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Eduardo Coutinho Lourenço de Lima
Dependência de objeto
e a ilusão de compreender
Dissertação da Linha de Lógica e Filosofia
da Ciência apresentada ao Departamento de
Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Filosofia.
Orientador:
Ernesto Perini Frizzera da Mota Santos
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Belo Horizonte
2009
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Dissertação de mestrado defendida e aprovada com nota 100 pela banca examinadora
constituída pelos professores
Prof. Dr. Ernesto Perini Frizzera da Mota Santos
Orientador—UFMG
Prof. Dr. Paulo Francisco Estrella Faria
UFRGS
Prof. Dr. Mauro Engelmann
UFMG
Programa de Pós-graduação em Filosofia
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, 30 março de 2009
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para Gabriela.
Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus
confrades, e acho que faz muito bem. Pois iremos. Todavia, importa
dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem
desafrontado da brevidade do culo, obra supinamente filosófica, de uma
filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, cousa que não edifica nem
destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo
e menos do que apostolado.
Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
Agradecimentos
Não fossem o interesse que anda ligado à filosofia e o prazer estranho que dela decorre,
talvez jamais tivesse dado início a esta dissertação. Não beirassem ao irracional a bene-
volência e a motivação daqueles que, não por isso, me são muito queridos, talvez jamais
a tivesse terminado. Ao professor Ernesto Perini-Santos e à minha esposa , Gabriela, vão
meus maiores, mais sinceros e diretos agradecimentos. A Ernesto, com admiração, por
minha formação. A Gabriela, Cor. Nothing, my lord. Lear. Nothing? Cor. Nothing.”
Felizmente as relações acadêmicas não são estritamente profissiona is. Hierarquia, co-
operação e amizade são de tal forma companheiras que é bastante arrolar os amigos,
tanto colegas, quanto professores, em uma lista exaustiva daqueles que, direta ou indi-
retamente, isto é, na formação do conteúdo ou do autor, tiveram sua parte no pouco de
mérito que se queira atribuir aos resultados. Agradeço aos prof essores Lívia Guimarães,
Fernando Rey Puente e, novamente, Ernesto po r apontarem o lugar mais provável onde
jazem os tesouros. Lívia, em especial, pela jazida da educação. Fernando, em especial,
pelas fontes do exemplo. Ernesto, em especia l, por me ensinar como se faz para fincar os
marcos do saber.
Aos professores José Raimundo Maia-Neto, Marcelo Marques, Teodoro Assunção,
Jacyntho Lins Brandão e, novamente, Fernando por me terem feito desejar, ainda hoje,
que algumas disciplinas jamais tivessem terminado. Russell à parte, a Newton Bignotto e
Paulo Margutti, pelo padrão incomum de lucidez a que procuro condicionar minha apre-
ciação de teorias filosóficas. Rodrigo Duarte e Virgínia Figueiredo, pelo contraponto mais
querido. A Telma Birchal, não apenas pelas regras para a direção da mente e correção
do intelecto, mas pela primeira confirmação clara daquela decisão que—uma vez não é
costume—jamais colocaria em questão.
Aos professores Paulo Faria e Mauro Engelmann, pela leitura cuidadosa e pelas s u-
gestões construtivas que muito melhoraram o trabalho.
Entre os amigos, aqueles que ocupam uma região vaga entre colegas e professores:
a Thiago N. Galery e Renato M. Basso tenho muito o que agradecer. Se é amigo de
Thiago, você acredita. Se de Renato, as coisas simplesmente acontecem. Mais do que
meus principais interlocutores, espero algum dia ser capaz de retribuir não so mente a
confiança, por vezes incondicional, que sempre depositaram em mim, mas sobretudo a
motivação insistente naqueles períodos de maior dor.
aqueles cujo humor e seriedade não somente contaminam, mas são como lembretes
de que filosofia, bastando desejar, se faz por cooperaçã o. Fagner Delazari, Daniel Pucci-
arelli, Cristina Magro, Luiz Henrique Abrahão, Hélio Dias, Lincoln Frias, Marco Aurélio
Sousa Alves, Marcos Almeida, Roberta Miguelanti, Flávio Loque, Edgard Cardoso e Elisa
Ferreira, obrigado.
É preciso também mencionar a CAPES, pela bolsa de mestrado, a SESu/MEC, pela
bolsa do PET e a s secretarias da pós-graduação e graduação em Filosofia da UFMG, pelos
vários anos de apoio.
Um pressuposto destas páginas são meu irmão, Bruno, e meus pais, Beatriz e Wellerson.
A distância e as saudades que diariamente deles sinto, longe de me motivar, são o último
resíduo de tristeza que ainda se pode encontrar nesta dissertação. Pressupostos, não
fazem parte exatamente desses agradecimentos. Agradecer em palavras seria ingratidão.
cr.
Como também toca em alguma coisa quem toca em algo.
Teet.
Isso também.
cr.
Quem pensa, não pensará em alguma coisa?
Teet.
Forçosamente.
cr.
E, quem pensa em algum coisa, não pensa em algo existente?
Teet.
De acordo.
cr.
Logo, quem pensa no que não existe, pensa em nada.
Teet.
É claro.
cr.
Mas, pensar em nada é não pensar de jeito nenhum.
Teet.
Parece evidente.
Teeteto, Platão
Resumo
O descompasso entre linguagem e pensamento reconhece a possibilidade de falantes se ilu-
direm acerca dos pensamentos que apreendem ao pretender compreender proferimentos
de c ertas frases. A partir do exame da independência de objeto de proposições quantifi-
cadas, é mostrado por que essa possibilidade é contornada pela semântica das descrições
definidas, tal como elucidada p ela teoria das descrições de Russell. As condições episte-
mológicas da compreensão de descrições não exigem que se conheça o objeto descrito e
nem mesmo que exista um tal objeto para que seja possível a apreensão de proposições
quantificadas. Em contraposição, a semântica das expressões referenciais, que co nsidera
que objetos figuram nas condições de verdade de frases em que ocorrem expressões refe-
renciais, implica a dependência de objeto de pensamentos singulares. Não qualquer
pensamento para ser expresso ou considerado pelo proferimento de frases em que figuram
expressões referencias que a nada refiram. A pretensão de compreender proferimentos de
frases cuja compreensão é impossível se revela, então, como uma ilusão de compreender
essa frase. Contudo, a formulação de condições necessárias para a compreensão de ex-
pressões referenciais não é capaz de justificar a impossibilidade de compreender frases que
não e xpressam proposições, uma vez que a formulação das condições epistêmicas neces-
sárias da compreensão da referência é ela mesma dependente de objeto. Reconhecido o
falibilismo inerente à compreensão linguística e os limites de uma teoria da compreensão,
a dissertação termina por questionar a estratégia mesma de derivar apena s de padrões
inferenciais as condições necessárias da compreensão e da comunicação. Ao propor um
relaxamento dessas condições, sugere que se reconheça a deferência linguística como um
modo autêntico de compreensão.
Palavras-chave: Pensamento. Linguagem. Compreensão. Referência. Descrições defi-
nidas. Dependência de objeto. Ilusão. Deferência. Russell.
Abstract
Since language and thought don’t always mirror each other, speakers may be deluded
about the propositions they think they grasp when they try to understand certain ut-
terances. However, as Russell’s theory of descriptions shows, the object independent se-
mantics of quantified phrases accounts for this possibility being ruled out when it comes
to understanding definite descriptions. Thus, to understand a s entence containing a def-
inite description, it is not necessary that the speaker knows which object it describes, if
any. In sharp contrast, the semantics of referring expressions implies the object depen-
dency of singular thoughts, since objects referred to are part of the prop o sition expressed
by utterances of sentences with referring expressions. There simply is no proposition or
thought to be grasped in uttering these sentences if the referring expression does not refer
to something. The illusion of understanding amounts to intending to understand these
utterances. However, a specification of the necessary conditions to understand referring
expressions is not able to explain the impossibility of understanding sentences that do not
express propo sitions, since the specification itself is object dependent. In acknowledging
the fallibilism inherent to linguistic understanding, as well as the limits of this theory
of understanding, this thesis is skeptical about the very strategy of deriving necessary
conditions for understanding and communication solely from truth conditions. Finally, I
propose the adoption of less strict conditions for understanding so that it may give room
to linguistic deference as a genuine mode of understanding.
Keywords: Thought. Language. Understanding. Reference. Definite descriptions. Ob-
ject dependency. Illusion. Deference. Russell.
Sumário
Sumário
Introdução p. 10
1 Independência de objeto p. 13
1.1 Linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13
1.2 Pensamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 17
1.3 A teoria das descrições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 29
2 Dependência de objeto p. 54
2.1 Conhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 54
2.2 Dependência de objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 76
3 A ilusão de compreender p. 85
3.1 Ilusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 85
3.2 Discriminação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 89
3.3 Deferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 100
Conclusão p. 109
Referências bibliográficas p. 111
Índice de citações p. 114
Índice onomástico p. 116
Índice remissivo p. 117
10
Int rodução
Por vezes, ouve-se dizer que, para filósofos como Frege e Russell, a linguagem natural é
enganadora. E é enganadora mesmo.
Segundo o que p odemos chamar de uma concepção cartesiana da compreensão, o do-
mínio de uma determinada linguagem é condição necessária e suficiente para se compreen-
der quaisquer proferimentos de frases dessa linguagem, em vários contextos ou situações
comunicativas de uso. Seu traço distintivo é não reconhecer a um falante o direito de
estar enganado quanto a crenças suas que digam respeito à compreensão que tenha de
proferimentos de itens linguísticos. Por isso, cartesiana. É que a linguagem natural, por
vezes, tem ares de ser manifestamente transparente. De um ponto de vista pré-teórico e
intuitivo, tentativas genuínas de compreender um ato de fala não parecem enfrentar mai-
ores dificuldades do que aquelas dificuldades enfrentadas pelo proferimento desse ato de
fala. É o que parece ser o caso com relação a, por exemplo, um determinado proferimento
e da frase (1), feito por um falante sincero s, dirigindo-se a outro falante o, em um dado
contexto e com os propósitos p, q e r.
(1) João ama Maria.
A compreensão de (1) parece estar ao alcance de qualquer falante que domine um mínimo
da língua portuguesa. Afinal, tendo ouvido um determinado proferimento de (1), em um
determinado contexto e segundo certos propósitos, parece ser simples e imediato para um
falante relatar para um terceiro que (1) quer dizer que João ama Maria. Nada de
errado com relatos como esse, que funcionam muito bem nas práticas comunicativas de
nossa comunidade linguística.
11
Um problema aparece, contudo, quando a suposta transparência da linguagem é con-
vertida não exatamente em uma teoria filosófica, mas em uma condição de adequação de
teorias da compreensão. Parece-me que isso ocorre quando, po r exemplo, a escolha entre
duas teorias semânticas conflitantes tenha de ser resolvida, em última instância, pelo re-
curso aos relatos de falantes acerca do que acreditam estar envolvido na sua sua própria
compreensão de usos da linguagem. A conformação de uma teoria às crenças intuitivas
de falantes acerca de seus próprios estados mentais, ou melhor, a uma suposta crença que
seja a crença média e aproximada de alguns pouco s falantes, é dita ser um plus dessa
teoria.
Nada de errado haveria, tampouco, nessa exigência de conformação à aparente e su-
posta transpa rência da linguagem, não pudessem ser falsas as crenças que falantes podem
ter acerca de si mesmos. Por exemplo, nem sempre é claro, do ponto de vista pré-teórico,
que duas ou mais ocorrências de (1), ou seja, dois ou mais proferimentos particulares de
(1), possam estar submetidas a condições de verdade completamente distintas. Mesmo
ignorando a possibilidade de que o significado de ‘amar’ seja essencialmente sensível a
variações de contexto, ora, a depender de quem são os indivíduos nomeados pelos termos
‘Maria’ e ‘Joã o’, as coisas que se dizem por meio de vários proferimentos de (1) podem
ser verdadeiras ou falsas. Por exemplo, proferimentos sinceros e objetivos de
(2) João
2
ama Maria
2
.
(3) João
3
ama Maria
3
.
podem não querer dizer, como no exemplo anterior, que João ama Maria, mas, variando
as referências dos nomes próprios, podem querer dizer, respectivamente, que João
2
ama
Maria
2
e que João
3
ama Maria
3
. Sã o condições de verdade completamente diferentes,
pois são verdadeiras ou falsas em virtude de objetos distintos.
Situação radical é aquela em que um simples proferimento de, por exemplo, (3) não
queira dizer absolutamente nada, apesar de falantes sinceramente acreditarem que algo é
dito. Assim, sem uma teoria adicional, nada de muito explicativo se tira de relatos de nos-
12
sas intuições linguísticas, se as únicas condições a que um determinado relato atende são
as condições necessárias e suficientes de se proferir uma frase, não as de se compreender
um proferimento dessa frase.
1, p. 67
Antes de se adequar às nossas intuições linguísticas,
uma teoria da compreensão dever ser capaz de distinguir, por exemplo, aquilo que pode
haver de diferente na compreensão de diversos atos de fala que, todavia, compartilham
de uma mesma frase. Portanto, explicações distintas de o que está envolvido na compre-
ensão de (1–3) devem respeitar não somente (i) as variações semânticas no conteúdo dos
proferimento de frases que compartilham dos termos ‘João’, ‘ama’ e ‘Maria’, mas, tam-
bém, (ii) o que será mais importante para esta dissertação, devem respeitar as diversas
condições ontológicas e epistemológicas que regulam a compreensão da linguagem.
Segundo a concepção a que pretendo me afiliar, um sujeito tem direito a estar iludido
acerca do conteúdo de seus próprios estados mentais. Nesta dissertação, cujas páginas são
como notas de margem às minhas leituras de Russell, apresentarei argumentos de vários
autores, sobretudo McDowell e Eva ns, que apontam para uma concepção de compreensão
que aceita de bom grado a possibilidade de falhas, falhas que não por que temer, can-
celar, combater, mas tão-somente aceitar e, se possível, explicar. É a concepção falibilista
de compreensão da linguagem, sobretudo o falibilismo da compreensão da referência. Mas
o reconhecimento do falibilismo inerente à compreensão não é apenas o ponto de chegada
da dissertação. É ta mbém um ponto de partida para se considerar o relaxamento mesmo
das condições epistemológicas e o reconhecimento de outras modalidades de compreensão
para a s quais a estratégia familiar de definir condições de verdade e extrair desses padrões
inferenciais as exigências de compreensão e comunicação parece mal concebida.
A maior parte da dissertação é dedicada a motivar uma distinção estrita entre lingua-
gem e pensamento, bem como a possibilidade de descompasso entre esses. Nos capítulos
primeiro e segundo, isso é alcançado por meio da consideração da independência e depen-
dência de modos de compreensão em relação a condições ontológicas e epistemológicas.
No último, é mostrado como exigências estritas de se explicar a possibilidade de ilusão
acabam por motivar uma revisão mesma da noção de compreensão.
13
1 Independência de objeto
1.1 Linguagem
Na abertura de ‘Sobre o denotar’, Russell diz que uma expressão é denotativa tão-somente
em virtude de sua forma. A afirmação segue-se de exemplos, retirados da linguagem natu-
ral, de expressões denotativas como ‘uma mulher’, ‘alguns homens’, ‘todas crianças’, ‘cada
pássaro’, ‘o livro’, ‘as páginas’, ‘muitos conceitos’, ‘pouco tempo’ e ‘nenhum dinheiro’.
2, p. 479
Observando os exemplos, presume-se com segurança que é da forma sintática que
se está falando. Mas, um preâmbulo à teoria das descrições, a apresentação inicial de o que
se deve entender por ‘expressão denotativa’ para os efeito s daquele artigo não é, todavia,
adequada. risco de equívoco, caso se entendam suas palavras como se dissessem que
“a questão semântica de uma expressão ser ou não denota tiva é determinada somente por
sua forma sintática.”
3, p. 969
Ora, como tentarei mostrar ao longo do presente capítulo, a
teoria que Russell está prestes a explicar opõe-se precisamente a essa leitura. Não se trata,
porém, de contradição. Assinalar o que caracteriza essa s construções é dizer, como o fez
corretamente Russell, que expressões denotativas são assim denominadas exclusivamente
por causa da estrutura sintática de sua forma grama tical. A forma sintática identifica
uma classe de expressões, ainda que não estampe a forma lógica.
4
Comparar categorias russellianas e categorias sintáticas é incontestavelmente teme-
rário, sobretudo na ausência de considerações mais detidas. Ciente dessa limitaçã o, a
aproximação será feita a seguir para fins meramente expositivos. Assim, pode-se dizer
com Neale que expressões denotativas correspondem tradicionalmente, na linguística, aos
14
sintagmas nominais, NP, e, em teorias sintáticas modernas, a sintagmas determinantes,
DP.
5, p. 813
Um elemento dessa c atego ria tem, como núcleo sintático, um determinante,
D, e, como complemento, um nome comum, N.
5, p. 813
A estrutura interna de N pode ser
simples ou complexa, um mero substantivo ou substantivos acrescido s de modificadores e
outras construções. A variabilidade da estrutura interna de N, po rém, não seria de maior
valor para a caracterização de DP nesta dissertação, não fosse necessário observar que
nomes próprios e indexicais podem perfeitamente ser componentes de N. Por sua vez, a
função de determinante costuma ser desempenhada por ‘alguns’, ‘todos’, ‘nenhum’, entre
outros. Expressões denotativas, qual sintagmas determinantes, têm assim representadas
suas estruturas sintáticas:
(4) [
DP
[
D
uma] [
N
criança de dois anos, tranquila e curiosa] ]
(5) [
DP
[
D
cada] [
N
papel valorizado no médio prazo] ]
(6) [
DP
[
D
muito] [
N
tempero desperdiçado] ]
Ao invés de se intuir a forma sintática comum às expressões denotativas por meio
dos bons exemplos de Russell, obtém-se de (4–6) melhor elucidação de o que vem a ser
uma expressão denotativa. Em suma, de agora em diante empregando det para D
e φ para N ’, formula-se a condição necessária e suficiente pa ra se classificar, segundo
‘Sobre o denotar’, uma expressão como denotativa:
Denotativa (x) x é uma expressão denotativa sse a forma de x é det φ
Apreciar essa observação inicial de Russell é extremamente importante para se terem
claras as consequências da teoria das descrições para uma explicação da compreensão de
frases em que ocorrem expressões denotativas e, sobretudo, descrições definidas. Ora,
dizer que a razão é sintática—apenas sintática—é um eufemismo para se dizer que não
é, portanto, uma razão semântica.
3, p. 969
De maior proveito é constatar, portanto, que
conclusão alguma acerca da semântica de expressões denotativas e, por conseguinte, de
15
descrições definidas é retirada dessa convenção terminológica. Do ponto de vista histo-
riográfico, o contraste se agrava. De acordo com a teoria da denotação do capítulo V
de Princípios da matemática, contra o qual investe a teoria das descrições de ‘Sobre o
denotar’, uma expressão é denotativa em virtude de denotar. Naquele momento, uma
razão semântica.
[. . .] o fato de que descrever seja possível—que, por meio de conceitos,
sejamos capazes de designar algo que não seja um conceito—é devido a
uma relação lógica entre alguns conceitos e algu mas entidades [terms],
em virtude de que tais conceitos denotam inerente e logicamente tais
entidades.
[. . .]
Um concei to denota quando, se ocorrer em uma proposição, a proposição
não é a respeito do conceito, mas a respeito de uma entidade [term]
conectada de uma maneira peculiar ao conceito. Se digo “encontrei um
homem,” a proposição não é a respeito de um homem: isso é um conceito,
que não caminha nas ruas, mas mora no limbo sombrio dos livros de
lógica. O que encontrei foi uma coisa, não um conceito, um homem real
com um al faiate e uma conta no banco ou um botequim e uma esposa
bêbada.
6, §56
Anteriormente, portanto, uma expressão era dita denotativa por associação a um con-
ceito denotativo, que se responsabilizaria, por sua vez, a denotar um objeto. Seja F (x)
uma função proposicional. Segundo aquele capítulo, uma expressão denotativa det φ
denota um objeto b por supostamente contribuir com um conceito denotativo para a com-
posição da proposição expressa por F (det φ)’. Um conceito denotativo ou um complexo
de conceitos deno tativos seriam, portanto, o significado de uma expressão denotativa, sua
contribuição para a proposição expressa. Contudo, a proposição não seria acerca do con-
ceito, não seria acerca de uma parte integrante sua, de seu significado, mas seria acerca
da denotação da expressão deno tativa. Conceitos denotativos desempenhariam um papel
semântico altruísta: as proposições em que ocorressem seriam a respeito de uma outra
coisa.
7, p. 104
Em ‘Sobre o denotar’, diferentemente, certas expressões são denominadas ‘denotati-
vas’ somente por terem uma determinada estrutura sintática, det φ’. É da linguagem,
tão-somente de itens linguísticos que se está falando. É verdade que uma mesma estrutura
sintática pode motivar, além de sugerir, um mesmo tratamento semântico entre as expres-
16
es deno tativas.
8, p. 46
Ora, tal como exposto mais à frente, esse é um dos resultados
bem-vindos da teoria das descrições: o de nos permitir reconhecer as expressões denota-
tivas como uma catego ria sintática e semântica unificada de itens linguísticos, a saber, as
expressões quantificadas. Nunca é demais repetir, o que aparece de modo semelhante na
forma linguística pode ter uma mesma forma lógica, apesar desta nada dever àquela.
Entretanto, é com muita cautela que “a gramática, apesar de não ser nosso mestre,
será, contudo, tomada como nosso guia.”
6, §46
Afinal, pode ser enganador concentrar
a atenção na sintaxe linguística dessas expressões. Expressões denotativas e expressões
referenciais têm a mesma distribuição sintática.
8, p. 28
Descrições, por exemplo, podem
ocupar a po sição de sujeito gramatical em frase s de forma sujeito-predicado. As seguintes
frases, todas gramaticais, atestam o quanto convergem as propriedades distributivas dessas
expressões.
(7) a. Uma escritora recebeu o prêmio Jabuti.
b. [
S
[
DP
[
D
Uma] [
N
escritora] ] [
VP
recebeu o prêmio Jabuti] ]
(8) a. A escritora recebeu o prêmio Jabuti.
b. [
S
[
DP
[
D
A] [
N
escritora] ] [
VP
recebeu o prêmio Jabuti] ]
(9) a. Ela recebeu o prêmio Jabuti.
b. [
S
[
NP
Ela] ] [
VP
recebeu o prêmio Jabuti] ]
(10) a. Maria recebeu o prêmio Jabuti.
b. [
S
[
NP
Maria] ] [
VP
recebeu o prêmio Jabuti] ]
Uma similaridade semântica intuitiva que os mesmos privilégios de ocorrência po-
deriam sugerir seria que o significado de uma descrição definida fosse sua denotação.
9, p. 96
Uma expressão denotativa det φ contribuiria para compor a proposição expressa
por F (det φ) não mais co m conceitos denotativos, mas, tal como as expressões refe-
rencias, também com um objeto. No entanto, dos mesmos privilégios de ocorrência em
uma frase não segue qualquer similaridade entre a semântica das descrições definidas e a
17
das expressões referenciais.
10, p. 149, 259
Considerando que ‘Maria’ tenha uma referência,
proferimentos das frases (8) e (10), respectivamente de forma F (a φ) e F b’, expressam
proposições, mas proposições de formas diferentes. Como veremos a seguir, (10) expressa
uma proposição que tem como parte o próprio objeto nomeado por ‘Maria’, a saber, Ma-
ria. Diferentemente, (8), tal qual (7), expressa uma proposição em que Maria não figura.
A proposição, apesar de expressa por uma frase cujo sujeito linguístico a gramática nor-
mativa não hesitaria em classificar como flexionado no singular, é geral. Violência feita à
linguagem, a forma sintática da frase pouco diz do que diz a frase.
Que, a partir de 1 905 e novamente de uma perspectiva historiográfica, a classifica-
ção como denotativa ou, mais especificamente, descrição definida dá-se em desatenção à
semântica da expressão é confirmado subsequentemente nas conferências de Filosofia do
atomismo gico.
Quero que compreendam que a questão de se uma expressão é uma des-
crição definid a depende somente de sua forma, não da questão de se
um determinado indivíduo assim descrito.
11, p. 244
Rigorosamente em virtude da forma sintática, ser denotativo é uma propriedade da
linguagem, não do pensamento. O preâmbulo à teoria das descrições prenuncia a inde-
pendência de objeto que refletem as expressões denotativas.
1.2 Pensamento
A teoria das descrições serve à solução de enigmas lógicos. Serve igualmente a uma
semântica da linguagem natural, empiricamente a dequada, co mo demonstrou Neale
8
e
amplamente empregada, ainda que sob grande controvérsia, na filosofia contemporânea
da linguagem.
12
Mas é na filosofia do pensamento que a teoria das descrições ostenta seu
valor. Russell talvez não se interessasse tanto quanto nós nos interessamos pela lingua-
gem, mas se interessava enormemente por compreensão. Por entre seus escritos acerca
de lógica e semântica no breve período que me interessa, mediada pela noção de conhe-
cimento, passa a relação estreita entre significado e compreensão: “alguém compreende
18
uma expressão somente se souber seu significado.”
8, p. 16
A abertura e o encerramento
de ‘Sobre o denotar’ exprimem a motivação da teoria das descrições para uma teoria do
pensamento ou, nos termos do autor, do “co nhecimento:” pressuposta aquela relação en-
tre significado e compreensão, explicar como podemos compreender certas frases mesmo
sem saber de que objeto particular—se algum—a frase diz algo. Por exemplo, que frases
possam dizer respeito a “objetos de uma natureza lógica um pouco mais abstrata,”
2, p. 479
tais como números infinitos, transfinitos ou mesmo a mente alheia, sem que, contudo, sua
existência seja pressuposta, e sem que, com ainda mais razão, seja condição necessária
para sua compreensão que tais entidades tenham de ser, de alguma forma e no limite da
inteligibilidade, percebidas ou apreendidas pelo sujeito.
7, p. 102–5
Não é outro o objetivo
do presente capítulo que o de preparar a apresentação da relação tripla entre significado,
conhecimento e compreensão que constitui o alicerce da teoria do pensamento de Russell.
Introduzir em um arsenal teó rico noções semânticas como as de proposição, pensa-
mento, conteúdo e condições de verdade visa explicar, entre outras coisas, o que está
envolvido na compreensão da linguagem. Compreender o proferimento de uma frase nada
mais é do que apreender a proposição ou pensamento expresso por meio desse proferi-
mento. Sem tomar partido, ainda, entre holismo ou atomismo proposicional, seguirei o
uso corrente dos termos ‘proposição’ e ‘pensamento’ na filosofia da linguagem a fim de de-
nominar, de maneira intercambiável, sucintamente e sem pretender dar definições, aquilo
que, expresso por um determinado proferimento e, de uma frase s, po r um falante sincero f,
em um contexto c, possa ser verdadeiro ou falso.
