositar no mesmo
momento, em mil espíritos, o mesmo pensamento. Estes se tornam necessários à medida
que os homens são mais iguais e o individualismo, mais ameaçador. Os
neoconservadores, atentos a este ensinamento não prescindem da imprensa como meio
para propagação de suas idéias. Os principais think tanks neoconservadores - American
Enterprise Institute, Project for a New American Century e Heritage Foudation -
66
funcionam também como editoras e publicam livros, revistas e jornais. Entre suas
publicações destacam-se as já citadas revistas Commentary, The Weekly Standard,
National Review, The New Republic, The National Interest, Foreign Affairs e até pouco
tempo, The Public Interest.
Além das publicações próprias os neoconservadores buscam manter forte
presença na mídia impressa e na televisão para aumentar sua visibilidade e penetração
na opinião pública. Aqui, podem-se enumerar alguns veículos de comunicação de
tendência conservadora, dos quais esses institutos fazem amplo uso: a rede Fox de
televisão, os jornais The Wall Street Journal e The Washington Post e as revistas The
American Spectator, The American Conservative, The New Criterion, além das citadas
anteriormente.
A tendência do crescimento de veículos de comunicação de linha editorial
conservadora nos últimos anos nos Estados Unidos inclui o lançamento do jornal The
New York Sun, uma alternativa conservadora ao “esquerdismo” do The New York Times;
o crescimento da tiragem de jornais conservadores como o The New York Post e The
Wall Street Journal enquanto jornais tradicionalmente liberais como o Times
registram quedas; o aumento da audiência de canais Fox e Fox News e da circulação de
revistas como The American Spectator, Commentary e National Review, todos
conhecidos como veículos conservadores. O grupo News Corp, de Stuart Murdoch,
pode ser considerado o maior representante do crescimento da ideologia
neoconservadora da mídia dos Estados Unidos. O grupo inclui as já citadas redes de
televisão Fox e Fox News, o jornal The New York Post e a revista semanal The Weekly
Standard, entre outros.
4 – Cruzadas do século 21
A doutrina da guerra preventiva tem também conseqüências no plano interno, na
medida em que descarta argumentos tradicionais de autodefesa e permite ações mais
ofensivas fora das fronteiras nacionais, põe de lado os argumentos a favor das
liberdades civis e permite ações mais ofensivas no plano doméstico (Barber, 2005: 115).
A aprovação da Lei Patriótica (Patriotic Act) é uma dessas implicações. Aprovado pelo
67
Congresso norte-americano, sem consulta popular, este mecanismo legal atua na
limitação das liberdades civis e na adoção clara de dispositivos de exceção
25
.
No clássico texto Sobre o conceito de História (1940), Walter Benjamin
afirmava que o “estado de exceção” em que vivia havia se tornado regra geral. Portanto,
era necessário construir um conceito de História que correspondessem a essa verdade
para lutar contra o fascismo. Agamben parte desta reflexão para afirmar que o estado de
exceção se tornou paradigma de governo no século XX, sobretudo após as duas guerras
mundiais e inclusive nos regimes democráticos.
“O totalitarismo moderno pode ser definido (...) como a instauração, por
meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a
eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de
categorias inteiras de cidadãos, que por qualquer razão parecem não
integráveis ao sistema político. (...) a criação de um estado de
emergência permanente (...) tornou-se uma das práticas essenciais dos
Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos”.
(Agamben, 2004: 13)
A Lei Patriótica e a guerra global contra o terrorismo empreendida pelos Estados
Unidos são o maior exemplo nos dias atuais do estado de exceção como paradigma de
governo. Houve outros momentos da história norte-americana em que existiram
dispositivos de exceção, porém eles teriam atingido seu ápice no governo de George W.
Bush. O significado biopolítico do estado de exceção como estrutura em que o direito
inclui em si sua própria suspensão aparece claramente na “military order”, promulgada
pelo presidente dos Estados Unidos no dia 13 de novembro de 2001. Esta autoriza a
detenção por tempo indefinido (indefinite detention) e o processo perante as “military
commissions” de cidadãos estadunidenses suspeitos de envolvimento com atividades
terroristas. Já o USA Patriotic Act, promulgado pelo Senado no dia 26 de outubro de
2001, permite manter presos estrangeiros (alien) suspeitos de atividades que ponham
em perigo “a segurança nacional dos Estados Unidos”. Para Agamben, novidade da
“ordem” do presidente Bush está em anular radicalmente todo o estatuto jurídico do
25
A Lei Patriótica (Patriotic Act) foi aprovado em 2001, 45 dias após o 11 de Setembro. A intenção da
lei é criar ferramentas para interceptar e obstruir atos de terrorismo. Na prática a lei implica na
violação de direitos fundamentais, como a autorização para escutas telefônicas sem prévia autorização
judicial ou o julgamento militar de suspeitos de terrorismo. Para a organização não-governamental
American Civil Liberties Union, o período que se seguiu à aprovação da lei é o considerado o maior
de perdas de garantias individuais na história dos Estados Unidos. No site da ONG encontra-se o
balanço sobre essas atividades. Ver em www.aclu.org
68
indivíduo, produzindo “um ser juridicamente inominável e inclassificável” (Agamben,
2004:14).
Para Loïc Wacquant (2003), os novos dispositivos judiciais adotados em
Washington “decuplicaram as prerrogativas do Estado policial e suspenderam de facto a
Constituição e as convenções internacionais dos quais, no entanto, os Estados Unidos
são signatários” (2003: 255). Nesse sentido, o 11 de Setembro foi um “acontecimento-
catalizador” que colocou em evidência tendências em marcha há muito tempo, sem que
houvesse grandes modificações nas estruturas internas e externas do país. Neste ponto
que proponho a análise do 11 de Setembro como uma linha de fuga, nos moldes
pensados por Deleuze e Guattari: um momento de ruptura que estabelece novos
conteúdos e expressões, tais como os múltiplos usos dos termos terror/terrorista
apresentados no capítulo anterior. Antes de tratar o fenômeno como causa e efeito, a
proposta é ver no evento um catalisador que viabilizou tanto a política externa de
fundamentação neoconservadora quanto o aumento do controle dos fluxos de pessoas e
informações.
Considera-se, pois, o terrorismo uma linha de fuga mortal, um corpo canceroso
secretado pela sociedade de controle que dá origem a microfascismos. A partir dos
atentados a Washington e Nova York o planeta se torna alvo da segurança e em nome
dela vemos ressurgir a tentativa do controle do fluxo de pessoas, fluxo de comunicação.
O inimigo não está mais localizado em algum lugar, já que o terror é algo secretado pela
própria sociedade. A política de segurança dos Estados Unidos após o 11 de Setembro
toma para si a responsabilidade de cuidar do planeta. O estado de exceção do qual nos
fala Walter Benjamin agora é exercido em escala global.
Segundo Degenszajn (2006), o terrorismo contemporâneo, entendido como o
acontecimento que teve como ponto de inflexão os atentados de 11 de setembro de
2001, desenvolve-se não como um movimento que se opõe ao Estado (como o terror
anarquista na segunda metade do século XIX) mas opera pela afirmação de um outro
Estado. Até então o terrorismo estava associado principalmente à afirmação e
resistências diante do Estado-nação circunscritas a um território. O 11 de Setembro
marcou um movimento de desterritorialização na prática do terror. Se a ameaça
terrorista poderia se manifestar em qualquer lugar, a luta contra o terror também deveria
69
ser travada em todos os espaços, não se restringindo mais às fronteiras ou mesmo ao
território.
Essa mudança, diz ele, é fundamental para compreender esse movimento de
internacionalização do terrorismo, que deixa de ter uma dimensão exclusivamente
nacional e se redimensiona internacionalmente num confronto de universais. Com o
vocábulo sendo associado a quaisquer movimentos de resistência, amplia-se o espaço de
atuação da luta antiterror. Impõe-se a continuidade do Estado de exceção diante da
ameaça permanente, afirmando a guerra em nome da paz, transformando o terrorismo
não mais num inimigo do Estado, mas num problema de todos.
“A guerra ao terror lançada como reação à emergência desse
terrorismo internacional, difundiu e dispersou a ameaça
terrorista a outros espaços de resistência (...) que passam desde a
associação do narcotráfico a grupos paramilitares (...) até a
ligação dos movimentos antiglobalização à prática do terror.
Esse alargamento do campo do terrorismo tem efeitos diretos no
seu vetor de combate. A luta contra o terror torna-se
simultaneamente local e mundial e mobiliza práticas de controle
e vigilância sob o pretexto da garantia da segurança”
(Degenszajn, 2006: 171).
70
CAPÍTULO IV
O 11 DE SETEMBRO NAS PÁGINAS DOS JORNAIS BRASILEIROS
71
Neste capítulo analisa-se a cobertura jornalística brasileira do 11 de Setembro de
2001. Para isso optou-se por trabalhar com os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de
S. Paulo. A escolha desses dois jornais deve-se ao fato de serem ambos periódicos entre
os de maior circulação nacional
26
e de tradição no mercado editorial. Também levou-se
em consideração o fato de possuírem redações e arquivos na cidade de São Paulo, o que
facilitaria a consulta a arquivos. Como recorte optou-se por analisar o material
publicado no dia seguinte aos atentados e as edições de “aniversários” dos eventos até o
ano de 2008. Incluem-se aí todo texto publicado sobre este assunto no primeiro caderno
dos jornais (nos editoriais e nas editorias Mundo/Internacional) e cadernos especiais
sobre o assunto (quando houver). Pretende-se verificar a porcentagem de material
produzido pelo próprio veículo em contraste com quantidade de matérias de agências
internacionais de notícias, jornais e revistas estrangeiros e que temas predominam na
cobertura (economia, segurança militar, entre outros) e comparar a cobertura dos dois
jornais.
As matérias foram divididas em cinco categorias:
Guerra: notícias que narram detalhes dos atentados e investigações
sobre os mesmos, número de vítimas, pronunciamento de autoridades
sobre o ocorrido, repercussão do evento em outros países, planos de
retaliação, retrospecto de atos terroristas no mundo, as guerras contra o
Afeganistão e Iraque e demais assuntos de política externa relacionados
aos atentados;
Economia: notícias sobre quedas de bolsas, crise econômica, situação
das empresas no World Trade Center, cotações de ouro e petróleo, etc.,
Elemento humano: depoimentos de pessoas que testemunharam os
ataques, histórias de pessoas mortas na ocasião, reação dos moradores de
Nova York, homenagens às vítimas;
26
Segundo a Associação Nacional de Jornais, havia em 2006, 3.076 jornais em circulação no Brasil.
Deste total, 532 de circulação diária. Diariamente circulam cerca de oito milhões de exemplares de
jornais diversos (dados de 2007). As cinco maiores tiragens em 2007 foram: Folha de S. Paulo
(302.595 exemplares), O Globo (280.329 exemplares), Extra (273.560 exemplares), O Estado de S.
Paulo (241.126 exemplares) e Super Notícia (238.611 exemplares).
72
Comentários de especialistas: entrevistas sobre o assunto, textos
predominantemente analíticos, não noticiosos, artigos assinados
publicados fora da página de editoriais e artigos assinados de
colaboradores (exceto editoriais e textos dos colunistas fixos dos jornais,
classificados de acordo com a temática predominante);
Autoreferencialidade midiática: comentários sobre a cobertura de
outros meios de comunicação, referências à literatura, cinema e outros.
A classificação da autoria das ocorrências foi dividida da seguinte forma:
Própria: textos assinados por jornalistas do próprio veículo
(correspondentes, redatores e repórteres), de sucursais, de colunistas
fixos e colaboradores (pessoas que escrevem para ser publicadas no
jornal especificamente);
De fora: reprodução de material de agências de notícias e jornais e
revistas estrangeiros.
Híbrida: ocorrências editadas pelo jornal com base em informações de
agências e/ou periódicos estrangeiros ou acrescidas de informações
apuradas por um jornalista da redação.
1-Folha de S. Paulo
27
a) A cobertura do dia seguinte
A cobertura da Folha no dia seguinte aos atentados foi feita majoritariamente por
profissionais do próprio jornal, incluindo correspondentes internacionais, redação de
São Paulo e algumas sucursais. Também houve a participação de freelancers,
articulistas brasileiros e colunistas do próprio jornal que em geral publicam em outras
editorias que escreveram sobre os eventos como Contardo Calligaris (psicanalista),
Lúcio Ribeiro (jornalista especializado na cobertura musical), Elio Gaspari (jornalista e
escritor autor de livros sobre a ditadura militar no Brasil), Inácio Araújo (crítico de
cinema). Das 90 ocorrências sobre o assunto na edição de 12 de setembro de 2001, 74
27
As tabelas completas com todas as ocorrências publicadas pelos jornais analisados nesta pesquisa
podem ser consultadas no Anexo I desta dissertação.
73
eram de autoria de jornalistas da Folha ou colaboradores (como o dramaturgo Gerald
Thomas).
A reprodução de material da imprensa internacional foi mínima: apenas duas
matérias do jornal inglês Financial Times e um artigo do crítico literário estadunidense
Harold Bloom. Apareceram ainda quatro matérias “híbridas”, assinadas por jornalistas
da Folha (ou “Da Redação”) agências internacionais. Por fim, há oito ocorrências cujo
autor não está identificado e duas em que não consta o autor por se tratarem de
reproduções na íntegra de discursos dos presidentes de Brasil e Estados Unidos sobre os
atentados.
Foram mais numerosas as matérias que abordavam a temática guerra, que
incluem descrições dos atentados (que aparecem na manchete do jornal sob o título de
“Guerra na América”), a reação do presidente dos Estados Unidos, declarações de
líderes mundiais, comparações ao ataque de Pearl Harbor e as primeiras referências a
terrorismo.
“É cedo para avaliar a exata dimensão dos devastadores atentados de
ontem nos Estados Unidos ou para antecipar a magnitude de uma
possível retaliação norte-americana (...), mas não há dúvidas de que se
trata de um evento histórico (...). Por enquanto, tudo são especulações,
hipóteses mais ou menos críveis em torno de um episódio em si mesmo
inacreditável. A única certeza é a de que este terá sido o maior atentado
terrorista da história. As desconfianças recaem sobre grupos extremistas
islâmicos (...) Os atentados constituem uma declaração de guerra, mas
não há exatamente um Estado inimigo contra o qual a Casa Branca
possa desferir um contra-ataque. (...) O suposto aspecto étnico do
episódio tende ainda a fomentar atos de racismo por toda parte. Tudo
indica que o mundo mudou e para pior”.
Trechos do editorial “Guerra na América”, página A-2.
É interessante observar que num primeiro momento o jornal fala de um “inimigo
invisível”, mas também considera a possibilidade de a extrema direita do país ser
suspeita da autoria dos atentados. Afirma-se que o Taleban critica os atentados e
defende Osama Bin Laden.
“Quando não sabe quem é o inimigo todos passam automaticamente à
lista de suspeitos, embora tenha havido maior cautela em evitar apontar
o dedo para o terrorismo muçulmano, habitual suspeito nessas
ocasiões”.
74
Trecho do artigo “O inimigo invisível”, página A-3.
Os dirigentes do Taleban, que controlam a maior parte do Afeganistão,
condenaram os ataques terroristas nos Estados Unidos e rechaçaram as
suspeitas de que o extremista saudita Osama Bin Laden possa ter sido o
autor intelectual dos ataques. (...) No Paquistão, o embaixador do
Taleban Abdul Salam Zaeef também afirmou ser contrário aos ataques
(...)”.
Trechos de “Taleban critica atentados e defende extremista Bin Laden”, pág. A-
17.
