No entanto, não é apenas o classificador o responsável pelo efeito poético. Para
Sutton-Spence (2005), o modo de estruturação da linguagem usada é importantíssimo
para a mensagem que se quer passar, o que significa que a sinalização se organiza de
um modo diferente. Na poesia, os significados são maximizados através da utilização de
elementos como generalizações, ritmos, aperfeiçoamento da linguagem, neologismos,
metáforas, repetições de parâmetros formacionais dos sinais e vários outros elementos.
Para a poesia escrita, normalmente, o poema é reconhecido pelo modo como o
texto é organizado na página. Por outro lado, a poesia em língua de sinais é reconhecida
pela performance do texto, mostrando que o texto é poético. Para Sutton-Spence (2005),
é a performance, na poesia em língua de sinais, que é uma língua ágrafa
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, que marca
para a audiência a sinalização realizada como um evento especial.
Por sua característica de não ter registro escrito, a língua de sinais, ao ser
poeticamente produzida, necessita da expressão de seu intérprete
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. Isto realça o valor
de atuação e imprime importância a sua capacidade performática de captar a atenção do
público, aproximando-a de alguma forma da poesia oral, que, do mesmo modo é
diretamente dependente da performance utilizada para declamação do poema.
Pesquisador da poesia oral da Idade Média, Zumthor (1997) reflete sobre as
relações que estão em jogo no momento da execução do poema:
A performance é a ação complexa pela qual uma mensagem poética é
simultaneamente, aqui e agora, transmitida e percebida. Locutor, destinatário, e
circunstâncias (quer o texto, por outra via com a ajuda de meios lingüísticos, as
represente ou não) se encontram concretamente confrontados, indiscutíveis.
Na performance se redefinem os dois eixos da comunicação social: o que junta
o locutor ao autor; e aquele em que se unem a situação e a tradição. (p.33)
O valor literário do poema existe para além da empírica percepção poética
vislumbrada, em português, pela estrutura do texto em versos, ou em Libras, por uma
ação performática do poeta.
COLOCAR-PRATOS é realizado com as duas mãos palma a palma, dedos indicador e polegar
abertos e curvos e demais dedos fechados, especificando um objeto redondo, e movimento de
colocação de pratos na mesa. A frase é traduzida e transcrita da seguinte forma: MESA
k
objeto
redondo
COLOCAR
k.
Exemplo retirado de Felipe (2001).
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Desde a década de noventa, do século passado, há, no Brasil, pesquisas sobre o sign writing,
denominado por pesquisadores que defendem o uso desse sistema como a escrita das línguas de
sinais. Lodi (2004), ao discutir sobre o sign writing, coloca duas questões para nós bastante
relevantes. A primeira é que, por não ser uma criação decorrente de uma necessidade, ele não se
constitui como um sistema ideológico de comunicação. Assim, sua produção não foi gestada pela
necessidade das comunidades surdas. A segunda é uma decorrência, pois esse tipo de escrita
está, basicamente, circunscrito no âmbito da academia, não havendo, ainda, circulação nacional
de obras escritas em sign writing. Para nós, relevante é o fato de que os poemas sinalizados feitos
por Surdos são fruto da experiência estética desses sujeitos nessa língua. Assim, optamos por
considerar, nesse momento e nesse trabalho, a língua de sinais como ágrafa.
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Nesse contexto interprete é o executor do texto em língua de sinais, seja ele Surdo ou ouvinte.