4, p. 347
Por exemplo, um pensamento é
o que de comum e que pode ser expresso e apreendido por proferimentos de diferentes
frases, tais como
(11) Está chovendo.
(12) It’s raining.
(13) Il pleut.
Essas frases, ditas a respeito do mesmo local e tempo, em uma determinada situação,
19
podem expressar uma mesma proposição ou pensamento. Nesse sentido, pode-se dizer
que tais frases não são propriamente verdadeiras ou falsas, mas o são em virtude de ser
falsa ou verdadeira a proposição que igualmente expressam. Compreender os diversos
proferimentos de (11–13) em uma mesma situação é apreender uma mesma coisa, a saber,
é apreender que está chovendo.
Desse modo, parece correta a intuição pré-teórica segundo a qual podemos e con-
seguimos pensar a respeito de objetos ou indivíduos particulares e que temos êxito em
expressar esses pensamentos através do emprego de expressões corriqueiras de nossa lín-
gua, tais co mo ‘João’, ‘Brasil’, ‘isto’, ‘aquela’, ‘elas’, ‘eu’ e ‘a filósofa’. Parece também que
aqueles que nos ouvem compreendem o que dizemos ao proferir frases de forma sujeito-
predicado, como as seguintes:
(14) João prefere receber cartas a telefonemas.
(15) Isto nada mais é do que um quadro-negro rabiscado de giz.
(16) Uma confeitaria foi inaugurada na minha quadra.
(17) O aluno de lógica parece cansado, mas não está.
São fenômenos tão familiares que podemos não suspeitar de que intrincados problemas
lógicos, ontológicos e epistemológicos nascem exatamente da tentativa de explicar essas
diversas compreensões linguísticas. Além de frases como (16) e (17) compartilharem da
forma gramatical de sujeito-predicado, mas se distinguirem profundamente de frases como
(14) e (15) na forma lógica, isto é, nas suas respectivas condições de verdade, é possível
que sejam igualmente diferentes as habilidades envolvidas na compreensão de cada uma
das frases.
1, p. 101
Portanto, entre outros motivos, questões semânticas podem apresentar
problemas de interesse filosófico por se associarem a questões de ordem epistemológica
e, não menos, a questões de ordem ontológica. Associação essa cuja elucidação procura
estabelecer as condições conjuntamente suficientes e separadamente necessárias para a
compreensão de tais frases, condições para que alguém possa ter pensamentos ou possa
expressar proposições a respeito de objetos ou indivíduos particulares. Não é outro o
20
ambiente mais propício pa ra se delinearem, com alguma pretensão de nitidez, as rela-
ções conceituais que atravessam a caracterização de pensamentos como dependentes ou
independentes de objeto do que aquele que contempla questões (i) semânticas, como de-
terminar as condições de verdade do que dizemos? (ii) ontológicas, com o que a verdade
de uma dada proposição nos compromete? (iii) epistemológicas, o que devemos saber
para expressar tais proposições?
Por introduzir a noção de pensamento ou propo sição em meu arsena l teórico valendo-
me de usos da linguagem natural, é urgente enfatizar de imediato que a acepção técnica
de ‘pensa mento’ e ‘proposição’ de que lanço mão nesta dissertação é diversa da noção
pré-teórica que naturalmente a eles s e pode associar, sobretudo ao termo ‘pensamento’.
Quanto à s proposições, parece-me estar claro que não se trata de itens linguísticos.
Por sua vez, ao dizer que o proferimento de uma frase pode expressar um determinado
pensamento, e que a compreensão dessa frase se pela apreensão do pensamento por
ela expresso, não pretendo dizer que, desse modo, é dada vazão a ocorrências cognitivas
relacionadas à atividade subjetiva de se fazer um juízo ou dar assentimento a uma frase.
Portanto, tal como adotado nesta dissertação, não pressuponho que um pensamento ou
proposição se constitua ao ter lugar um ato de fala. Outrossim, é a concepção realista
de pensamento que se discute, introduzida com a noção de representação em si, objetiva
de Bolzano e, resguardadas as diferenças, desenvolvida por alguns dos fundadores da
filosofia analítica, nomeadamente, Moo re e R ussell, em oposição à acepção idealista de
representação, subjetivamente constituída.
7, p. 30
Com a ressalva de que o termo ‘conceito’
não é, de forma alguma, empregado em sua acepção mentalista, para Moore, por exemplo,
Uma proposição é composta não de palavras, nem mesmo de pensamen-
tos [su bjetivos], mas de conceitos. Conceitos são objetos possíveis do
pensamento; mas isso não é uma definição deles. Isso apenas afirma que
eles podem estar em relação com um pensador; e, a fim de que possam
fazer algo, devem de antemão ser algo. É indiferente para sua natu-
reza se alguém os está pensando ou não.
13, p. 179
[. . .] Parece necessário,
então, considerar o mundo como constituído de conceitos.
13, p. 182
É digno de nota a observação de Moore de que, entre duas entidades independentes
21
e numericamente distintas, um objeto possível do pensamento e um pensador, o que se
pode estabelecer, se for esse o caso, é uma relação—acrescentaria, não fosse temerário—
e isso no limite. Essa relação, sobretudo segundo Russell, será abordada no segundo
capítulo. No mesmo espírito da revolta contra o idealismo, a doutrina fundamental da
teoria russelliana das proposições pode ser formulada nos seguintes termos: os objetos
designados por expressões referenciais são partes constitutivas das proposições.
Todas a s palavras têm significado, no sentido simples de que são símbolos
que representam algo outro que elas mesm as. Mas uma proposição, a
menos que por acaso seja linguística, não contém ela mesma palavras:
contém as entidades indicadas pelas palavras.
6, §51
Em conformidade com essa doutrina e não menos para o espanto de Frege, R ussell
em correspondência lhe escreve que
Apesar de toda sua neve, acredito que o Mont Blanc ele mesmo é um
componente do que é afirmado, estritamente falando, por meio da frase
‘Mont Blanc tem mais de 4000 metros de altura’.
7, p. 92
Apesar de muito posterior, uma formulação absolutamente inequívoca está nos Prin-
cipia mathematica.
Eis o que distingue tais símbolos [incompletos] daquilo que (em um sen-
tido amplo) podemos chamar de nomes próprios: “Sócrates”, por exem-
plo, representa um certo homem e, por conseguinte, tem um significado
por si mesmo, sem o auxílio de um contexto [proposicional]. Se fornece-
mos um contexto, como em “Sócrates é mortal,” essas palavras expressam
um fato de que crates ele mesmo é uma parte constitutiva: um certo
objeto, n omead amente crates, que tem a propriedade da mortalidade,
e esse objeto é uma parte constitutiva do fato complexo que afirmamos
ao dizer “Sócrates é mortal.”
14, p. 69
Considerava, então, que a cada termo de uma frase corresponde algo que é a contri-
buição desse termo para a proposição expressa pelo proferimento da frase. Expressões
referenciais que tenham um significado, que tenham uma referência contribuem com o
objeto referido para a composição da proposição. O proferimento de b é G’, em que
b é um termo singular e ‘_é G é um predicado monádico, expressa um pensamento a
respeito de b, isto é, a respeito da referência de b’.
8, p. 4
Russell ecoa Moore: significados
de expressões são entidade reais, as coisas mesmas que constituem a “mobília elementar
22
do mundo.”
7, p. 112
A fim de apreciar essa formulação de Russell é útil representar, em
um primeiro momento, a proposição estruturada expressa por uma frase em que figura
um termo singular como um par ordenado, seguindo a sugestão de Donnellan.
15, p. 11–2
Desse modo, o proferimento de uma frase como
(18) João é brasileiro.
expressa uma proposição que pode ser representada pelo seguinte par ordenado:
(18
) João, ser brasileiro
em cuja estrutura, é essencial observar, estão presentes o próprio João—não o nome
‘João’—e a propriedade de ser brasileiro—não o predicado ‘_ é brasileiro’. Russell con-
sidera, portanto, que o próprio objeto entra literalmente na estrutura da proposição jun-
tamente com a propriedade que lhe é atribuída. Destarte, as coisas de que dependem as
proposições nada mais são do que as partes constitutivas da proposição.
Se o significado de uma expressão que designa um objeto encontra-se no mundo, pois
que é exa tamente esse objeto, paralelamente no mundo também de se encontrar o sig-
nificado de uma frase. Dessa feita, igualmente é composta por entidades não-linguísticas
a proposição determinada pelos significados das expressões que figuram na frase que a
expressa. Por conseguinte, é perfeitamente possível identificar proposições russellianas
com estados de coisas ou fatos.
9, p. 33–4
Contudo, tendo em vista essa concepção não-
linguística de proposição, talvez estranhe, como estranhou a Frege, reconhecer às rus-
sellianas a mesma propriedade que incontestavelmente se reconhece a um pensamento
freguiano quasi-linguístico, a saber, aquilo a que o verdadeiro ou o falso se aplica. Barcan
chega a sugerir que, ao invés de propriamente verdadeiras ou falsas, talvez seja melhor
dizer que proposições russellianas são, qual estados de coisa e fatos, efetivas ou não efeti-
vas, positivas ou negativas.
16, p. 241
Porém, Russell não emprega ‘estado de coisas’, mas
‘proposição’. É verdade que emprega ‘fato’ na citação da página 21. Mas aceitar de bom
grado a insistência em ‘proposição’, apesar das alternativas terminológicas, é compreender
23
a precaução de Russell em evitar a intromissão de elementos suspeitos de psicologismo
em uma semântica.
9, p. 36–7
Proposições russellianas nada tem de mental, na acepção car-
tesiana, como algo que supostamente se acrescentaria ao mundo.
17, p. 247
Identificando o
significado de expressões com coisas no mundo, Russell evita uma concepção do sentido
ou do pensamentos que estejam, de alguma forma, ao lado do mundo.
Feita a ressalva, cabe observar com segurança que, agora sim, é de atividades subjeti-
vas que se fala a o discutir as atitudes que falantes assumem em relação a essas represen-
tações objetivas, ao apreenderem proposições, ao considerarem um pensamento, ao terem
crenças de conteúdo proposicional e, sobretudo, nessa atitude proposicional pressuposta
pelas demais, na compreensão da linguagem. Mapear o s domínios distintos da geografia
lógica a que esses conceitos pertencem, o linguístico e o não-linguístico, permite que se
opte por explorar uma determinada ordem de explicação entre eles.
1.2.1 Composicionalidade semântica
Nesta dissertação, a ordem de explicação a ser seguida, na medida do possível, é aquela
que parte de considerações acerca do pensamento para explicar, se necessário, usos da
linguagem. Minha opção por partir do pensamento para a linguagem se justifica em
ter como valor a sistematicidade das explicações advindas dessa orientação. Ora, é uma
propriedade fundamental dos pensamentos que responde por seu poderoso papel explica-
tivo: “pensamentos são essencialmente estruturados.”
1, p. 102
São estruturados po rque as
partes de um pensamento contribuem sistematicamente para determinar o conteúdo do
pensamento, o que é para ele ser verdadeiro ou falso. A caracterização de um pensamento
passa, por conseguinte, por uma caracterização de suas partes e das relações dessas entre
si ao comporem o pensamento. A elucidação dessa estrutura visa explicar, por exemplo,
o que de comum na compreensão de proferimentos de
(19) Pedro é brasileiro.
(20) José é brasileiro.
24
(21) Alguém é brasileiro.
(22) Mineiro é brasileiro.
Os pensamentos expressos por (19–22), apesar de distintos, parecem compartilhar algo
que se relaciona diretamente à compreensão do predicado ‘é brasileiro’, não somente nessas
frases, mas na compreensão de proferimentos de quaisquer frases em que esse predicado
figure.
1, p. 101
Somente pode ser tomada como adequada aquela teoria que forneça uma
explicação unificada para a compreensão desse predicado, respeitando, por um lado, o
compartilhamento de um mesmo conceito entre inúmeras proposições e, por outro lado, a
clara generalização das habilidades envolvidas na compreensão de ‘é brasileiro’.
1, p. 101–2
Desse modo, uma teoria que se conforma ao princípio de composicionalidade semântica
explora esse traço essencia l dos pensamentos, a fim de explicar o que está envolvido na
compreensão da ling uage m. Por exemplo, uma teoria semântica da linguagem natural que
procura se conformar a esse princípio considera que
Princípio de composicionalidade semântica O valor semântico de uma expressão é
sua contribuição sistemática para as proposições expressas por frases ou proferimen-
tos de frases em que essa expressão ocorre.
Mas pensamentos são essencialmente estruturados exata mente em contraposição a
frases, que, podendo também ser estruturadas, não o são essencialmente.
1, p. 102
fra-
ses formadas tão-somente por uma palavra, mas que, todavia, expressam uma propos ição
em que se reconhecem partes sistematicamente relacionadas. Respostas coloquiais a per-
guntas exemplificam intuitivamente essa diferença.
(23) a. Pedro é brasileiro?
b. É.
Por meio do proferimento de (23b), um fa lante lacônico quer dizer que Pedro é brasileiro.
Sua resposta é verdadeira ou falsa na medida em que é verdadeira ou falsa essa proposição.
25
Aqui novamente se insinua o descompasso, que reaparecerá ao longo da dissertação, entre
a forma gramatical de uma frase e forma da proposição expressa por proferimentos dessa
frase: o descompasso entre a linguagem e o pensamento.
O cará ter crucial do princípio de composicionalidade foi introduzido no debate con-
temporâneo por Frege.
18
Por meio do cálculo de predicados e da teoria da quantificação
da Conceitografia, expõe-se mais claramente a estrutura essencial do pensamento, ao se
relacionarem as noções de pensamento e condições de verdade. Frege procurava uma forma
de justificar a condução de provas matemáticas independentemente da intuição e da ativi-
dade subjetiva de se afirmarem proposições. O cálculo de predicados é uma tradução que
visa preserva r o que quer que seja relevante para a determinação da verdade ou falsidade
de algo que é dito,
18, §3
ou seja, visa “ignorar tudo que pertence à nossa ideia ordinária de
[algo], exceto o que é de interesse para a lógica.”
4, p. 346
Tal como uma inferência válida
preserva a transmissão da verdade entre premissas, a tradução de uma frase da linguagem
natural para o simbolismo do cálculo de predicados visa preservar as condições de ver-
dade de f rases. Desse modo , a conceito grafia mostra a estrutura do pensamento porque
explicita as condições de verdade e as relações inferenciais de qualquer pensamento.
O que é um pensamento é elucidado não tanto em frases sobre pensamen-
tos, mas na expressão clara de pensamentos na conceitografia.
4, p. 346
Na medida em que esse sistema formal caracteriza uma semântica (de um fragmento)
da linguagem natural, entender o que é o cálculo de predicados é, por conseguinte, imedi-
atamente entender o que é um pensamento, no sentido de que entender a conceitog rafia é
entender a estrutura de qualquer pensamento.
A fim de capturar a oposição entre um componente particular e um universal dessa
estrutura, Frege estab eleceu uma distinção intuitiva, porém com importantes consequên-
cias semânticas, entre a classe das expressões quantificadas, ‘todo’, ‘nenhum’, ‘a lgum’
etc., e a classe das constantes individuais, a’, b’.
18, §4
Simplificando a exposição, vamos
pressupor que o sentido do predicado ‘é um cozinheiro’, isto é, sua contribuição para o
pensamento expresso, seja um conceito, essencialmente inco mpleto, F ( )’. As c ondições
26
de verdade de uma frase de forma gramatical sujeito-predicado, tal como, por exemplo
(24) João é um cozinheiro.
é elucidada pela seguinte fórmula, adaptada à notação contemporânea
(24
) F a
em que a constante individual a designa o objeto a a respeito do qual é (24). O que
(24
) mostra é a estrutura do pensamento expresso por (24), o pensamento singular que
F a. Nesse caso, uma coincidência entre o sujeito gramatical de (24) e o sujeito lógico
de (24
). Entretanto, frases que, apesar de terem a forma gramatical de sujeito-
predicado, não apresentam um sujeito lógico do qual poderíamos com segurança dizer que
a proposição é a respeito. Por exemplo, frases como
(25) Ninguém é perfeito.
(26) Todos os humanos são mortais.
recebem uma análise quantificacional que explicita sua forma lógica canônica em que
sujeitos lógicos não ocorrem. As frases (25) e (26) expressam pensamentos gerais, tendo
suas condições de verdade explicitadas pelas seguintes fórmulas
(25
) ¬(x)Hx P x
(26
) (x)Hx Mx
em que ocorrem expressões quantificadoras como operadores que se ligam a variáveis em
fórmulas abertas. A título de maior contraste, retomar
(24) João é um cozinheiro.
(24
) F a
evidencia quão distintas são as condições de verdade correspondentes a frases em que
ocorrem expressões quantificadas e constantes individuais. Entender a distinção entre um
27
pensamento singular e um pensamento geral é entender a distinção entre F a e (x)F x’.
Ao entender o cálculo de predicados, entende-se que qualquer pensamento é ou um pensa-
mento singular ou um pensamento geral, isto é, a quele cuja elucidação tem alcance geral.
Vale dizer, não pensamento que não seja de um ou outro tipo.
No entanto, essa é uma distinção entre duas formas de pensamento que somente apa-
rece, de maneira inequívoca, nas fórmulas do simbolismo. Tal distinção, cuja compreensão
qualquer falante domina pelo simples fato de compreender a linguagem, está, porém, obs-
curecida na forma gramatical sujeito-predicado difundida na linguagem natural.
18, §3
A
semântica, ao seguir a explicitação de condições de verdade e padrões inferenciais objeti-
vos entre pensamentos, não exatamente rompe com a forma gramatical, ma s tão-somente
desconhece qual seja, se alguma, sua realização na linguagem.
Em vista disso, costuma-se afirmar, em uma visão algo simplista, que, para filósofos
como Frege e Russell, a linguagem natural é enganadora. Apesar de haver passagens que
dão a entender exatamente isso, o que é co nsiderado enganador é passar imediatamente,
isto é, sem mais argumentos, da estrutura da linguagem natural para a estrutura do pen-
samento. Entre outros, testificam a gravidade disso tanto a existência de frases formadas
por uma palavra, mas que expressam pensamentos estruturados, quanto o descompasso
entre forma gramatical e forma lógica em frases que expressam proposições gerais. Mas em
lugar algum esse risco talvez seja mais eloquente do que no tópico da presente dissertação,
a qual procura explicar uma certa ilusão de se ter um pensamento.
O que é estar sob a ilusão de se ter um pensamento determinado? Ora, é o que mais
desejo saber. Mas parece ser também, ao menos em um primeiro momento, acreditar
ter um pensamento por meio de frases que não têm condições de verdade definidas. É
perfeitamente possível ter um pensamento de que, apesar de ter condições de verdade
definidas, não se sabe seu o valor de verdade. Por exemplo,
(27) Apesar de temer fortes críticas da imprensa, Lula está considerando presentear
seu neto com um carrinho de controle remoto.
28
(28) duzentas e quarenta e sete padarias ao longo da linha do Equador.
(29) Se o regime cambial da Nicarágua é flutuante, então, no seu mercado de livros
usados, uma cópia de Don Quijote de la Mancha deve custar o equivalente a,
noves fora, algo em torno de R$ 15.4d hexadecimais.
expressam proposições verdadeiras ou falsas, que p odemos considerar, ter dúvidas a seu
respeito, nelas acreditar, duvidar delas, sabê-las, achá-las improváveis ou mesmo suspen-
der o juízo sobre elas. Entretanto, será possível ter um pensamento mal-formado ou
incompleto? Em primeiro lugar, uma fórmula mal-formada como
(30) * ¬a
em que o símbolo a’, que no cálculo de predicados seria uma constante individual, conca-
tena com o símbolo ¬’, que seria o operador proposicional da negação, em total contraven-
ção com as regras de formação de proposições, não corresponde a um pensamento passível
de ser expresso por proferimento de frases. Nem mesmo por frases que, supostamente,
com elas guardem alguma semelhança estrutural.
(31) Não Bush.
Apesar das aparências, frases co mo (31) talvez queiram dizer “Não queremos Bush,” ex-
pressando proposições completas. Diferente é o caso de fórmulas mal-formadas, que não
têm lugar numa linguagem cuja estrutura reflita a estrutura do pensamento. Contudo,
de explicação ainda por receber, é o caso de frases como, por exemplo,
(19) Pedro é brasileiro.
quando não for possível atribuir a essas frases condições de verdade de forma
(24
) F a
O caso de (30) é, por si, uma aberração. Mesmo invocando fingimento meinonguiano,
19, p. 220
não é possível tentar p e nsar (30), pois (30) não é um pensamento. Entretanto, a
29
análise de (19), em uma situação em que ‘Pedro’ a nada se refira, encara uma dificuldade
para qual não está disponível a explicação dada a (30). Diferente de (30), parece ser
possível ao menos pretender pensar algo por meio de (19). Contudo, apesar de (24
) estar
no domínio do pensamento, não é o pensamento que se atribui a (19). Por um lado, a
propriedade de ser brasileiro poderia contribuir parcialmente para o pensamento. Mas,
por outro lado, a nada essa propriedade s eria conferida. Tentarei explicar algumas das
situações em que, apesar de um sujeito proferir um item linguístico gramaticalmente bem-
formado, pensamento algum é expresso por meio desse proferimento. Um descompasso
dramático entre linguagem e pe nsamento decorre da dependência de objeto de pensamen-
tos singulares.
1.3 A teoria das descrições
A dependência é precedida pela explicação da independência de objeto, não somente para
que aquela se introduza em contraposição a esta, mas também porque derivam de um
mesmo princípio, que governa a compreensão da linguagem: a exigência de apreensão de
todos os elementos proposicionais.
2, p. 492
Prévio ao reconhecimento mesmo da indepen-
dência e dependência de objeto, esse “princípio deve tornar inteligível a distinção entre
expressões denotativas e nomes próprios, que é a viga-mestra da teoria das descrições.”
20, §32, n.27
Mas considerar a independência em primeiro lugar não somente delimita, por
fim, quais pensamentos não são dependentes de objeto, mas nos permite reconhecer o
funcionamento mesmo desse princípio.
Expressões referencias e expressões quantificadas, como foi visto, determinam propo-
sições de maneiras diferentes. O traço comum das expressões quantificadas é a indepen-
dência de objeto das proposições expressas por frases em que ocorrem. Em contraposição,
o traço comum das expressões referenciais é a dependência de objeto, tema do próximo
capítulo. Contudo, entre os itens linguísticos, a divisão entre quais são os referenciais e
são os quantificados é objeto de grande controvérsia. Digno de destaque é exatamente o
30
debate acerca do estatuto semântico das descrições definidas, sobretudo quando flexiona-
das no singular.
21, 22
Por supostamente parecer referirem ou denotarem um objeto, seja
por quaisquer mecanismos semânticos, é intuitivo considerá-las nos moldes das expres-
es referenciais, tal como Frege supôs e m conformidade com a opinião recebida.
23, p. 57
Essa classificação, porém, consideradas suas consequências semânticas, não é isenta de
dificuldades, quase insuperáveis. Assim, a o argumentar por uma revisão da classifica-
ção recebida, um dos objetivos da teoria das descrições é exatamente escapar a essas
dificuldades. Contudo, repetição verbatim, é na filosofia do pensamento que a teoria das
descrições ostenta seu valor. Para finalmente podermos reconhecer isso, e retirarmos desse
reconhecimento alguns daqueles princípios da compreensão da linguagem, princípios so bre
os quais repousa g rande parte do argumento da dissertação, passarei agora à discussão
propriamente dita da teoria das descrições.
Elegante, que a teoria das descrições funcione sistematicamente pode ser concedido
até por seus mais ardorosos opositores, ao menos no que diz respeito a proposições verda-
deiras. Paradigma da filosofia, é outra história aceitar que ela deva ser adotada, que suas
análises lógicas sejam corretas, que a semântica das descrições definidas seja quantifica-
cional.
21, p. 324
Em ‘Sobre o denotar’, Russell, mais do que ninguém, se mostra ciente
desses níveis distintos de aceitação a que seus argumentos se dirigem. o momento de
apresentar a teoria e o de defender a teoria. Consequentemente, seu a rtigo se organiza
como que em quatro seções, é verdade, não muito bem delimitadas.
2, p. 480
aquela em
que (i) se apresenta a teoria, praticamente sem argumentos, (ii) aquela em que se apontam
as deficiências de teorias concorrentes, (iii) aquela em que propriamente se dão as razões
em seu favor e, por fim, (iv) aquela em que são tiradas suas “consequências filosófica s.”
A maneira natural de se expor a teoria das descrições em uma dissertação seria, creio,
seguir a organização interna do artigo. Se me conformasse a essa prática, deveria iniciar
com a teoria da quantificação freguiana a fim de apresentar a versão formal da teoria das
descrições, a conhecida regra de tradução de frases descritivas para frases explicitamente
quantificadas. Em seguida, consideraria a polêmica de Russell consigo mesmo e supos-
31
tamente contra Frege e Meino ng, onde se insinuam os argumentos em favor da teoria.
Terminaria, como de fato pretendo terminar, com suas consequências pa ra a filosofia do
pensamento.
No entanto, boas razões para não seguir a mesma ordem de argumentação ide-
alizada em ‘Sobre o denotar’, em tudo mais, permanecendo fiel à obra. Não se tratam
de críticas a Russell, mas de balizas a se atentar na apresentação e apreciação da teo-
ria. Em primeiro lugar, como não somente demonstrou Neale, mas disso fez aplicação,
é inteiramente opcional a adoção do formalismo no emprego de uma e mesma teoria das
descrições.
8, p. 39
O esboço inicial do formalismo em ‘Sobre o denotar’ e seu desenvolvi-
mento completo nos Principia mathematica pode ser substituído por uma notação mais
próxima a uma semântica da linguagem natural, se conveniente for. O emprego mesmo
dos quantificadores freguianos unários, e ’, pode dar lugar, por exemplo, a quantifica-
dores binários que capturem distinções mais finas, como aquelas que se procura expressar
por ‘a maioria’, ‘a minoria’, ‘a metade’, ‘a metade + 1’, ‘ambos’, ‘quase todos’, ‘muito
poucos’ etc.
8, p. 38–44
Em segundo lugar, como observa Coffa, a teoria das descrições deve fazer sentido
independente da regra de tradução formal. É muito importante, na apreciação da teoria,
que a expressão clara de proposições descritivas no formalismo não seja tomada como um
argumento em seu favor, muito menos um argumento decisivo.