Algumas páginas depois, o jornal passa a ser mais incisivo e os títulos das
matérias começam a apontar indiretamente Bin Laden como autor da ação. Embora os
títulos das matérias classifiquem o milionário saudita sob a rubrica de “suspeito”, não é
isso que os outros elementos da página informam. A matéria “Suspeito de ter
organizado ação vale US$ 5 mi para os EUA”, publicada na página A-22 traz um perfil
de Bin Laden e seu retrospecto em atentados. A diagramação lembra um cartaz de
bandidos procurados do Velho Oeste, com uma fotografia de Bin Laden bem no centro
da página. Há também uma retranca ao lado dos subtítulos da matéria em letras maiores
que diz “O terrorista”. Abaixo desta matéria há um box que enumera os principais
atentados terroristas no mundo e a foto de um avião destruído em outro atentado em
1988, sem nenhuma relação com Bin Laden.
A segunda temática de maior destaque privilegia o aspecto humano da tragédia
com relatos de pessoas que presenciaram os atentados, o colapso e clima de guerra que
se instalou em Nova York naquele dia, depoimentos de brasileiros que vivem na cidade,
informações sobre o fechamento de empresas e suspensão de vôos. Exemplos:
“Atônitos, nova-iorquinos demoram a entender os fatos (página A-5); “Personalidades
brasileiras relatam visões da tragédia” (página A-13); “Atentados abalam parentes de
brasileiros nos EUA” (página A-15), “Na torre, ‘o chão parecia uma geléia’, diz
paulista” (página A-12); “Companhias aéreas sugerem FBI e orações” (página A-15).
Aos poucos o ato terrorista começa a aparecer atrelado ao elemento étnico-
religioso (árabes e islamismo) quase numa cobrança de explicações de autoridades de
países árabes ou representantes de comunidades árabes/muçulmanas nos Estados
Unidos e no Brasil.
75
“Detroit, capital do Estado de Michigan, tem a maior comunidade árabe
dos EUA. Mesmo com nenhum grupo tendo assumido a autoria dos
ataques em Nova York e em Washington, temores de represálias contra
cidadãos de origem árabe na cidade fizeram com que muitos deles
voltassem para casa mais cedo”.
Trecho da matéria “Árabes em Detroit temem represálias”, página A-14.
“O xeque Jihad Hassan Hammadeh, representante na América Latina da
Wamy (Assembléia Mundial da Juventude Islâmica), disse à Folha, em
São Paulo, que “as pessoas não devem se precipitar em julgar a
comunidade árabe e islâmica em geral por um atentado isolado, isso se
realmente for confirmado que foi um grupo islâmico. Não somos
coniventes de forma alguma (...)”.
Trecho da matéria “Muçulmanos americanos criticam mortes”, página A-22.
“Os atentados contra os Estados Unidos foram seguidos de
comemorações populares e condenações oficiais no Oriente Médio, onde
o país é hostilizado por seu apoio a Israel. O líder palestino Iasser
Arafat condenou os ataques e os considerou
‘inacreditáveis’.Manifestações tomaram as ruas em celebração do golpe
terrorista mais duro contra o tradicional aliado de Israel. (...)Os
movimentos palestinos que já promoveram ataques terroristas contra
Israel (...) negaram qualquer envolvimento no ataque. ‘O que ocorreu
hoje nos Estados Unidos é conseqüência da política americana na região
mais conturbada do mundo”, afirmou o Jihad Islâmico. O Hamas
também se defendeu. (...)A FPLP (Frente Popular de Libertação da
Palestina) e a FDLP (Frente Democrática de Libertação da Palestina)
também rechaçaram as suspeitas. (...) Jordânia, Líbano, Irã, Emirados
Árabes Unidos, Qatar, Kuait, Omã expressaram indignação e pediram o
fim do terrorismo”.
Trechos de “Palestinos festejam nas ruas; Arafat faz dura condenação”, pág. A-
17.
A temática econômica aborda as conseqüências econômicas dos atentados, a
possibilidade de recessão, queda de bolsas e como ficaria a economia brasileira diante
do quadro. Exemplos: “Ricupero vê atentado como ameaça à economia mundial”
(página A-25); “Terror fecha mercado dos EUA e derruba o europeu” (página A-30),
“Bolsa de SP pára após queda de 9%” (página A-31), “Dólar dispara e bate novo
recorde no Real” (página A-31).
76
Os comentários de especialistas se referem principalmente às conseqüências
políticas e econômicas dos atentados. Em uma reportagem há depoimentos de
intelectuais que expressam suas reações diante dos atentados. Ao mesmo tempo os
artigos, matérias e entrevistas publicadas parecem cobrar uma resposta militar dos
Estados Unidos aos atentados, dando-a como certa (Exemplos: “Para especialista, EUA
darão resposta”, “EUA vão à forra com mundo ou sem ele).
Uma ocorrência chama atenção, uma entrevista com o historiador Luiz Felipe de
Alencastro, professor da Universidade de Paris. O título do texto é uma frase do
entrevistado pinçada de suas declarações: “Bush será cobrado pela notória
incompetência” (página A-26). O que chama atenção nesse caso são as perguntas
28
feitas a Alencastro, que tentam direcionar as respostas para uma interpretação dos
atentados relacionada ao choque de civilizações e a ameaça às democracias ocidentais,
apesar de em nenhum momento as respostas do professor irem nesta direção. Exemplos:
FOLHA Que tipo de reação o senhor espera dos EUA, na medida em
que não há um Estado para ser retaliado, mas forças difusas,
supostamente terroristas ligados ao fundamentalismo islâmico?
FOLHA O terrorismo se tornou a maior ameaça às democracias
ocidentais?
FOLHA Você espera algum tipo de retaliação às comunidades árabes
e islâmicas que moram nos EUA? Em Detroit, por exemplo, onde vivem
muitos árabes, havia hoje a recomendação de não saírem à rua ontem
(sic).
Por fim há reportagens e artigos que se enquadram na categoria
autoreferencialidade midiática, como a repercussão dos atentados na imprensa mundial,
a transmissão ininterrupta dos acontecimentos pelas redes de televisão e a bizarra
comparação com um evento de grande repercussão na mídia nacional ocorrido uma
semana antes, o seqüestro do apresentador Silvio Santos
29
.
28
Ver a entrevista completa no Anexo II desta dissertação.
29
Duas semanas antes dos atentados o apresentador Silvio Santos foi mantido refém em sua própria
casa por Fernando Dutra Pinto, responsável pelo seqüestro da filha do apresentador, Patrícia
Abravanel, em 21 de agosto de 2001. Dutra Pinto só se entregou quando chegou ao local o então
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que garantiria sua integridade física. As emissoras de
televisão brasileiras transmitiram o seqüestro ao vivo até o seu desfecho. O seqüestrador morreu na
77
“A visão de que o entretenimento se mesclou à realidade, apresentada à
quatro décadas por gente como o americano Daniel Boorstin e o francês
Guy Debord, em ‘A Imagem’ e ‘A Sociedade do Espetáculo’, ganhou
ares de consciência da humanidade” (...) até os melhores críticos de TV
ou de ‘sociedade do espetáculo’, como Howard Kurz, do Washington
Post, que dizia também ontem: - Era um filme de guerra se
desenvolvendo nas telas”.
Trecho de “TV mundial transmite, consciente, um espetáculo” (página A-20)
“A tragédia nos EUA aumentou a audiência na TV brasileira ontem, mas
não chegou a alcançar o mesmo desempenho da transmissão do
seqüestro de Sílvio Santos, na quinta-feira retrasada”.
Trecho da matéria “Silvio Santos teve mais ibope que EUA” (página A-20)
Nesses textos também se recorreu a elementos da cultura de massa para
“explicar” os eventos, comparando-os a obras cinematográficas e literárias, chegando-se
até a sugerir uma “trilha sonora” para o “show de horror”. Exemplos: “Ameaças do
terror alimenta a indústria do tecnothriller”, “Os novos vilões do cinema
estadunidense”.
“O pop pode servir como uma trilha sonora bizarra e, ao mesmo tempo,
perfeita para quem quiser baixar o volume da TV e ouvir em forma de
melodia esse sugestivo começo do fim do mundo como o conhecemos.
(...) Não dá pra não lembrar de ‘It’s the end of the world as we know it
(And I feel fine)’, da banda R.E.M. (…)”
Trecho do artigo “Pop já tem sua trilha para o show de horror”, página A-27.
“Os atentados terroristas de ontem são, em boa medida, um roteiro de
Hollywood. (...)Um bom roteiro exige originalidade. Evitaram-se os
alvos evidentes, como a Casa Branca. Pensou-se em algo nunca visto: os
aviões seqüestrados eram para ser explodidos”.
Trecho do artigo “Roteiro do espetáculo acertou no alvo” (página A-28).
a) 11/09/2002
Um ano após os atentados, foram publicadas 20 ocorrências. A maior parte dos
textos foi produzida pelo próprio jornal, com exceção de quatro ocorrências assinadas
por autores estrangeiros (dois do The New York Times e um artigo do prefeito de Nova
prisão alguns meses de uma infecção generalizada.
78
York na ocasião dos atentados, Rudolph Giuliani) e mais três textos de autoria híbrida
(da redação mais agências internacionais). O primeiro aniversário dos atentados foi
destacado nas páginas A-2 e A-3, tradicionalmente dedicadas a editoriais e artigos
assinados. Além do editorial do dia, outros quatro artigos foram publicados nessa seção.
A temática guerra foi predominante, seguida de elemento humano (cinco ocorrências) e
comentário de especialistas (quatro ocorrências). Uma das ocorrências não foi
classificada em nenhuma das categorias prévias: um box contendo o cronograma das
cerimônias realizadas naquele dia na cidade de Nova York sem autor identificado.
Com o “esfriamento” da notícia as análises prevalecem sobre o factual, contudo
este elemento ainda está presente nas matérias que abordam as cerimônias que lembram
o primeiro aniversário dos atentados e nas medidas de segurança adotadas pelos líderes
do país.
Os EUA lembram hoje com segurança máxima o primeiro aniversário
dos atentados de 11 de Setembro de 2001.O governo elevou de
“amarelo” (risco elevado) para “laranja” (alto risco)o nível de alerta
contra atos terroristas dentro dos EUA (...)A decisão de elevar o nível de
alerta dentro dos EUA foi anunciada pelo diretor do Departamento da
Segurança Interna (...). Ela resultou de “ruídos” interceptados pela
comunidade de inteligência dos EUA e por “informações muito novas”
sobre possíveis ataques a alvos americanos no Sudeste Asiático e
ataques suicidas no Oriente Médio.
Trechos da matéria “Sob alerta”, página A-8.
“No Pentágono, o símbolo do poderio militar dos EUA, a comemoração
do aniversário de um ano dos atentados de 11 de setembro será marcado
por discursos sobre a liderança das Forças Armadas americanas, um
minuto de silêncio e a exibição da mesma bandeira colocada sobre o
Pentágono após os atentados de 11 de setembro de 2001”.
Trecho da matéria “Desfile em Washington terá mísseis”, página A-8.
O factual também está presente nos textos onde predomina o “elemento
humano” da data, narrando histórias de pessoas que sobreviveram aos acontecimentos.
“O filho que procurou em vão pelo pai, a inundação de presentes, o
cachorro homenageado e um inusitado museu de vozes. Cada um dos 17
milhões de nova-iorquinos tem sua “história do World Trade Center”,
nem que seja apenas a lembrança do que estava fazendo às 8h46 daquele
79
11 de setembro. A Folha conta cinco desses casos, tal como se lembram
seus protagonistas”.
Trecho da matéria “Notícias de uma guerra particular”, página A-10.
Segundo a avaliação expressa no editorial, passado um ano “a América se tornou
mis unilateral, mais isolada e menos democrática”. O texto afirma que “os direitos civis
assistiram a um processo nunca antes verificado, com o aval do Congresso e da maioria
da população”. Também se critica a “cruzada” empreendida por Bush contra o
terrorismo e à iminente invasão ao Iraque, que ocorreria dali a alguns meses sem o aval
da ONU e da maior parte dos países aliados dos Estados Unidos. O atentado é
condenado com veemência, como o “dia em que cerca de 3.000 inocentes foram
covardemente assassinados, e os símbolos de poder econômico e militar dos EUA foram
duramente golpeados por um grupo de fanáticos”. Há no texto uso de um excesso de
adjetivos e clichês vetados pelos os manuais de redação dos jornais, tais como:
“esmagadora maioria”, “trágicos acontecimentos”, “inocentes covardemente
assassinados”, “duramente golpeados”.
Nos comentários dos especialistas volta a aparecer a idéia do choque entre
civilizações. No artigo “Recordando” (de Donna Hrinak, embaixadora dos Estados
Unidos no Brasil), a autora afirma que o Brasil foi um importante aliado no combate ao
terrorismo no hemisfério sul e que os Estados Unidos anseiam “continuar trabalhando
com o Brasil” para alcançar objetivos, que segundo ela, ambos compartilham: “derrotar
o terrorismo e construir um hemisfério mais próspero”. Ela afirma que é preciso lembrar
que todos se beneficiam daquilo que os terroristas atacam: democracia, liberdade,
diversidade e que somente pela união entre os países é possível preservar este modo de
vida.
Esta posição aparece com mais força no artigo de Nelson Ascher, “Mundo árabe
está em guerra com EUA”, que ocupa toda a página A-12. O texto é ilustrado com uma
fotografia de uma criança de uniforme com a legenda “Militante do Jihad islâmico ajeita
a filha, vestida como terrorista, durante protesto em Gaza”. No alto da página destaca-se
a seguinte frase sobre um fundo negro “O fracasso do mundo árabe-islâmico tem raízes
numa ordem social irreformável”, expressando não só uma confusão entre a origem
árabe e a religião islâmica, mas também uma suposição de que existe um bloco
homogêneo chamado mundo árabe-islâmico.
80
c) 11/09/2003
No segundo aniversário dos atentados o número de ocorrências sobre o
assunto diminuiu. Assim como nos anos anteriores, a maior parte dos textos foi
assinada era de autoria própria, isto é, repórteres, colunistas jornal e colaboradores.
Dois terços das matérias ocorrências foram produzidos pelo próprio jornal. O
restante dividiu-se em um texto de autoria “híbrida”, duas ocorrências de autoria não
identificada (um box explicativo reconstituindo os atentados e outro com a
programação do dia na cidade de Nova York) e uma reprodução do jornal francês Le
Monde. A temática guerra foi predominante com apenas três exceções: uma
ocorrência de comentário de especialistas, uma em autoreferencialidade midiática e
outra de elemento humano. A quarta ocorrência não encontrou classificação nas
categorias pré-definidas. Assim como em 2002, não houve ocorrências da categoria
economia.
Na página A-2, espaço que tradicionalmente publica editoriais e outros textos
opinativos, o segundo aniversário dos atentados foi lembrado em quatro dos seis
textos que ocupavam a página. Todos continham críticas ao unilateralismo da
política externa do governo dos Estados Unidos naquele momento. Um editorial
afirmava que passados dois anos, o combate terrorismo continuava ocupando as
atenções da comunidade mundial e que, embora a tragédia não tenha se convertido
no “prelúdio da Terceira Guerra Mundial”, ela havia provocado uma série de reações
da maior potência do planeta. Entre elas, a invasão de dois países islâmicos em
menos de dois anos, o retrocesso em termos de direitos civis ocorrido no plano
interno e a ação unilateral e arrogante dos Estados Unidos no plano externo. A
avaliação do jornal sobre os atentados é bem semelhante à do ano anterior: usam-se
os mesmo chavões e adjetivos (“ataque espetacularmente mortal”, “matando
covardemente 3.000 inocentes”), porém há mais espaço para crítica.
O mesmo pode ser visto nos demais textos opinativos. A colunista Eliane
Cantanhêde critica as medidas de segurança adotadas nos aeroportos norte-
americanos porque a caçada aos “verdadeiros terroristas” estaria sendo pouco
eficiente.
“Incapazes de prevenir a tragédia de Nova York, os órgãos de
inteligência dos EUA foram capazes de provocar a invasão do Iraque
81
com o pretexto de armas de destruição em massa, afinal, inexistentes. E
continuam nesses dois anos a assombrar a vida do cidadão comum e a
do visitante estrangeiro com cretinices”.
Trecho do artigo “E o Bin Laden, hein?”, página A-2.
A preocupação com as relações internacionais está presente nos dois
outros artigos publicados nessa seção. Em “A terceira guerra”, Carlos Heitor Cony,
colunista fixo do jornal, afirma que “passados dois anos, pode-se dar razão aos que
consideram o 11 de Setembro como o início da terceira guerra mundial”, que para ele é
“uma guerra sem trincheiras” e sim uma “guerra de informações e contra-informações”,
na qual as batalhas não se travam “num território específico, com alvos previamente
definidos”, desconsiderando que os países naquele momento ocupados por tropas
estadunidenses são territórios bastante específicos. Já o artigo de Alcino Leite Neto
(editor de domingo do jornal) revela preocupações com o esvaziamento da ONU,
segundo ele a conseqüência mais grave dos atentados. Para ele, a nova ordem mundial
depende de “uma verdadeira democratização da ONU” para impedir que “a futura crise
de hegemonia dos EUA não redunde na disseminação universal do medo, do caos e da
barbárie”.
Nos textos informativos publicados no caderno Mundo, a temática guerra
prevalece, a exemplo dos anos anteriores. A primeira matéria informa sobre a
divulgação de uma nova fita de Osama bin Laden, veiculada pela TV Al Jazeera, do
Qatar. O texto é baseado em despachos de agências internacionais, que relatam como
foi esta transmissão.
“... a rede de Tv qatariana, Al Jazira levou ao ar uma fita de vídeo com
imagens supostamente recentes de Osama bin Laden...
Simultaneamente, a TV veiculou fitas de áudio distintas com gravações
atribuídas aos dois terroristas mais procurados pelas autoridades
americanas, nas quais eles prometem novos ataques para punir os EUA.
A fita de vídeo não tem som”.
Trecho de “Bin Laden ressurge em fita na Al Jazira”, página A-17.
Este texto, embora classificado na categoria guerra ,possui fortes elementos que
remetem à autoreferencialidade midiática, pois trata de um fato veiculado por outro
meio de comunicação e as fontes são as agências internacionais de notícias, reforçando
a circularidade da informação. Contudo, o texto foi enquadrado na categoria guerra por
82
tratar de uma suposta novidade nas investigações dos atentados. Suposta porque como o
próprio texto afirma, as gravações são “atribuídas” a membros da Al Qaeda e as
imagens não mostram nada que de fato relacionado aos ataques. Na fita há imagens de
Bin Laden caminhando, sentado ao lado de uma árvore e algumas vezes empunhando
um rifle. Entretanto, “especialistas” (quem?) vêem nas mensagens uma tentativa de
arregimentar seguidores e que “autoridades de segurança americanas” crêem na
autenticidade das gravações, Não há identificação nominal dessas fontes e tampouco
espaço para que esta interpretação seja questionada.
Ainda na categoria guerra, os atentados são relembrados num gráfico explicativo de
autoria não identificada. Uma reportagem narra a ampliação das medidas contra o terror
anunciada por Bush na ocasião, que incluía a pena de morte para crimes relacionados ao
terrorismo e a ampla defesa do Ato Patriótico. Em outro texto, aborda-se o
unilateralismo do governo estadunidense e as dificuldades que esta postura poderia
trazer para as relações exteriores do país. Nesses dois últimos textos vê-se a repetição
dos temas abordados pelos editoriais. As entrevistas, quando existem, reforçam as
posições defendidas na página destinada aos textos opinativos, sobretudo do editorial.
Na única ocorrência de “comentário de especialistas” há um debate entre dois
intelectuais, André Glucksmann e Tzvetan Todorov sobre a guerra do Iraque. Enquanto
o primeiro considera a guerra contra o terrorismo e a guerra do Iraque justificáveis para
“levar a liberdade ao mundo e, assim, garantir sua segurança”, para o segundo estas são
prova de um “unilateralismo injustificável” por parte dos Estados Unidos.
d) 11/09/2004
No terceiro aniversário não houve editoriais ou artigos nas duas primeiras páginas do
jornal. O assunto ficou restrito à editoria Mundo. Nos seis textos relacionados ao 11 de
Setembro a temática guerra foi predominante (metade das ocorrências). Houve dois
textos de comentários de especialistas e um que não se enquadrou nas categorias pré-
definidas (tratava de mudanças na lei sobre porte de armas nos Estados Unidos). Três
ocorrências deram de autoria própria, duas de fora (uma entrevista do espanhol El País
e um artigo do inglês Financial Times) e uma híbrida.
83
O terrorismo continua tendo destaque no noticiário internacional em geral e nas
matérias referentes ao 11 de Setembro especificamente. Na principal matéria dedicada
aos atentados o foco é a disputa eleitoral que seria realizada dali a alguns meses entre o
então presidente Bush, candidato à reeleição e o senador democrata John Kerry.
“Em ano eleitoral, os EUA marcaram hoje o mais político 11 de
Setembro desde que dois aviões seqüestrados por terroristas se
chocaram contra o prédio do WTC... Os ataques deram ao presidente
George W. Bush a possibilidade de fazer da segurança nacional sua
maior bandeira, passaram a semana no centro do debate. Bush voltou a
relacionar o perigo de novos ataques ao resultado da eleição. O voto de
2 de novembro, disse ele, “também mostrará como os americanos
respondem ao constante perigo do terror”.
Trecho de “EUA marcam hoje 11 de Setembro ‘politizado’”, página A-14.
Houve a notícia da divulgação de mais um vídeo da Al-Qaeda na véspera do
aniversário dos atentados (cuja a autenticidade já havia sido confirmada pela CIA) e a
notícia de fotos do Consulado dos Estados Unidos no Brasil que indicariam “área ideal
de ataque”.
“as fotos foram apreendidas no dia 1° de setembro, mesmo dia em que
foram detidos dois cidadãos tanzanianos, David John Pama e Salim
Nassir Salim. Eles foram ao banheiro logo após a descoberta das fotos
pelos seguranças. Apesar da coincidência, a Polícia Federal do Rio de
Janeiro informou que, até o momento, não há nenhuma prova de que o
material apreendido no banheiro fosse dos dois tanzanianos”.
Trecho de “Foto obtida no Rio cita ‘área ideal’ de ataque”, página A-15.
Embora conste no texto a informação de que não há ligação entre os tanzanianos
presos e as fotos, o tempo todo há uma tentativa para que ela seja estabelecida ou pelo
menos para deixá-la implícita. As informações que refutam a participação dos dois
presos no acontecimento (um exame grafológico revelou que as anotações nas
fotografias não são dos tanzanianos) são alternadas com outras que reforçam a suspeita
(informa-se que a Polícia Federal solicitou à Interpol a verificação dos antecedentes
criminais de ambos). Por fim, o texto é encerrado com a informação de que “a Tanzânia
foi um dos alvos de uma série de atentados contra representações diplomáticas
americanas na África, realizada pela Al Qaeda, em 1998”.
84
Os textos classificados como comentário de especialistas também abordam o tema
terrorismo. O primeiro é uma entrevista com o cientista político Gilles Kepel,
especialista em assuntos do Oriente Médio (publicada originalmente no periódico
espanhol El País), na qual este avalia as ações terroristas espetaculares como o 11 de
Setembro. Segundo ele, ações deste tipo fracassaram porque teriam falhado na
mobilização de massas populares “para dotar o movimento extremista islâmico de uma
base real”. O entrevistado afirma que três anos depois dos atentados, Estados Unidos e
Europa estão muito mais distantes e critica a guerra ao terrorismo promovida pelos
Estados Unidos, afirmando que o país se mostrou “incapaz de pensar o terrorismo fora
dos esquemas de oposição entre blocos, entre Estados”.
O segundo texto intitulado “A falácia da guerra contra o terror” estende a reflexão
sobre o terrorismo para o modo como o governo russo lidou com o atentado de Beslan,
ocorrido oito dias antes. Para o autor, Quentin Peel (do Financial Times), a tragédia
havia sido agravada pela “pelo caos e a incompetência dos serviços de segurança
russos”, que não haviam criado “nenhum plano de resgate coerente”. Ele adverte que o
perigo da situação é que as lições não fossem aprendidas, pois em seu discurso o então
presidente do país, Vladimir Putin, “em lugar de assumir os erros de sua própria
administração, atribuiu a culpa a inimigos internacionais anônimos”.
“Em nenhum momento de seu discurso Putin mencionou o problema da
Tchechênia, que seu governo afirma ter resolvido. Em lugar disso,
acusou um grande e amorfo 'terror internacional' de tramar o fim da
Mãe Rússia e declarou que o país inteiro está em guerra. É o mesmo
erro de cálculo retórico feito pelo presidente George W. Bush quando
insiste que está travando uma 'guerra ao terror'”.
Trecho de “A falácia da guerra contra o terror”, página A-16.
Para Peel, todo o conceito de “guerra ao terror” serve às finalidades dos
terroristas e cria uma psicose de medo e enfraquece a liberdade que deveria defender. O
curioso é que na mesma página em que esta análise está publicada há um texto noticioso
sobre os atentados de Beslan que utiliza termos como carnificina e atribui os atentados a
“terroristas islâmicos”. Passados três anos é possível notar que a idéia de choque de
civilizações é algo ainda presente na cobertura da Folha e que artigos ou matérias que
optam por outra abordagem do problema terror são exceções.
e) 11/09/2005
85
Os textos publicados na editoria Mundo referentes aos Estados Unidos focaram
nas conseqüências do furacão Katrina, que pouco tempo antes atingira o Sul daquele
país. Pela primeira vez o aniversário dos atentados não ganhou uma chamada na capa do
jornal. Apenas duas matérias lembraram a data, sem referência direta ao aniversário e
sim comparando a situação de luto nacional gerada pelo furacão ao sentimento da
população após os atentados.
Na primeira reportagem, intitulada “Bush compara 11 de Setembro ao Katrina”
(página A-21), aborda-se a queda da popularidade do presidente George W. Bush e seu
apelo ao país para superar os estragos causados pelo furacão com “a mesma
determinação” que lidou com os ataques da Al-Qaeda. Na segunda, “Desastre reduz
margem de manobra de presidente” (página A-24) também há referências à queda de
popularidade do presidente. Afirma-se que o desastre havia sido fatal para sua agenda
política, pois, segundo os analistas ouvidos pelo jornal, dali em diante não haveria
dinheiro para levar adiante o que planejava para seu segundo mandato. Outro fato
destacado é que pela primeira vez desde os ataques a maioria da população
estadunidense desejava que o governo priorizasse problemas domésticos em detrimento
da guerra ao terror. A primeira matéria é de autoria “híbrida”, a segunda, de uma
jornalista da Folha.
Os impactos do Katrina e do 11 de Setembro também foram pauta do caderno de
ensaios Mais!, publicado aos domingos pelo jornal. Um do professor de literatura, João
Cezar Castro Rocha e outro do filósofo esloveno Slavoj Zizek, que escreve
regularmente para o caderno. O primeiro discorre sobre os dois eventos desafiam a
capacidade de reflexão contemporânea e que colocariam em xeque a compreensão de
mundo norte-americana. O segundo fala do isolamento daquela sociedade em si mesma,
“rompida pela intrusão de uma realidade terceiro-mundista de caos social, violência e
fome”, uma realidade da qual se tinha consciência apenas na presença fictícia nas telas
de televisão e do cinema.
Esse aniversário atípico, sem chamada de capa, sem a programação em memória
das vítimas dos atentados, editoriais ou notícias sobre as novidades da guerra contra o
terror, com apenas quatro ocorrências que se assemelham bastante é importante para
traçar uma linha que ajuda na compreensão de alguns eventos que vieram a seguir,
86
como a perda de popularidade de Bush até a derrota de seu partido na disputa
presidencial de 2008.
f) 11/09/2006
O aniversário dos atentados voltou a ser chamada de capa na Folha de S Paulo e
também foi assunto da página de editoriais
30
. Das sete ocorrências publicadas, quatro se
classificam na categoria guerra, uma em autoreferencialidade midiática e outra em
comentário de especialistas. A sexta ocorrência, um quadro com um balanço dos cinco
anos passados apresenta números sobre guerra, cultura, comportamento e custos, por
isso não foi classificada em nenhuma das categorias pré-definidas. Na autoria das
matérias nota-se maior presença das agências internacionais.
No editorial afirma-se que os ataques às torres gêmeas do World Trade Center se
tornaram “um marco na história contemporânea”, que, lidos em conjunto com o fim da
União Soviética e do bloco socialista, demarcariam “um ‘antes’ e um ‘depois’”. O
período inaugurado pelos eventos daquela manhã seria caracterizado como aquele em
que “a máquina de guerra dos Estados Unidos” se voltaria para perseguir um novo
inimigo, tentado “refazer à força o mapa do Oriente Médio”. O temor da ameaça
terrorista teria sido reforçada pelos atentados de Madri, em março de 2004, e de
Londres, em julho de 2005. No final, critica o isolacionismo e propõe soluções.
“À luz da catástrofe que tem se revelado a intervenção unilateral dos
EUA no Iraque e da necessidade de combater sem tréguas essa perigosa
forma de irracionalismo político que o terror islâmico engendra, é
possível buscar inspiração nos ensinamentos da história recente. (...) é
desejável que a única superpotência restante seja mais comedida e
pragmática no trato com as nações e que volte a valorizar a ONU”.
Trecho do editorial “Outro 11 de Setembro”, página A-2.
30
Convém acrescentar que talvez o pequeno número de matérias publicadas na ocasião do quinto
aniversário se deva ao fato de que a data caiu em uma segunda-feira. Na véspera, dia 10 de setembro
de 2006, a edição de domingo, mais ampla, trouxe diversos textos sobre o assunto. Entre elas uma
reportagem do correspondente Sérgio Dávila com depoimentos de vários especialistas sobre os
atentados e a situação da política externa norte-americana naquele momento. Por razões
metodológicas a análise dessas matérias não foi incluída, uma vez que a proposta aqui é trabalhar as
edições dos aniversários do 11 de Setembro.
87
No outro texto publicado nesta página, um artigo assinado por Sérgio Costa,
reforça-se a idéia de que ruptura histórica provocada pelos atentados. O colunista afirma
que o dia 10 de setembro de 2001 provavelmente foi um dia banal para a maioria das
pessoas e relembra os assuntos em destaque na edição da Folha de S. Paulo naquele dia.
Para o autor, “com as Torres Gêmeas, ruíram imediatamente áqüeas informações e a
vaga lembrança da véspera. O século 21 acabara de começar ou pelo menos o rumo
que se daria a ele a partir dali”.
Na editoria Mundo foram publicados três textos noticiosos (além do “balanço” já
citado) e um artigo assinado. Na primeira aborda-se a segurança dos Estados Unidos
após os atentados. Na ocasião, o vice-presidente, Dick Cheney e a secretária de Estados,
Condoleezza Rice deram entrevistas a meios de comunicação estadunidenses
defendendo as ações de seu governo. Rice sustentou a existência de laços entre a Al-
Qaeda e Sadam Hussein, para justificar a invasão do Iraque em 2003. O texto cita uma
pesquisa da ABC News, segundo a qual 60% dos entrevistados não concordam que o
governo estaria fazendo o possível para impedir outro atentado. Porém, a mesma
pesquisa revela que 55% crêem que o país está mais seguro que antes do 11 de
Setembro. A matéria também cita a programação em memória aos atentados no Ground
Zero (onde ficavam as torres do World Trade Center) e o pronunciamento que o
presidente Bush faria naquela noite no Pentágono.
Na página seguinte, a reportagem de maior destaque da página faz referências ao
quadro de segurança no Afeganistão, segundo o texto “primeira frente de batalha do
governo Bush”.
“Ontem o governador da Província de Paktia foi morto num atentado,
enquanto forças da OTAN (aliança militar ocidental) e afegãs mataram
desde anteontem, no sul do país, 94 militantes do Taleban. Dois dias
antes, outro ataque suicida, dessa vez perto da embaixada dos EUA em
Cabul, já havia matado 16 pessoas. Foi a pior ação na capital afegã
desde a invasão americana ao país que se seguiu ao 11 de Setembro”.