7, p. 111
Tal como discutido
anteriormente quanto ao papel de uma conceitografia na elucidação de pensamentos, as
proposições derivadas por meio das regras de tradução da teoria das descrições nada
dizem desses pensamentos, mas tão-somente elucidam, quiçá de maneira inequívoca, o
entendimento prévio que delas temos. Não são argumentos, são esclarecimentos.
Seguirei de Rouilhan, então, na estratégia que me parece mais proveitosa para o fim
de compreendermos a teoria. Trata-se de coordenar a exposição do s argumentos às duas
teses fundamentais da teoria das descrições: uma tese dita negativa e outra dita positiva.
9, p. 113
32
A tese negativa diz o que a forma lógica de um enunciado que contém
uma expressão denotativa não é, a tese positiva dirá o que é.
1.3.1 A tese negativa fundamental
Como vimos na página 26, a certos tipos de expressões que superficialmente ocupam a
posição de sujeito gramatical, não corresponde uma entidade que funciona como a contri-
buição desse termo para a proposiçã o. Em virtude disso, nos Principia mathematica, tais
expressões são denominadas ‘símbolos incompletos’, junto aos termos que supostamente
denotam classes e relações.
14, p. 69, 75, 85
Distinguem-se das expressões completas, os deno-
minados ‘nomes próprios’. Esses últimos, se tiverem um significado, têm esse significado
independente de pertencerem a um dado contexto proposicional.
14, p. 69
Como observa
Evans, essa divisão estrita entre símbolos completos e incompletos é o único resultado
possível de o critério empregado por Russell ser governado por uma única concepção de
referência.
1, p. 43
Expressões referenciais, os tais “nomes próprios,” servem ao único pro-
pósito de assinalar qual objeto é o responsável pela verdade o u falsidade de uma frase,
“tal que, se ele satisfaz o predicado , a frase é verdadeira e, se fracassar em satisfazer o
predicado, a frase é falsa.”
1, p. 42
Partindo dessa concepção de referência, a formulação
do teste é imediata.
Critério de Russell “Sempre que se puder considerar que o sujeito gramatical de uma
proposição não existe, sem tornar a proposição sem sentido [meaningless], é claro que
o sujeito gramatical não é um nome próprio, isto é, não é um nome que represente
diretamente algum objeto.”
14, p. 69
Obviamente, a formulação do critério de Russell não traz consigo mesma a comparti-
mentalização das expressões. Afinal, para ser filtrada e ter devidamente reconhecida sua
independência de objeto, faz-se necessário um argumento que mostre que a suposição de
inexistência não culmina em falta de sentido. Comumente aceita-se que algumas expres-
es denotativas passam nesse teste. Mas, se a teoria das descrições estiver correta, toda
e qualquer expressão denotativa é aprovada, inclusive as descrições definidas.
33
Expressão Significado Denotação
Te ori a da denotação (1903)
‘o presidente do Brasil’ o presidente do Brasil Lula
‘o presidente da Escócia’ o presidente da Escócia
‘alguém’ alguém disjunção de seres humanos
Te ori a das descrições (1905)
‘o presidente do Brasil’ Lula
‘o presidente da Escócia’
‘alguém’
Tabela 1.1: Comparação entre a teoria da denotação e a teoria das descrições
Por mostrar que as definidas também passam pelo critério, pode-se acreditar que a
novidade da teoria das descrições seja que uma descrição definida como ‘o atual rei da
França’ tem um significado apesar de não ter uma deno tação . Não, a novidade é oposta
a isso. Como mostrado na página 15, essa posição mais se assemelharia à antiga teoria
da denotação, contemplada nos Princípios da matemática. A antiga teoria, contra a qual
a nova se volta, considerava como significado de uma descrição definida, também não um
objeto, mas um complexo de conceitos denotativos responsáveis por denotar um objeto.
Diferente, de acordo com a nova teoria das descrições de ‘Sobre o denotar’, qualquer
descrição definida, mesmo ‘o atual presidente do Brasil’ ou ’o terceiro planeta do sistema
solar’, não tem um significado. E isso vale independente de existir ou não uma denotaçã o.
Similar àquela de de Rouilhan, a tabela 1.1 ajuda a esclarecer a novidade de que na
“teoria antiga, uma descrição definida sempre tinha um significado e somente às vezes
uma denotação; na nova,”
9, p. 99
“não significado e somente às vezes uma denotação.”
2, p. 483, n.3
Para a teoria das descrições, vê-se que descrições definidas não têm significado. Não
tem um significado se tomada isoladamente, é verdade, mas o importante agora é se
34
ter clara sua contribuição proposicional em contraposição não somente aos complexos de
conceitos denotativos, mas às contribuições daquilo que, em ‘Sobre o denotar’, aparece
como nomes próprios.
Se digo “Scott era um homem”, essa é uma afirmação de forma x era um
homem” e tem “Scott” como seu assunto [subject]. Mas se digo “o autor
de Waverley era um homem”, isso não é uma afirmação de forma x era
um homem” e não tem “o autor de Waverley como seu assunto.
2, p. 488
Nomes contribuem com algo, descrições em nada contribuem. Mas tampouco atra-
palham: as frases em que ocorrem sempre têm um significado, expressam sempre uma
proposição, independentemente de existir ou não uma denotação. As proposições são
independentes de objeto.
A descrição definida ‘o presidente do Brasil’, seja ou não provida de denotação, nada
contribui por si mesma para a construção da proposição expressa pelo proferimento das
frases em que ocorre, nem conceitos denotativos, nem denotações. Mas toda frase em
que ocorrer poderá ser usada para expressar uma proposição. Tal proposição é, portanto,
geral e pode ser expressa independentemente da existência de um objeto que satisfaça a
descrição. Essa é a tese negativa fundamental, que Russell considera o cerne de sua teoria
das descrições.
Princípio da t eor ia das descrições “que expressões denotativas jamais têm um signi-
ficado em si mesmas, mas cada proposição em cuja expressão verbal ocorrem tem
um significado.”
2, p. 480
Retomo a abertura de ‘Sobre o denotar’, a condição necessária e suficiente para se
classificar uma expressão como denotativa, a fim de procurar explicar o que exatamente
quer dizer o princípio da teoria das descrições.
Denotativa (x) x é uma expressão denotativa sse a forma de x é det φ
Em consonância com o princípio da teoria das descrições, parece ser sempre possível
atribuir condições de verdade a frases em que ocorrem expressões de forma det φ’, mesmo
35
quando nada existe que satisfaça a frase. Em primeiro lugar, aqueles exemplos antes
arrolados
(25) Ninguém é perfeito.
(26) Todos os humanos são mortais.
não dependem, para fazer sentido, que haja um objeto que os satisfaça.
(25
) ¬(x)Hx P x
(26
) (x)Hx Mx
Esvazie seus domínios de quantificação e veja bem como continuam estáveis suas condições
de verdade: se todos seres humanos morressem, (26) não se tornaria um contrassenso.
Seria no mínimo curioso alegar que, nessa situação pós-apocalíptica, a mais absoluta
confirmação de sua verdade fosse também a causa da dissolução de suas condições de
verdade. O mesmo vale para (25): essa frase é verdadeira exatamente por não e xistir
um objeto que a satisfaça. Seria um absurdo alegar que o mesmo fato que faz (25)
verdadeira faz dela também desprovida de significado. Que algum objeto as s atisfaça ou
que nenhum objeto as satisfaça é algo que contribui para a determinação do valor de
verdade dessas frases, não de suas condições de verdade. Dito de outra fo rma, (25) e (26)
são independentes de objeto.
O mesmo ocorre com descrições indefinidas.
(7) Uma escritora recebeu o prêmio Jabuti.
A possibilidade de (7) ser verdadeira ou falsa não pode depender de existir um indivíduo
que tenha recebido o prêmio Jabuti. Ora, se o indivíduo não existe, a proposição não se
torna um contrassenso. Se não existe uma escritora que tenha recebido o prêmio, a frase
(7) não é nada mais, nada menos, do que falsa.
De explicação ligeiramente mais complicada, é o caso das descrições definidas, “as
mais interessantes e difíceis das expressões denotativas.”
2, p. 481
Descrições definidas são
36
expressões denotativas pelo simples fato de terem forma gramatical det φ’, o que, como se
tem insistido, nada acrescenta à sua semântica. Em português, descrições definidas cor-
rentes têm ‘o’ e ‘a’ no singular como determinantes de sua forma sintática, bem como ‘os’
e ‘as’, caso no plural. Por conseguinte, novamente lançando mão da sintaxe, a es trutura
de alguns de seus exemplos é
(32) [
DP
[
D
o] [
N
centro de massa do sistema solar no primeiro instante do século
vinte] ]
(33) [
DP
[
D
a] [
N
vendedora de flores que teve aulas de linguística] ]
(34) [
DP
[
D
os] [
N
algorítimos tipográficos que são cegos ] ]
(35) [
DP
[
D
as] [
N
poças insalubres de onde chove pouco, mas diariamente] ]
Menos evidente é a constatação de que, ainda que sua sintaxe não determine sua se-
mântica, essa classe de itens linguísticos em muito pouco difere das demais expressões
denotativas. A revisão perpetrada p ela teoria das descrições, entre outras coisas, permite
que uma teoria reconheça a unificação dessas classes nos dois planos.
Essas considerações sintáticas não são gratuitas. Interessam porque, reconhecidas por
defensores e oponentes, por vezes operam um papel central nos argumentos que Russell
apresenta em favor da teoria das descrições. Em especial, o reconhecimento prévio de que
uma determinada forma sintática é compartilhada entre um grupo de expressões, cuja
semântica, todavia, é disputada, ensejo para que Russell evoque um princípio a que a
teoria semântica satisfatória deverá se adequar. Argumentos-chave em favor da adoção da
teoria das descrições decorrem do que de Rouilhan denominou o ‘princípio de paridade’.
9, p. 91
Princípio de paridade Um e mesmo tratamento semântico deve ser dado a itens lin-
guísticos que compartilhem de uma mesma forma sintática.
Acerca das expressões denotativas em geral e, sobretudo, das descrições definidas em par-
ticular, sua estratégia explora a validade do princípio de paridade decorrente de expressões
37
serem consideradas denotativas em virtude da forma sintática. Em ‘Sobre o denotar’, esse
princípio opera em várias passagens. Vejamos a mais famosa delas.
Uma das primeiras dificuldades que nos confronta, quando adotamos a
posição de que expressões denotativas expressam um significado e deno-
tam uma denotaçã o, diz respeito aos casos em que a denotação parece
estar ausente. Se dizemos “o Rei da Inglaterra é calvo,” isto não é, assim
pareceria, uma declaração sobre o significado complexo “o Rei da Ingla-
terra,” mas sobre o homem real denotado pelo significado. Por paridade
de forma, o mesmo deve valer acerca da denotação da expressão “o Rei
da França.” Mas essas expressão, apesar de ter um significado, contanto
que “o Rei da Inglaterra” tenha um significado, certamente não tem uma
denotação, ao menos em algum sentido óbvio. Daí alguém poderia supor
que “o Rei da França é calvo” deve ser um contrassenso [nonsense]; mas
não é um contrassenso, uma vez que é evid entemente falsa.
2, 483–4
Se uma frase em que figura ‘a rainha da Inglaterra’ tem condições de verdade definidas,
por paridade de forma, frases em que figuram ‘a rainha do Brasil’ também devem ter
condições de verdade definidas.
(36) A rainha da Inglaterra é inteligente.
(37) A rainha do Brasil é inteligente.
Podemos não saber os valores de verdade dessas frases. Contudo, nossa ignorância não
tem qualquer efeito sobre a possibilidade de uma frase ser verdadeira ou falsa. Pode-se
pensar também que a atribuição do valor de verdade falso a
(38) O rei da França é calvo
é um mero dispositivo retórico e persuasivo de Russell, sobretudo por seguir um ‘eviden-
temente’, quando incomparavelmente mais evidente é que evidente isso não é. Pode-se
querer defender, com Frege e Strawson, que melhor seria considerar (38) como desprovida
de valor de verdade, uma vez que, não existindo um rei da França, essa frase a nada diria
respeito. Mas, infelizmente, (38) é falso. Certamente incorrendo em petição de princípio,
mas tão-somente com o fim de motivar a admissão de que frases como essas são falsas, é
útil variar o contexto proposicional e fazer algumas consultas breves à própria intuição.
8, p. 26–7
38
(39) Lula tomou café-da-manhã com o rei da França ontem.
(40) O rei da França foi entrevistado pelo Ibope acerca de seu consumo de produtos
eletroeletrônicos e hábitos alimentares.
(41) O rei da França derrubou o vaso de violetas da minha avó semana passada e nem
mesmo se desculpou.
(42) O rei da França tentou se matar poucas horas.
(43) O rei da França vai mediar as conferências de abertura da ANPOF.
A onde sei, e a menos que a diretoria da ANPOF esteja planejando alguma surpresa
maior para nosso próximo congresso, (39–43) são evidentemente falsas. É verdade que
esses exemplos alternativos exploram a presença de um ou outro elemento linguístico que
não figura em (38), sendo mesmo possível propor algum argumento que indique que a
falsidade dessas frases deco rre desse fato. Talvez se pudesse dizer, co m Strawson, que não
por que utilizá-las se sua pressuposição de existência falhar.
21, p. 330
Há, contudo, um
segundo argumento de Russell que não explora intuições, mas leis extensionais da lógica .
Ora, é óbvio que tais proposições não se tornam contrassensos somente
porque suas hipóteses são falsas. Em A tempestade, o rei poderia dizer
“Se Ferdinand não está afogado, Ferdinand é o meu ú nico filho.” Ora, “o
meu único filho” é uma expressão denotativa que, aparentemente, tem
uma denotação quando e somente quando eu tenho exatamente um [one]
filho. Mas a afirmativa acima teria, contudo, permanecido verdadeira se,
de fato, Ferdinand tivesse se afogado.
2, p. 484
Se p, então q. Não se tratando mais de proposições atômicas, mas moleculares, esse
argumento de Russell se vale de uma implicaçã o material e, além disso, uma implicação
material que o exemplo diz ser verdadeira. De acordo com o cálculo proposicional, uma
implicação material somente é falsa quando o consequente é falso, como ilustra a tabela
1.2.
Como o exemplo pressupõe, a implicação é verdadeira. Portanto, a segunda linha,
‘VFF’, deve ser ignorada, j á que descreve uma implicação falsa. Suponha agora que o
antecedente da implicação seja verdadeiro, ou seja, que Ferdinand não tenha se afogado.
39
p q p q
V V V
V F F
F V V
F F V
Tabela 1.2: Implicação material
Nesse caso, o consequente é também verdadeiro, e Ferdinand é o único filho do rei. Supo-
nha agora que Ferdinand tenha se afogado, ou seja, que o antecedente seja falso. Nesse
caso, o que dizer do consequente? O proferimento de ‘Ferdinand é o meu único filho’, numa
situação em que a descrição ‘o meu único filho’ não tenha uma denotação é verdadeira,
falsa ou um contrassenso? Consideremos a última opção : não existindo uma denotação
para ‘meu único filho’, o consequente não mais teria va lor de verdade. Mas, nesse caso, a
implicação como um todo deixaria de ser uma implicação, deixaria de seguir a tabela de
verdade acima, somente porque um de seus termos, o antecedente, seria falso. Eliminadas
as terceira e quarta linhas, a Ferdinand resta a imortalidade lógica de ‘VVV’. Por outro
lado, de acordo com a teoria das descrições, as condições de verdade de ‘Ferdinand é o
meu único filho’, em relação à descrição definida, não ao nome ‘Ferdinand’, estão defini-
das independente de algum objeto responder ou não por elas. Portanto, para a teoria das
descrições, é perfeitamente possível que o consequente seja verdadeiro ou falso, na situa-
ção em que o antecedente seja falso. As tabelas de verdade e as leis extensionais da lógica
não precisariam sofrer revisões maiores para comportar a especificação das condições de
verdade daquelas implicações materiais, cujo consequente contenha uma descrição a que
objeto algum satisfaça. Se o antecedente é falso, a implicação como um todo é verdadeira.
O consequente, seja verdadeiro ou seja falso, é verdadeiro ou falso; terceiro excluído.
Decisões semânticas como essa enfrentam algum tipo de trade-off . Para conservar a
paridade entre as expressões denotativas que denotam e as que não denotam, Meinong
postula, quando necessário, objetos simultaneamente existentes e não-subsistentes como
sujeitos lógicos. O custo dessa opção é não apena s uma ontologia um pouco inflacionada,
40
mas a patente infração do princípio do terceiro excluído. Por exemplo, Meinong defenderia
que “o rei da França existente existe e não existe; que o quadrado redondo é redondo e
também não é redondo. Mas isso é intolerável.”
2, p. 482–3
Pela mesma causa, Frege estipula,
quando necessário, que o conjunto vazio seja a denotaçã o de toda e qualquer expressão
denotativa vazia.
2, p. 484
O custo dessa opção é implicar, por exemplo, que (44) seja não
somente verdadeira, mas tautológica.
(44) a. O rei da França é o quadrado redondo.
b. =
Por seu turno, Russell recusa que o assunto de uma proposição possa não existir, mas
defende que proposições descritivas não têm um assunto, isto é, não têm um sujeito lógico.
A fim de conservar o princípio de paridade, abandona sua antiga distinção, inspirada
em Frege, entre denotação e conceito denotativo e submete toda e qualquer expressão
denotativa a um tratamento quantificacional. O preço a ser pago, se é mesmo um preço,
é a consequência de que sejam consideradas falsas aquelas proposições expressas pelo
proferimento de frases cujas descrições definidas (i) nenhum objeto satisfaça e (ii) tenham
precedência lógica sobre um possível operador que, se presente, tornaria a proposição
verdadeira.
2, p. 490
1.3.2 A tese positiva fundamental
Acrescida ao princípio da nova teoria do denotar, Russell sugere uma regra de tradução
de frases que, por meio do emprego de quantificadores, visa expor a natureza de símbolo
incompleto das descrições definidas, a inexistência de uma contribuição sua à proposição
expressa. Visa expor, portanto, a independência de objeto de propo sições descritivas.
Por conseguinte, o interesse dessa regra de tradução é elucidar o que está envolvido na
compreensão de descrições. Por meio da aná lise a cabada de frases como
(45) O atual rei da França é calvo.
41
obtém-se uma outra frase que lhe é logicamente equivalente, mas com condições de verdade
explícitas. No caso em tela, a análise de (45) é
(46) um x, tal que x é rei da França e para todo y, se y é rei da França, então y é
idêntico a x, e x é calvo.
ou, de modo resumido,
(47) um único x que é rei da França e é calvo.
Como dito anteriormente, página 31, uma regra de tradução não é um argumento
em favor da teoria das descrições, seja a versão oficial, sejam suas possíveis alternativas.
Observa Coffa, “seria inútil se ocupar em [fornecer uma regra para traduzir todas as frases
que contêm uma expressão], caso não se tivesse alguma razão prévia para achar que o
símbolo sob exame fosse incompleto.”
7, p. 111
Observa o mesmo autor, trata-se de manter
distintas tarefas distintas: (i) identificar quais expressões são incompletas, (ii) propor
uma semântica que explique como podem ter condições de verdade frases em que ocorrem
essas expressões e (iii) fornecer uma regra de tradução que explicite isso. Como visto, à
tarefa (i) servem o critério de Russell e a tese negativa fundamental. A tarefa (ii) fica a
cargo da tese positiva, que esclarece como a tese negativa é possível, mostrando em que
consistem as propo sições descritivas.
9, p. 113
A última tarefa (iii) pode ser levada a cabo de
diversas maneiras. Ora, outras regras de tradução são autorizadas, conquanto conservem
a tese positiva fundamental. Qualquer regra de tradução deve se conformar, portanto, à
semântica quantificacional das descrições definidas.
Tese positi va fundamental “a descrição é uma quantificação.”
9, p. 115
Premissa central da teoria das descrições, a tese positiva fundamental diz que, entre as
proposições atômicas que compõem as condições de verdade de frases descritivas, como,
por exemplo, entre as condições de verdade de (45), ocorre, ao menos, a seguinte conjunção
de três condições, a saber
8, p. 21
42
(48) a. Existe ao menos um F , e
b. Existe no máximo um F , e
c. Tudo que é F é G.
Essa é a razão para Russell introduzir, como primeira observação acerca de descrições
definidas em ‘Sobre o denotar’ e presente algo despistado na abreviação (47), a condição
de correção para o emprego de artigos definidos: a unicidade.
Ora, o, quando usado de maneira estrita, envolve unicidade.
[. . .]
Assim, quando dizemos x era o pai de Carlos II,” não apenas afirmamos
que x tinha uma certa relação com Carlos II, mas também que nada mais
tinha essa relação.
2, p. 481–2
Pode-se dizer que a teoria das descrições, por meio da explicitação da conjunção
de condições de verdade (48a–48c), mostra que uma frase em que ocorre uma descrição
definida equivale a uma em que ocorre um descrição indefinida, acrescida, porém, de uma
condição de unicidade.
3, p. 950
Entender essa derivação é um passo crucial para se adotar
a tese de que descrever é quantificar.
A demonstração dessa tese requer, contudo, um desvio, tão breve quanto possível,
pela teoria formal plenamente desenvolvida nos Principia mathematica. Esse desvio pode
ser extremamente esclarecedor, pois, além de fazer recurso à poderosa regra de tradução
formal de Russell e Whitehead, opera como que uma inversão da ordem de apresentação
da teoria das descrições: (i) da linguagem natural, partimos da presença de descrições de-
finidas e, por meio da análise lógica, chegamos a proposições quantificadas, que elucidam
a independência de objeto de descrições definidas; (ii) do sistema formal, inversamente,
partimos da presença de teoremas quantificados, em que a independência de o bjeto é
inequívoca, e criamos descrições definidas. Na linguagem natural, descrições definidas
não explicam a semântica de frases com a organização sintática det φ’. Nos Principia
mathematica, descrições definidas, não tendo exatamente uma função semântica, são ape-
nas ferramentas para simplificar a condução de provas. Servem, portanto, a um papel
tão-somente pragmático, o de serem dispositivos de abreviação.
43
Canonicamente, portanto, e utilizando a notação contemporânea, o ponto de partida
é introduzir um operador que capture a condição de correção do emprego de descrições.
O iota invertido,
ι
’, se liga a uma função proposicional, F (x)’, para co mpor a seguinte
fórmula, que se ‘o x que satisfaz F (x)’.
14, p. 31
(49) (
ι
x)(F x)
O exemplo (49) não é outra coisa que uma descrição definida segundo o formalismo.
14, p. 181
A partir dessa expressão, constroem-se proposições pelo emprego de outras funções
proposicionais, por exemplo, G(x)’.
(50) G(
ι
x)(F x)
A utilidade de tais construções, pela própria natureza de sua criação e não importando
onde são empregadas, é poderem ser contextualmente definidas, isto é, eliminadas, de
modo a “desempacotar” a proposição correspondente, aquela que mais detalhadamente
estampa suas relações inferenciais com demais as proposições. Ao se alçarem, por exemplo,
proposições longas que contenham como parte uma proposição relativamente mais simples
como
(51) (x)(F x (y)(F y y = x) Gx)
pode ser conveniente abreviar, conservando a integridade de seu conteúdo, a proposição
longa. Para tanto, basta a introdução arbitrária de uma definição que governe essas
transformações de mão-dupla. Ignorando, por ora, os dispositivos de demarcação de
escopo de operadores de quantificação, é exatamente isso que realiza a proposição *14.01
dos Principia mathematica, a proposição que define descrições definidas. Na sua versão
formal, eis a teoria das descrições em toda sua elegância.
G(
ι
x)(F x) =
df
(x)(F x (y)(F y y = x) Gx) (*14.01)
É fácil agora entender p o r que uma frase em que ocorre uma descrição definida equivale
a uma em que ocorre um descrição indefinida, acrescida, porém, de uma condição de
44
unicidade. Se a partir das condições de verdade de (52a), em que ocorre uma descrição
indefinida
(52) a. Um rei da França é calvo.
b. (x)(F x Gx)
acrescenta-se (y)(F y y = x) por meio do conectivo lógico ’, têm-se as condições de
verdade que mais adequadamente se atribuem a uma frase em que ocorre uma descrição
definida.
(45) a. O atual rei da França é calvo.
b. (x)(F x (y)(F y y = x) Gx)
Acrescidas tão-somente de uma condição de unicidade ao se derivarem de descrições
indefinidas, frases em que ocorrem descriçõ es definidas como sujeitos gramaticais herdam
a natureza quantificada daquelas. Ora, essa derivação ilustra, portanto, a unificação da
classe das expressões denotativas. Supondo não ser problemática a independência de
objeto de descrições indefinidas, fica ao menos mais acessível reconhecer a independência
de objeto legada para as definidas. Por fim, descrever é quantificar.
Como tenho insistido, não se trata de um argumento em favor da teoria. O emprego
do formalismo visa elucidar o que falantes apreendem ao compreenderem essas frases.
Assim, pode ser dito que, se descrições definidas são dispositivos de abreviação em uma
linguagem cuja estrutura pretende refletir a estrutura do pensamento, talvez seja possível,
na linguagem natural, entender as descrições definidas como dispositivos que igualmente
facilitam as coisas. Por exemplo, não é necessária a tagarelice de (46), quando nos basta
(45) para expressar o mesmo pensamento de que o atual rei da França é calvo. Em suma,
uma regra de tradução que capture, qual *14.01, o cerne da teoria das descrições é uma
regra que serve a dois propósitos. No formalismo, a regra introduz descrições definidas.
Na linguagem natural, “possibilita uma redução de todas as proposições em que ocorrem
expressões denotativas para formas em que tais expressões não ocorrem.”
2, p. 482
45
Contudo, a expressão dessa análise em uma notação de acordo com o formalismo dos
Principia mathematica não é essencial à teoria das descrições,
8, p. 46
apesar de todo seu
rigor ao evitar ambiguidades de escopo de operadores verifuncionais, como a negação, ou
modais em relação aos quantificadores.
8, p. 33
Por exemplo, Neale sugere uma maneira
interessante de se a presentar a análise de descrições por meio de quantificadores binários
restritos.
8, p. 39
Ou seja, apresentar a teoria das descrições atravé s dos quantificadores
unários de Frege não é essencial à teoria. Não se trata de uma alternativa à teoria, é a
mesma teoria. Neale sugere a seguinte notação:
(53) [det x : φx] ψx
Não se vale, portando, da regra russelliana que analisa ‘o F é G por meio de (45), mas
outrossim por
(54) [o x : F x](Gx)
sendo ‘o’ o artigo definido no masculino singular. A elucidação propo rcionada por (54)
em nada diferencia da proporcionada por (45), apesar da aparente circularidade advinda
da presença do artigo ‘o’ na fórmula. A elucidação é a mesma, afinal, como mencionado
acima, o essencial para o entendimento de ‘o’ é a apreensão da conjunção (48a–48c).