Trecho de “Confronto no Afeganistão mata 94; governador é alvo”, página A-
13.
A ocorrência de autoreferencialidade midiática relata a divulgação de um vídeo
com fotos de arquivo do 11 de Setembro divulgado na véspera do quinto aniversário dos
88
atentados segundo o texto (autoria da Associated Press) o clipe apareceu em “um site
islâmico que costuma divulgar mensagens da rede terrorista Al Qaeda”. A nota cita
também a divulgação de mais um vídeo de Bin Laden divulgado pela rede de tevê Al
Jazeera.
Por fim, na categoria comentário de especialistas, há o artigo de Rami G Khouri
sobre os atentados da Al-Qaeda e seu contexto histórico. Segundo o autor, para entender
o 11 de Setembro deve-se traçar a história de pequenos e isolados grupos terroristas,
entender por que eles não têm apelo ao público árabe como grupos como Hamas,
Hizbollah e a Irmandade Muçulmana, ver a relação simbiótica entre suas ações e o
militarismo anglo-americano-israelense na região.
“Os eventos dessa semana deveriam nos lembrar de manter o
discernimento entre o trauma profundo de um país e as tendências de
real significado global e histórico a todos os países.
Ao marcarmos o 11 de Setembro, deveríamos nos ater a uma questão
simples mas crucial: foi o terrorismo estilo Al Qaeda que gerou o
militarismo anglo-americano que alimentou política e psicologicamente
a Al Qaeda e sua visão distorcida do mundo? É preciso ir além do 11 de
Setembro cujo evento bárbaro e isolado, cujos responsáveis devem ser
combatidos a todo custo, e analisá-lo como parte de um processo maior
num contexto histórico complexo”.
Trecho de “Os ataques da Al Qaeda no contexto histórico”, página A-12.
Este artigo é interessante porque é o primeiro assinado por um especialista “não-
ocidental” (o autor é ligado à Universidade Americana de Beirute e editor do jornal
libanês Daily Star) e também é um dos poucos a apresentar uma proposta de análise que
foge ao esquema maniqueísta de bandidos ou mocinhos ou da interpretação segundo a
tese do choque de civilizações.
g) 11/09/2007
No ano de 2007 não houve chamada de capa sobre os atentados. Na página de
editoriais, um artigo assinado pelo colunista Marcos Nobre foi a única referência direta
89
aos atentados desta edição
31
. O texto afirma que o 11 de Setembro inaugurou uma era de
incertezas para a democracia e que o neoconservadorismo do presidente Bush cultivou
uma divisão maniqueísta de mundo, dividindo os atores entre o bem e o mal.
“O desastre da guerra do Iraque e a truculência dos principais
auxiliares de Bush arrefeceu esse movimento de ataque à inteligência e
ao debate ponderado. (...) Não é mesmo fácil lidar com o medo e a
insegurança, que são bastante reais. Só que o conservadorismo mobiliza
esses sentimentos para bloquear a reflexão. Ao inculcar a idéia que se
trata de uma “guerra” contra o “terror”, divide o mundo entre amigos e
inimigos”.
Trecho do artigo “O inimigo”, página A-2.
h) 11/09/2008
Não houve publicação de matérias relativas ao 11 de Setembro de 2001 nesse
ano.
2- O Estado de S. Paulo
a) 12/09/2001
A cobertura de OESP no dia seguinte aos atentados também foi farta. Ao todo
foram 89 ocorrências sobre o assunto. Assim como na FSP, a maioria do que foi
publicado foi produção do jornal, entre matérias de correspondentes, repórteres, redação
e da Agência Estado, somando 58 ocorrências entre matérias, artigos, entrevistas,
editoriais, notas e boxes explicativos. O número de matérias de agências internacionais
e periódicos estrangeiros foi bem maior que no concorrente: 18 ocorrências. Houve
ainda sete ocorrências cujo autor não estava identificado e seis “híbridas”.
Há poucas diferenças com relação ao conteúdo das notícias publicadas por este
jornal e seu concorrente. As temáticas principais se repetem. Guerra é a categoria com
mais ocorrências, seguida por “economia”. Os textos enquadrados na temática
31
Outros textos publicados na editoria Mundo estavam relacionados aos atentados, mas não faziam
referência direta a eles, por isso ficaram fora. Entre eles estão reportagens sobre a avaliação sobre a
ocupação do Iraque e os protestos contra ela.
90
“elemento humano” vêm em terceiro lugar. Em número menor estão as ocorrências de
comentários de especialistas e autoreferencialidade midiática
32
.
Na categoria “guerra”, a cobertura do Estadão é enfática, não hesita ao falar em
terrorismo e os títulos de algumas matérias incluem termos como retaliação, “caçar
terroristas” e “erradicar praga”.
“(...) Estamos vivendo, já, um estado de guerra mundial. Mudou o pólo
conceitual em torno dos conflitos mundiais. Não se trata mais de esperar
por uma 3.ª Guerra Mundial, de natureza eletrônica, desenvolvida com
foguetes e ogivas nucleares. A guerra está aí, intestina, invisível,
atravessando fronteiras, destruindo, matando, ferindo a sensibilidade e
maltratando o orgulho das nações. (...) O que poderá ocorrer, a partir
dos monumentais atentados nos Estados Unidos? Retaliação significará
mais violência, mais carnificina, mais sangue, mais tensão. Uma atitude
conformista por parte das autoridades provocará grande reação
popular. (...)”
Trecho do artigo “Um estado de guerra mundial”, página A-2.
“O presidente George W. Bush declarou guerra ao terrorismo ontem à
noite e disse que os Estados Unidos “não farão nenhuma distinção entre
os terroristas e aqueles que os abrigam” depois que descobrirem os
responsáveis pelos atentados que abalaram o país. (...) Com uma voz
calma, mas que traía sua ira mal contida, Bush disse que mobilizou
“todos os recursos dos serviços policiais e de inteligência” na “busca
dos responsáveis por esses ataques miseráveis” e agradeceu aos líderes
mundiais que manifestaram suas condolências e ofereceram assistência.
“A América e seus amigos e aliados juntar-se-ão àquele que querem a
paz e a segurança no mundo e, juntos, venceremos a guerra contra o
terrorismo”, garantiu”.
Trecho da matéria “Bush promete caçar terroristas e quem os abriga”, página A-
29.
Assim como a Folha, há aqui comentários do então presidente do Brasil,
Fernando Henrique Cardoso, sobre os atentados e reflexões sobre o que eles podem
representar em termos diplomáticos. Comenta-se o medo nas ruas de Nova York, o
clima de guerra e ódio. O presidente estadunidense é mostrado em pronunciamento ao
lado de tropas militares. Há uma sutil polarização entre civilizações, como se de repente
o cenário internacional tivesse se dividido entre dois atores: a civilização ocidental e os
extremistas islâmicos, o mundo livre e o mundo dos “fanáticos”.
32
Conferir tabela completa da evolução das temáticas no Anexo I.
91
“O primeiro ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, condenou ontem os
atentados contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono,
em Washington, classificando-os de “a nova praga do mundo de hoje.
Isso foi obra de fanáticos que não têm o menor respeito pelos valores e
pela vida humana e nós, as democracias deste mundo, devemos nos unir
para lutar contra eles e erradicá-los”, acrescentou Blair (...) Esta não é
uma batalha entre os Estados Unidos e o terrorismo. Esta é uma batalha
entre o mundo democrático e livre e o terrorismo. Nossa luta só vai
terminar quando esse demônio for expulso do mundo”, insistiu o
primeiro-ministro britânico. Ele ofereceu total ajuda aos Estados Unidos
para encontrar os responsáveis”.
Trecho de “Blair exorta Ocidente a erradicar praga”, página A-30.
“Enquanto centenas de palestinos festejavam na Cisjordânia e em
Jerusalém Oriental os atentados cometidos nos Estados Unidos, o líder
deles, Yasser Arafat, condenava energicamente os ataques, declarava-se
consternado e enviava condolências às famílias das vítimas (...). Em
Teerã, o governo iraniano que apóia a causa palestina condenou o
atentado. O presidente Mohammad Khatami, manifestou ‘profundo
pesar’ e expressou sua ‘solidariedade às vítimas e suas famílias’. Em
Bagdá, o governo iraquiano não fez comentários, mas as emissoras de
rádio não pararam de tocar hinos patrióticos”.
Trechos de “Arafat repele atentados, mas palestinos fazem festa”, página A-14.
“(...) O pior ataque terrorista da História demonstrou não apenas a
crueldade e a coordenação nunca vista além das atrocidades espalhadas
pelo Oriente Médio. Ele sublinhou também a impotência e a irrelevância
da moderação e da diplomacia diante do ódio nu do desejo de vingança.
Os governantes árabes que estão engajados no processo de paz estão
mais chocados e temerosos do que qualquer outro líder do mundo. E têm
mais a perder”
Trecho de “Árabes vêem ameaça a processo de paz”, página A-14.
Esta divisão permanece da categoria elemento humano. Os textos incluem
histórias de brasileiros que trabalham em Nova York, depoimentos de pessoas que
testemunharam a tragédia, cancelamento de vôos e a espera por informações sobre
vítimas. Também há também uma contraposição entre civilizações/religiões.
“Todas as organizações judaicas de São Paulo e de outros Estados
foram orientadas a fechar as portas ontem e não devem funcionar hoje.
“Estamos agindo preventivamente diante da hipótese de que movimentos
palestinos estejam envolvidos nos atentados”, disse o presidente da
Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Natan Berger (...).
O consulado em São Paulo foi fechado, a exemplo de todas as
92
representações diplomáticas israelenses no mundo. Uma ordem de Israel
levou cerca de 20 servidores a deixar a embaixada em Brasília por volta
do meio-dia. A PM mandou que os carros fossem retirados e isolou o
estacionamento (...)”.
Trecho de “Entidades judaicas de São Paulo são orientadas a fechar as portas”,
página A-24.
“De Marshall, no Texas, Phil Latham confessa ter tentado várias vezes
pedir aos companheiros, na redação do jornal em que trabalha, para
que voltassem ao trabalho. Mas nem ele conseguia tirar os olhos das
imagens que a TV mostrava. (...) Latham diz que se sentiu “doente, vazio
e raivoso”, com vontade de se alistar no Exército para lutar contra os
que agrediam os Estados Unidos. Mas ele mesmo pergunta: “Contra
quem? Em qual direção?” E conclui: “O inimigo está em lugar nenhum
e em todos os lugares. O inimigo pode tentar se esconder por trás de
algum tipo de religiosidade, mas isso não é religião. É, simplesmente, o
mal. Não há outra palavra para isso. Os terroristas matam pessoas para
satisfazer sua sede de maldade. E se alguém disser que a causa é outra,
não acredite. A culpa é do Mal.”
Trecho de “Após o choque, o medo incontrolável. E o ódio”, página A-16.
A cobertura sobre a temática econômica foi intensa e bem mais expressiva que
no jornal concorrente. Além das notícias sobre queda de bolsas, cotações do dólar e
ameaças de recessão houve na cobertura de OESP notícias sobre as empresas que
tinham sede no WTC, opiniões de banqueiros e especialistas da área e um retrospecto
dos prejuízos causados pelo primeiro atentado às torres, em 1993. Exemplos: “Bolsas de
valores despencam no mundo todo” (página A-18); “Fed garante que pode fornecer
recursos adicionais aos bancos” (página A-18); “Empresas no Brasil alteram rotina”
(página A-20); “Para banqueiro liquidez preocupa” (página A-20); “20% das empresas
faliram no atentado de 93” (página a-21).
Houve apenas duas ocorrências da categoria opinião de especialistas: uma
matéria que anuncia que estrategistas prevêem represálias e um artigo de Henry
Kissinger, originalmente publicado no estadunidense The New York Post.
Por fim, encontramos neste veículo as mesmas características de
autoreferencialidade midiática presentes na cobertura da FSP: as alusões ao cinema e à
cobertura de jornais, revistas e televisões do mundo inteiro sobre o assunto.
93
“Em menos de duas semanas, os brasileiros pararam duas vezes na
frente da TV para assistir episódios que calaram a população pela
crueldade. Primeiro foi o seqüestro do empresário Silvio Santos. Ontem,
foi o ataque terrorista aos EUA”.
Trecho da matéria “Tragédia americana pára centro de São Paulo”, página A-22.
“Recorrer ao estrangeiro, ao outro, ao diferente, como ameaça à sua
sociedade, tem sido uma das pedras de toque do cinema de Hollywood.
Thrillers e fantasias científicas têm sido feitos, ao longo dos anos, para
estimular essa paranóia que estimula o isolamento da América. O lema
em Hollywood é “o mundo contra nós e nós contra o mundo”. Os
inimigos, antigamente, eram os vermelhos, tanto fazia que fossem russos
ou marcianos. Em anos mais recentes, passaram a ser os palestinos,
sempre dissimulados e traidores. Ultimamente, os russos, dissidentes do
comunismo, é que viraram os inimigos”.
Trecho do artigo “Um tema sempre explorado por Hollywood”, página A-34.
b) 11/09/2002
Nesta edição o periódico utilizou bastante material produzido por
agências de notícias internacionais. Apenas cinco das 16 ocorrências foram produzidas
por profissionais do jornal ou articulistas. Em 10 ocorrências a autoria é creditada a
agências internacionais e ou periódicos estrangeiros, como os jornais The New York
Times e The Washington Post. Há uma ocorrência sem autoria identificada.
Novamente guerra foi a temática predominante. Doze entre as dezesseis
ocorrências publicadas nessa edição se enquadravam nesta categoria. Os textos
abordaram fatos sobre os atentados ocorridos no ano anterior e possíveis atividades da
Al-Qaeda naquele momento.
“O governo americano pôs o país ontem em estado de alerta laranja o
segundo mais grave, que indica “alto risco de ataques terroristas” (ver
quadro) por ter recebido do setor de inteligência evidências dignas de
crédito sobre um possível atentado suicida contra interesses dos EUA,
mais provavelmente no exterior, anunciou o secretário da Justiça, John
Ashcroft.Centenas de cerimônias em todo o país e no exterior recordarão
os mais de 3 mil mortos nos atentados terroristas de 11 de setembro
contra o World Trade Center (WTC), o Pentágono e na Pensilvânia. No
horário em que o primeiro avião se chocou contra o WTC, às 8h46 (9h46
de Brasília) haverá um minuto de silêncio em todo país”.
94
Trechos da matéria “Sob alerta de ‘alto risco’, EUA lembram o 11/9”, página A-
14.
Grupos de combatentes da rede Al-Qaeda, que se haviam refugiado no
Paquistão desde outubro, começaram a reorganizar-se e a retornar ao
Afeganistão, segundo fontes do serviço de inteligência dos EUA citadas
ontem pelo New York Times. (...) Quase um ano após o início de sua
campanha militar no Afeganistão, os EUA duplicaram o número de
soldados que mantinham no território afegão em janeiro (3.800) e
iniciaram o envio de peças de artilharia pesada, informou ontem o jornal
The Washington Post.
Trecho de “Terroristas da Al-Qaeda retornam ao Afeganistão”, página A-15.
O jornal publicou notícias das investigações dos atentados. Também houve
destaque aos planos dos Estados Unidos de invadir o Iraque.
“A visita de Atta a Bin Laden, que não havia sido divulgada antes, está
entre as Últimas descobertas dos investigadores americanos que tentam
reconstituir o plano de seqüestro que tanta morte e destruição levou aos
Estados Unidos. Os investigadores acreditam que Atta estivesse
acompanhado de outros líderes da conspiração e que eles conversaram
com Bin Laden sobre o lançamento de uma operação terrorista”.
Trecho da matéria “Bin Laden recebeu Atta, líder dos seqüestradores”, página A-
15.
“Saddam Hussein deve cumprir as resoluções do Conselho de
Segurança da ONU (sobre o retorno dos inspetores de armas de
destruição em massa ao Iraque) ou então “ações serão tomadas”,
advertiu ontem o primeiro-ministro Tony Blair, em mais uma firme defesa
de um ataque contra o país. (...) Blair endossa firmemente a posição do
presidente dos EUA, George W. Bush, que amanhã, em seu discurso na
Assembléia-Geral da ONU, pedirá apoio da organização para uma ação
militar. A Casa Branca pretende obter a aprovação, pelo Conselho de
Segurança, de um ultimato ao regime iraquiano”.
Trecho da matéria “Iraque deve cumprir resoluções ou então ‘ações serão
tomadas’”, página A-16.
Dois textos foram classificados na categoria autoreferencialidade midiática, um
sobre uma exposição de fotografias sobre o atentado e outro que cobrava uma postura
“sóbria” da imprensa estadunidense, assinado pelo correspondente Paulo Sotero.
“A imprensa americana, especialmente a televisão, enfrentará hoje o
considerável desafio de manter um tom sóbrio durante a cobertura de 18
95
horas que as redes farão dos muito eventos(sic) programados para
marcar o trágico aniversário. O fato de a ocasião, que é induzida pela
televisão, estar sendo usada pela administração para justificar aos
americanos e ao resto do mundo o plano do presidente George W. Bush
de levar a guerra contra o terrorismo ao Iraque, apenas complica a
missão dos jornalistas americanos”.
Trecho de “Manter sobriedade é desafio para a imprensa”, página A-14.
Na única ocorrência classificada como “elemento humano”, o
correspondente Gilles Lapouge aborda a situação dos imigrantes muçulmanos na
França.Há uma confusão entre árabes e muçulmanos, mas não há no texto polarização
evidente entre o mundo árabe e o mundo ocidental.
“(...) Existem certamente na França grupos de ódio. Existem também
militantes alguns dos quais foram presos, enquanto preparavam
atentados mortíferos para a data deste primeiro aniversário. Mas, para o
muçulmano médio, podemos falar de radicalização? A pergunta foi feita
a diversos institutos de pesquisa. Os resultados são tranqüilizadores.
Eles nos mostram que apenas 30% dos muçulmanos sentiram, após o dia
11 de setembro, uma mudança de comportamento a seu respeito. E, ao
contrário, 67% dos árabes entrevistados não observaram nenhuma
atitude mais hostil, mais agressiva do que habitualmente.(...) Não
devemos tirar precipitadamente dessas pesquisas conclusões cor-de-
rosa. Uma coisa, porém, é certa: exceto alguns pequenos grupos
fanatizados por “imãs” ou pelos enviados da Al-Qaida (sic) (cujos
grupos são muito ativos na França), o que a comunidade francesa
muçulmana deseja ardentemente é paz, entendimento e fraternidade, e
não furor e ódio”.
Trecho da matéria “Atentados não radicalizam islâmicos na França”, página A-
15.
c) 11/09/2003
No segundo aniversário dos atentados as matérias publicadas no Estadão deram
destaque a apenas duas temáticas: guerra e elemento humano. Houve uma ocorrência
que não se classifica nas categorias pré-definidas (um gráfico sobre o que seria feito do
local onde ficavam as torres do World Trade Center) A autoria das matérias ficou
equilibrada, cinco assinadas por jornalistas do veículo, cinco de agências internacionais
e uma de autoria não identificada. Nos editoriais não houve referência direta aos
atentados de 11 de Setembro, porém o assunto teve destaque na capa da edição do dia e
nas notícias da editoria Internacional.
96
As matérias da categoria elemento humano abordaram as cerimônias em
memória das vítimas dos atentados e o clima de tensão e medo que afligia os moradores
da cidade de Nova York (uma entrevistada afirma que desde o 11 de Setembro a cidade
não é mais a mesma e o mundo não é mais o mesmo). Este clima de insegurança
coletiva é reforçado no texto “101 itens para continuar vivo”, que fala sobre a lista de
itens sugeridos pela Cruz Vermelha e Agência Federal de Controle de Emergências,
considerada “mais um dos produtos” do “‘mercado antiterrorismo’ que assola os
Estados Unidos”. Também é abordada a dificuldade das famílias em aceitar a perda de
parentes “desaparecidos” no WTC cujos corpos nunca foram encontrados.
“Embora não haja um número oficial de brasileiros mortos no atentado
de 11 de Setembro de 2001, a última informação divulgada pelo
Itamaraty foi de cinco desaparecidos. Ainda assim apenas três nomes
foram confirmados por suas famílias. (...) Segundo o Itamaraty, o
trabalho de busca foi dificultado pelo “boom” de pessoas que
procuraram o governo para informar que parentes teriam morrido”.
Trecho de “Brasileiros tentam aceitar realidade da morte sem descoberta de
corpo”, página A-21.
Na categoria guerra há notícias sobre a guerra contra o terror, um quadro com a
reconstituição “minuto a minuto” dos atentados, a divulgação de um novo vídeo de Bin
Laden e as implicações deste, que reforçaria a sensação de insegurança naquele
momento.
“A TV árabe por satélite, Al Jazeera, do Catar, transmitiu ontem um
vídeo com imagens do líder da rede terrorista Al-Qaeda, Osama bin
Laden, e de seu número 2, o médico egípcio Ayman Al-Zawahiri, em uma
região montanhosa. A TV divulgou ainda uma longa gravação de áudio
em que o suposto Zawahiri promete mais ataques aos americanos”.
Trecho de “A ameaça continua”, página A-18.
A reportagem é creditada a um conjunto de agências de notícias internacionais
(Reuters, Associated Press, AFP e EFE). O texto cita o pronunciamento de Bush sobre o
vídeo e a reação das bolsas de Nova York, que caíram após a divulgação da fita. Na
mesma página há uma matéria do correspondente do jornal em Nova York, Paulo
Sotero, repercutindo o impacto da notícia.
97
“(...) o reaparecimento de Osama bin Laden e de seu vice (...),
conclamando guerrilheiros iraquianos a enterrar as forças de ocupação
dos EUA, certamente reforçaram o sentimento de vulnerabilidade que os
ataques de 11 de setembro de 2001 contra símbolos do poder econômico
e militar do país deixaram entre os americanos”.
Trecho de “Vídeo reforça sensação de vulnerabilidade”, página A-18.
d) 11/09/2004
A edição traz na capa uma foto grande e centralizada dos fachos de luz do
memorial às vítimas do 11/9, no lugar onde ficavam as torres do World Trade Center,
(Marco Zero/Ground Zero) inaugurado naquele dia. As doze ocorrências sobre o
assunto se dividiram entre as temáticas comentário de especialistas (quatro), elemento
humano (três), guerra (três) e autoreferencialidade midiática (duas). Não houve
ocorrências na categoria economia. A autoria dos textos estava mais uma vez dividida:
seis ocorrências de agências internacionais e veículos estrangeiros, quatro de jornalistas
do Estadão e duas sem autor identificado.
Nas matérias de elemento humano consta a programação das homenagens às
vítimas. O subtítulo da matéria anuncia “Parentes lêem nomes das vítimas da seqüencia
de ataques que mudou o mundo”. Mais uma vez a data aparece como um momento de
ruptura. Lembram-se novamente as vítimas dos atentados e o temor da população diante
da possibilidade de um novo ataque. O jornal também se refere às pessoas que ainda
possuem parentes desaparecidos três anos depois dos atentados, mas diferente da Folha,
que entrevistou brasileiros que perderam parentes nos atentados e cujos corpos ainda
não haviam sido encontrados, o Estadão optou por um texto originalmente publicado
pelo periódico nova-iorquino The New York Times que falava da população norte-
americana.
“Nos três anos seguintes aos atentados, vê-se a luta que as famílias têm
travado, a persistência do sofrimento decorrente de suas perdas, a
agonia de ter de decidir, entre muitas outras coisas, se aceitam dinheiro
do fundo de compensação federal ou se entram com ação em busca de
justiça. Tem havido também histórias de recuperação, ou ao menos de
determinação em consertar suas vidas fragmentadas”.
Trecho de “Uma tragédia que ainda não acabou”, página A-28.
98
A temática guerra teve pouco destaque. Foram publicadas apenas duas
reportagens sobre o assunto e um box sobre atentados terroristas ocorridos desde a
queda das torres do World Trade Center. No primeiro texto, “Luzes que perguntam: e
Bin Laden” anunciava-se o andamento das investigações para encontrar o saudita e mais
os demais citados em uma lista do FBI dos terroristas mais procurados. Até aquele
momento dois haviam sido presos e havia suspeitas de que um estivesse morto. O texto
também faz referência a uma nova fita veiculada pela TV Al Jazeera, do Qatar, na qual
uma mensagem do egípcio Ayman Al-Zawahiri, “considerado o principal lugar-tenente
de Bin Laden”. No fim do texto afirma-se que “enquanto os EUA e o mundo” lembram
o aniversário dos atentados “a rede terrorista Al-Qaeda continua viva e atacando em
várias partes do mundo”. A preocupação com o terrorismo está presente no restante da
editoria Internacional, onde há várias notícias envolvendo episódios que não estão
relacionados diretamente ao 11 de Setembro.
Nesta categoria o jornal optou por abordar mais a guerra contra o terror
promovida pelo governo Bush, com os atentados ocorridos desde então, as novidades
(ou a falta delas) nas investigações e até mesmo o temor sobre outro tipo de ataque,
expressos na matéria “Nova ameaça: a bomba suja” (página A-27). As análises sobre o
assunto ficaram reservadas aos textos classificados como comentários de especialistas.
Entre as quatro ocorrências publicadas há um artigo sobre o Conselho Presidencial para
Salvaguarda das Liberdades Civis (escrito por dois ex-participantes da Comissão do 11
de Setembro, criadora do Conselho), uma reportagem em que um intelectual
muçulmano analisa algumas reformas progressistas em andamento no Islã, uma
entrevista com um cientista político especialista em Oriente Médio e uma entrevista
com um ex-assessor da Casa Branca que avalia a luta antiterror. Além de uma
diversidade um pouco maior de temas, há nesta categoria uma pluralidade de fontes que
tornam as análises mais diversificadas.
Nos textos que se referem ao islamismo percebe-se que há um esforço em não
tratar a religião e os países que a praticam como um bloco monolítico. O texto deixa
claro também que nem todos os países que adotam essa religião a adotam como lei de
Estado, embora alguns o façam. Também não há uma confusão entre a palavra árabe e a
religião em questão.
99
“Três anos depois do 11 de Setembro o mundo muçulmano está
mudando e pode encontrar-se nos estágios iniciais de uma reforma. É o
que afirma o escritor e intelectual muçulmano Zaiuddin Sardar em
artigo publicado essa semana na revista britânica New Statesman(...) O
autor afirma que está sendo dedicada grande atenção à reformulação da
Sharia, a lei islâmica que é a lei de Estado em muitos países
muçulmanos como Arábia Saudita, Irã, Paquistão e Sudão”.
Trecho de “O Islã pode mudar”, página A-29.
No outro texto que aborda a religião islâmica é uma entrevista com o cientista
político Gilles Kepel (também entrevistado pela Folha), que na ocasião lançava o
livro “Guerra no Coração do Islã”. Na obra o autor colocava em perspectiva os
acontecimentos de 11 de Setembro e suas conseqüências: a guerra no Iraque e o
crescimento do islamismo radical na Europa. O professor analisa fraturas no mundo
muçulmano e afirma que os radicais estão isolados. Um ponto que merece destaque
nessa entrevista é o papel da mídia no pós-11 de Setembro, pois para o entrevistado a
idéia de ruptura histórica, a comparação com a queda do Muro de Berlim fazem
sentido do ponto de vista da mídia, pois nesse espaço o islamismo substituiu o
comunismo como a grande ameaça. Também há críticas à idéia do islamismo radical
como um inimigo do ocidente que precisaria ser combatido, que para ele é fruto da
teoria de Huntington.
Nos textos sobre a política externa daquele governo há críticas à luta antiterror.
No primeiro, dois ex-integrantes da Comissão do 11 de Setembro (em artigo
originalmente publicado pelo The New York Times), avaliam a efetividade que teria o
Conselho Para a Salvaguarda das Liberdades Civis Americanas, criado na semana
anterior como forma de equilibrar as ferramentas de poder fornecidas pela Lei
Patriótica.
“Infelizmente, o conselho criado pelo presidente não tem nem a forma
correta nem os poderes adequados para cumprir seus objetivos. Para
começar, o tamanho do conselho é um problema. Com 20 ou mais
pessoas, os membros não se sentiriam pessoalmente cobrados ou
responsáveis (...). Mas uma questão fundamental são as pessoas que vão
servir nele. Seus integrantes pertencem aos quadros do governo e quase
todos são das mesmas agências e departamentos cujas ações
provavelmente serão assunto de reclamações”.
Trecho de “Com o governo, novas e poderosas ferramentas”, página A-26.
100
Em outra matéria o ex-assessor da Casa Branca faz críticas à invasão do Iraque e
diz que esta medida complicou a luta antiterror (não mais guerra contra o terror).
Segundo ele, caso Bush fosse reeleito naquele ano o país cometeria mais quatro anos
de erros neste assunto. Ele afirmava ainda que após três anos o país não estava mais
seguro e defende a tese de que a invasão do Iraque isolou os Estados Unidos.
Por fim, as matérias classificadas como autoreferencialidade midiática abordam
lançamentos de livros e filmes sobre o assunto e relembra os assuntos que eram
notícia na véspera dos atentados.
e) 11/09/2005
Neste ano não houve chamada de capa relativa aos atentados. Na editoria
Internacional as atenções estavam voltadas para as conseqüências do furacão Katrina,
que havia atingido o sul dos Estados Unidos na semana anterior. A data foi lembrada
em apenas três ocorrências, uma de elemento humano, uma de autoreferencialidade
midiática e outra de comentário de especialistas.
A primeira é uma reportagem que ocupa quase a página inteira.
Originalmente publicada no The New York Times, o texto aborda o estresse pós-
traumático vivido pelos bombeiros de Nova York que trabalharam no resgate de
pessoas que estavam nas torres do WTC naquele dia. A diagramação da página é
confusa. No alto há uma fotografia pequena de um desses bombeiros citados pela
reportagem ao lado de uma janela; logo abaixo há um box com do projeto de um
arranha-céu que deveria ser construído no lugar onde ficava o World Trade Center;
abaixo deste desenho alguns números grafados em vermelho e em tamanho maior
que as fontes desse quadro todo com o “saldo da tragédia”, isto é, o número de
mortos no WTC, no vôo 93
33
e no Pentágono.
A segunda ocorrência, de autoria não identificada, anuncia o lançamento de
livros e filmes sobre os atentados, do mesmo modo que no ano anterior. O terceiro e
último texto é um artigo do cientista político Francis Fukuyama que naquele
momento já havia rompido com o neoconservadorismo.
33
O quarto avião envolvido nos atentados de 11 de Setembro, que estaria destinado a atingir a Casa
Branca, mas que teria sido derrubado no deserto da Pensilvânia pelos próprios tripulantes.
101
“É tentador ver uma continuidade com a tradição de política externa e
caráter americanos na resposta do governo Bush ao 11/9, e muitos assim
o fizeram. Nós tendemos à ação unilateral vigorosa quando nos sentimos
ameaçados; e também falamos em tons altamente idealistas nessas
ocasiões. Mas não foi a cultura política americana, nem alguma pressão
o limitação domestica subjacente que determinou as decisões
fundamentais da política americana desde o 11/9”.
Trecho de “A invasão dos isolacionistas”, página A-21.
O autor afirma que as escolhas políticas do governo de George W. Bush não
foram determinadas por preocupações domésticas ou pela cultura em política externa
daquele país. Segundo ele “muito saiu” dos Estados onde o partido republicano
obteve maioria nas eleições e dos cristãos conservadores que “supostamente moldam
a agenda internacional do presidente”. Ele diz que não se sabe que desfecho terá a
situação do Iraque, mas critica o fato de que quatro anos após os atentados toda a
política externa daquele país esteja voltada para uma guerra apenas marginalmente
relacionada com a fonte do que se abateu sobre os Estados Unidos naquele dia.
f) 11/09/2006
O quinto aniversário do 11 de Setembro voltou ter chamada na capa da edição.