(55) [o x : F x](Gx) é verdadeiro sse existe ao menos um F , e existe no máximo um
F , e tudo que é F é G.
Não sendo a regra de tradução sugerida por Russell obrigatória, a utilidade da pro-
posta de Neale está em mais facilmente assimilar a teoria das descrições a uma semântica
que pretenda abranger oco rrências mais complexas de descrições na linguagem natural,
para além daqueles contextos propos icionais em que ocorre somente como sujeito grama-
tical de frases de forma sujeito-predicado. Apesar de não me preocupar neste momento
com essa extensão, indico a qui a proposta notacional de Neale porque nos ajuda a fixar o
que, de fato, é importante apreciar na teoria das descrições.
46
Como mencionado anteriormente, às vezes se sugere que a teoria das
descrições é muito incômoda e de difícil manejo para merecer um luga r
numa semântica composicional séria. Tal acusação coloca um excesso
de peso no formalismo particular aos Principia mathematica, mas não o
bastante nas sacadas [ insig hts] semânticas por trás da teoria ela mesma.
8, p. 44
A apresentação da teoria das descrições em ‘Sobre o denotar’ é breve e, para o s
propósitos da dissertação, está pronta. O que seg ue são os argumentos que, se bons,
conferem à teoria seu direito de cidadania na dita semântica composicional séria.
1.3.3 O paradoxo da substituição
Russell reconhece aos paradoxos lógicos uma função crucial.
Uma teoria lógica p ode ser testada por meio de sua capacidade de lidar
com enigmas, e, ao pensar sobre lógica, um plano saudável é estocar a
mente com o máximo possível de enigmas, uma vez que esses servem
ao mesmo propósito lógica] a que servem os experimentos na física.
2, p. 484–5
O propósito a que servem experimentos e enigmas é a confirmação de teorias, por
meio da confirmação de suas previsões. Desse modo, enigmas devem ser independentes
de teorias, se a capacidade de explicá-los é parte da mo tivação para se aceitar a teoria
que os invoca. Assim, como indícios em favor da teoria das descrições, Russell fornece
paradoxos lógicos contra os quais sua teoria deve ser testada. Passo agora à exposição
sucinta do primeiro paradoxo, da identidade do autor, a primeira provação da teoria das
descrições.
2, p. 485
O enigma pressupõe o
Princípio de substituibilidade A substituição entre termos correferenciais não altera
o valor de verdade de frases em que figuram esses termos.
A substituição de expressões de mesma contribuição semântica não modifica a pro-
posição expressa pela frase em que tais expressões figuram. Por isso, essa substituição é
dita salva veritate. Suponha que a descrição definida ‘o autor de Memórias póstumas de
Brás Cubas fosse uma expressão referencial e, além disso, correferencial em relação ao
47
nome próprio ‘Machado de Assis’. Se as sim fosse, seria possível inferir (58) conforme o
princípio.
(56) Machado de Assis era carioca.
(57) Machado de Assis = autor de Memórias póstumas de Brás Cubas.
(58) O autor de Memórias póstumas de Brás Cubas era carioca.
Afinal, bastaria apreender (56–57) para que a inferência (58) estivesse justificada, do
ponto de vista da normatividade da compreensão dessas frases.
Robusto, se o princípio de substituibilidade governasse essa inferência, então gover-
naria inferência semelhante a partir de quaisquer frases em que ‘Machado de Assis’ fosse
substituível por ‘o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas’. No entanto, uma enigma
se delinearia tão logo fosse dito que
(59) Lula deseja saber se Machado de Assis é o autor de Memórias póstumas de Brás
Cubas.
(57) Machado de Assis = autor de Memórias póstumas de Brás Cubas.
(60) Lula deseja saber se Machado de Assis é Machado de Assis.
Parece falsa a conclusão (60) dessa inferência, que, em tudo o mais, é válida. Ora, um
interesse pela lei da identidade dificilmente pode ser atribuída ao Presidente da República.
Uma análise deve se adequar ao fato de ser p oss ível apreender as co ndições de satisfação
de descrições sem saber o que satisfaz essas condições. Questionar o valor de verdade da
premissa (57) parece ser a alternativa viável a dispensar o princípio de substituibilidade;
parece também ser alternativa à distinção freguiana entre sentido e significado, de cuja
exclusão Russell se justifica com o argumento da elegia de Gray.
2, p. 485-8
Como vimos,
de acordo com o princípio da teoria das descrições, uma “expressão denotativa é essenci-
almente parte de uma frase e não tem qualquer significado por si mesma, como a maioria
das palavras singulares.”
2, p. 488
A consequência desse princípio para a presente discussão
é que a proposição expressa po r (57) não é exatamente aquela que se assemelha à sua
48
Cálculo
proposicional de predicados
p ¬p (F )(x)(F x ¬F x)
Tabela 1.3: Princípio do terceiro excluído
forma gramatical. A forma canônica de (57), em que ocorre uma descrição definida, não
é, portanto,
(61) a = b
mas, elucidada pela regra de tradução da teoria das descrições,
(57
) (x)(F x (y)(F y y = x) x = a)
Por conseguinte, uma análise mais apropriada de (59) é
(59
) Lula deseja saber se (x)(F x (y)(F y y = x) x = a).
O princípio de substituibilidade é assim conservado. Simplesmente não governa essas
inferências, pois ‘Machado de Assis’ e ‘o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas
não são termos correferenciais. Não que indivíduos distintos a eles correspondessem, mas
que a descrição definida ‘o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas é uma expressão
quantificada, não é referencial.
1.3.4 O paradoxo do terceiro excluído
Consideremos o princípio do terceiro excluído, segundo o qual é verdadeira a disjunção en-
tre uma proposição e a negação dessa proposição. Ilustrado pela tabela 1.3, esse princípio
reconhece a bivalência das proposições: uma proposição p ou é verdadeira ou é falsa, não
uma terceira alternativa. Consideremos, a go ra, o seguinte par de fras es supostamente
contraditórias:
49
(45) O atual rei da França é calvo.
(62) O atual rei da França não é calvo.
Se a descrição definida ‘o atual rei da França’ fosse uma expressão referencial, então
ou (45) ou (62) expressaria uma proposição verdadeira, tertium non datur. Ora, em uma
situação, como a de hoje, em que não um rei da França , um paradoxo imediatamente
se delinearia, ao se tentar determinar o valor de verdade de cada uma das frases. Graceja
Russell,
[. . .] se enumerássemos as coisas que são calvas e, depois, as coisas que
não são calvas, não encontraríamos o atual rei da França em nenhuma
das listas. Hegelianos, que adoram uma síntese, possivelmente concluirão
que ele usa uma peruca.
2, p. 485
O segundo enigma contesta que descrições definidas sejam expressões referenciais, ao
evidenciar que essa posição transgride o princípio do terceiro excluído. O tratamento
quantificacional da teoria das descrições a (45, 62), em oposição, conserva o princípio.
Retomemos a análise de (45).
(52b) (x)(F x (y)(F y y = x) Gx)
A teoria das descrições permite a introdução da noção de escopo de o perador e a
distinção entre escopos primário e secundário entre operadores, como a negaçã o e o quan-
tificador existencial, na análise de frases em que figuram descrições. Considerando que
um tracejado superior tão-somente realça o escopo de um operador, a análise de (62) com
negação de escopo primário é a seguinte:
(63) a. Não é o caso que

o atual rei da França é calvo.
b. ¬(

x)(F x (y)(F y y = x) Gx)
e aquela em que é secundário:
(64) a. O atual rei da França não

é calvo.
b. (x)(F x (y)(F y y = x) ¬

Gx )
50
Dessa forma, duas maneiras, ambas corretas, de se conceber o que é exatamente
contraditório entre os termos da disjunção (45) ou (62). Se a compreensão de (62) envolver
a apreensão do operador de negação com escopo primário sobre o quantificador existencial,
então a compreensão da disjunção pode ser assim elucidada:
(65) a. p ¬p
b. ((x)(F x (y)(F y y = x) Gx)) ¬((x)(Fx (y)(F y y = x) Gx))
De acordo com essa interpretação, a disjunção é, tal como o princípio, uma tautologia.
Mas se a compreensão de (62) envolver a apreensão do quantificador existencial com
escopo abrangendo a negação, a disjunção propriamente dita é melhor representada como
um dos termos de uma conjunção que a abrange.
(66) a. (x)(F x (y)(F y y = x) (q ¬q)
b. (x)(F x (y)(F y y = x) (Gx ¬Gx)
Nesse caso, tanto (45), quanto (62) são falsas, mas de maneira alguma em virtude da dis-
junção (Gx ¬Gx)’, que, também tautológica , é sempre verdadeira, mas porque nenhum
valor de ‘x’ no domínio de quantificação de (x) satisfaz (66).
Em suma, a teoria das descrições desfaz o paradoxo, e, por conseguinte, o princípio
do terceiro excluído não é violado. Entre conservar uma lei robusta da lógica e considerar
descrições definidas como constantes individuais do cálculo de predicados, a esco lha não
parece difícil.
1.3.5 O paradoxo da negação existencial
O paradoxo da negação existencial interessa à presente dissertação não somente por ser
mais um argumento em favor da teoria das descrições, mas por exemplificar de modo
explícito a independência de o bjeto de descriçõ es definidas, tema do capítulo. Mas, como
observa de Rouilhan, a apresentação desse enigma em ‘Sobre o denotar’ não tem o mesmo
frescor daqueles paradoxos que, como os dois anteriores, fazem sentido independente do
51
vocabulário técnico e dos debates filosóficos em que são invocados; no caso de Russell,
da possibilidade de dispensar a distinção de Descartes e Meinong entre existência e sub-
sistência de objetos.
9, p. 85
Portanto, ao invés da exposição de Russell, apresentarei uma
semelhante a de Quine.
24, p. 1
Em desavenças ontológicas, não raro desejamos negar que algumas coisas existem.
Nessa discórdia, porém, o oponente, com ares de que precisa de esclarecimentos, pode
facilmente dificultar essa posição:
(67) a. O monstro do Lago Ness não existe.
b. Sobre o quê discordamos mesmo? O que não existe?
c. Ora, o monstro do Lago Ness . . .
A meno s que uma certa teoria semântica não estivesse anteriormente disponível, responder
a (67b) com (67c) seria a mais patente contradição. Afinal, “como pode uma não-entidade
ser o assunto de uma proposição?”
2, p. 485
Ora, a própria formulação da negativa exis-
tencial parece pressupor a afirmativa existencial correspondente: pressupõe-se um objeto
e desse objeto se diz que não existe. Nesse debate desconfortável, é necessário postular
o objeto de que se espera ser o responsável por verificar a frase que nega sua existência
mesma. Suspendendo temporariamente a teoria das descrições, seria como se, em uma
tentativa de elucidação de (67a), a essa frase procurássemos atribuir as seguintes condições
de verdade
(68) ¬(x)(x = a)
sendo imediatamente forçados, ainda que com relutância, a justificar, por meio de um
axioma adicional, o que a constante a faz exatamente nessa fórmula.
(69) Ref (‘a’) = b
b? O monstro? Qual mostro? Aquele que não existe? Salta aos olhos que algo está
errado. As premissas são opiniões recebidas, aparentemente estáveis, mas, nessa situação
52
paradoxal, são reduzidas ao absurdo.
(70) (x)(x = a) ¬(x)(x = a)
(71) p ¬p
A situação se revela ainda pior, ao levarmos em conta que, como observa Quine, se “esse
raciocínio fosse bom [sound], seria como se, em qualquer disputa ontológica, o defensor
do lado da negativa tivesse a desvantagem de não ser capaz de admitir que seu oponente
discorda dele.”
24, p. 1
Ou seja, a própria formulação da posição a ser contestada seria
consentir mais do que se desejaria.
(72) Meu oponente defende que (x)(x = a)
a? b? O desconforto é grave, e a própria estratégia de insistir nessa análise parece
mal concebida. Creio que o melhor é abandonar a análise atual e buscar outra em que o
compromisso ontológico seja menos comprometedor.
24, p. 8
Negativas existenciais seriam autocontraditórias, se descrições definidas fossem expres-
es referenciais. Se descrições definidas são expressões quantificadas, negativas existenci-
ais não são autocontraditórias. Vejamos por quê. De acordo com a teoria da s descrições,
afirmativas existenciais tão-somente expressam proposições gerais.
2, p. 490
Proposições
expressas por afirmativas e negativas existenciais
(73) O mostro do Lago Ness existe.
(67a) O mostro do Lago Ness não existe.
são propriamente elucidadas por condições de verdade de forma
14, *14.02
(73
) (x)(y)(F y y = x)
(67a
) ¬(x)(y)(F y y = x)
em que somente oc orrem variáveis ligadas a quantificadores. Podem ser verdadeiras ou
falsas, a depender de algum objeto no domínio de quantificação satisfazer ou não satisfazer
53
essas condições. É importante observar que não somente (67a
), mas ambas proposições
são constituídas de tal forma que suas partes em nada dependem da disponibilidade de
um tal objeto. De um possível objeto somente se tira seu valor de verdade. Se, por
ventura, um objeto b satisfizer (73
), a frase é verdadeira; se não, falsa. A análise da
teoria das descrições captura, portanto, o fato de que afirmativas e, por conseguinte,
negativas existenciais são independentes de objeto, propriedade que compartilham com as
demais proposições descritivas.
Para alívio de seus opositores, a opção de Russell e Quine não é obrigatória. Ora, é
perfeitamente possível se imunizar contra o para doxo da negação existencial e continuar
a ac reditar que descrições definidas se referem a, denotam ou representam coisas. Basta
nunca mais negar a existência de objetos.
54
2 Dependência de objeto
cr.
É possível a alguém que não conheça nem Teeteto nem crates
apreender no pensamento que
o crates é Teeteto ou o Teeteto, crates?
Teet.
Claro que não! Como isso seria possível?
Teeteto, Platão
2.1 Conhecimento
A redução de descrições definidas, imperativa de um ponto de vista lógico e semântico,
corresponde tão-somente à necessidade de explicar um traço distintivo do pensamento:
a possibilidade de pensarmos acerca do que não conhecemos. A abertura de ‘Sobre o
denotar’ exprime o que motiva a teoria das descrições como uma teoria da compreensão .
O encerramento indica seu poder explicativo, enquanto tese da intencionalidade.
O tópico sobre o denotar é extremamente importante, não apenas em
lógica e matemática, mas também na teoria do conh ecimento. Por exem-
plo, sabemos que o centro de massa do sistema solar em um determinado
instante é um certo ponto e podem os afirmar várias proposições acerca
dele; mas não temos conhecimento direto e imediato desse p o nto, que é
conhecido por nós somente por descrição. [. . .] Acontece com frequência
que saiba mos que uma expressão denotativa denota inequivocamente,
apesar d e não termos conhecimento direto daquilo que ela denota; isso
ocorre acima, no caso do centro de ma ssa.
2, p. 479
55
Um resultado interessante da teoria sobre o denotar [exposta] anterior-
mente é este: quando houver qualquer coisa de que não temos conhe-
cimento direto e imediato [immediate acquaintance], mas apenas [uma]
definição segundo expressões denotativas, então a proposição em que
essa coisa é introduzida por meio de uma expressão denotativa não con-
tém, de fato, essa coisa como um componente, mas contém, ao invés,
os componentes expressos pelas várias palavras da expressão denotativa.
2, p. 492
Nessas passagens, que abrem e encerram a apresentação da teoria das descrições, há,
no mínimo, três momentos argumentativos a ponderar. Em primeiro lugar, um ponto de
partida, a suposição prévia de sujeitos serem capazes de pensar acerca de objetos que
não co nhecem, como, por exemplo, o fato de terem crenças verdadeiras ou fals as supo sta-
mente acerca de tais objetos. Em segundo lugar, é reconhecido que essa habilidade tem
sua contraparte na linguagem natural, mais especificamente, que isso por vezes ocorre
com expressões denotativas. Por fim, Russell invoca sua teoria das descrições como ex-
plicação dessa habilidade na linguagem natural, ou seja, como explicação para o fato de
que podemos empregar e entender uma expressão denotativa sem que necessariamente
conheçamos o objeto que, se algum, a satisfaz. Mais exemplos ajudam a identificar essa
habilidade e motivam sua aceitação.
(74) “Sei que o candidato que ganhar mais votos será eleito, mas não sei quem é o
candidato que será mais votado.”
25, p. 108
(75) O primeiro ministro da fazenda do Império, um velhinho astuto, era também
filósofo.
(76) A indústria madeireira é especialmente predatória no território delimitado por
longitude oeste, latitude norte (70
12’, 05
20’) e longitude oeste, latitude sul,
(65
43’, 26
39’) e (35
45’, 04
51’).
(77) A pata traseira direita do galgo italiano de L’Avventura é ligeiramente maior do
que a esquerda.
Proferimentos de (74–77) expressam proposições verdadeiras ou falsas, que, repetindo,
podemos considerar, ter dúvidas a seu respeito, nelas acreditar, duvidar delas, sabê-las,
56
achá-las improváveis ou mesmo suspender o juízo sobre elas. Têm em comum a proprie-
dade de serem acessíveis a falantes do português, ainda que, imagino, seu valor de verdade
seja, em geral, ignorado. Compartilham também de descrições definidas, cuja denotação
é provavelmente desconhecida, ao menos do ponto de vista desses falantes. Contudo, a
compreensão dessas frases não é incompatível com possíveis dúvidas remanescentes que
versem sobre a denotação das expressões. Quem foi o primeiro ministro do Império? De
que galgo exatamente se diz que é coxo? Por exemplo, a ignorância acerca do território
de que se está falando, se é que aquelas coordenadas de fato delimitem uma região, não
impede que alguém se irrite com o que (76) diz. Mas o que exatamente é problemático
em ser possível pensar acerca do que não se conhece? Ou melhor, por que o reconheci-
mento dessa habilidade e seu reflexo na linguagem motiva o desenvolvimento de um novo
tratamento semântico para expressões denotativas? Talvez nada de especialmente grave
decorreria dessa constatação, não pretendesse a semântica de Russell se conformar a duas
exigências de adequação.
A primeira, que Coffa denominou ‘monismo semântico’, talvez nada mais seja que o
ponto de partida natural de teorias semânticas realistas.
Monismo semânt ico “devemos associar não mais do que uma entidade semântica a cada
unidade gramatical e que todas essas entidades vêm basicamente do mesmo lugar,
o mundo.”
7, p. 79
Rigorosamente, é compatível com a teoria das descrições. Não seria, caso implicasse
que “toda palavra que ocorre em uma frase deve ter algum significado.”
6, §46
Limita o
máximo, nada diz do mínimo. Contrapõe-se, portanto, ao dualismo semântico, àquelas
teorias que associam a cada termo dois elementos.
7, p. 79–80
Por exemplo, o monismo
semântico se opõe não à distinção de Frege entre sentido e significado, mas também
à antiga doutrina russelliana da denotação, que atribuía a cada expressão denotativa um
objeto e um conceito responsável por assinalar essa denotação.
A segunda exigência de adequação, denominada ‘intencionalidade restrita’ [confined
57
aboutness], Russell esperava ser uma consequência de sua semântica.
Intencionalidade restrita “a fim de que uma proposição fosse a respeito de uma enti-
dade particular, a entidade ela mesma teria de ser um componente da proposição.”
7, p.103
Por exemplo, Russell a endossa explicitamente na corresp ondência com Frege acerca do
Mont Blanc, cujo trecho inicial foi citado na página 21.
Apesar de toda sua neve, acredito que o Mont Blanc ele mesmo é um
componente, estritamente falando , do que é afirmado por meio da frase
‘Mont Blanc tem mais de 4000 metros de altura’. Não afirmamos o
pensamento, pois isso é uma questão psicológica e privada: afirmamos
o objeto do pensamento, e, na minha opinião, isso é um certo complexo
(uma proposição objetiva, pode-se dizer) em que Mont Blanc é ele mesmo
uma parte componente. Se não admitirmos isso, então temos de concluir
que não sabemos absolutamente nada acerca do Mont Blanc.
3, p. 986
Tal como qualquer outra teoria incipiente do significado, Russell desejava adequar sua
semântica a essa direção de ajuste, que restringe o tópico de uma frase às entidades que
compõem o significado dessa frase. Contudo, de convivência relativamente pacífica no
que diz respeito a expressões referenciais, uma tensão é criada entre essas duas exigên-
cias, tão logo se reconheça que, algumas vezes, compreendemos perfeitamente frases que
dizem ou parecem dizer respeito a um objeto que, todavia, não conhecemos. Situação
crítica seria aquela do matemático, sensível a problemas semânticos e com capacidades
cognitivas finitas, que se debruçasse sobre provas acerca de números infinitos e transfini-
tos. Talvez sentisse algum incômodo em reconhecer que, para compreender tais provas,
fosse necessário estar em contato com números infinitos e transfinitos, uma vez que, su-
postamente, esses seriam os componentes das proposições apreendidas naquele exercício.
7, p. 103
O incômodo de Russ ell, quero dizer, desse matemático fictício, possuidor de sensi-
bilidade semântica e finitude cognitiva, não estaria em aceitar alguma forma de intuição
intelectual, responsável por colocá-lo em contato com as mais diversas entidades abstra-
tas. Seu incômodo estaria, mais precisamente, em pretender compreender frases acerca
de objetos cuja existência mesma é problemática. Afinal, é possível que os termos da
58
identidade HC—que, diga-se de passagem, o presente mestrando ignora em absoluto o
que queira dizer, para além de acreditar ser aquilo que matemáticos denominam ‘hipótese
do contínuo’—possam a nada corresponder.
2
0
=
1
(HC)
Mesmo naqueles casos menos críticos exemplificados pelos proferimentos de (74–77),
algo de suspeito em afirmar, ao mesmo tempo, que (i) não conheço a, (ii) apreendo p e
(iii) a é componente de p. Casos como esses, em que se supõe que um objeto não possa
ser componente da proposição apreendida, apesar de a frase continuar a ser, em última
instância, a seu respeito, motivam a introdução de algum substituto na proposição cuja
semântica seja “altruísta,” um substituto que seja a respeito de outra coisa.
7, p. 104
A vida
curta dos conceitos denotativos, descobertos no §56 dos Princípios, mas tão logo elimi-
nados em ‘Sobre o denotar’, com o argumento da Elegia de Gray, dando lugar à análise
quantificacional das descrições definidas, é a breve história da suspensão da intenciona-
lidade restrita e do flerte de Russell co m o dualismo semântico. O ponto de chegada de
‘Sobre o denotar’ anuncia uma consequência da teoria das descrições como solução dessa
dificuldade, a adoção de uma semântica extensional de intencionalidade restrita.
Para entendermos não somente a importância da teoria das descrições para as fras es
descritivas, proposições gerais e independentes de objeto, mas também para começarmos
a delinear o contraste com aqueles casos aos quais a explicação fornecida pela teoria das
descrições não se aplica, é necessário a tentar para um elemento crucial da discussão, que,
somente de passagem, foi mencionado no capítulo anterior. Perpassam pela presente dis-
cussão aquelas condições epistemológicas da compreensão que trazem à luz esse problema.
“Não temos conhecimento direto e imediato desse ponto, que é conhecido por nós somente
por descrição.”
2, p. 479
A distinção entre conhecimento direto e conhecimento a respeito de é a
distinção entre as coisas d e que temos apresentação e aquelas que somente
alcançamos por meio de expressões denotativas.
2, p. 479
Conhecimento direto e conhecimento por descrição, aparentemente modalidades dis-
59
tintas e irredutíveis de se conhecerem objetos, s ão o lado que ainda falta expor da relação
triangular que constitui o alicerce da filosofia do pensamento de Russell, a relação entre
significado, compreensão e conhecimento. Anterior mesma à formulação da teo ria das
descrições, não apenas cronológica ou textual, mas sobretudo logicamente, essa distinção
decorre, por sua vez, de um princípio que regula sua aplicação e aponta o sentido que ori-
enta a semântica de Russell. Trata-se do renomado e combatido princípio do conhecimento
direto, a e xigência de apreensão direta e imediata de todos os elementos proposicionais,
como condição necessária para a compreensão de uma frase.
Princípio do conhecimento direto “Assim, em toda proposição que podemos apreen-
der (isto é, não somente naquelas de cuja verdade o u falsidade podemos ajuizar, mas
em todas a respeito das quais podemos pensar), todos o s componentes são entidades
de que temos conhecimento direto e imediato.”
2, p. 492
(s)(x)(p)(sEp x Cp) sRx (PCD)
Vega-Encabo sugere essa formalização do princípio, que se ‘para todo s, para todo
x, para todo p, se tanto s entende que p, quanto x é membro da classe C dos componentes
de p, então s está em relação cognitiva R com x’.
26, §4
A direção da ordem de explicação
entre pensamento e linguagem talvez recomendasse a observação segundo a qual sujeitos
não compreendem propriamente proposições, mas frases. Rigorosamente, se um sujeito
s compreende uma frase f e f diz que p, então s apreende p. Mas essa fórmula—e
essa é a razão de a incluir imediatamente após a formulação de Russell—tem o mérito,
entre outros, de deixar claro que conhecimento direto não é uma condição suficiente para
a compreensão. Conhecimento direto é uma condição necessária, é o consequente da
condicional.
O princípio do conhecimento direto reconhece, como condição necessária para a co m-
preensão do proferimento de uma frase, que o sujeito tenha conhecimento direto dos com-
ponentes da proposição expressa por esse proferimento. Por sua vez, ter conhecimento
60
direto desses compo nentes equivale a lograr uma certa relação entre esses e um pensador.
Não deve ser menosprezada a ênfase de Russell no termo ‘relaçã o’. Se lograr tal relação
R entre um sujeito s e um objeto x, então s tem conhecimento direto A de x.
26, §4
Conhecimento direto “Digo que tenho conhecimento direto de um objeto quando tenho
uma relação cognitiva direta com esse objeto. [. . .] Quando falo aqui de uma relação
cognitiva, não quero dizer o tipo de relação que constitui um juízo, mas o tipo
que constitui apresentação. [. . .] A expressão conhecimento direto é cunhada para
enfatizar [. . .] o caráter relacional do fato de que nos ocupamos.”
25, p. 108
(s)(x)(R) sR(x
1
. . . x
n
) (sAx
1
. . . sAx
n
) (C. Dir.)
Não se trata, obviamente, de qualquer relação, mas de uma relação cognitiva e, além disso,
direta, imediata e não-proposicional. Essa caracterização está ausente, ao menos em um
primeiro momento, da fo rmulação de o que se entende por ‘conhecimento p o r descrição’.
O ponto é esclarecido por Faria.
Um modo de cognição é puramente receptivo quando uma afecção é
condição necessária e suficiente de sua atualização. A idei a está para a
de um modo de cognição cuja atualização requeresse (ao menos como
condição necessária) o exercício de certas capacidades ativas. [. . .] Da
combinação dessas duas características emerge [um aspecto importante]
do conhecimento direto russelliano: seu caráter não-conceitual. Conhecer
diretamente um objeto a não é pensar em a tal como um x tal que x é
F , muito menos julgar que a é F . Conhecer diretamente a é ser o sujeito
de uma afecção cuja cond ição necessária e suficiente é o contato com a.
20, §9–10
O que de não-proposicional ou não-c onceitual no conhecimento direto é tão-somente
que um sujeito s se coloque em relação cognitiva R com x, porém não em virtude de
saber que p, nem de achar ou suspeitar que q. Não é, portanto, por assumir atitudes
proposicionais a dicionais que, supostamente prévias na ordem de explicação, de alguma
forma o habilitassem a conhecer x ou mesmo justificassem esse conhecimento, se é que
uma exigência de justificativa sequer faça sentido nesse contexto. Tampouco se deve a
uma suposta “ideia” presente no sujeito “que pudesse ser chamada de o estado [mental] de
conhecer o objeto. [. . .] Pelo contrário, defendo que conhecimento direto é integralmente
61
uma relação.”
25, p. 119
É claro que ter conhecimento direto de x é perfeitamente compatível
com ter crenças com conteúdo proposicional acerca de x. Ora, é exatamente isso que o
princípio pretende autorizar. A dificuldade, mas também a utilidade do conhecimento
direto, novamente com Faria, é que “esse é um conceito primitivo, que é possível elucidar,
mas não definir.”
25, §7
O princípio que Russell estava enunciando era, entre outras coisas, uma
tese sobre a natureza da intencionalidade. De acordo com essa tese, a in-
tencionalidade proposicional—a espécie de intencionalidade que atribuí-
mos a criaturas a que atribuímos atitudes proposicionais—é uma forma
derivada de intencionalidade. Ela pressupõe [. . .] a forma primitiva de
intencionalidade que Russ ell chamava ‘conhecimento di reto’.
20, §6
Em aparente antítese, c onhecimento de um objeto por descrição não pressupõe essa
relação entre um pensador e esse objeto.
Conhecimento por descrição “um objeto é “conhecido por descrição” quando sabemos
que ele é o tal-e-tal,” isto é, quando sabemos que um e não mais do que um
objeto que tem uma certa propriedade.”
25, p. 113
Mas, ainda co nforme o princípio do conhecimento direto, também no conhecimento
por descrição, a apreensão de uma proposição implica a apreensão de todos seus com-
ponentes. O declarado “princípio fundamental na análise das proposições contendo des-
crições” é exatamente o princípio do conhecimento direto.
25, p. 117
A aparente antítese,
portanto, se desfaz tão logo levarmos em conta que o conhecimento por descrição é uma
modalidade derivada de conhecimento direto. Além do mais, essa derivaçã o do conheci-
mento por descrição em relação ao conhecimento direto permite que se efetue uma redução
daquele a este.
[. . .] conhecimento a respeito daquilo que é conhecido por descrição é
fundamentalmente redutível a conhecimento a respeito daquilo que é
conhecido por conhecimento direto.
25, p. 117
Na semântica, a redução das descrições definidas às frases em que não figuram des-
crições definidas é o correlato linguístico da redução do conhecimento por descrição ao
62
conhecimento direto.
8, p. 21–2
Uma descrição definida “deve ser decompo sta se devemos
ter conhecimento direto de todos os componentes do juízo.”
25, p. 121
A mesma condição
necessária anteriormente apresentada va le, sem quaisquer modificações, para o caso da
compreensão de descrições. A ressalva familiar é a penas que, entre os componentes a
serem apreendidos, não se inclui o objeto que possivelmente satisfaça a descrição definida.
Portanto, dada a natureza geral, quantificacional de frases descritivas, exposta pela teoria
das descrições, revelam-se ser condições conjuntamente suficientes para a compreensão
de desc rições definidas as condições separadamente necessárias do (i) conhecimento das
funções proposicionais empregadas, a que se acrescenta (ii) um entendimento de sua or-
ganização lógica e sintática, bem como (iii) a quantificação de que um único objeto
que satisfaz os predicados. Pode-se dizer que a compreensão de frases em que ocorrem
descrições depende apenas do domínio da linguagem.
27
Uma vez elucidada a proposiçã o
quantificada, es tar em relação epistêmica e direta com o objeto que, se algum, satisfaz
a descrição não é, portanto, condição necessária para sua compreensão. Apesar de que
“possamos ter conhecimento direto do objeto que, de fato, é o tal-e-tal, não precisamos
conhecer qualquer proposição a é o tal-e-tal,” em que a é algo de que tenhamos conheci-
mento direto.”
25, p. 113
Por meio de descrições definidas, é possível pensar sobre o que não
se conhece. Em consonância com proposições quantificadas, conhecimento por descrição
é independente de objeto.
De perspectiva dos dias de hoje e, de certa forma, lendo nas entrelinhas,
podemos assim formular a posição de Russell: uma vez que o significado
de uma expressão complexa depende somente do significado de suas par-
tes e de seus modos de combinação, é suficiente para compreender uma
expressão complexa que se compreenda cada uma de suas partes e que se
seja capaz de projetar, a partir dos significados das partes, o significado
do todo tomando como base a estrutura sintática. Aplicado a descrições
definidas, isso quer dizer que alguém pode perfeitamente apreender a pro-
posição expressa por uma frase sem conhecer quem ou o que é descrito
pela descrição que ela possa conter. É claro que é preciso apreender os
significados de cada uma das partes da descrição; mas conhecer quem ou
o que é, por acaso, descrito pela descrição como um todo é algo que jaz
muito além disso. Ignorân cia da denotação de uma descrição é, então,
não apenas sem importância psicológica (para o caso de se considerar
um pensamento descritivo), é sem importância semântica.
8, p. 22
63
Feita a redução do conhecimento por descrição ao conhecimento direto, Russell de-
fende que propo sições descritivas não são proposições, mas funções proposicionais, uma
vez que contêm uma parte constitutiva que é indeterminada, uma variável. Proposições
quantificadas se tornariam proposições quando essa variável recebesse um valor.
25, p. 126
Essa maneira de ver as coisas não me agrada. Além do pressuposto dúbio de conhecimento
direto de uma variável ser uma condição necessária de sua apreensão,
28, p. xxxv
essa mano-
bra desfaz parte do ganho da teoria das descrições, ao aplicar novamente à compreensão
de frases descritivas o modelo de compreensão de expressões referenciais. Como se isso
não bastasse, a manobra me parece ser um acréscimo não motivado, que somente visa à
adequação à exigência de intencionalidade restrita. Talvez seja melhor continuar a seguir
a terminologia de Kaplan e dizer que proposições descritivas são proposições, proposições
gerais, quantificadas, em oposição a proposições singulares.
29, p. 484
Com a introdução desse princípio epistemológico , fica mais clara a natureza do pro-
blema semântico criado pela possibilidade de se pensar sobre o que não se conhece. É
como se um dilema se impusesse tão logo se afirmasse a conjunção do princípio e o re-
conhecimento daquela habilidade: (i) adote o princípio do conhecimento direto, ou seja,
considere que a apreensão de todo e qualquer componente da proposição expressa pelo
proferimento de uma frase seja condição sine qua non da compreensão dessa frase, e (ii) re-
conheça a possibilidade de se compreenderem frases em que figuram descrições definidas
de cuja denotação, todavia, não se tenha conhecimento direto. Vê-se que a dificuldade
criada é que, a depender da semântica pressuposta, a conjunção pode incorrer em contra-
dição. Dada a habilidade de se pensar sobre o que não se conhece, tem-se de enfrentar
o seguinte dilema: (a) se a semântica das descrições definidas é referencial, então, nesse
caso, o princípio do conhecimento direto é falso; (b) se o princípio do conhecimento direto
é verdadeiro, então, nesse caso, a semântica das descrições definidas nã o é referencial.
Ora, da opção por conservar o princípio do conhecimento direto, a teoria das descrições
tira uma de suas maiores motivações. São condições epistemológicas para uma teoria da
compreensão que impulsionam a construção de uma maquinaria semântica adequada. A
64
teoria das descrições elucida como é possível ter conhecimento por descrição.
Uma razão para não acreditar que a denotação seja um componente da
proposição é que podemos conhecer a proposição, mesmo quando não
temos conhecimento direto da denotação.
25, p. 121–2
Todo pensamento tem de começar do conhecimento direto; mas tem êxito
em pensar a respeito de muitas coisas de que não temos conhecimento
direto.
2, p. 480
A fim de verificar como exatamente a teoria das descrições resolve o problema colocado
pela possibilidade de compreender e expressar proposições sobre objetos com que não se
tem contato epistêmico direto, é útil analisar mais detidamente a fó rmula lógica sugerida
por Vega-Encabo. No que segue, a dedução natural e a discussão de algumas premissa
adicionais não pretendem ser um argumento em favor da possibilidade de conhecimento
por descrição, mas, ao provar a validade do argumento de R ussell, procuram apenas
elucidar o efeito da teoria das descrições para uma teoria do pensamento. O ponto de
partida é retomar a ideia de valer ou não va ler uma relação entre um sujeito e um objeto.
O “fato de que nos ocupamos,” o fato de que um sujeito s esteja em relação cognitiva R
com x pode ser verdadeiro ou falso. Na fo rmulação lógica do princípio do conhecimento
direto, PCD, isso é elucidado por meio de (x)R(y)’, que é uma função proposicional, tanto
quanto F (x)’. Assim, é igualmente claro que o fato de que o sujeito s tenha conhecimento
direto de x pode ser verdadeiro ou falso. Apontar que o consequente de uma condicional
possa ser verdadeiro ou falso, no caso de PCD, apontar que a relação de conhecimento
direto pode não lograr, não é apenas enfatizar uma tautologia. Logo se verá por quê.
Por meio de regras de inferência da lógica de primeira ordem e da teoria dos conjuntos, é
simples derivar uma formulação do princípio do conhecimento direto que seja equivalente
a PCD, mas que o apresente como uma disjunção.
65
(s)(x)(p) (sEp x Cp) sRx (PCD)
. . . ¬(sEp x Cp) sRx E
sRx ¬(sEp x Cp) Com.
sRx (¬sEp ¬x Cp) DeM.
sRx (¬sEp x / Cp) E¬
sRx ¬sEp x / Cp Ass.
sRx x / Cp ¬sEp Com.
(s)(x)(p) sRx x / Cp ¬sEp
Para fins de exposição e até que se justifique o princípio do conhecimento direto
no próximo capítulo, vamos aceitar por hipótese que PCD seja verdadeiro. Algumas
premissas interpretadas também simplificam a expo sição . Assim, vamos supor que João ,
designado pela constante a’, satisfaça PCD. Nesse caso, teríamos:
(s)(x)(p) sRx x / Cp ¬xEp Prem.
(x)(p) aRx x / Cp ¬aEp E
Vamos supor agora que João pretende apreender q, e que q seja a respeito de b.
(x)(p) aRx x / Cp ¬aEp Prem.
(p) aRb b / Cp ¬aEp E
aRb b / Cq ¬aEq E
Se João está em relação cognitiva direta com b, ou seja, se aRb, então o princípio do
conhecimento direto nada mais tem a dizer sobre João. Certamente não podemos concluir
apenas por meio dele que João compreende q. Como visto, a relação de conhecimento
direto não é condição suficiente da compreensão, é tão-somente condição necessária, o
consequente da condicional PCD. No entanto, vamos supor que João não esteja, de fato,
66
em relação cognitiva R direta com b. Como caracterizar aquelas situações em que João
pretenda apreender q, mas que não tenha conhecimento direto de b?
aRb b / Cq ¬aEq Prem.
¬aRb Prem.
b / Cq ¬aEq E
Na situação de João não ter conhecimento direto de b, não temos de concluir p elo úl-
timo termo da disjunção. Restam duas opções, ou (i) b não é componente de q ou (ii) João
não apreende q. Apesar de João não conhecer b diretamente, ¬aRb, se João entende q,
aEq, então, como mostra a teoria das descrições, nesse caso, está aberta a possibilidade
de João conhecer b por descrição, sendo a proposiçã o expressa pelo proferimento da frase
passível de tratamento quantificational. Conclui-se que o objeto b não é comp o nente da
proposição q.
b / Cq ¬aEq Prem.
aEq Prem.
¬¬aEq I¬¬
b / Cq E
Se essas considerações estão corretas, então parece ser possível formular uma variação
epistemológica do Critério de Russell, cuja versão semântica foi apresentada na página
32.
Critério epistemológico de Russell Sempre que se puder considerar que a apreensão
de uma proposição não implica em ter conhecimento direto de um objeto, sem tornar
ininteligível o proferimento da frase que é acerca desse objeto e que expressa essa
proposição, então esse objeto não é componente da proposição.
Conhecimento por descrição é conhecimento independente de objeto.
67
A fim de melhor diferenciar conhecimento direto e conhecimento por descrição, é
útil lançar mão da distinção que Russell traça entre conhecimento de coisas e conheci-
mento de verdades.
30, p. 44
duas maneiras de se aproximar dessa distinção: (i) por
meio da gramática normativa ou (ii) por meio da filosofia do pensamento. Pela gramá-
tica, distinguem-se esses modos de conhecer em dois usos da expressão to know’. Em
português, essa distinção é facilmente capturada pelas palavras ‘saber’ e ‘conhecer’. Na
primeira acepção, o verbo transitivo direto ‘conhecer’ toma, como objeto, um sintagma
nominal.
(78) Maria conhece João.
(79) Maria conhece det φ.
(80) Maria conhece o presidente da república.
Tal como na segunda acepção de to know’, ‘saber’, também transitivo direto, toma como
objeto uma oração subordinada substantiva, normalmente concatenada à conjunção inte-
grante ‘que’.
31, p. 614–5
(81) Maria sabe que qualquer linguagem de programação é interpretada.
(82) Maria sabe que (x)(F x ¬F x).
(83) Maria sabe que nada sabe.
Em uma comparação inicial das distinções, sobretudo não pressupondo a teoria das des-
crições, para não incorrer em petição de princípio, tanto conhecimento direto, quanto
conhecimento por descrição são conhecimento de coisas.
30, p. 46
Mas, como o interesse é
pela possibilidade de compreender os proferimentos de (78–83) e não somente pela pos-
sibilidade de os dizer, é útil reformular essas representações gramaticalmente diferentes
em termos de objetos do pensamento. Conhecimento de coisas, (7 8– 80 ), consiste em co-
nhecer um indivíduo ou conhecer um objeto. Por sua vez, conhecimento de verdades,
(81–83), consiste em “saber que algo é o caso.”
30, p. 44
Seguindo uma distinção de Prior,
pode-se dizer que co nhecer algo por meio de conhecimento direto é toma r algo no sentido
68
Conhecimento
direto por descrição por descrição
de coisas de coisas de verdades
Maria conhece b Maria conhece o F Maria sabe que (x)
(y)((F y y = x) F x)
Tabela 2.1: Modalidades de conhecimento
de aquilo a respeito de que pensamos (what we think about), em contraste co m aquilo que
pensamos (what we think). Por exemplo, observando um gramado em frente a uma casa,
ao proferirmos
(84) Aquela grama é verde.
o que pensamos é que aquela grama é verde, isto é, uma proposição. Diferentemente,
aquilo a respeito de que pensamos é uma coisa, aquela grama.
27, p. 3
De forma mais
simples, é a oposição entre saber que e saber qual ou quem. Conhecimento direto e conhe-
cimento por descrição, enquanto conhecimento de coisas, envolvem tomar um objeto no
segundo sentido, aquilo a respeito de que pensamos. Estariam, assim, ambos em oposição
a conhecimento de verdades. Contudo, introduzida a teoria das descrições, conhecimento
por descrição é, de acordo co m a definição da página 61, saber “que um e não mais do
que um objeto que tem uma certa propriedade.” Por conseguinte, conhecimento por des-
crição é também ter alg o como objeto de pensa mento no sentido de a quilo que pensamos,
ou seja, como conhecimento de verdades. Como ilustra a tabela 2.1, o par de distinções
não concorda entre si, mas, como ficará claro logo a seguir, essa não-sobreposição de suas
categorias é que faz a comparação ser esclarecedora.
Todo nosso conhecimento, tanto conheci mento de coisas, quanto conhe-
cimento de verdades, repousa sobre o conhecimento direto como sua
fundação.
30, p. 48
Também na epistemologia da compreensão se reconhece o descompasso entre lingua-
gem e pensamento. Em sua acepção gramatical, ‘Maria conhece o F ’, conhecimento por
69
descrição é conhecimento de coisas. Em contraposição, no pensamento, conhecimento
por descrição se revela uma modalidade de conhecimento de verdades, ‘Maria sabe que
(x)(F x . . . )’. O paralelo com a semântica de descrições definidas não surpreende. Se-
gundo sua distribuição sintática na linguagem natural, descrições definidas são sujeitos
gramaticais de frases de forma ‘o F é G’. Na semântica, porém, descrições definidas não
correspondem a sujeitos lógico s, sendo eliminadas pela análise quantificacional daquelas
frases em que ocorrem. Isso não surpreende por uma simples razão. Na semântica, a
análise quantificacional de descrições definidas suplanta a opinião recebida de que sejam
expressões referenciais, porque o princípio do conhecimento direto, a fim de dar conta do
fato de que podemos pensar sobre o que não conhecemos, desloca do âmbito do conheci-
mento de coisas, para o âmbito de conhecimento de verdades, a modalidade de conhecer
objetos por descrição. O que a tabela 2.1 ilustra é nada mais do que esse deslocamento.
Mais alguns estádios de elucidação da noçã o de conhecimento direto ainda sã o pos-
síveis e serão devidamente considerados. Contudo, a fim de que façam sentido, ta l como
apresentei a independência de objeto antes de explicar as condições epistemológicas de
apreensão de proposições independentes de objeto, apresentarei, em primeiro lugar, a
dependência de objeto de pensamentos singulares, para, depois, revisitar as condições
epistemológicas da compreensão aqui expostos.
Antes, porém, gostaria de fazer uma observação importante não somente para fazer
justiça a Russell e ao princípio, mas para introduzir mais um elemento relacionado à
possibilidade da ilusão de compreender. Em primeiro lugar, o caráter não-conceitual
do conhecimento direto não depende de uma escolha epistemológica prévia. Dito de
forma mais direta, o princípio de conhecimento direto não depende de uma epistemologia
cartesiana, como por vezes se pode ser levado a crer. É verdade que Russell procurou
restringir a classe dos objetos de conhecimento direto às coisas cuja existência é indubitável
para o sujeito, a saber, universais, o si-mesmo e dados sensíveis, de tal fo rma a excluir
pessoas, coisas e eventos. Mas a opção de Russell não é obrigatória. O princípio do
conhecimento direto e a seleção de coisas feita por Russell dos possíveis objetos dessa
70
modalidade de conhecimento têm motivações estritamente independentes.
17, p. 228–9
Isso
quer dizer que a adoção daquele não nos compromete a adotar esta. Como McDowell
mostrou, a única motivação da seleção particular de Russell é evitar a suposição de que
um sujeito possa estar iludido acerca de seus próprios estados mentais. É não aceitar,
entre outras coisas, o falibilismo de que crenças de segunda-ordem acerca de crenças
de primeira-ordem possam ser f alsa s. Como observa McDowell, se essa consequência
não nos incomoda, podemos a bandona r completamente essa motivação, alargando, por
conseguinte, a classe de objetos de conhecimento direto.
17, p. 236
É tópico do próximo
capítulo fazer sentido da ilusão de compreender que, por meio da ampliação dessa classe,
decorre da possibilidade de se ter uma crença de segunda ordem falsa acerca do contato
epistêmico direto com um objeto ou mesmo sobre a existência do objeto.
Em segundo lugar, como Peacocke observou, e talvez mais importante para a presente
discussão, a noção de conhecimento direto de Russell pode permanecer correta indepen-
dentemente daquilo que se inclui na classe de objetos passíveis de conhecimento direto.
Ao avaliar se algum valor no Princípio do Conhecimento Direto (PCD),
não se deve considerar que a relação de conhecimento direto é definida
pela extensão que Russell achou que ela tivesse. Pois, é possível que
Russell tivesse uma concepção subjacente correta de conhecimento di-
reto, mas uma visão falsa de sua extensão. A característica mais saliente
da noção russelliana de conhecimento direto, enfatizada pelo próprio
Russell, é seu caráter relacional: ao ter co nheci mento direto de algo, al-
guém está apresentado ao objeto ele mesmo e não a algum substituto
seu.
32, p. 180
Ora, variações no do mínio de quantificação de (x) na fórmula apresentada a cima,
ou seja, no domínio dos objetos de conhecimento direto, em nada afeta a própria fórmula.
Somente altera seu valor de verdade em função dessas variações.
Por fim, que a noção de conhecimento direto também não se deve à epistemologia
dos dados se nsíveis para o próprio Russell, pode ser atestado por meio de alguns indícios
textuais. Em primeiro lugar, a carta na página 57 tem implícita a possibilidade de conhe-
cer diretamente um objeto, o Mont Blanc, componente da proposição apesar de toda sua
neve. Além dessa, em ‘Pontos acerca do denotar’, em que a noção mesma de conhecimento
71
direto foi inicialmente introduzida, Russell claramente trata do conhecimento direto de
pessoas.
Se pergunto: Smith é casado? e a resposta é afirmativa, então sei que “a
esposa de Smith” é uma expressão denotativa, apesar de não saber quem
é a esposa de Smith. Podemos distinguir os indivíduos de que temos
conhecimento direto [terms with which we are acquainted] dos demais,
que são meramente denotados. Por exemplo, no caso acima, devo ter
conhecimento direto do indivíduo Smith e da relação casamento, e daí
ser capaz de conceber um indivíduo que tenh a essa relação com Smith,
apesar de eu não ter conhecimento direto de tal indivíduo.”
33, §1
No próprio ‘Sobre o denotar’, o simples fato de a apreensão de proposições singula-
res estar submetida, tal como proposições gerais, ao princípio do conhecimento direto,
e, acrescente a isso, figurarem exemplos de proposições singulares expressas pelo profe-
rimento de frases em que ocorrem nomes próprios, parece ser suficiente para se concluir
que, também à época da elaboração da teoria das descrições, é pressuposta a possibilidade
de se ter conhecimento direto de pessoas.
Se digo “Scott era um homem”, essa é uma afirmação de forma x era
um homem” e tem “Scott” como seu assunto [subject].
2, p. 488
Dessa feita, a adoção do co nceito de conhecimento direto é completamente indepen-
dente da noção de nomes logicamente próprios que, talvez, seja indissolúvel da epistemo-
logia cartesiana que Russell foi levado a adotar. Portanto, “em princípio, é possível existir
tais itens linguísticos,”
34, p. 106
mas não me interessa saber agora quais, se alg um, entre os
itens linguísticos trazem consigo a necessidade de conhecimento direto da referência mais
a necessidade da certeza de se possuir esse conhecimento ao empregar esse item. Assim,
deixando em aberto a classe dos objetos de conhecimento direto, mantenho a ideia de
conhecimento direto como uma moda lidade de conhecimento perceptivo, mas não prop o-
sicional. Conhecimento direto, cuja forma paradigmática é dada pela percepção, ainda
que uma modalidade de percepção concebida como uma relação epistêmica mais direta e
imediata do que aquela modalidade de percepção provida de conteúdo proposicional, é,
antes de mais nada, conhecimento de coisas.
Como sua fórmula lógica explicita, o princípio do conhecimento direto reconhece,
72
como co ndição necessá ria para a compreensão de uma frase, a existência de uma certa
relação entre um pensador e os componentes de um pensamento. Mas esse princípio não
é, de forma alguma, um princípio que legisla sobre proposições ou pensamentos eles mes-
mos. Não condiciona quais pensamentos estão dispo níveis para ser considerados, quais
proposições estão para ser apreendidas, nem demarca o território do sentido. Às pro-
posições, para além de supor que têm componentes e que são verdadeiras ou falsas, nada
mais acrescenta, muito menos lhes atribui uma natureza particular. Em nítida diferença,
é um princípio que governa a compreensão, dizendo respeito àquelas atividade cognitivas
que pressupõem a apreensão proposicional. Dados os pensamentos, quais podemos pen-
sar? Dadas as proposições, quais estamos em posição de considerar? Indep endente do
ambiente semântico em que opera e, por seguinte, da concepção mesma de pensamento
a que diz respeito, é provável que esteja presente nos mais diversos debates da história
da filosofia. Por exemplo, como apontou Coffa, era possivelmente endossado por Hume,
como demonstra o seguinte trecho.
7, p. 126
Parece uma proposição que não admitirá disputa, que todas nossas ideias
são nada mais do que cópias de nossas impressões, ou, em outras pa-
lavras, que nos é impossível pensar acerca de qualquer coisa que não
tenhamos previamente sentido, seja por meio dos sentidos externos ou
internos.
35, VII, 1, p. 62
Aludido no prefácio dos Princípios,
6, p. 5
ainda sob influência da antiga teoria da
denotação, aparece pela primeira vez, como vimos, em ‘Pontos acerca do denotar’.
Para a compreensão de uma proposição, é necessário ter conhecimento
direto do significado de cada componente do significado e do todo; não
é necessário ter conhecimento direto de componentes da denotação que
não sejam componentes do significado. Assim prosseguem as definições.
Fornecem um si gni ficado conhecido e nos habilitam a fazer proposições
acerca daquilo que o significado denota, apesar de não termos conheci-
mento direto dele.
28, 307
Retomado em ‘Sobre o denotar’, de onde retirei sua formulação destacada na página
59, o princípio do conhecimento direto é o propósito subjacente à semântica quantificaci-
onal das descrições definidas, hóspede da concepção realista de pensamento. Contudo, à
época da primeira versão de ‘Conhecimento direto e conhecimento por descrição’, 1910–
1911, artigo em que o princípio será leva do às suas últimas consequências, Russ ell, nunca
73
dogmático, havia abandonado a noção de propos ição que, pelo epíteto ‘russelliana’, é
ainda conhecida nos dias de hoje. A razão dessa revisão é a dificuldade, talvez insuperá-
vel, de se explicar, de modo satisfatório, em que consiste uma proposição russelliana falsa.