Foram publicadas cinco ocorrências sobre o 11 de Setembro, quatro delas
classificadas na temática guerra. Metade das ocorrências era creditada a agências
internacionais. A temática economia voltou ao noticiário. Uma página inteira
abordou a data e sua relação com o Brasil, com textos que avaliavam as relações
comerciais entre Brasil e Estados Unidos desde os atentados e também relações
diplomáticas na América Latina. Esses textos são todos da mesma autora, a repórter
Denise Chrispim Marin, da sucursal de Brasília.
“Logo após o 11 de Setembro, o Itamaraty teve duas certezas. A
primeira, que os EUA passavam a ser, a partir daquele momento um país
em guerra. A segunda certeza: os olhos, já distantes de Washington para
a região ao Sul do Rio Grande, em particular para o Brasil ficariam
praticamente cegos. No balanço desses cinco anos (...) Brasil e EUA
seguiram agendas próprias com raras conexões. O Itamaraty ficou mais
liberto das interferências americanas, mas a relação bilateral não se
aprofundou”.
Trecho da reportagem “No mundo pós-11/9, relação Brasil-EUA cai na
trivialidade”, página A-10.
102
“Nos últimos cinco anos, a marca mais expressiva da relação
diplomática sem densidade entre Brasil e EUA está no setor do comércio
- e, neste caso, a influência dos atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001 é diluída. A neurose do terror ajudou a concentrar as atenções
de Washington nas questões relativas à segurança, mas a freada nas
negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) já havia
sido dada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, na Cúpula de
Quebéc, em abril de 2001. O governo Lula apenas deixou claro que não
tem interesse em reabrir esse processo.(...). Em 2004, a Alca foi
definitivamente engavetada e, no final de 2005, foi declarada morta
durante a Cúpula das Américas de Mar del Plata (Argentina)”.
Trecho de “Comércio é exemplo da frieza da relação bilateral”, página A-11.
Nas matérias enquadradas da categoria guerra há declarações do então vice-
presidente, Dick Cheney à rede de televisão NBC sobre a situação da guerra do
Iraque, na qual ele insistia que Sadam Hussein se vinculava a grupos terroristas. A
mesma notícia foi publicada na Folha, também baseada em agências internacionais.
No final da matéria um parágrafo sem conexão com o restante do texto informava a
agenda de Bush para o quinto aniversário dos atentados.
A guerra contra o Afeganistão também foi lembrada na reportagem “Atentado
mata governador afegão”, que informa a morte do governador de um província afegã
em um atentado suicida. Segundo o texto, o fato seria “uma mostra do crescimento
da crescente deterioração das condições de segurança” naquele país. O texto traz a
declaração da então secretária de Estado, Condoleezza Rice de que os combatentes
do Taleban estariam bem mais organizados naquele momento do que no início da
ofensiva se seguiu aos ataques de 11 de Setembro.
g) 11/09/2007
Não houve chamada de capa sobre os atentados. Assim como fez a Folha, o
jornal deu destaque à entrevista do general David Petraeus, comandante dos EUA no
Iraque (em nenhum dos jornais o texto mencionava o 11 de Setembro) e a notícias
sobre o Afeganistão. Contudo, apenas dois textos faziam referência aos atentados
ocorridos seis anos antes. A de maior destaque é uma reportagem classificada como
comentário de especialistas, assinada pela repórter do Estado, Renata Miranda.
“Para Jason Burke, autor do livro ‘Al-Qaeda, a verdadeira história do
radicalismo islâmico” (...) reduzir o problema da Al-Qaeda à figura de
103
Bin Laden foi um dos grandes erros cometidos pelo Ocidente. (...) Em
seu livro, o repórter britânico do jornal The Observer afirma que a
liderança centralizada da Al-Qaeda deixou de existir depois do 11 de
Setembro por causa das ações contra o terrorismo (...). O grupo hoje tem
diversos braços que atuam independentemente da autoridade central”.
Trecho de “’EUA erram ao reduzir Al-Qaeda a Bin Laden’”, página A-12.
É curioso observar que diante da grande quantidade de lançamentos sobre o
assunto o jornal anuncie o lançamento o livro de um autor jornalista, cujas
credenciais para escrever sobre este assunto se baseiam em sua experiência como no
Oriente Médio. Contudo, considerando as dificuldades que envolvem a prática do
jornalismo internacional cabe dizer que muitas vezes isso pode não se tratar de uma
opção do repórter, mas de uma alternativa possível (disponibilidade do autor em ser
entrevistado). Contudo, nota-se que os especialistas da academia ao longo dos anos
perderam o espaço nos textos de análise.
A segunda ocorrência citando os atentados de 11 de Setembro é uma nota de
agências internacionais (Associated Press e EFE) sobre uma possível nova aparição
de Bin Laden em vídeo em um grupo de mídia “ligado à rede terrorista Al-Qaeda”, o
Al-Sahab.
h) 11/09/2008
Mais uma vez o assunto voltou a figurar na capa da edição. Dois textos sobre
os eventos de 11 de Setembro foram publicados: uma pequena nota sem autor
identificado que anunciava a participação dos candidatos à presidência John McCain
e Barack Obama na cerimônia em Nova York em memória às vítimas dos atentados -
e um artigo de mais de meia página sobre “o legado da Al-Qaeda”. O texto
originalmente publicado pelo Washington Post era acompanhado por uma grande
gravura de Osama Bin Laden com o dedo indicador em riste. Ele traz também um
pequeno gráfico que informa alguns conteúdos disponíveis no site do jornal: a
íntegra do artigo, uma análise da pesquisadora Cristina Pecequilo, sobre os Estados
Unidos após o 11 de Setembro e a linha do tempo dos ataques.
3 - Balanço da cobertura nos dois jornais
104
a) Números do 11 de Setembro
No período analisado foram publicadas 283 ocorrências sobre os atentados de
11 de Setembro de 2001, 140 na Folha de S. Paulo (FSP) e 143 em o Estado de S.
Paulo (OESP). No primeiro ano, sob o impacto da notícia, a quantidade de textos foi
bastante expressiva 90 ocorrências no primeiro e 89 no segundo, ou seja, 179
ocorrências apenas no dia seguinte aos atentados. A proporção de matérias
publicadas pelos dois veículos permaneceu equilibrada ao longo dos anos.
Gráfico 1 - Evolução Anual das Ocorrências sobre
O 11 de Setembro
0
50
100
150
200
250
300
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total
PERÍODOS
Quantidades de ocorrências
FSP
OESP
Total
Também foi semelhante o desempenho de ambos periódicos quanto às
temáticas. Guerra foi a categoria predominante, com 129 ocorrências (65 na Folha e
64 no Estadão), Em segundo lugar ficaram as matérias classificadas em Elemento
Humano (E.H.), com 59 ocorrências (25 Folha, 34 Estadão). A temática Economia,
embora só tenha aparecido praticamente no ano de 2001, na cobertura do dia
105
seguinte aos atentados foi a terceira com mais ocorrências, ao todo 36 (16 Folha, 20
Estadão). Os textos de Comentários de Especialistas (C.E.) ficaram em penúltimo
lugar, com 30 ocorrências (17 e 13, respectivamente). Por fim, as ocorrências que
menos apareceram foram aquelas classificadas como Autoreferencialidade Midiática
(A.M.), ao todo 24 textos (14 e 10, respectivamente)
34
.
Categorias
45%
13%
21%
11%
8%
2%
GUERRA
ECONOMIA
E.H.
C.E.
A.M.
OUTRO
No referente à autoria dos textos, um resultado que surpreende por ir contra o
que dizem diversos estudiosos do jornalismo. A maioria dos textos era assinada por
profissionais dos jornais em questão ou por articulistas e colaboradores brasileiros.
Ao todo foram 178 ocorrências de autoria “própria” contra 57 textos de agências
internacionais de notícias e jornais estrangeiros
35
. Vale assinalar que a presença de
textos de fora foi bem maior em O Estado de S. Paulo, responsável por 46 dessas
ocorrências, 18 só no ano de 2001, enquanto a Folha publicou 11 desses textos ao
longo do período analisado. As ocorrências de autoria híbrida (em geral vários
textos de agências de notícias reeditados ou de jornais e revistas estrangeiros ou
acrescidos de alguma informação apurada pelo jornal) foram pouco freqüentes, 23 ao
todo, sendo 14 destas na Folha de S. Paulo. Isso permite dizer que neste jornal se
utiliza tanto quanto no seu concorrente, a diferença é que neste há uma edição da
redação antes de o texto vir a ser publicado (a “cereja do bolo” de que fala Natali no
34
Dados disponíveis na Tabela 2, Anexo I.
35
Dados disponíveis na Tabela 3, Anexo I.
106
segundo capítulo desta dissertação). Houve ainda 25 ocorrências de autoria não
identificada, 13 na FSP e 12 em OESP.
Autoria
63%
20%
8%
9%
Própria
De fora
Híbrida
Não identificada
b) Hipóteses de outros autores
O material não confirma todas as hipóteses levantadas por outros autores que
estudaram a cobertura do 11 de Setembro. Não foi encontrado nada que corroborasse
a idéia de “ódio antiamericano” indicado por Wainberger. Nas matérias de teor mais
crítico em especial textos opinativos, como artigos e editoriais há críticas à
política externa do governo de George W. Bush e às suas ações unilaterais, mas isso
não se confunde com uma crítica ao país, que, pelo contrário, tem seus valores de
democracia e liberdade valorizados (em especial nos editoriais da Folha de S. Paulo).
Com relação a este assunto é bom dizer que a Folha se posicionou mais sobre os
eventos e a política do governo estadunidense que o Estadão, que só publicou
editoriais sobre o assunto na véspera dos atentados.
Do mesmo modo não foi encontrado nos textos dos jornais tratamento
semelhante ao presidente dos Estados Unidos como o identificado por Do Val na
análise da revista Carta Capital, considerado desrespeitoso e pouco sério. Como dito
antes, as críticas eram feitas às decisões de governo, não à pessoa do presidente.
Porém, houve uma característica apontada por Do Val e Dorneles que também
identificada foi certa confusão entre árabes e islâmicos algumas vezes os termos
107
pareciam ser usados como sinônimos (como no artigo de Nelson Ascher publicado
na Folha no primeiro aniversário dos atentados).
Outro ponto foi identificado foi a constante recorrência à tese do Choque de
Civilizações, seja na formulação de algumas perguntas (sobre o terrorismo ser o novo
inimigo do mundo ocidental) ou nas notícias de “guerra contra o mundo civilizado”
ou sobre o não crescimento do fanatismo entre os muçulmanos de Paris, além das
reportagens de como reagiram as comunidades árabes e judaicas pelo mundo (como
se a questão estivesse restrita à religião). Neste caso o “outro lado” da notícia não
apareceu e faltaram textos sobre agressões sofridas por pessoas de origem árabe ou o
preconceito contra praticantes da religião muçulmana dentro dos Estados Unidos e
em várias partes do mundo. Contudo, essa característica não foi uniforme, sendo
mais presente no dia seguinte aos atentados e no primeiro aniversário.
c) A cobertura nas categorias pré-definidas
Elemento humano - O lado humano da tragédia não ficou obscurecido pela
política e em diversos momentos as vítimas são lembradas, assim como aqueles que
perderam parentes nos ataques ou sobreviveram a eles (como os bombeiros de Nova
York ou pessoas que estavam na cidade naquele dia). Elemento humano foi a
segunda categoria com mais ocorrências, ao todo 58. No primeiro ano os textos
concentraram-se mais em depoimentos de pessoas que testemunharam os ataques (na
Folha, a modelo Gisele Bündchen relatou como viu as torres do WTC da janela de
seu apartamento em Nova York; no Estadão, a atriz Sônia Braga também dava seu
testemunho). Também houve notícias de passageiros que retornavam ao Brasil
assustados e do pânico nas ruas de Nova York. Neste ponto a reportagem de O
Estado de S. Paulo destacou-se por uma participação maior de correspondentes na
cidade.
Do primeiro aniversário em diante concentrou-se na programação oficial em
homenagem às vítimas dos atentados e algumas reportagens sobre a dificuldade que
algumas pessoas tinham de aceitar a morte de parentes sem terem encontrado o
corpo, as seqüelas sofridas por quem sobreviveu aos ataques e o medo entre os
habitantes de Nova York. Cabe destacar que nessas notícias o cenário quase sempre
é a cidade das Torres Gêmeas (com exceção das reportagens sobre brasileiros mortos
108
na ocasião). Se ao falar dos atentados de 11 de Setembro, no plural, a imprensa se
refere aos aviões que atingiram o World Trade Center e o Pentágono, nas reportagens
este último pouco ou nada aparece.
Economia - Como dito anteriormente, esta temática foi expressiva apenas no
dia seguinte aos atentados, depois praticamente desapareceu do noticiário (com a
exceção de uma reportagem do Estadão sobre as relações comerciais entre Brasil e
Estados Unidos no quinto aniversário dos atentados). Em geral as matérias versavam
sobre a queda de bolsas, cotações de moedas e ouro, funcionamento de empresas, etc,
sendo muito parecidas as notícias publicadas nos dois jornais.
Comentário de especialistas - Os atentados de Nova York e do Pentágono
não são meros acontecimentos. A todo momento os jornais invocaram expressões
como “início do século 20”, especialmente nos textos em que a opinião era
predominante, como em editoriais e artigos. Todo jornal afirma que os artigos
assinados são de responsabilidade de seu autor e não refletem necessariamente a
opinião do veículo. Contudo, a opção por certo tipo de opinião, se não reflete a
opinião do veículo, não a contradiz. O número de textos classificados nesta categoria
foi relativamente pequeno, apenas 30 em todo o período analisado (17 na Folha e 13
no Estadão). Embora o assunto tenha tido espaço em outros textos opinativos que
não entraram nesta categoria (como os editoriais), é curioso notar quem são os
especialistas que comentam os fatos.
Na Folha de S. Paulo há artigos de colunistas do jornal que tradicionalmente
escrevem sobre outros assuntos que não envolvem política internacional (Eliane
Cantanhêde, Contardo Calligaris, Jânio de Freitas, Nelson Ascher, Elio Gaspari),
porém houve mais entrevistas e artigos de pesquisadores e intelectuais, além da
embaixadora dos Estados Unidos no Brasil e do ex-prefeito de Nova York, Rudolph
Giuliani. Se a Folha abriu espaço para um artigo de página inteira anunciando uma
suposta guerra do “mundo árabe” contra o ocidente, o jornal também publicou,
embora em anos diferentes artigos de pessoas cuja interpretação era completamente
109
diferente, pois tratavam de uma “falácia da guerra contra o terror” e apresentavam
outro modo de contextualizar os acontecimentos de 11 de Setembro
36
.
O Estado de S. Paulo publicou alguns artigos assinados por nomes de
destaque no campo das relações internacionais, como Henry Kissinger e Francis
Fukuyama. Além disso foram publicadas várias entrevistas e reportagens cujas fontes
eram estudiosos dos assuntos em questão e autores de livros sobre o assunto
(mudanças dentro do Islã, informações sobre a Al-Qaeda) ou até comentários de
envolvidos no assunto abordado (como no artigo “Bush criou novos terroristas”). De
modo geral observa-se que no Estadão houve uma regularidade nesta categoria, com
textos opinativos mais sóbrios e menos discrepantes quando olhados em conjunto. E
enquanto o primeiro veículo deu mais espaço para seus próprios articulistas, o
segundo utilizou mais textos “de fora” e também utilizou mais entrevistas com
autores realizadas pelos seus correspondentes.
Neste ponto reside a diferença mais acentuada entre os dois jornais, pois a
Folha se volta muito para a própria redação quando se trata de textos analíticos e com
isso acaba publicando textos com opiniões estereotipadas e análises superficiais ou
confusas o que não ocorre quando cede espaço a colaboradores cuja credencial para
escrever no jornal não está baseada unicamente no fato de serem ligadas ao veículo.