36, p. 150–2
Como vimos no capítulo anterior, páginas 20–23, proposições russellianas são
fatos, objetivas, portadoras de valor de verdade e, rea listas, são compostas por objetos,
propriedades e relações. De sorte que figuram como objetos de atitudes proposicionais nas
explicações acerca do conteúdo de estados mentais. Tal como explicam crenças, afirmações
e suposições verdadeiras, é de se esperar que também expliquem atitudes proposicionais
de conteúdo falso, crenças falsas, afirmações falsas, suposições falsas etc. No entanto,
aqui se deparam com sua maior limitação. Em ‘Acerca da natureza da verdade e da
falsidade’, Russell havia identificado dois problemas básicos que acabaram por justificar
essa exclusão de seu a rsenal teórico. O primeiro problema, para o qual não encontro uma
motivação que seja independente da adoção prévia da teoria das descrições, consiste em
tratar orações de atitude, aquelas que seguem as conjunções integrantes ‘que’ e ‘se’ em
frases de forma s acredita que f e s não sabia se f’, como desprovidas de significado
quando removidas do contexto de atribuição de atitude. Símbolos incompletos, diz serem
passíveis de eliminação.
36, p. 151
Mas o segundo problema identificado parece ser uma boa razão para rever a teoria das
proposições. Trata-se de reconhecer o caráter manifestamente não-explicativo e “ incrível”
de se postularem fatos falsos, falsidades objetivas, proposições não-efetivas em uma teoria
que (i) admita, como de outro modo não poderia ser, a existência de crenças falsas,
suposições falsas, desejos falsos etc. e (ii) pretenda conservar a ideia de proposição como
o objeto de atitudes intencionais. A partir de 1910, a teoria das proposições russellianas
cede à teoria das relações múltiplas, um passo na caminhada lenta, mas constante rumo ao
idealismo semântico.
7, p. 92
Termo recorrente do jargão de Russell, ‘proposição’ continua
a ser empregado nessa teoria, que, no entanto, faz recurso a uma certa entidade, dita
responsável por coordenar a afirmação de relações. Na história da filosofia da compreensão
de Russell, após 1910, essa tal entidade, aquela “unidade singula r e única da mente,” faz
74
proposições.
36, p. 154
Sujeitos passam a desempenhar um papel central na constituição de
proposições verdadeiras ou falsas.
Entretanto, o princípio de conhecimento direto resiste à reviravolta da teoria da pro-
posição. Não ap ena s resiste, mas, em ‘Conhecimento direto e conhecimento por descrição’,
é amplamente desenvolvido e, talvez, justificado. A razão da sua sobrevivência em vá-
rios ambiente semânticos é que a condição necessária de conhecimento direto e imediato
dos componentes proposicionais não é uma tese acerca do que está disponível para ser
pensado, mas acerca da pretensão ao pensamento. Tal como sobreviveu a várias revisões
semânticas, talvez em virtude mesmo de não ser um princípio semântico, não é descabido
suspeitar que talvez sobreviva a revisões não menos fundamentais, como, por exemplo,
sua incorporação a uma semântica vericondicional da linguagem natural. Tal como so-
brevive à sua desvinculação de uma epistemologia cartesiana, não é descabido suspeitar
que vai sobreviver à sua conjugação a uma epistemologia de premissas meno s estritas.
Submetido ou não às adaptações de seu ambiente teórico, a partir do reconhecimento
mesmo de que compreender não é um ato gratuito, de que compreender envo lve uma
tentativa submetida a condições estritas, é legítimo suspeitar das consequências, para um
sujeito, do fracasso dessa tentativa. Paralela à tentativa de compreensão, corre a possível
ilusão de compreender. Por exemplo, de condições epistemológicas descuidadas, pode-se
reconhecer a ilusão de compreender que se deve a uma tentativa frustrada de pensa r. De
condições ontológicas não atendidas, a ilusão que decorre de uma tentativa fadada, desde
sempre, ao fracasso.
Vamos retomar João. Nosso amigo pretende compreender que q, e q é a respeito de b.
Contudo, Joã o não conhece b diretamente. Como mostraram os argumentos apresentados
nesta seção e como ilustrou a dedução apresentada nas páginas 64 e 66, se q é expressa pelo
proferimento de uma frase cujo sujeito gramatical é uma descrição definida, a possibilidade
de conhecimento por descrição habilita João a apreender q, apesar de João não estar em
relação epistêmica imediata com b. Entretanto, aqueles casos em que a semântica da
frase cujo proferimento expressa q não é passível de tratamento pela teoria das descrições,
75
como parece ser o caso das frases cujo s ujeito gramatical é uma expressão referencial.
Se uma frase acerca de b não puder receber uma análise quantificacional, seja por que
motivo for, então b é um componente da proposição ela mesma. Não é uma denotação,
que se pudesse alcançar indiretamente, em razão do domínio da linguagem. Nesse caso,
não é mais aberta para João a alternativa de conhecer b por descrição. O que dizer,
então, da tentativa de João compreender uma frase a respeito de b, que expressa uma
proposição que contém b, mas sem que João conheça b diretamente? Por hipótese, PCD
é verdadeiro. Supondo, então, que o objeto b seja componente de q, e que João não
conheça b diretamente, conclui-se sem maiores problemas que ¬aEq. Nesse caso, João
simplesmente não compreende o que foi dito, não apreende a proposição q, a qual, todavia,
foi plenamente expressa. Essa conclusão, que nada mais é do que uma consequência
do princípio do conhecimento direto para a compreensão de expressões referenciais, é
elucidada pelo seguinte silogismo disjuntivo.
aRb x / Cq ¬aEq Prem.
¬aRb Prem.
x / Cq ¬aEq E
x Cq Prem.
¬x / Cq I¬
¬aEq E
Mas, o que podemos tirar do princípio do conhecimento direto, se João tentar com-
preender o proferimento de uma frase que, (i) tal como a anterior, tenha como sujeito
gramatical exclusivamente uma expressão referencial, não se prestando, por conseguinte,
a um tratamento quantificacional, mas (ii) cuja expressão referencial, apesar de referen-
cial, não contribua com um objeto para aquilo que, de outra forma, seria a cla sse dos
componentes de uma proposição? O que o princípio do conhecimento direto teria a dizer
76
da compreensão de frases que não expressam uma proposiçã o, em uma situação em que a
formulação mesma de aEq não fizer sentido? A dependência de objeto de pensamentos
singulares é um desafio para uma epistemologia da compreensão da linguagem.
2.2 Dependência de objeto
. . . e uma relação não pode ser uma relação com nada.
Russell
Dependência de objeto é uma propriedade de pensamentos singulares, proposições
ou pensamentos ditos de re, que dizem respeito a objetos particulares. A existência e
a identidade desses pensamentos depende da existência e da identidade dos objetos a
que se dirigem esses pensamentos. Essa característica, cujo reconhecimento devemos a
Russell,
2, p. 484
é uma consequência direta de teorias que consideram que objetos são parte
do conteúdo de pensamentos, ou que objetos ocorrem na especificação das condições de
verdade de certas frases. Tais pensamentos simplesmente não existiriam, caso igualmente
não existissem os objetos a que dizem respeito.
2, p. 484; 1, p. 136
Pela mesma razão, se fosse
outro o objeto acerca do qual é um pensamento, ainda que um objeto qualitativamente
idêntico ao anterior, seria outro também o pensamento.
Consideremos inicialmente a identidade do pensamento. Por exemplo, de frente a uma
banca de cebo las em um mercado e examinando uma ceb o la específica entre várias, João
pensa que aquela cebola está boa. Se a existência e a identidade do pensamento de que
aquela cebola está boa depende da existência e da identidade daquela cebola, então esse
pensamento é dependente de objeto. Se João estivesse desatento, aquela determinada
cebola poderia ser substituída por uma outra, que lhe fosse semelhante, mas sem que
João o notasse. Em relação à identidade de seus pensamentos, se João pensasse, em um
segundo momento, acerca da nova cebola que aquela cebola está boa, o pensamento seria
diferente do pensamento anterior. Ora, seria verdadeiro ou falso a depender do estado de
conservação daquela cebola substituta, não da anterior. Mesmo que ambos pensamentos
77
fossem verdadeiros, seriam verdadeiros em virtude de diferentes objetos. Portanto, apesar
de João poder acreditar, ainda que erroneamente, ter apreendido ou expresso o mesmo
pensamento, eram, de fato, dois pensamentos, duas condições de verdade distintas.
Em relação à existência dos pensamentos, se não houvesse cebolas à sua frente—
estivesse João alucinando ou tão-somente arrolando exemplos para a aula de filosofia que
daria na manhã seguinte—pensamento algum corresponderia a ‘aquela cebola está boa’.
Essa caracterização da dependência de objeto pressupõe que a semântica de demonstrati-
vos seja diretamente referencial, ou seja, que a contribuição de ‘aquela cebola’ para uma
proposição seja a referência, se alguma, de ‘aquela cebola’, mas não a regra linguística
que, acompanhada de uma demonstração, determine qual cebola.
29, p. 526
Tais considera-
ções sobre a identidade e existência de pensamentos singulares motivam a aceitação de
que o conteúdo de um tal pensamento substancialmente não é, portanto, indiferente do
mundo. “Se não um objeto (acredite o sujeito ou não), não um conteúdo—não
um pensamento.”
37, p. 402
Dependência de objeto Um pensamento p é dependente de objeto se e somente se não
fosse possível a um sujeito S pensa r que p, caso não existisse o objeto b acerca do
qual é p.
Rigorosamente, dizer que um pensamento não existiria, caso não fosse satisfeita uma
determinada condição, é dizer que, nes sa circunstância, não seria possível a um s ujeito
expressar um pensamento que, não existindo nessa situação, existe perfeitamente em
outra. No entanto, novamente nessa circunstância em que o pensamento não existiria, é
também dizer que não haveria como atribuir esse pensamento a alguém, em uma tentativa
de especificar o conteúdo de seus estados mentais. Por exemplo, seja p um pensamento ou
uma proposição dependente de objeto expresso pelo proferimento de uma frase f. Se não
existisse o objeto ou o indivíduo acerca do qual é f , então, nesse caso, recurso algum se
poderia fazer a f para se ter claro o que o sujeito acredita, o que pensa, o que teme, o que
deseja etc. Não seria correto, adequado ou mesmo verdadeiro se disséssemos que o falante
78
acreditasse que f, pensasse que f, temesse que f ou desejasse que f. Para se ter claro
em relação a que proposição o falante teria as várias atitudes de acreditar, pensar, temer,
desejar etc., isto é, para se ter claro com que pensamento essas atitudes proposicionais
pressupõem, possivelmente haveria boas alternativas a f. Alternativas que, com justiça,
seriam expressas pelo que quer que seguisse as conjunções integrantes ‘que’ e ‘se’ em frases
de forma S acredita que . . . ou S está em dúvida se . . . ’. Mas alternativa alguma, por
isso mesmo, faria recurso a f.
Por exemplo, Maria, imune à alucinação de João, mas pro curando entender seu com-
portamento, poderia dizer que João acredita que uma cebola em bom estado à sua
frente, mas não diria que João acredita que aquela cebola está boa. Um sujeito não atri-
bui a outro um pensamento acerca de um objeto particular, caso ele ou ela mesma não
acredite que esse objeto exista.
38, p. 186
Desse modo, o pensamento que Maria atribuiria
a João não seria aquele que, em outra situação, f expressaria, mas um pensamento di-
ferente. Mais provável é que atribuísse algum pensamento geral, que não se dirigisse a
um determinado objeto. Se João pensasse algo, ele não pensaria que f. O que quer que
compreendesse, não compreenderia que f. Em tal situação, talvez fosse mesmo possível se
ter claro que o sujeito acreditasse que algo fosse verdadeiro, que pensasse que algo fosse o
caso, que temesse que um certo estado de coisas se efetivasse ou supusesse que algo tivesse
ocorrido. Contudo, nada menos suficiente para os propósitos de se especificar o conteúdo
de seus estados mentais. Daí o mote de filósofos que, tais como Evans e McDowell, se-
guem Russell ao procurar fazer sentido dessa condição que delimita, agora sim, o que está
disponível para pensar: sem objeto, sem pensamento.
Talvez essas considerações iniciais acerca da atribuição de atitudes proposicionais a
respeito de objetos particulares sejam suficientes para motivar, de um maneira intuitiva, o
reconhecimento de que pensamentos que são dependentes de objeto. Mas, além disso,
a apresentação da noção de dependência de objeto nesses termos—isto é, por meio da aná-
lise da atribuição de pensamentos de re como conteúdo das crenças de um sujeito—abre
caminho para que esse reconhecimento seja motivado de uma maneira ainda mais direta.
79
Em primeiro lugar, tal como quando “relatamos o que um agente acredita, especificamos
o conteúdo de sua crença (e o mesmo para as demais atitudes proposicionais),” quando
“dizemos o que significa uma frase, igualmente especificamos o conteúdo da frase.”
39, p. 111
Em segundo lugar, a sugestão de que as duas noções de conteúdo, conteúdo de crenças e
conteúdo de frases, talvez estejam de tal forma relacionadas a ser possível se elucidarem
reciprocamente.
39, p. 111
Certamente, seria apressado identificar, sem argumentos, a se-
mântica de uma frase e o co nteúdo do pensamento de um sujeito, tendo em vista críticas
contextualistas que acusam a subdeterminação do significado linguístico em relação ao
pensamento expresso por um ato de fala.
40, p. 19–20
Mas, atentos a essa limitação, se ti-
vermos em conta que um modo natural de se caracterizar, ao menos em parte, o conteúdo
de uma crença é determinar o significado da frase empregada na atribuição dessa crença,
então analisar a semântica dessa frase pode elucidar, ainda que parcialmente, o conteúdo
da crença. Ora, analisar a semântica das expressões empregadas na atribuição de pensa-
mentos de re pode se revelar, desse modo, como uma maneira mais sistemática e direta de
se entender a dependência de objeto, sobretudo se nos limitarmos à semântica das expres-
es que indicam, denotam ou se referem ao objeto do pensamento. Consequentemente, o
restante do capítulo se organiza segundo uma estratégia bem clara: “que pensamentos sin-
gulares podem ser elucidados pela semântica das expressões singulares que o s expressam.”
41, p. 184
Dito de outra forma, dependência de objeto também caracteriza a semântica das
expressões referenciais.
Na categ oria das expressões referenciais, encontram-se nomes próprios —‘João ’, ‘Ma-
ria’ etc.—expressões demonstrativas—‘aquela cebola’, ‘esta faca’ etc.—alguns advérbios
ou locuções adverbiais—‘aqui’, ‘agora’, ‘ano que vem’ etc.—e certas oco rrências de pro-
nomes que não sejam anafóricos a expressões não-referenciais—‘ela’, ‘ele’ etc.
29, p. 490
Contudo, adotarei uma maneira alternativa de identificar uma expressão referencial, a
fim de evitar controvérsias desnecessárias à presente dissertação acerca da abrangência
da classe das expressões referenciais entre as expressões linguísticas; no toriamente, após
Strawson, se devemos ou não incluir entre as expressões referenciais as descrições defi-
80
nidas.
21
É extremamente controverso se descrições definidas são expressões referenciais.
De fato, é forçoso reconhecer que descrições definidas podem ter um uso atributivo ou um
uso referencial, ambos genuínos.
22
Mas a existência de diferentes usos de descrições não
implica em ambiguidade semântica de descrições.
8, p. 8
Nesta dissertação, não considera-
rei que a semântica das descrições definidas seja a semântica das expressões referenciais.
Em primeiro lugar, os argumentos de R ussell em favor de uma análise quantificacional
de descrições definidas parecem ser suficientes para se resistir a estender a semântica das
expressões referenciais às descrições definidas. Além disso, reconhecendo, de bom grado ,
os diferentes usos de expressões, é perfeitamente possível acomodar a possibilidade do uso
referencial de descrições definidas fazendo recurso à distinção griciana, em tudo o mais
motivada independentemente dessa controvérsia, entre o que é dito e o que é comuni-
cado.
8, p. 62–3
Por meio dessa distinção, é cabível defender que, da perspectiva do que
é dito, frases em que ocorrem descrições definidas devem receber análises quantificacio-
nais, enquanto que, da perspectiva do que é comunicado, tais fra ses podem ser usadas
para comunicar uma proposição singular, por meio do reconhecimento mútuo de inten-
ções entre falantes. Conserva-se, desse modo, um tratamento uniforme à semântica das
descrições. Essa nada mais é que a base da distinção de Kripke entre referência semântica
e a referência dos falantes.
42, p. 394–7
A meu ver, uma forma mais proveitosa de se caracterizar uma expressão referencial é
por meio da função que desempenha no interior de uma frase.
43, p. 181 ss
Uma expressão
referencial designa aquilo de que um predicado é ou não é verdadeiro. Portanto, expres-
es referenciais talvez correspondam, na linguagem natural, às constantes individuais do
cálculo de predicados. É verdade que, do ponto de vista da comunicação, isto é, de um
ponto de vista não mais estritamente semântico, uma expressão referencial também per-
mite a falantes saber de que objeto específico se está falando, ainda que diferentes tipos
de expressão executem essa função de maneiras profundamente distintas.
1, p. 2–3
Essa
é uma função igualmente importante e é devidamente considerada no próximo capítulo.
Por ora, o importante a observar é que o significado de uma expressão referencial, ou
81
seja, sua contribuição para a proposição expressa, é nada mais que sua referência. Dito
de outra forma, o valor de verdade de uma frase em que figura uma expressão referencial
b depende de como são as coisas com relação a b. Dessa forma, é possível ver por que
o proferimento de uma frase b é F ’, em que b é uma expressão referencial autêntica
e F ’, um predicado, expressa uma proposição dependente de objeto. Não qualquer
proposição para ser expressa ou pensamento para ser considerado, se a expressão utilizada
como sujeito gramatical não tiver uma referência.
17, p. 228
[Se uma expressão referencial] malogra denotar algum objeto, ela perde
todo vestígio de significado que tiver, por não ter um verbo, como Peirce
diria, nela envolto que comporte qualquer significado ad icio nal.
27, p. 149
Tendo em vista essas considerações, a dependência de objeto tem uma primeira expli-
cação. Se uma expressão referencial não designa um objeto, não se compõe uma propo-
sição que seja sobre um objeto. Frases em que uma expressão referencial sem referência
ocorre não expressam proposições. Respeitando a terminologia de fato empregada por
Russell, e ssas frases são contrassensos, nonsense.
2, p. 484
Todavia, não é necessário seguir
sua terminologia, afinal o que “ele quis dizer por meio disso [ao empregar ‘contrassenso’] é
que alguém que proferisse a frase seria como alguém que proferisse um contrassenso, pois
que, de todo, nada teria dito.”
1, p. 42
Vejamos duas maneiras de se exprimirem as razões para tanto. A fim de apreciar essa
formulação de Russell e como a dependência de objeto dela decorre imediatamente, é útil
retomar, da página 22, a proposição estruturada expressa por uma frase em que figura
um termo singular como um par ordenado, seguindo Donnellan.
15, p. 11-2
Como vimos, o
proferimento de uma frase como
(18) João é brasileiro.
expressa uma proposição que pode ser representada pelo seguinte par ordenado:
(18
) João, ser brasileiro
em cuja estrutura estão presentes o próprio João e a propriedade de ser brasileiro. Russell
82
considera, portanto, que o próprio objeto entra literalmente na estrutura da proposição
juntamente com a propriedade que lhe é atribuída. Destarte, as coisas de que dependem
as proposições nada mais são do que as partes constitutivas da proposição. Se o nome
‘João’ em (18) a nada correspondesse, a seguinte estrutura
(18

) * , ser brasileiro
não configura ria um par ordenado, não representaria uma proposição. Se não o objeto,
não a proposição.
Entretanto, como mostraram Evans e McDowell, considerar um objeto como lite-
ralmente um constituinte de uma proposição é um detalhe dispensável à doutrina das
proposições dependentes de objeto.
1, p. 35; 17, p. 233
Deve-se compreender tão-somente que
“o essencial é que a existência da proposiçã o dependa da existência do objeto.”
8, p. 50
De
fato, é igualmente possível apresentar a dependência de objeto por meio de uma semân-
tica vericondicional que exclua o uso de noções algo controversas como as de ‘proposição’,
‘objeto constitutivo de proposições’, ‘fatos’. Por exemplo, seja b uma expressão referen-
cial e F ’, um predicado monádico, os quais, acoplados por regras de formação sintática,
produzam a frase de forma
(85) F b
Em primeiro lugar, seguindo a exposição de Davies, se b se refere a b, ou seja, b tem de
fato uma referência, então é possível a um intérprete formular imediatamente o seguinte
axioma, que atribui à expressão a referência (Ref ).
10, p. 90–94
(86) Ref(b) = c
No axioma (86), a expressão c é um nome, na linguagem da teoria semântica, daquilo de
que b é um nome na linguagem objeto. De maneira semelhante se procede com relação
ao predicado monádico F ’:
(87) (x)(x Ext(F ) Gx)
83
O axioma (87) atribui uma propriedade semântica, sua extensão (Ext), ao predicado F
da linguagem objeto, por meio do acoplamento do predicado G a uma variável ligada
a um quantificador universal, ambos pertencentes à linguag em da teoria semântica. Em
seguida, a partir dos axiomas (86) e (87), é possível derivar, por meio do concurso de
regras de inferência
(88) F b é verdadeiro Gc
como um teorema da teoria semântica que atribui condições de verdade às frases da lin-
guagem objeto, entre elas, nomeadamente, F b’. A dependência de objeto, nesse caso,
é explicada pela necessidade de que toda s a frases da linguagem objeto sejam completa-
mente interpretadas, para que delas se derivem condições de verdade.
16, p. 248
Ora, na
circunstância de a expressão b não ter uma referência, ainda que b se posicione sinta-
ticamente como uma expressão referencial, fica impossibilitado o intérprete de formular
um axioma com a fo rma de (86), que seja de tal modo verdadeiro que dele se possam
derivar, através das mesmas regras de inferência, teoremas na linguagem teórica que, de
modo semelhante a (88), atribuam condições de verdade determinadas a frases em que b
ocorra na linguagem objeto.
38, p. 184–5
É claro que esse bloqueio se justifica, tal como no exemplo anterior em que Maria
procura interpretar o comp o rtamento linguístico de João alucinando cebolas, não somente
por não se conseguir encontrar e por simplesmente não haver um portador do suposto
nome, mas também p elo fato de que o intérprete racionalmente acredita não haver um
portador.”
38, p. 184, ênfase minha
Contudo, a “pena pela vacuidade”
7, p. 84
imposta a frases
tais como (18) não advém, parece-me, exatamente de tal frase não receber, mas de não ter
condições de verdade simpliciter. Ora, uma crença racional do intérprete, porém falsa, de
que b não existe pode ser responsável por um bloqueio indevido na atribuição de conteúdo
de re às crenças de um sujeito sobre b. Em tal situação, o sujeito pensaria legitimamente
algo sobre b, apesar disso não lhe ser reconhecido pelo intérprete, se ndo erroneamente
refletido na teoria semântica. Uma explicação adequada da dependência de objeto deve
84
atentar, a meu ver, para a seguinte subordinação de condições: a atribuição de condições
de verdade a crenças é dependente de objeto, porque a existência de condições de verdade
é dependente de objeto.
A apresentação da dependência de objeto através de uma semântica vericondicional
desvia-se de um vocabulário de termos intensionais por vezes não bem-vindos em virtude
de seu caráter supostamente não explicativo.
44, p. 20
Mas há, nessa estratégia, um be-
nefício ainda mais substancial. Em uma semântica vericondicional, espaço para uma
noção de sentido de inspiração freguiana, tal como concebida por McDowell. Trata-se de
uma diferença importante entre a teoria das proposições de Russe ll e uma semântica da
linguagem natural, segundo McDowell e Evans. Enquanto que, para Russell, proposições
são dependentes de objeto em virtude de objetos serem componentes de proposições, Mc-
Dowell e Evans, por outro lado, consideram que um pensamento é dependente de objeto
em virtude de ser composto por sentidos dependentes de objeto ou sentidos de re. Mas em
que consiste apreender um pensamento que contenha um sentido dependente de objeto?
Para McDowell, apreender um sentido de re de uma expressão referencial é ser capaz de
formular, no interior de uma teoria semâ ntica cujo conhecimento habilite um intérprete a
compreender proferimentos de uma linguagem, um axioma como o seguinte:
38, 173–4
(86) Ref(b) = c
Contudo, para ser capaz de formular tais axiomas, além de serem atendidas as condições
ontológicas expostas nesta seção, no caso, a existência de c, também de atentar para
condições de outra ordem. Para vermos isso, é preciso retornar às condições epistemo-
lógicas da compreensão e a nalisa r as consequências para uma filosofia do pensamento de
um justificativa que Russell oferece para a exigência de apreensão de todos os elementos
proposicionais como condição necessária da compreensão linguística. Trata-se de avaliar
o Princípio de Russell e a possibilidade de ilusã o do pensamento.
85
3 A ilusão de compreender
De dentro da caverna, o poderoso Polifemo disse:
“Amigos, Ninguém está tentando me matar com malandragem e sem brigar!”
Então, com palavras suaves responderam:
“Se ninguém te agr ide e se está sozinho, ora,
não tem jeito, mal que vem do grande Zeus arrebenta mesmo.
Faça uma prece para o senhor seu pai, Poseidon!”
Assim disseram e se foram. Calado, ri muito
de que o truque genial do meu nome os tivesse iludido.
Odisséia, Homero
3.1 Ilusão
No ca pítulo anterior, tentei mostrar como o princípio do conhecimento direto em con-
junção com a teoria das descrições de Russell explica a possibilidade de se pensar acerca
do que não se conhece. O princípio diz ser condição necessária para a apreensão de um
pensamento que um sujeito tenha conhecimento direto de todos os componentes desse
pensamento. No caso de proposições expressas pelo proferimento de frases que contêm
descrições definidas como sujeitos gramaticais, a teoria das descrições autoriza um su-
jeito a pensar sobre um objeto por descrição, sem conhecer diretamente esse objeto e sem
transgredir o princípio. Por meio de uma análise quantificacional da frase em que figura
a descrição definida, a teoria das descrições mostra que o o bjeto descrito, se algum, não é
um componente da proposição. Disso segue que as condições separadamente necessárias
e conjuntamente suficientes para se compreender proferimentos dessa frase consistem em
86
apreender tão-somente as funções proposicionais que compõem a proposição em sua o r-
ganização sintática e so b uma quantificação unitária.
8, p. 22
Portanto, pode-se dizer que a
compreensão dessa frase é independente tanto da existência de um objeto, quanto de seu
conhecimento.
Mas, por outro lado, frases que não se prestam a um tratamento quantificacional,
como parece ser o caso daquelas que contêm expressões referenciais. Como visto sobre os
demonstrativos e sobre as demais expressões referenciais nas páginas 77 e 81, proposições
expressas por proferimentos dessas frases contêm o o bjeto referido como seu componente.
Dito de outra forma, sua referência figura na especificação de suas condições de verdade.
Se observarmos o princípio do conhecimento direto, como até então tenho observado por
hipótese, temos de reconhecer que, a menos que uma explicação auxiliar e independente
seja fornecida, um sujeito que não conheça a referência de uma expressão referencial
não apreende o pensamento expresso pelo proferimento de uma frase em que figure tal
expressão. Estritamente falando, esse sujeito não compreende esse proferimento. Ou
assim me parece. Supondo que ‘João’ seja o nome de João
1
e ‘Maria’ seja o nome de
Maria
1
, o proferimento de
(1) João ama Maria.
expressa um pensamento de forma
(1
) aRb
em que figuram João
1
e Maria
1
como termos da relação R. Se a compreensão de (1)
envolve a apreensão de (1
) e se o princípio do conhecimento direto vale, é condição
necessária para compreensão de um proferimento de (1) que um falante conheça João
1
e
Maria
1
, bem como entenda o predicado binário ‘_ ama _’, ou seja, saiba em que consiste
para todo x e para todo y, que x ame y. Contudo, suponha que José não conheça João, não
saiba que a referência de ‘João’ é João
1
, mas, tendo ouvido (1), pretenda compreender
esse proferimento e que esse proferimento seja, de fato, a respeito de João
1
e Maria
1
.
87
Qual a maneira correta de se caracterizar, nessa situação, a suposta compreensão que
José tenha de (1)? O que se pode atribuir em termos de compreensão a José, se ele disser,
após ouvir (1) e com toda a sinceridade possível, algo como o seguinte?
(89) Eu acredito que João ama Maria.
Caso se considere que o contexto de relato de uma crença é uma complicação desne-
cessária à presente discussão, ainda assim se pode perguntar: como caracterizar a com-
preensão que José tem do que ele mesmo diz, ao proferir o seguinte?
(1) João ama Maria.
Parece-me que o conflito de intuições é direto. É perfeitamente possível tender para
(i) o lado da resposta que, enfatizando a competência linguística indiscutível de José,
atribua-lhe a compreensão de (1), a apreensão do pensamento que João ama Maria. Mas
igualmente se pode tender para (ii) o outro lado do conflito de intuições, tão logo se
leve em conta que a atribuição de compreensão, para ser explicativa, deve ser sensível à
diferença entre o caso em que José conhece João e o caso em que José não conhece João.
Com isso, deseja-se enfatizar que a noção de compreensão não pode ser trivial para uma
explicação da normatividade da linguagem.
1, p. 89
A compreensão da linguagem, nesse
caso, estaria condicionada a exigências adicionais. Desobedecer essas condições adicionais
justificaria tomar como falsa a crença que José pretende exprimir por meio de (89) e
ilusória, a expressão linguística dessa crença.
Mas ainda resta a José a possibilidade de conhecer alguém cujo nome seja também
‘João’. Digamos, então, que José e João
2
sejam acquaintances de longa data. Além
disso, suponha agora que José conheça Maria
1
, a mesma Maria
1
que, co mo vimos, é
componente de (1
). Em tal situação, é possível que José, ao pretender compreender o
mesmo proferimento de (1) dos casos anteriores, tome o nome ‘João’ como se naturalmente
se referisse a seu amigo João
2
. Pode-se dizer que, nesse caso, José apreenderia algo como
(1

) cRb
88
em que a constante c represente João
2
e a constante b continue a representar Maria
1
.
Ao pretender compreender esse proferimento, não apreenderia, portanto,
(1
) aRb
Convém lembrar que, além de dizer respeito a Maria
1
, o proferimento não é acerca de
João
2
, mas de João
1
, uma outra pessoa. O fato de se tratar de duas pessoa s diferentes
que, por acaso , são homônimas não é um comentário paralelo, mas aponta a consequência
crucial de que, a depender das condições de verdade atribuídas a o proferimento de (1), a
proposição expressa é verdadeira ou falsa em função de como as coisas são com relação
a objetos distintos, não apenas numericamente distintos, mas completamente diferentes.
Retomando o exemplo, em tal situação, aceita-se de bom grado que José apreenderia
perfeitamente algum pensa mento. Ma s diremos que José compreenderia esse proferimento
específico de (1), compreenderia que João ama Maria? Por um lado, (i) nossas intuições
podem tender para atribuir alguma compreensão a José, afinal, ele apreendeu certas
condições de verdade definidas. Mas, por outro lado, (ii) recusar essa atribuição é atentar
para o fato de que exemplos como esse motivam o reconhecimento de uma dimensão da
compreensão que vai além da plena competência linguística.
Críticos, de fato, são aqueles casos decorrentes da dependência de objeto de pensa-
mentos singulares. Suponhamos que ‘Maria’ não tenha uma referência. Como vimos na
página 79, se a semântica das expressões referenciais é direta, e se ‘Maria’ é uma expressão
referencial que não tem uma referência, então esse termo em nada contribui para a for-
mação de uma proposição. Por conseguinte, proposição ou pensamento algum é expresso
pelo proferimento de uma frase em que figure ‘Maria’. Em tal situação, o proferimento de
(1) nada diria, pois não se comporia uma proposição, não se expressaria um pensamento.
Suas condições de verdade ficariam em aberto, indeterminadas. Nesse caso, seria absolu-
tamente impossível co mpreender um proferimento de (1) nos mesmos termos em que seria
perfeitamente possível compreendê-lo, se algum objeto correspondesse a ‘Maria’ e José
conhecesse tal objeto diretamente. Mais uma vez, temos um choque de intuições entre
89
(i) atribuir algum nível de co mpreensão a José que, contudo, claramente ficaria aquém da
apreensão autêntica de uma proposição singular, e (ii) considerar tanto que o proferimento
de (1), quanto a crença que José pretende exprimir por meio de (89) são semanticamente
vazias, desprovidas de condições de verdade. Se as intuições que se alinham a essa última
estiverem corretas, nesse caso, como nos demais, a pretensão de José compreender esses
proferimentos são todas tentativas frustradas de apreensão. Paralela à tentativa de com-
preensão, corre a possível ilusão de compreender. Recai sobre essas intuições, porém, o
ônus da prova.
3.2 Discriminação
Para ver como iss o é possível, vou retomar a discussão das condições epistemológicas da
compreensão, temporariamente suspensa para dar lugar à apresentação da dependência de
objeto. Mas, no que segue, tentarei mostrar que o princípio do conhecimento direto têm,
entre outras, ao menos três limitações: (i) herda a dificuldade inerente à metafísica das
proposições russelliana s de explicar a compreensão de conteúdos falsos; (ii) a dependência
de objeto que decorre da semântica das expressões referencias traz à luz uma limitação
fundamental do princípio para uma explicação da impossibilidade de compreender profe-
rimentos semanticamente vazios; (iii) p o r fim, a razão que Russe ll apresenta em favor do
princípio parece não contar como uma justificativa desse princípio. Essas três dificulda-
des talvez sejam suficientes para “rejeitar explicitamente,” como requer Faria, o princípio
na versão de Russell e, ao menos, considerar a revisão por Evans.
20, §43
A partir desse
reconhecimento, o falibilismo da compreensão poderá ser elucidado. Retomo a discussão.
Princípio do conhecimento direto “Assim, em toda proposição que podemos apreen-
der (isto é, não somente naquelas de cuja verdade o u falsidade podemos ajuizar, mas
em todas a respeito das quais podemos pensar), todos o s componentes são entidades
de que temos conhecimento direto e imediato.”
2, p. 492
(s)(x)(p)(sEp x Cp) sRx (PCD)
90
Conhecimento direto “Digo que tenho conhecimento direto de um objeto quando tenho
uma relação cognitiva direta com esse objeto. [. . .] Quando falo aqui de uma relação
cognitiva, não quero dizer o tipo de relação que constitui um juízo, mas o tipo
que constitui apresentação. [. . .] A expressão conhecimento direto é cunhada para
enfatizar [. . .] o caráter relacional do fato de que nos ocupamos.”
25, p. 108
(s)(x)(R)sR(x
1
. . . x
n
) (sAx
1
. . . sAx
n
) (C. Dir.)
Russell considera o princípio do conhecimento direto “o princípio epistemológico fun-
damental na análise de proposições contendo descrições.”
25, p. 117
Mas um rápido exame
de sua formulação é suficiente para concluir que esse título é modesto e seu alcance,
maior.
34, p. 100
Trata-se de um princípio que governa a apreensão não somente de pro-
posições expressas pelo proferimento de frases descritivas, mas também a apreensão de
toda e qualquer proposição, de toda e qualquer frase de que seja plausível perguntar pela
verdade ou falsidade do que diz. O princípio do conhecimento direto é geral e, elucidado
pela fórmula lógica PCD, quantifica universalmente sobre proposições. Suas aplicações
particulares, p orém, sendo um princípio acerca da apreensão de proposições por sujeitos,
pressupõem a existência prévia de pensamentos. Dado um pensamento q, completo e dis-
ponível para ser pensado, o princípio regula a atribuição de condições epistemológicas para
a apreensão de q. E o pensamento q, segundo o princípio, figura na especificação das con-
dições epistemológicas de sua própria apreensão. Dado um pensamento, essencialmente
estruturado, o princípio do conhecimento direto estabelece, como condição necessária da
apreensão de q, lograr uma relação cognitiva R entre um sujeito que pretenda apreender
q e os componentes mesmo s de q. Daí ser um princípio muito útil para explicar o que
está envolvido na compreensão de frases em que ocorrem descrições definidas, bem como
frases em que ocorrem expressões referenciais que, de fato, tenham uma referência.
Entretanto, o princípio do conhecimento direto não explica a apreensão de conteúdo
falso. Como apontado no capítulo anterior, página 73, algo de instável em defender
uma concepção de proposição que se ja (i) russelliana, (ii) o objeto de atitudes proposi-
91
cionais e (iii) o portador de valor de verdade, em uma teoria que pretenda comportar a
existência de conteúdo falso. De uma proposição russelliana, a derivação de condições de
apreensão segundo o princípio do conhecimento direto enfrenta a limitação de não explicar
a compreensão de proferimentos de conteúdo falso, por ter de reconhecer não apenas fatos
falsos, mas também os não muito explicativos componentes de fatos falsos. Por somente
ser capaz de atribuir condições de compreensão a proposições russellianas verdadeiras, a
consequência indesejada é estar a um passo de reconhecer ou que a apreensão de conteúdo
falso não está submetida a condições epistemológicas ou que não é possível compreender
frases falsas. A menos que a metafísica das proposições seja revista, os casos possíveis de
aplicação do princípio é a metade exata do que se espera. A fim explicar a compreensão
da falsidade, a saída encontrada por Russell foi nada menos do que abandonar a teoria
das proposições russellianas.
Além do mais, se não houver um pensamento disponível, o recurso ao princípio é inviá-
vel. Nos casos em que a dependência de objeto das expressões referenciais não é satisfeita,
os próprios símbolo s Cq e ¬aEq não corresponderiam a condições de verdade definidas,
com as quais se pretendesse especificar as condições de apreensão de um pensamento que,
todavia, não existiria. Afinal, a constante q nada representaria, a não ser sob “fingimento
meinonguiano.”
19, p. 220
Novamente, o princípio do conhecimento direto tem aplicação res-
trita. Afinal, em casos em que não houver uma proposição expressa pelo proferimento de
uma frase f, não se pode recorrer, sem qualificações, ao princípio do conhecimento direto
para a derivação das condições epistemológicas envolvidas na compreensão de f. Ora, a
insistência nessa derivação esbarra na possibilidade de que a especificação mesma das con-
dições epistemológicas da compreensão seja, portanto, igualmente desprovida de sentido.
As condições necessárias para a apreensão de um pensamento herdam sua dependência ou
independência da dependência ou independência ontológica do pensamento em questão.
Na ordem de precedência, primeiro vem a metafísica, depois, a epistemologia. Primeiro,
o mundo, segue o conhecimento.
92
Resta, ainda, a dificuldade de justificar a existência de condições epistemológicas da
compreensão. O princípio do conhecimento direto e a noção de conhecimento direto são
categorias teóricas distintas. O princípio afirma que é condição da apreensão proposicional
o conhecimento direto de seus componentes. Por sua vez, a formulação do conhecimento
direto elucida, de modo independente, o que vem a ser essa condição necessária. Co-
nhecimento direto é conhecimento imediato, relacional, primitivo e não deriva de um
conhecimento proposicional prévio. O princípio do conhecimento direto, diferentemente,
não é imediato e não é primitivo. Ter conhecimento direto de um objeto não pede justifi-
cativas. Ou se tem ou não se tem conhecimento direto de uma coisa, ainda que isso possa
ser s atisfeito de várias formas. Mas ao princípio talvez falte uma justificativa, se deseja-
mos afirmar que vale e não somente que é verdadeiro por hipótese. Uma tal justificativa
deve ser capaz de mostrar por que adotar o princípio do conhecimento direto. A tentativa
de Russell é conhecida.
A principal razão para supor que o princípio [do conhecimento direto] é
verdadeiro é que parece ser muito difícil acreditar que podemos fazer um
juízo ou considerar uma suposição, sem saber a respeito do que é que
estamos ajuizando os supondo.
25, p. 117
Substituindo a polidez por uma negativa, em que não se pode menosprezar o reco-
nhecimento da normatividade da compreensão, Russell reformula sua “razão principal”
naqueles termos que, após o batismo por Evans, passaram a ser conhecidos como o prin-
cípio de Russell.
1, p. 89
Princípio de Russell “Não podemos fazer um juízo ou uma suposição sem saber acerca
do que é que estamos fazendo nosso juízo ou nossa suposição.”
25, p. 118
Também conhecida é a observação perspicaz de Evans de que, entre aderentes e opo-
sitores, “a disputa real co ncerne ao que é ter esse conhecimento.”
1, p. 89
Em Variedades da
referência, o comentário circunscreve o alvo nítido da crítica de Evans a alguns desenvolvi-
mentos da teoria da referência direta, sobretudo à vertente histórico-causal de Donnellan
e Kripke. Segundo Evans, ess a vertente toma como condição suficiente da compreensão
93
de frases em que ocorrem nomes próprios uma condição que é tão-somente necessária,
a saber, “a existência de uma relação causal apropriada entre um estado mental e um
objeto.”
1, p. 78
Nos termos do exemplo (89) da introdução deste capítulo, aproxima-se à
intuição que deseja atribuir a José a compreensão de frases acerca de João
1
, tão-só em
virtude de José ter sido, de fato, introduzido à cadeia de falantes que empregam o nome
‘João’ e que tem origem no batizado de João
1
, ao ouvir o proferimento de (1). Especifi-
camente acerca do princípio de Russell, de acordo com Evans, se a acepção de ‘sabe qual’
é por demais coloquial, o princípio se mostra falso, pois, nessa acepção, parece ser sempre
possível fazer juízos sobre coisas que não se conhece. Além disso, o princípio se torna
trivial, caso faltem exigências mais estritas quanto a o que pode ser aceito como resposta
para a pergunta ‘sobre quem se está falando?’ Talvez seja exatamente isso que ocorre com
aquele exemplo. A atribuição de compreensão a José acerca do emprego de ‘Jo ão ’ parece
não depender somente da capacidade de José proferir frases em que figura o nome ‘João’
no interior da c adeia de falantes que usam ‘João’. Trata-se de uma confusão prevalente na
filosofia da linguagem entre as condições necessárias para o proferimento e as condições
necessárias para a compreensão de frases referenciais. Confusão, a meu ver, responsável
por se desejar defender, supostamente contra Russell, que “conhecimento direto não é uma
condição necessária da nomeação.”
34, p. 109
Não, de fato, não é uma condição necessária
para o emprego de nomes próprios. A questão é saber se é uma condição necessária para
a co mpreensão de usos de nomes próprios.
1, p. 403
Entre outras coisas, dissolver essa con-
fusão talvez seja uma das motivações para Evans propor uma formulação mais sofisticada
do princípio, a ser devidamente considerada mais à frente.
Mas outro debate em que, a meu ver, a disputa real também concerne ao que
é ter esse conhecimento. quem desconfie que o princípio de Russell não seja uma
razão para se adotar o princípio do conhecimento direto. Assim, antes de considerar a
revisão de Evans desse princípio, gostaria de me posicionar no debate acerca do possível
caráter não-explicativo do princípio de Russell, enquanto razão para se adotar o princípio
do conhecimento direto.
94
Fixado que conhecimento direto é uma modalidade de conhecimento de coisas, e que
a expressão gramatical do conhecimento de coisas é, como foi visto, ‘Maria conhece b ou
‘Maria conhece o F ’, cotejar o princípio do conhecimento direto e o princípio de Russell
parece s er suficiente para identificar uma possível falha no argumento. Por exemplo,
Black substitui knowing what por knowing by acquaintance a fim de criar uma suposta
versão do princípio que, de fato, constituiria “uma mera repetição da quilo que deveria ter
sido demonstrado.”
45, p. 248
Por sua vez, incomodada pela presença de knowing what
na formulação de Russell, Ackerman imediatamente condena o autor por incorrer em
petição de princípio.
46, p. 501
Dessa possível circularidade do argumento tira sua motivação
para propor uma versão modificada do princípio do conhecimento direto, uma versão que
explora não exata mente uma relação epistêmica, mas, sim, a extensão da classe dos objetos
de conhecimento direto.
46, p. 503
No enta nto, essa estratégia talvez seja vítima indireta de uma equivocação que Mc-
Dowell identificou na formulação do princípio por Russell. Acerca das passa gens citadas
na página 92, McDowell diz o seguinte:
O princípio [de Russell] afirmado nessas citações parece ser plausível o
bastante. Mas esse não é, como pretende Russell , o mesmo que seu
princípio do “conhecimento direto.” Pois o princípio do “conhecimento
direto” envolve “conhecer;” [connaître] enquanto que, no princípio plau-
sível, [. . .] “saber” [savoir ] é seguido por uma questão indireta. Parece
que Russell toma erroneamente expressões como “o que é acerca do que
estamos ajuizando ou supondo,” tais como ocorrem no [princípio do co-
nhecimento direto], po r expressões que designam o objeto apropriado.
47, p. 165
Tal como entendo essa observação de McDowell, a expressão inglesa what it is that
we are judging or supposing about pode ser elucidada pela distinção entre conhecimento
de coisas e conhecimento de verdades, tal como é o caso da distinção entre conhecimento
por descrição e conhecimento direto, apresentada no capítulo anterior. Contudo, uma
diferença crucial, que talvez neutralize essa linha crítica. Na formulação do princípio de
Russell figura, ao invés de um sintagma nominal como objeto direto de ‘saber’, uma oração
que funciona como objeto indireto de ‘saber’, uma oração dita subordinada substantiva
objetiva indireta na gramática da língua portuguesa.
31, p. 614
Desse modo, a modalidade
95
Princípio do conhecimento direto
Conhecimento
direto por descrição por descrição
de coisas de coisas de verdades
Maria conhece b Maria conhece o F Maria sabe que (x)
(y)((F y y = x) F x)
Princípio de Russell
Conhecimento de verdades
Maria sabe quem é b Maria sabe quem é o F Maria sabe que (x)
(y)((F y y = x) F x)
Tabela 3.1: Modalidades de conhecimento segundo os princípios
de conhecimento exigida para a satisfação do princípio de Russell seria, portanto, de
conteúdo proposicional, ou seja, conhecimento de verdades. Dessa feita, a substituição de
Black é barrada, afinal, não sã o equivalentes as locuções ‘saber aquilo a respeito do que é
que penso’ e ‘conhecer diretamente um objeto’, não somente porque pertencem a diferentes
classes gramaticais, mas por corresponderem a modalidades distintas de conhecimento. A
tabela 3.1 talvez ajude a esclarecer a diferença, ao retomar aquela da página 68.
A diferença na modalidade de conhecimento exigida para atender aos princípios p os-
sibilita mostrar que, apesar das aparências, o argumento de Russell e, por conseguinte, a
justificativa do princípio do conhecimento direto não são circulares. É que ta lvez ainda
não tenha sido suficientemente enfatizado que o argumento apresentado em ‘Conhecimento
direto e conhecimento por descrição’, em favor do princípio do conhecimento direto, ao
invocar como sua maior razã o o princípio de Russell, tem a forma de uma condicional
transcendental.
3, p. 996
Portanto, a dialética interna ao argumento de Russell pode ser
elucidada por meio da explicitação de sua estrutura transcendental. Em primeiro lugar,
96
seguindo a caracterização de argumentos transcendentais por Stroud, é preciso entender
que a forma lógica do argumento é o modus tollens, ou seja, o argumento opera por meio
da negação do consequente de uma condicional.
48, p. 156–8
Em segundo lugar, é preciso
entender que a premissa adicional responsável po r negar o consequente da condicional
deva ser uma premissa compartilhada p or todos, sejam defensores, sejam opositores. Por
fim, o argumento deve procurar estabelecer uma condição necessária para algo que tenha,
na frase de Stroud, um “estatuto especial,” como algo “exigido para o pensamento ou para
a experiência.”
48, p. 158
Ora, é exatamente essa a “estratégia transcendental” de Russell.
O estatuto especial de seu argumento é manifesto, afinal pretende impor uma condição
necessária à apreensã o de pensamentos, ou seja, falando jargão ka ntiano, uma condição
de possibilidade de qualquer atitude proposicional. Em segundo lugar, o princípio de
Russell é dito ser “evidente tão logo seja compreendido,” além de sua primeira formulação
ser precedida de ‘parece ser muito difícil acreditar que’.
25, p. 117–8
Ainda acerca desse
traço do argumento, pode-se também lembrar a observação de Evans acerca da acepção
coloquial de ‘saber qual’. Por fim, a forma do argumento é a negação do consequente de
uma condicional, sendo que a condicional, em sua formulação completa adaptada à de
Kaplan, é a seguinte:
3, p. 996
Premissa condicional Se não é o caso que to da proposição que podemos compreender
deve ser integralmente composta por componentes de que temos conhecimento direto
(¬PCD), então podemos fazer um juízo ou considerar uma proposiçã o sem saber
a respeito do que é que estamos ajuizando ou supondo (¬PR).
¬PCD ¬PR
Suposta essa premissa, é simples reconstruir, de maneira informal, a dialética do
argumento. Se (i) o princípio do conhecimento direto é falso, (ii) então o princípio de
Russell é falso. Ora, (iii) todos nós concordamos que o princípio de Russell é verdadeiro,
basta considerar o fato de que pensamos acerca de coisas. Logo, (iv) o princípio do
97
conhecimento direto é verdadeiro. Canonicamente, seja p o princípio do conhecimento
direto, e seja q o princípio de Russell. Assim procede o argumento transcendental de
Russell em favor da validade do princípio do conhecimento direto, um modus tollens que
pretende estabelecer uma condição necessária do pensamento, por meio de uma premissa
que é afirmada somente em virtude de ser evidente e compartilhada.
¬p ¬q Prem.
q Prem. (evidente)
¬¬q I¬
¬¬p E
p E¬
Conforme suas crenças e conforme a estrutura mesma de seu argumento, o princípio de
Russell era evidente para Bertie.
25, p. 118
Assim, se a observação de McDowell autoriza
manter distintos os princípios, e se essa exposição da forma válida do argumento estiver
correta, talvez o argumento de Russell não seja circular.
Peça central para que o argumento apresentado acima não somente seja reconhecido
como transcendental, mas para que simplesmente funcione, a premissa q, contudo, deve ser
previamente aceita, independente do uso que dela se faz nesse argumento. Mas supondo
que a premissa q seja plausível, tal como a consideram ser Russell e McDowell, ainda
assim o argumento pode não funcionar ou, ao menos, não funcionar como seria esperado.
Afinal, é ainda possível que p e q sejam um e mesmo princípio. Essa possibilidade é
real, mas não exatamente porque Russell emprega um mesmo vocabulário epistêmico na
formulação dos princípios. Diferentemente, como mostrou Faria, dada a metafísica de
Russell, a equivalência dos dois princípios talvez seja uma consequência incontornável de
sua opção por reduzir toda e qualquer apreensão de objetos do pensamento à relação de
conhecimento direto.
20, §27, §40
Nesse caso, o argumento de Russell, apesar de ter a forma
de um argumento transcendental, teria como premissa uma condicional tautológica. Tendo
dado minhas razões para abandonar o princípio do conhecimento direto em conjunção com
98
a metafísica das proposições russellianas nas páginas 90 a 91, não é outro o momento de
introduzir a revisão de Evans das exigências epistemológicas da compreensão.
Para explicar, então, como falantes compreendem expressões, Evans reformula o re-
quisito de saber sobre o que pensamos quando pensamos acerca de algo em termos de
um pensa dor po ssuir um conhecimento discriminante do objeto de seu pensamento e em-
pregar esse conhecimento em suas tentativas de compreensão. As várias modalidades de
conhecimento discriminante são “condições suficientes para ser capaz de discriminar um
objeto de todas as demais coisas.”
1, p. 89
Um exemplo claro de conhecimento discriminante
é localizar um objeto espacialmente por meio da percepção a fim de compreender o uso de
um demonstrativo como ‘isto’. Podem-se considerar, como formas intuitivas de se ter um
conhecimento discriminante de um objeto, diferentes modalidades de identificação, tais
como perceber um objeto, reconhecer um objeto e saber fatos empíricos que individuali-
zem um objeto. Essas diferentes modalidades de identificação são essenciais para a teoria
de Evans, uma vez que sobre cada uma delas repousam diferentes habilidades relacionadas
ao pensa r sobre objetos particulares, o que, na linguagem natural, é refletido no uso e na
compreensão de diferentes tip os de expressões referenciais, como demonstrativos, indexi-
cais puros, nomes próprios, e pronomes pessoais. A fim de compreender frases em que
ocorrem expressões referenciais, é necessário que uma ouvinte saiba a cerca de qual objeto
particular o falante está pensando, o que, para tanto, exige da ouvinte o exercício de um
modo de identificação que de fato identifique o objeto. Uma característica importante de
expressões referenciais, portanto, é a de invocar conhecimento discriminante.