Já o Estadão, embora utilize bastante material de fora explora melhor o trabalho de
seus correspondentes e publica boas entrevistas com autores de livros estrangeiros. A
participação de intelectuais e pesquisadores brasileiros ou latino-americanos nos dois
jornais é muito pequena.
Autoreferencialidade midiática - Nesta categoria temos mais um caso em que
as ocorrências no dia seguinte aos atentados foi de um jeito e passou a ser outra nos
aniversários do evento. No dia 12 de Setembro de 2001 houve várias ocorrências que
relatavam como outros meios de comunicação haviam coberto os eventos. O Estadão
anunciou a audiência recorde em sites de informação, a longa cobertura feita por jornais
e televisões de todo mundo. A Folha fez algo semelhante e foi além, comparando os
ataques a obras do cinema e da literatura e sugerindo uma “trilha sonora pop” para a
data.
36
Os artigos citados neste parágrafo estão disponíveis no anexo 2 desta dissertação.
110
Nos anos seguintes houve uma grande mudança. Apesar de a
autoreferencialidade da mídia continuar presente, nota-se que ao invés de uma
informação que apenas reproduz o que é dito em outros veículos ou narra como esses
veículos atuaram, há reflexão crítica sobre a atuação da imprensa e seu papel como
agente político em O Estado de S. Paulo, mas esta é a única autocrítica encontrada. Nas
demais ocorrências desta categoria houve notícias sobre lançamentos de filmes e livros
sobre os atentados e notícias sobre como outros veículos divulgaram algumas notícias.
Guerra - Por último, a categoria com mais ocorrências. No calor dos
acontecimentos a guerra e retaliação são os termos invocados, ainda que nenhuma
nação tenha assumido os atentados ou que tenha havido uma declaração formal de
guerra. Ainda assim a palavra está nas capas e editoriais do dia seguinte. Na Folha de
S. Paulo uma pequena retranca antes da manchete anuncia “Guerra na América”, o
mesmo titulo dado ao editorial publicado naquele dia. Já a manchete de Estado de S.
Paulo afirma “Terrorismo declara guerra aos EUA”, tratando “terrorismo” como se
fosse um sujeito concentro e que tivesse este poder.
Faz-se um retrospecto dos principais atentados terroristas no mundo e fala-se
de um inimigo supostamente sem rosto. Porém este inimigo aos poucos vai ganhando
a face de bem mais próxima de etnia e uma religião especificas. Osama Bin Laden no
mesmo dia vai de suspeito a culpado e o terror da Al-Qaeda passa para terror
islâmico. O papa reza pelas vítimas, Tony Blair exorta “o Ocidente” a erradicar
praga, Ariel Sharon declara que a guerra contra o terror é mundial, Vladimir Putin
pede retaliação. Ao mesmo tempo são registradas as reações de palestinos que
comemoram e as declarações de comunidades muçulmanas que condenam os
atentados. No meio desta divisão entre civilizações que permeou boa parte do
noticiário daquele dia, a reportagem que anunciava o que estava por vir poderia
passar despercebida: “Bush promete caçar terroristas e quem os abriga”, publicada
por OESP.
Com o passar dos anos as ocorrências desta temática irão narrar mais uma vez
como foram os atentados daquele dia e trata das “conseqüências” imediatas do 11/9, a
guerra contra o Afeganistão, a preparação para invadir o Iraque e a procura por Bin
Laden. Na Folha o aniversário dos atentados foi assunto de boa parte da seção que o
jornal dedica a textos analíticos. Há neste momento as primeiras críticas à política
111
externa do governo George W. Bush, com a constatação que a “América” teria se
tornado um lugar mais unilateral e menos democrático. A crítica ao unilateralismo
continuaria presente no ano seguinte, mas depois viria a desaparecer, deixando espaço
para impactos do 11 de Setembro nas eleições de 2004 e se concentrando nos textos
factuais, com poucas novidades sobre o caso, salvo uma ou outra notícia sobre
Afeganistão, Iraque e aparições em vídeo de Bin Laden. A cobertura de O Estadão foi
muito parecida, exceto pelo fato de que esta privilegiou os textos factuais desde o
primeiro aniversário e manteve o assunto em pauta até 2008, quando uma nota citou a
campanha presidencial daquele ano e a participação dos candidatos nos eventos em
memórias das vítimas dos atentados.
Tabela 1 Número de ocorrências ano a ano
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total
FSP 90 20 12 6 4 7 1 0 140
OESP 89 16 14 12 3 5 2 2 143
Total 179 36 26 18 7 12 3 2 283
Tabela 2 Categorias ano a ano
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
GUERRA 37 33 10 12 8 12 3 3 2 0 4 4 1 0 0 0 129
ECONOMIA
16 19 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 36
E.H. 18 25 5 1 1 3 0 4 1 1 0 0 0 0 0 0 59
C.E. 9 4 4 1 1 1 2 4 0 1 1 0 0 1 0 1 30
A.M. 10 5 1 2 1 0 0 1 1 1 1 0 0 1 0 0 24
OUTRO 0 0 0 0 1 1 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 5
Tabela 3 Autoria das ocorrências ano a ano
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Total
FSP
OESP
FSP OESP
FSP
OESP
FSP OESP
FSP
OESP
FSP OESP
FSP OESP
FSP OESP
Própria 72 58 13 5 8 5 3 4 3 0 2 3 1 1 0 0 178
De fora 3 18 3 10 1 7 2 6 0 2 2 2 0 1 0 1 57
Híbrida 5 6 3 0 1 3 1 0 1 0 3 0 0 0 0 0 23
Não
identificada
10 7 1 1 2 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 1 25
Tabela 4- Folha de S. Paulo 2001-2008
Título Autor Página Tema predominante
2001
Guerra na América (editorial) Comitê editorial A-2 Guerra
Economia sob ataque (editorial) Comitê editorial A-2 Economia
O inimigo invisível Clóvis Rossi A-2 Guerra
Uma mola comprimida Fernando Rodrigues A-2 Guerra
A terceira guerra Carlos Heitor Cony A-2 Guerra
Ataque odioso Rubens Barbosa A-3 Comentário de especialistas
Terror abala centro do poder nos EUA Não identificado A-4 Guerra
Atônitos, nova-iorquinos demoram a entender fatos Sérgio D´Ávila A-5 Elemento humano
Vítima liga pra marido e relata o seqüestro Da redação A-5 Elemento humano
Leia íntegra da declaração de Bush sobre ataques Não identificado A-5 Elemento humano
Queda de aeronave destrói uma parte do Pentágono Da redação A-6 Guerra
Queda de avião na Pensivânia mata 45 Da redação, com agências internacionais A-6 Guerra
América irá “caçar e punir responsáveis”, afirma Bush Márcio Aith A-7 Guerra
“Estamos em guerra, mas não sabemos quem é o inimigo” Clóvis Rossi A-7 Guerra
Crise pode definir rumos da gestão Márcio Aith A-7 Economia
EUA não possuem arma contra ataques 'individuais' Ricardo Bonalume Neto A-8 Guerra
Ataque questiona doutrina republicana Jaime Spitzcovsky A-8 Comentário de especialistas
Ataque a Pearl Harbor lançou país na 2ª Guerra Da redação A-8 Guerra
Corpos, destroços e confusão compõem cenário de horror Sérgio D´Ávila A-9 Guerra
Para nova-iorquinos, clima é de guerra Free-lance para a Folha A-9 Elemento humano
Cidade vai ao colapso depois dos atentados Sérgio D´Ávila A-9 Elemento humano
Como foram os ataques que destruíram as torres do World Trade Center Não identificado
A-10 e A-
11 Guerra
Na torre, “o chão parecia uma geléia”, diz paulista Sílvia Corrêa e Paloma Cotes A-12 Elemento humano
Estudante de SP vê avião atingir torre Renata de Gáspari Valdejão A-12 Elemento humano
Consultor se atrasa e escapa do atentado Da Agência Folha, em Fortaleza A-12 Elemento humano
Personalidades brasileiras relatam visões da tragédia Gerald Thomas A-13 Elemento humano
Gisele vê do seu quarto avião entrar em torre Tetê Ribeiro A-13 Elemento humano
Ex-ministra finca presa em Washington Da sucursal de Brasília A-13 Elemento humano
Inseguro, governo fecha a Casa Branca e o Congresso Márcio Aith A-14 Guerra
Mesa é escudo no Pentágono Gabriela Athias e Estela Caparelli, com agências A-14 Guerra
País inteiro está em estado de alerta geral Da redação A-14 Guerra
Árabes em Detroit temem represálias Maria Brant A-14 Elemento humano
Ataque suspende vôos para os EUA por tempo indefinido Da sucursal do Rio A-15 Elemento humano
Companhias aéreas sugerem FBI e orações Da reportagem local A-15 Elemento humano
Atentados abalam parentes de brasileiros que estão nos EUA Da reportagem local da Agência Folha A-15 Elemento humano
Consulados e empresas fecham Da reportagem local da sucursal do Rio A-15 Guerra
Em NY, vivem cerca de 300 mil brasileiros Da sucursal de Brasília A-15 Elemento humano
Europa entra em alerta e se reúne para discutir a crise Marcelo Starobinas A-16 Guerra
Putin pede que Bush retalie ação Lílian Christofoletti A-16 Guerra
Berlim vê ato de “guerra contra o mundo civilizado” Sílvia Bittencourt A-16 Guerra
Palestinos festejam nas ruas Da redação, com agências internacionais A-17 Elemento humano
'Guerra contra o terror é mundial', diz Sharon Sandra Aisen A-17 Guerra
Taleban critica atentados e defende o extremista Bin Laden Da redação A-17 Guerra
FHC compara ataque a guerra e vê riscos para a economia Wilson Silveira A-18 Economia
Leia o discurso do presidente sobre os ataques Não identificado A-18 Guerra
“Não sejamos paranóicos”, diz Quintão Da sucursal de Brasília A-18 Guerra
Leia a íntegra da carta a George W. Bush Da redação A-18 Guerra
Zona de Guerra Jânio de Freitas A-18 Comentário de especialistas
Banco central: presidente deve antecipar volta Não identificado A-18 Economia
Conselho de Defesa teme queda de investimentos externos Kennedy Alencar e Luiza Damé A-19 Economia
EUA vão à forra, com mundo ou sem ele Elio Gaspari A-19 Comentário de especialistas
Ataque é 'divisor de águas', diz embaixador Eliane Cantanhêde A-19 Comentário de especialistas
Repercussão Não identificado A-19
Autoreferencialidade
midiática
TV mundial transmite, consciente, um espetáculo Nelson de Sá A-20
Autoreferencialidade
midiática
Silvio Santos teve mais ibope que EUA Da redação e reportagem local A-20
Autoreferencialidade
midiática
Nações renegadas' podem ter ajudado Álvaro Pereira Júnior A-20 Guerra
EUA suspeitam de terrorista saudita Osama bin Laden Paulo Daniel Farah A-21 Guerra
Carro bomba atingiu torres do WTC em 93 Da redação A-21 Guerra
Principais atentados terroristas no mundo Não identificado
A-21a A-
24 Guerra
Suspeito de ter organizado ação vale US$ 5 mi para os EUA João Batista Natali A-22 Guerra
Muçulmanos americanos criticam mortes Paulo Daniel Farah A-22 Elemento humano
Ameaça terrorista é difusa e não precisa de muito dinheiro Márcio Senne de Moraes A-23 Guerra
Os principais grupos terroristas no mundo Não identificado A-23 Guerra
Extrema direita dos EUA também é suspeita Da redação A-23 Guerra
Terroristas querem mostrar que os EUA são vulneráveis Da redação A-24 Guerra
Governo convoca arapongas para vigiar risco de represália no país Alessandro Silva A-24 Guerra
Ricupero vê atentado como ameaça à economia mundial Fernando de Barros e Silvo A-25 Economia
Para especialista, EUA darão resposta Josélia Aguiar A-25 Comentário de especialistas
Atentados podem criar a unidade perdida dos EUA Contardo Calligaris A-26 Comentário de especialistas
Para Bloom 'é o começo de algo terrível' Harold Bloom A-26 Comentário de especialistas
Intelectuais reagem com perplexidade Da redação A-26 Comentário de especialistas
'Bush será cobrado pela notória incompetência' Da redação A-26 Guerra
Ameaças do terror alimenta indústria do 'tecnothriller' Da redação A-27
Autoreferencialidade
midiática
“Fim” traz sua versão do colapso dos EUA Da reportagem local A-27
Autoreferencialidade
midiática
Ataques improváveis simulam mal os acontecimentos de ontem Ricardo Bonalume Neto A-27
Autoreferencialidade
midiática
Pop já tem sua trilha para o show de horror Lúcio Ribeiro A-27
Autoreferencialidade
midiática
Destruição nos EUA Inácio Araújo A-28 Autoreferencialidade
midiática
Roteiro do espetáculo acertou no alvo Inácio Araújo A-28
Autoreferencialidade
midiática
Os novos vilões do cinema americano Milly Lacombe A-28
Autoreferencialidade
midiática
Ataque explode Bolsas e pode detonar recessão Da redação, com agências internacionais A-29 Economia
Bolsas sofrem novo ataque Do Financial Times A-29 Economia
Suprimento não deve ser afetado Do Financial Times A-29 Economia
Terror fecha mercado dos EUA e derruba o europeu Da redação, com agências internacionais A-30 Economia
World Trade Center era ocupado por líderes mundiais das finanças Da redação A-30 Economia
A queda das bolsas pelo mundo Não identificado A-30 Economia
Ataque leva investidores a correr para ouro e petróleo Da redação A-31 Economia
Funcionários de filiais no Brasil são dispensados Da reportagem local A-31 Economia
Poeira toma o ar do centro de NY Não identificado A-31 Guerra
Bolsa de SP pára após queda de mais de 9% Fabrício Vieira A-31 Economia
Dólar dispara e bate novo recorde no Real Da reportagem local A-31 Economia
2002
11/09 (editorial) Comitê editorial A-2 Guerra
Outro 11, outra infâmia Clóvis Rossi A-2 Guerra
Nesta data não querida Carlos Heitor Cony A-2 Guerra
Recordando Donna Hrinak A-3 Comentário de especialistas
Reflexão sobre a tragédia Rubens Antônio Barbosa A-3 Comentário de especialistas
A pergunta Jânio de Freitas A-5 Guerra
Sob alerta Marcio Aith A-8 Guerra
Desfile em Washington terá mísseis Marcio Aith A-8 Guerra
NY pára hoje para ouvir os nomes das vítimas Sérgio D''Ávila A-9 Elemento humano
Países intensificam segurança Da redação com agências internacionais A-9 Guerra
São Paulo e Brasília terão eventos Da redação A-9 Elemento humano
Cabul terá cerimônia americana Da redação com agências internacionais A-9 Guerra
As principais cerimônias hoje em Nova York Não identificado A-9 Outro
Notícias de uma guerra particular Sérgio D'Ávila A-10 Elemento humano
Não podemos ceder (artigo) Rudolph Giuliani A-11 Comentário de especialistas
Vítima de ataque ainda está hospitalizada Leslie Eaton (NYT) A-11 Elemento humano
Mundo árabe está em guerra com EUA (artigo) Nelson Ascher A-12 Comentário de especialistas
Líder do ataque falou com Bin Laden The New York Times A-13 Guerra
Jornalista britânica detida pelo Taleban se converte ao islã Paulo Daniel Farah A-13 Elemento humano
Ação virá se Iraque não se desarmar, diz Blair Da redação com agências internacionais A-14 Guerra
2003
Um mundo pior (editorial) Comitê editorial A-2 Guerra
E o Bin Laden, hein? Eliane Cantanhêde A-2 Guerra
A terceira guerra Carlos Heitor Cony A-2 Guerra
No pós 11.09: a ONU ou o caos Alcino Leite Neto A-2 Guerra
Por trás da palavra Janio de Freitas A-5
Autoreferencialidade
midiática
Bin Laden ressurge em fita na Al Jazira Da redação, com agências internacionais A-17 Guerra
Em clima solene, Nova York lembra ataques Cíntia Cardoso A-18 Elemento humano
Como foram os ataques de 11 de setembro (gráfico explicativo) Não identificado A-18 Guerra
Hoje em Nova York Não identificado A-18 Outro
Bush pretende ampliar medidas contra o terror Fernando Canzian A-18 Guerra
Doutrina Bush mina elo transatlântico Márcio Senne de Moraes A-18 Guerra
Glucksmann e Todorov divergem sobre guerra Roger-Pol Droit (Le Monde) A-19 Comentário de especialistas
2004
EUA marcam hoje 11 de Setembro 'politizado' Luciana Coelho A-14 Guerra
CIA confirma que vídeo é mesmo da Al Qaeda Da redação A-14 Guerra
"Terror espetacular" fracassa, diz analista El País A-14 Comentário de especialistas
Foto obtida no Rio cita 'área ideal' de ataque Antônio Gois A-15 Guerra
A falácia da guerra contra o terror (artigo) Quentin Peel (Financial Times) A-16 Comentário de especialistas
Americano poderá comprar arma pesada (Nota) Da redação com agências internacionais A-17 Outro
2005
Bush compara 11 de Setembro ao Katrina Da redação com agências internacionais A-21 Elemento humano
Desastre também reduz margem de manobra do presidente Sérgio Dávila A-24
Autoreferencialidade
midiática
Eis aqui tudo de novo João Cezar de Castro Rocha Mais! 4 Guerra
Fuga de Nova Orleans Slavoj Zizek Mais! 5 Guerra
2006
Outro 11 de setembro (editorial) Comitê editorial A-2 Guerra
Segunda-feira (artigo) Sérgio Costa A-2
Autoreferencialidade
midiática
Cheney e Rice exaltam ação pós-11/9 Da redação, com agências internacionais A-12 Guerra
Os ataques da Al Qaeda no contexto histórico Rami G. Khouri A-12 Comentário de especialistas
Balanço (box informativo) Associated Press A-12 Outro
Confronto no Afeganistão mata 94; governador é alvo Da redação, com agências internacionais A-13 Guerra
Avançam negociações sobre programa nuclear iraniano Da redação, com agências internacionais A-13 Guerra
2007
O inimigo (artigo) Marcos Nobre A-2 Guerra
2008
Não houve ocorrências relativas ao 11 de Setembro
Tabela 5- O Estado de S. Paulo 2001-2008
Título Autor Página Tema predominante
2001
Um estado de guerra mundial (artigo) Gaudêncio Torquato A-2 Guerra
A dimensão monstruosa do terrorismo (editorial) Comitê editorial A-3
Guerra
Um país em estado de choque (editorial) Comitê editorial A-4
Guerra
Terror destrói WTC e parte do Pentágono com jatos Paulo Sotero A-5
Guerra
Desaparecidos chegam a 800 só no Pentágono Paulo Sotero A-6
Elemento humano
Serviço de informação não acusou o ataque Roberto Godoy A-7
Guerra
Bush faz primeiro pronunciamento ao lado das tropas americanas Não identificado A-7
Guerra
Dia de horror Agências internacionais
A-7 e A-
8 Guerra
Líder vai para local estratégico do Nebraska Roberto Godoy A-7
Guerra
Primeiras pistas apontam para milionário saudita Periódicos e agências internacionais A-8
Guerra
EUA negam retaliação contra capital afegã Paulo Sotero A-8
Guerra
Isso é uma guerra. O que posso fazer?' Tonica Chagas A-9
Guerra
“Nuvem parecia um cogumelo e tinha a altura de um edifício” Susan Harrigan (Newsday) A-9
Guerra
Nas ruas, pessoas pediam a guerra Priscila Murphy A-9
Elemento humano
Violência, sem precedentes, abala a história Gilles Lapouge A-10
Guerra
Fui até a janela e vi os destroços caindo' Mary O'Grady (Wall Street Journal) A-10
Elemento humano
WTC recebia cerca de 150 mil pessoas por dia Ricardo de Souza A-11
Elemento humano
Arquiteto diz que torres poderiam ter resistido ao impacto de 'cinco aviões' DPA A-11
Elemento humano
Cartão-postal em chamas Luiz Renato Ferreira e agências A-11
Guerra
Passageiros usam celular antes de morrer Agências internacionais A-12
Elemento humano
Terror atinge as bases da cultura americana Ann Treneman (The Times) A-12
Comentário de especialistas
Estrategistas prevêem represálias dos EUA José Maria Mayrink A-13
Comentário de especialistas
Primeiro atentado contra WTC foi obra de extremistas islâmicos Agências internacionais A-13
Guerra
Explosão em edifício federal em Oklahoma era pior atentado Agências internacionais A-13
Guerra
Países da UE reúnem-se para discutir segurança Reali Júnior A-14
Guerra
Arafat repele atentados, mas palestinos fazem festa Agências internacionais A-14
Guerra
Árabes estão preocupados com efeitos Issa Goraieb A-14
Guerra
Árabes vêem ameaça a processo de paz Michael Binyon (The Times) A-15
Guerra
Prejuízos começaram no minuto seguinte ao ataque Jamil Chade A-15
Economia
EUA têm volume de ligações sem precedentes Renato Cruz A-16
Elemento humano
Sites brasileiros de informação registram audiência recorde Renato Cruz A-16
Autoreferencialidade
midiática
Após o choque, o medo incontrolável. E o ódio. Priscila Murphy A-16
Elemento humano
Ataques revivem o trauma de Pearl Harbor
The New York Times e agências
internacionais A-17 Elemento humano
Falhas de segurança e de inteligência se repetem Nestor Ikeda A-17
Guerra
Bolsas de valores despencam no mundo todo AE e agências internacionais A-18
Economia
Tóquio abre em queda de 6,6% Agências internacionais A-18
Economia
Fed garante que pode fornecer recursos adicionais aos bancos AE e agências internacionais A-18
Economia
Segurança eletrônica evita o caos nas transações André Siqueira A-18
Economia
Disparam preços do petróleo e do ouro no mercado Sérgio Lamucci e agências A-19
Economia
Mercado de suco perde a referência Vários autores (própria) A-19
Economia
Para O'Neill, reação dos mercados após atentados foi 'extraordinária' Agências internacionais A-19
Economia
Prédio da Solomon Brothers foi o terceiro a desabar Dow Jones A-19
Economia
Mercado tem dia de nervosismo e dólar bate recorde Sérgio Lamucci A-20
Economia
Empresas no Brasil alteram rotina José Antônio Rodrigues e Vera Dantas A-20
Economia
Banco Central monitora mercado financeiro e garante normalidade Soraya Alencar e Gustavo Freire A-20
Economia
Para banqueiro, liquidez preocupa José Antônio Rodrigues A-20
Economia
Empresas brasileiras no WTC terão apoio oficial Liliana Lavorati A-20
Economia
Juro pode baixar para afastar o perigo de recessão Agências internacionais A-21
Economia
Turbulência e luto passarão, avalia Giannetti André Palhano A-21
Comentário de especialistas
20% das empresas faliram em atentado de 93 André Siqueira A-21
Economia
Morgan Stanley ocupava a maior área da torre 2 Não identificado A-21
Economia
Tragédia americana pára centro de São Paulo Márcia de Chiara A-22
Elemento humano
Acontecimentos podem repercutir negativamente na balança do país Roberto Lira A-22
Economia
O WTC daqui reforça segurança Não identificado A-22
Guerra
Vôos de carga estão ameaçados de suspensão Vera Dantas A-22
Economia
Aviões voltam, com passageiros assustados Ana Carolina Sacoman A-23
Elemento humano
Brasil cancela 27 vôos para cidades norte-americanas Vários autores (própria) A-23
Guerra
Embaixada recomenda precauções no Brasil Vários autores (própria) A-24
Guerra
Entidades judaicas de São Paulo são orientadas a fechar as portas Herton Escobar A-24
Elemento humano
PF reforça efetivo em aeroportos e missões diplomáticas nos EUA Marcelo Godoy A-24
Guerra
No Brasil, judeus e árabes condenam atentados Adriana Ferreira e Zuleika Haddad A-24
Elemento humano
Brasileiros ficam sem notícias de parentes Fábio Diamante e Renato Cruz A-25
Elemento humano
Companhias aéreas demoram a divulgar dados sobre passageiros Não identificado A-25
Elemento humano
A tristeza na saída da Graded School Renata Cafardo A-25
Elemento humano
Colégios param em Brasília e no Rio Mariângela Gallucci A-25
Elemento humano
A explosão foi assustadora. O prédio balançou' Sérgio Gobetti A-26
Elemento humano
Quinze engraxates brasileiros trabalhavam do World Trade Center Cláudio Brandt A-26
Elemento humano
Piloto de rali teve de voltar ao Japão Não identificado A-26
Elemento humano
Nas ruas, medo de guerra e de mais crise econômica Conrado Corsalette A-26
Elemento humano
Organização suspende entrega do prêmio Grammy Latino Marcelo Bernardes A-26
Autoreferencialidade
midiática
Itamaraty aguarda informações sobre vítimas Denise Chrispim Marin A-27
Elemento humano
Histórias de brasileiros que viram a tragédia Vários autores A-27
Elemento humano
A três quadras, Sônia Braga vê choque do avião Marcelo Bernardes A-27
Elemento humano
Família de advogada consegue comunicação com Manhattan Carla Miranda A-27
Elemento humano
Imagens de um dia de terror Não identificado A-28
Guerra
Bush promete caçar terrorista e quem os abriga Paulo Sotero A-29
Guerra
Vidas acabaram por diabólicos atos' Não identificado A-29
Guerra
Esse ato é um desafio a toda humanidade' Agências internacionais A-30
Guerra
Blair exorta ocidente a erradicar 'nova praga' Agências internacionais A-30
Guerra
Repercussão da tragédia entre os chineses foi pouca Cláudio Mafra A-30
Guerra
FHC diz que está atento à Defesa do País Isabel Braga A-31
Guerra
Presidente acompanhou tudo desde cedo Demétrio Weber A-31
Guerra
Para Quintão, países devem rever defesas Tânia Monteiro A-31
Guerra
Conselho se reúne para pedir ajuda Tânia Monteiro A-31
Guerra
Papa reza pelas vítimas e Itália reforça segurança Assimina Vlahou A-31
Guerra
Jornais e tevês do mundo todo fazem longa cobertura Igor Ribeiro e Lia Rangel, com agências A-32
Autoreferencialidade
midiática
Ataque exige destruir sistema que o produziu Henry Kissinger ( Washington Post) A-33
Comentário de especialistas
Um tema sempre explorado por Hollywood Luiz Carlos Merten A-34
Autoreferencialidade
midiática
Cobertura da TV reproduziu a perplexidade do grande público Luiz Costa A-35
Autoreferencialidade
midiática
2002
Os EUA como Hamlet (artigo) Marcos Prado Troyjo A-2 Comentário de especialistas
Sob alerta de 'alto risco', EUA lembram 11/09 Agências internacionais A-14 Guerra
Manter sobriedade é desafio para a imprensa Paulo Sotero A-14 Autorefencialidade midiática
Família real saudita refuta acusações Agências internacionais A-14 Guerra
Vice-presidente mais uma vez, vai para local secreto Agências internacionais A-14 Guerra
Exposição sobre atentado vendeu 50 mil fotografias Priscila Néri A-14 Autorefencialidade midiática
Terroristas da Al-Qaeda retornam ao Afeganistão The New York Times e agências A-15 Guerra
Bin Laden recebeu Atta, líder dos seqüestradores The New York Times A-15 Guerra
Atentados não radicalizam islâmicos na França Gilles Lapouge A-15 Elemento humano
11/09 um ano depois (notas) Não identificado A-15 Guerra
Iraque deve cumprir resoluções ou então 'ações serão tomadas' Agências internacionais A-16 Guerra
Árabes devem vingar-se atacando 'alvos humanos' Agências internacionais A-16 Guerra
CIA ainda não encontrou provas sobre ligação Sadam-Al Qaeda Washington Post A-16 Guerra
Ouro iraquiano Agências internacionais A-16 Guerra
Adiado voto sobre gabinete de Arafat Agências internacionais A-16 Guerra
Na ONU, Brasil vai reafirmar sua posição sem aval do CS Denise Chrispim Marin A-16 Guerra
2003
O “imbróglio” iraquiano (artigo) Antônio Amaral de Sampaio A-2 Comentário de especialistas
Hamas ameaça atacar casas de israelenses Agências internacionais A-17 Guerra
Membros do CS propõem emendas ao texto dos EUA Agências internacionais A-17 Guerra
Dois anos depois: A ameaça continua Agências internacionais A-18 Guerra
Vídeo reforça sensação de vulnerabilidade Paulo Sotero A-18 Guerra
Minuto a minuto (box explicativo) Não identificado
A-18 e A-
19 Guerra
Tensão e medo só aumentam Tonica Chagas A-19 Elemento humano
Reconstruindo o ponto zero (gráfico explicativo) ArtEstado/GN A-19 Outro
Cerimônias serão discretas Reuters A-19 Elemento humano
Guerra ao terror' só rendeu três processos AFP A-20 Guerra
O texano que ajudou a criar o Taleban ArtEstado/GN A-20 Guerra
Campanha global pós-atentados está apenas no começo Cox News Services A-20 Guerra
Brasileiros tentam aceitar realidade da morte sem descoberta de corpo Priscila Néri e Felipe Werneck A-21 Elemento humano
101 itens para continuar vivo Cecilia Thompson A-21 Guerra
2004
Luzes que perguntam: e Bin Laden? Agências Internacionais A-26 Guerra
Minutos de silêncio lembrarão a tragédia Agências Internacionais A-26 Elemento humano
Com o governo, novas e poderosas ferramentas (artigo) The New York Times A-26 Comentário de especialistas
Nova ameaça: uma bomba suja Roberto Godoy A-27 Guerra
Livros oferecem explicações para ataques do 11/9 Ubiratan Brasil A-27
Autoreferencialidade
midiática
10/9: pensávamos que seria sempre assim The Washington Post A-28 Elemento humano
Uma tragédia que ainda não acabou The New York Times A-28 Elemento humano
O Islã pode mudar Não identificado A-29 Comentário de especialistas
Guerra no coração do Islã Reali Júnior A-30 Comentário de especialistas
Onda de atentados continuou (box explicativo) Não identificado A-30 Guerra
Bush criou novos terroristas' Paulo Sotero A-31 Comentário de especialistas
Ponto zero, estaca zero (foto-legenda) Agências Internacionais A-31 Elemento humano
2005
Seqüelas que o 11/9 deixou na alma The New York Times A-20 Elemento humano
Atentados são tema de livros e filmes (notas) Não identificado A-20
Autoreferencialidade
midiática
A invasão dos isolacionistas (artigo) Francis Fukuyama A-21 Comentário de especialistas
2006
Cheney admite ter sido muito otimista sobre luta no Iraque Agências internacionais A-9 Guerra
Atentado mata governador afegão Agências internacionais A-10 Guerra
No mundo pós-11/9, relação Brasil-EUA cai na trivialidade Denise Chrispim Marin A-11 Guerra
Cooperação aumentou na tríplice fronteira Denise Chrispim Marin A-11 Guerra
Comércio é exemplo da frieza da relação bilateral Denise Chrispim Marin A-11 Economia
2007
EUA erraram ao reduzir Al-Qaeda a Bin Laden' Renata Miranda A-12 Comentário de especialistas
Saudita promete nova aparição (nota) Agências internacionais A-12
Autoreferencialidade
midiática
2008
Legado da Al-Qaeda resiste a seu declínio Peter Bergen (The Washington Post) A-22 Comentário de especialista
Obama e McCain participam hoje de cerimônia em NY Não identificado A-22 Outro
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