1, p. 306
No entanto, para dar ao Princípio de Russell o máximo de sua força, Evans procura um
meio de unificar, mas sem contudo reduzir umas às outras, essas diferentes modalidades de
identificação. Uma motivação independente para se aceitar o princípio de Russell, assim
concebido, é permitir que uma teoria atribua pensamentos a um sujeito segundo a restrição
de generalidade. Se aceitarmos que pensamentos são estruturados, então que alguém tenha
o pensamento de que b é F implica que também poss a ter o pensamento de que b é G,
de que b é H e o mesmo para uma infinidade de predicados.
1, p. 100–2
Não sentido
99
em dizermos que compreendemos o predicado ‘_ é brasileiro’ somente quando aplicado a
um determinado objeto, mas não quando aplicado a tais e quais objetos. A habilidade
de se compreender uma parte da proposição não é confinada ao caso específico de se
compreender essa determinada proposição, mas é compartilhada também pelos demais
casos de compreensão de quaisquer outras proposições que também tenham essa parte.
Com relação a um sujeito, ter um conhecimento discriminante de um objeto particular b
habilita o sujeito a exercitar uma mesma capacidade de identificação em várias ocorrências
de pensamentos distintos que envolvam b. Quanto a uma teoria que adote o princípio de
Russell e que, dessa maneira, se conforma à restrição de generalidade, tal teoria ganha
em sistematicidade, ao ser capaz de fornecer uma única explicação a ser compartilhada
por vários casos; do contrário, teria de fornecer uma explicação individual para cada
ocorrência de pensamento que envolvesse b.
49, p. 332–3
Evans sugere que essa habilidade de se pensar sobre um objeto é adquirida se um su-
jeito puder conhecer esse objeto como diferenciado de todos os demais, pelo conhecimento
da razão fundamental que diferencia objetos daquela classe tanto dos demais objetos que
pertencem à mesma classe, quanto de objetos que pertencem a classes diferentes.
1, p. 107
Desse modo, podemos pensar sobre um determinado número se compreendemos o critério
de individuação de números em uma série numérica, podemos pensar sobre uma determi-
nada laranja se soubermos o que é para x ser uma laranja e se localizarmos espacialmente
a tal laranja etc. Em suma, se pudermos identificar um objeto de forma a individualizá-
lo. No caso de pessoas, países etc., podemos pensar sobre João, se tivermos tido contato
suficiente com João para reconhecê-lo, e saber o que é ser verdadeiro para uma infinidade
de proposições sobre João, ainda que não saibamos qual o valor de verdade de todas essas
proposições.
Mas tendo em mente que se trata de condições muito estritas, temos ainda de nos
perguntar: a utilidade de nomes próprios não parece ser exatamente a de nos permitir
falar sobre pessoas ou coisas de que não temos conhecimento discriminante?
50, p. 39
A
partir dessa consideração fica claro que, a depender de como interpretamos conhecimento
100
discriminante relacionado a nomes próprios, a teoria de Evans talvez tenha a co nsequência
indesejada de raramente compreendermos usos de nomes próprios. Por um lado, não
parece ser suficiente que um sujeito pense que alguém chamado b é F ao pretender
compreender que b é F , ou seja, que apreenda uma proposição geral quando a frase
expressar uma proposição singular.
1, p. 398-9
Mas por outro lado, empregamos vários
nomes próprios de objetos e indivíduos que jamais vimos. Talvez a revisão de Evans e
qualquer outra teoria estrita da compreensão seja vítima da atribuição maciça da ilusão.
Exigências epistemológicas cada vez mais estritas talvez sejam suficientes para expli-
car, como talvez Evans tenha conseguido explicar, a dependência de objeto de pensamen-
tos singulares. Porém, de maior proveito é constatar que, de fato, a estratégia mesma de
determinar com precisão quais são as condições de verdade de um proferimento e derivar
desses padrões inferenciais as exigências de compreensão e de comunicação encontra na
dependência de objeto um limite intransponível, pela natureza mesma da estratégia. Por
meio de argumentos semânticos, a possibilidade de ilusão do pensamento e, com ela, o fato
de nossas crenças acerca de nossos próprios estados poderem falhar mesmo que jamais
venhamos a descobrir isso talvez motivem, ao invés de uma nova explicação epistemoló-
gica para a impossibilidade de compreender uma referência vazia, uma revisão mesma da
noção de compreensão.
A a tribuição maciça da ilusã o é uma fo rma de reductio de uma exigência epistemoló-
gica muito forte. Além do falibilismo na teoria da compreensão, que pode ser defendido
nas linhas propostas por McDowell, um deslocamento na compreensão mesma do que
seja uma epistemologia da compreensão, uma epistemologia menos individualista.
3.3 Deferência
Teorias que procuram explicar como falantes compreendem usos de termos da linguagem
podem optar, entre outras coisas, por direções opostas de explicação entre pensamento e
linguagem. De uma maneira simples, a primeira direção é do pensamento à linguagem;
101
a segunda, da linguagem ao pensamento. Por um lado, estados mentais de indivíduos,
tais como intenções, desejos e crenças, podem explicar o que falantes querem dizer por
meio do emprego de certas expressões da linguagem. Por outro lado, significados lin-
guísticos, tais como condicionados po r fatos acerca do ambiente, do mundo, da sociedade
e da comunidade linguística de um falante, podem explicar o que querem dizer frases
por ele proferidas, que talvez expressem o conteúdo de seus esta dos mentais.
51, p. 428;
52, p. 697–8, 718
No entanto, essas direções de explicação são motiva das por razões inde-
pendentes, não necessariamente incompatíveis entre si. Portanto, é possível haver um
argumento que reconcilie teorias que, por se orientarem de acordo com direções opostas,
pareçam dissonantes. Afinal, tanto explicar a normatividade inerente à co mpreensão da
linguagem, quanto determinar corretamente as condições de verdade de frases são deside-
rata que têm dominado parte considerável da filosofia da linguagem. No entanto, desde
o esforço monumental de Frege de tentar satisfazer a ambos, tem se mostrado árdua a
tarefa de explicar de uma maneira coerente e satisfatória a estrutura do pensamento e o
funcionamento da linguagem, sobretudo se esses objetos são tomados em conjunto e sem
que, no entanto, se sacrifique um ou outro dos desiderata. Curioso, porém, é que per-
maneça pouco explorado o recurso, em tudo o mais motivado independentemente dessa
dificuldade, a uma certa noçã o que se relaciona igualmente à normatividade e à semântica
e que, portanto, talvez elucide a relação entre elas. Assim, explicar qual é a função da
deferência na compreensão da linguagem talvez faça com que semântica e normatividade
se aproximem de tal forma a se vislumbrar, especialmente em contextos de comunicação,
uma possível conciliação entre elas.
Na verdade, defenderei que a deferência linguística é um modo autêntico de compre-
ensão de termos da linguagem, s obretudo de nomes próprios e termos genéricos. Para que
fique mais claro a que problema me dirijo, caracterizarei agora de maneira preliminar o
que vem a ser deferência linguística. Sucintamente e sem pretender dar definições, de-
ferência linguística assinala a atitude de falantes delegarem a outros a determinação do
que significam certas palavras que empregam. Os outros a quem delegar são os outros
102
falantes ou, em geral, a própria comunidade linguística e seus especialistas. Assim, ser
deferencial é uma propriedade pragmática, uma propriedade de estados, atitudes e inten-
ções dos falantes, sendo, inclusive, sensível a contexto. Não é uma propriedade de itens
da linguagem, tal como as propriedades semânticas de uma expressão ser uma expres-
são referencial ou quantificada. O seguinte exemplo, baseado em Burge,
53, p. 26–9
é um
caso claro de deferência: todos os dias falantes comuns usam com naturalidade um termo
como ‘artrite’, deixando a cargo dos médicos determinar o que é artrite e o que significa
‘artrite’. Mas também usam ‘artrose’, apesar de talvez não saberem distinguir artrite
e artrose. Ao dizer “acho que estou com artrite no coxa,” ainda que um fala nte associe
noções vagas e, nesse caso, errôneas ao termo ‘artrite’—noções que possam até mesmo
dizer respeito à artrose—tal falante defere à autoridade do especialista ou à comunidade
o que vem a ser, em última instância, aquilo a respeito de que fala. Essa prática social de
falantes delegarem a outros a tarefa de determinar qual o valor semântico de um termo,
ao deferirem, por exemplo, à habilidade do especialista de reconhecer coisas ou tipos de
coisas que correspondem a esse termo, configura a chamada divisão do trabalho linguístico
e cognitivo.
54, p. 227–9
Não nada de muito de polêmico nessa maneira de conceber a deferência. Porém,
temos de nos perguntar se o falante compreende, de fato, o termo ‘artrite’, tendo em
vista que defere a determinação de seu valor semântico à medicina. Seria parcial ou
imperfeito seu entendimento de uso s de ‘artrite’?
53, p. 29
Quem defere a outros não
mostras de que não domina ou não domina completamente a palavra que ainda assim
usa? Quem defere a outros não é aquele que não entende ou não entende de maneira
integral a quilo que ainda assim diz? A resposta positiva a perguntas como essas é um
pressuposto muito difundido entre teorias da deferência linguística. Por exemplo, apesar
de criticar Burge, Donnellan certamente c ompartilha de seu pressuposto , ao sugerir que
devemos analisar crenças de falantes deferentes em termos de proposições gerais, como
“acho que estou com uma doença chamada ‘artrite’ na coxa.”
55, p. 166–8
Não obstante sérias
dificuldades, Donnellan ao menos evita atribuir ao falante o estado—algo suspeito—de
103
domínio incompleto de um conceito. Recanati também compartilha do pressuposto, ao
retoricamente perguntar se é possível acreditar no que não se compreende.
56, p. 84–5
Por
exemplo, acredita um aluno de literatura latina que a prosa de Cícero contenha muitas
sinédoques, caso não compreenda o termo ‘sinédoque’, um termo que seu professor tanto
emprega?
56, p. 87
A fim de explicar casos como esses, Recanati sugere uma elegante
teoria da deferência linguística, ao postular a presença de um suposto operador deferencial
atuando sobre a representação mental da crença do aluno, que determinaria, através de
um certo mecanismo, que seu conteúdo fosse o mesmo que o da crença do professor. Cada
um, porém, aceita uma representação diferente: a do aluno é imperfeita e deferencial; a do
professor, não.
56, p. 91–2
A partir dessa teoria Recanati pôde concluir que, sim, podemos
acreditar no que não compreendemos.
Ora, é perfeitamente possível questionar o pressuposto comum dessas e outras teorias,
segundo o qual um falante defere a outros a determinação do significado de um termo
porque não domina ou compreende completamente esse termo. Tomo como a inflexão
de minha posição as palavras de Woodfield: deferência não é subserviência.
57, p. 450
Afinal, é possível que haja um argumento em favor da tese segundo a qual a deferência
linguística é uma modalidade de compreensão linguística. Contudo, a motivaç ão desse
argumento não seria exatamente criticar essas teorias ou dissolver suas perguntas, mas
tentar conciliar por meio de uma noção pragmática uma tensão entre normatividade e
semântica. Essa conciliação talvez seja possível se a deferência puder desempenhar o
duplo papel de satisfazer (i) as condições normativas da compreensão e (ii) as condições
de adequação de semântica. Por um lado, explicaria a competência linguística individual
e, por outro lado, ao atribuir um e mesmo conteúdo às crenças de falantes de não importa
qual grau de deferência, removeria uma barreira à determinação correta de condições de
verdades de frases. Considerarei, como um pressuposto de minha posição, que a segunda
tarefa é desempenhada pela deferência, afinal, parece que o ponto de qualquer teoria
da deferência é resguardar o desideratum semântico. Para se conciliarem as condições
semântica e normativa, configura-se, então, o problema de se formular um argumento
104
que mostre que deferência linguística satisfa z completamente as condições normativas de
compreensão. Mas a possibilidade desse argumento é condicionada à resolução de muitas
dificuldades, entre elas, não somente ter claro o que vem a ser deferência linguística,
mas, sobretudo, elucidar questões como as seguintes: (i) como falantes de fato deferem?
(ii) quais são condições impostas à possibilidade de deferir? (iii) que condições normativas
essa deferência visa satisfazer? (iv) qual a relação entre compreender um termo e usar
esse termo deferencialmente em alguns contextos?
Como tentarei ilustrar a seguir, teorias anti-individualistas muitas vezes introduzem
um tipo ou outro de deferência linguística a fim de explicar as exigências de racionali-
dade. Dito em outras palavras, espera-se de teorias anti-individualistas do significado que
procurem explicar a competência linguística individual. Mas isso não quer dizer que a
atribuição de compreensão do significado de nomes próprios e termos genéricos tenha de
ser concebida em termos individualistas. Felizmente, a normatividade está presente em
explicações anti-individualistas. Vejamos dois exemplos, Putnam e Evans.
Putnam é um exemplo claro, afinal, ele não somente mina o pressuposto central de
teorias individualistas do significado, mas, ao fazê-lo, é levado também a reconhecer a nor-
matividade da linguagem e a propor uma explicaçã o da competência individual por meio
da deferência linguística. Como se sabe, ao apresentar seu experimento de pensamento
da Terra Gêmea, Putnam defende de maneira co nvincente que o estado mental de um
falante não fixa a extensão de um termo genérico, po is o conteúdo estrito de seu estado
mental, os conceitos que o falante associa ao termo, não determinam a intensão do termo.
54, p. 222
Putnam, então, sugere que a extensão de um termo genérico é determinada por
dois componentes:
54, p. 245
(i) um componente social, a divisão do trabalho linguístico,
e (ii) um co mponente indexical, que captura a estrutura física das ocorrências de um
tipo natural. No entanto, Putnam não se esquiva de reconhecer que essa não é uma
explicação completa do significado: “Em muitos casos, a extensão pode ser determinada
socialmente, mas nós não atribuímos a extensão padrão a ocorrências de uma palavra P
pronunciada por Jones não importa como Jones usa P . Ele tem de ter algumas idéias e
105
habilidades específicas conectadas a P a fim de que ele rea lize seu papel na divisão do
trabalho linguístico.”
54, p. 246
Tendo acabado de defender de maneira tão convincente o
anti-individualismo, Putnam agora aborda a competência linguística individual. Assim,
sua teoria do significado tenta dar conta dos dois lados do problema, a adequação se-
mântica e a normatividade. A teoria dos estereótipos é claramente desenvolvida a fim de
explicar o caráter normativo da atribuição de conteúdo a estados mentais de indivíduos.
Apesar de falantes deferirem a especialistas a tarefa de reconhecer, por exemplo, tigres e
também a tarefa de especificar da melhor maneira possível o que significa ‘tigre’, ainda
assim “exige-se de falantes que saibam algo sobre tigres (estereotípicos), a fim de que sejam
considerados como tendo adquirido a palavra ‘tigre’.”
54, p. 248
Alguém que não saiba que
tigres normalmente são listrados simplesmente não sabe o que é um tigre. Nesse caso, não
se considera que o falante domine a palavra ‘tigre’, mesmo que, de fato, haja tigres que não
sejam listrados.
54, p. 250
Mas o que se deve esperar dos falantes é sensível ao contexto. Em
uma certa comunidade, falantes podem exigir de seus membros conhecimento detalhado
relativo a ‘tigre’, mas as exigências podem ser menores com relação a ‘molibdênio’. Em
outra comunidade linguística, por exemplo, em um congresso de química, as condições de
atribuição de compreensão desse termo são mais exigentes.
54, p. 249
Evans é outro autor que reconhece um tipo de deferência linguística, mas agora para
explicar a competência individual relativa a nomes próprios. Parece-me que Evans recorre
à deferência para escapar da ameaça de atribuição maciça de ilusão a falantes. Essa ame-
aça advém da possibilidade de raramente falantes satisfazerem as co ndições muito estritas
que Evans impõe à compreensão de expressões referenciais.
58, 50
Apesar de sua teoria da
compreensão de indexicais ser, a meu ver, plausível, ainda assim o caso dos nomes pró-
prios é problemático. Evans critica as teorias histórico-causais da referência, sobretudo
a versão de Donnellan,
15
por considerarem a existência de uma prática social de uso de
um nome próprio como uma condição suficiente para a compreensão de uso s desse nome,
quando é, na verdade, tão-somente um condição necessária.
1, p. 73–9
Porém, Evans recorre
à deferência linguística para explicar a compreensão de nomes próprios. Essa manobra
106
não é ad hoc, pois é independentemente motivada pela diferença fundamental entre nomes
e indexicais: a referência destes depende das atitudes e estados epistêmicos do falante,
enquanto a referência daqueles depende da existência de uma prática social.
1, p. 373–4
A
existência dessa prática permite a distinção entre os produtores e os consumidores de
pensamentos acerca de objetos, entre a queles que podem perceber o objeto e, por esse
meio, c oletar informações sobre o objeto, e aqueles que recebem essas informações em
estádios posteriores da cadeia comunicativa.
1, p. 376 ss
Consumidores podem, portanto,
aplicar informações recebidas a fim de compreender usos de nomes próprios. Esse fluxo e
compartilhamento de informações entre fala ntes constitui o que Perry chamou de “redes
intersubjetiva s de noções.”
59, p. 128 ss
Consumidores deferem à comunidade tanto a deter-
minação da referência de um nome próprio, quanto a geração de informaçõ es acerca da
referência. O ponto não é que falantes devam saber localizar e reconhecer a referência,
mas que devem saber algo acerca da referência. Porém, novamente, o que se deve exigir
dos falantes é sensível ao contexto. Se um falante não tem nada a associar a um nome, se
não receb eu informação alguma sobre a referência, então não faz muito sentido dizer que
ele ainda assim compreende não importa qual uso do no me. A atribuição de compreensão
de usos de nomes próprios, tal como de termos genérico, está submetida às condições
normativas da atribuição de competência linguística.
A linha argumentativa que pretendo seguir defende que a deferência linguística é um
modo de compreensão, na medida em que for possível analisá-la em termos de sensibilidade
à informação. Mas o que é sensibilidade? McDowell, ao defe nder que um sujeito está
completamente justificado em acreditar que p, somente por alguém ter lhe dito que p,
observa que a recepção de testemunho habilita alguém a saber que p, sob a condição de
que esse sujeito se responsabilize por crenças que ele, por esse meio, adquira.
60, p. 429
Essa
condição, diz McDowell, pode ser satisfeita por alguém que seja sensível às circunstâncias
em que ouvir de alguém que p não é suficiente para saber que p, e que também seja sensível
às circunstâncias em que de fato é suficiente. Algo semelhante ocorre com a compreensão
da linguagem.
107
Tal como a considero, a normatividade da compreensão linguística opera sobre os dois
lados da comunicação, tanto sobre falantes que atribuem competência linguística a outros,
quanto sobre falantes a que outros atribuem competência linguística. Como vimos acima,
essa atribuição envolve tanto a exigência de que falantes conheçam algo acerca daquilo
a respeito da qual estão falando, quanto a de que falantes estejam atentos aos contextos
cognitivo e comunicativo , a fim de que seja justa a quantidade de informação exigida.
Se essa maneira de entender a normatividade da compreensão linguística é correta, então
talvez haja uma maneira de unificar essas exigências de normatividade. Falantes devem ser
sensíveis ao que pode ser deferido e ao que deve ser deferido a especialistas e à comunidade
linguística, de acordo com seus propósitos e contextos. Essa primeira condição vigora
tanto para os que pretendem compreender uma expressão, quanto para os que reconhecem
que alguém compreende uma expressão.
Como Evans observou, esse estado de sensibilidade é aquele que “nos mantém em
uma posição de permanente deferência—sensibilidade à informaçã o que nós mesmos não
possuímos a respeito da pessoa cujo nome empregamo s.”
1, p. 396
Esse estado de perma-
nente deferência pode ser ilustrado por uma interessante teoria das ciências cognitivas.
De acordo com Keil, os seres humanos seguem padrõ es de estratégias heurísticas que lhes
proporcionam “um senso de domínios de especialidade que pode ser usado para avaliar
a qualidade de novas informações,”
61, p. 164
pelo emprego do qual, suas capacidades cog-
nitivas, antes limitadas, podem se ala rgar. Esse senso é refinado por meio de avaliações,
na divisão do trabalho cognitivo, de quem é a autoridade acerca de um determinado as-
sunto e procura, assim, explicar “como as pessoas comuns compreendem a na tureza e as
características da divisão do trabalho cognitivo.”
61, p. 143
Igualmente, podemos dizer que,
a fim de dominar um termo, além de ser sensível ao que deve ser deferido, falantes devem
também ser sensíveis a quem deferir, de acordo com seus propósitos e de acordo com o
contexto. Se aproximarmos agora os dois requisitos, parece ser possível defender que al-
guém que satisfaça as condições normativas está completamente habilitado a compreender
usos das palavras mesmas cuja determinação do valor semântico eles deferem a outros. A
108
razão disso é que esse falante, dessa forma, domina tudo que para ser dominado a
respeito dessas palavras de acordo seus contextos cognitivo e comunicativo. Dessa forma,
a assimetria entre os estado s epistêmicos de falantes e de especialistas não mais parece
justificar a atribuição suspeita de compreensão imperfeita a falantes. Não graus de
compreensão, ainda que aquilo que conte como compreensão seja sensível ao contexto.
62
Se um falante defere a outro a determinação do valor semântico de uma palavra em um
contexto em que é razoável que ele assim defira, isso demonstra um domínio do uso desse
termo, uma compreensão do termo. Portanto, essa relação entre compreender um termo
e usar esse termo deferencialmente em alguns contextos parece poder conciliar a tensão
entre a condição normativa e a condição de adequação semântica de teorias do significado.
Afinal, deferência linguística é um modo autêntico de compreensão.
109
Conclusão
Nesta dissertação, propus-me entender em que consiste a ilusão da compreensão linguís-
tica, por meio do exame da s semânticas de expressões referenciais e de quantificadas, bem
como das condições epistemológicas da compreensão dessas expressões.
O primeiro capítulo procura motivar a distinção entre pensamento e linguagem por
meio da apresentação da teoria das descrições de ‘Sobre o denotar’. Além de expor os
argumentos de Russell em favor de uma análise quantificacional de frases em que figuram
descrições definidas, as motivações semânticas para essa análise foram explicitadas. Um
objetivo importante do capítulo era respeitar a precedência lógica dos argumentos de
Russell, a fim de melhor isolar aqueles que ainda teriam um papel a desempenhar no
restante da dissertação. Mostra-se que o principal ganho da teoria é o reconhecimento de
que descrições definidas em nada não contribuem, por si mesmas, à composição de uma
proposição. O capítulo termina com a apresentação de para doxos lógicos, cuja solução pela
teoria das descrições confirma que descrições definidas não são expressões de semântica
referencial.
O segundo capítulo a borda as condições epistemológicas da compreensão e termina
por introduzir a dependência de objeto de pensamentos singulares. Pretendeu-se demons-
trar o papel crucial da teoria das descrições na explicaçã o da possibilidade de se pensar
acerca do que não se conhece e do que não existe. O ponto de partida é a introdução do
princípio do conhecimento direto, que exige como condição para a compreensão de um
proferimento a apreensão de todos os componentes da proposição expressa por esse pro-
ferimento. Buscou-se identificar de que maneira a análise quantificacional das descrições
permite c onservar o princípio do conhecimento direto tendo em vista a possibilidade de
110
se pensar sobre o que não se tem conhecimento direto. Com esses elementos foi possível
abordar, por contraposição, a semântica das expressões referenciais. A ênfase recaiu sobre
a dependência de objeto tanto de pensamentos singulares, quanto da semântica mesma
das expressões referenciais. Uma aspiração dessa seção era apresentar a dependência de
objeto o mais dissociada o possível da adoção prévia de uma teoria das proposições.
Por fim, o terceiro capítulo trata da ilusão da compreender. Na primeira seção, são
discutidos alguns exemplos de atribuição de ilusão a pretensões de compreender frases
em que ocorrem expressões referenciais. Com essas discussões, procurou-se evidenciar o
conflito de intuições presente nessa análise. O principal objetivo da segunda seção foi
mostrar a insuficiência das condições epistemológicas da compreensão de Russell e Evans
para uma explicação adequada da dependência de objeto. Reconhecido o inerente falibi-
lismo linguístico e os riscos de uma teoria estrita da compreensão atribuir maciçamente
ilusão a falantes, é questionada a própria estratégia de pretender se extrairem dos pa-
drões inferenciais e condições de verdade as exigências de compreensão. A dissertação é
concluída com uma proposta positiva acerca da revisão mesma da noção de compreensão
linguística. Por meio do exame das condições normativas da compreensão e da comunica-
ção, propõe-se um relaxamento das condições epistemológicas de apreensão proposicional,
a fim de abrir espaço para se reconhecer a deferência semântica como uma modalidade
autêntica de compreensão.
Um ganho desse percurso teórico é uma relativa distensão do conflito de intuições entre
práticas comunicativas e a necessidade de se determinar, de forma correta, o conteúdo de
frases da linguagem natural.
111
Referências bibliográficas
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Índice de citações
Ackerman (1987), 94
Barcan-Marcus (1993), 22, 83
Black (1944), 94
Burge (1979), 102
Burge (1986), 101
Carston (2002), 79
Coffa (1991), 15, 18, 20–22, 31, 41, 56–58,
72, 73, 83
Corazza (2004), 99, 105
Cunha e Cintra (2007), 67, 94
Davidson (1984), 84
Davies (1981), 17, 82
Rouilhan (1996), 16, 22, 23, 31, 33, 36, 41,
51
Diamond (1984), 13, 18, 25
Donnellan (1966), 30, 80
Donnellan (1974), 22, 81, 105
Donnellan (1990), 71, 90, 93
Donnellan (1993), 102
Evans (1981), 77
Evans (1981), 99
Evans (1982), 12, 19, 2 3, 24, 32, 76, 80–82,
87, 92, 93, 98–100, 105–107
Faria (2001), 29, 61, 89
Frege (1879), 25, 27
Frege (1980), 30
Gaynesford (2001), 79
Hume (1975), 72
Kaplan (1989), 63, 77, 79
Kaplan (2005), 13, 14, 42, 57, 95, 96
Keil (2006), 107
Kripke (1977), 80
McDowell (1970), 94
McDowell (1977), 78, 83, 84
McDowell (1986), 23, 70, 81, 82
McDowell (1970), 106
McGinn (1999), 79
Moore (1899), 20
Neale (1990), 16–18, 21, 31, 37, 41, 45, 46,
62, 80, 82, 86
Neale (2005), 14
Peacocke (1983), 70
Perry (2001), 106
Prior (1971), 62, 68, 81
Putnam (1975), 102, 104, 105
Quine (1953), 51, 52
Recanati (1997), 103
Recanati (2000), 28, 91
Reimer e Bezuidenhout (2004), 17
Rozemond (1993), 105
Russell (1903), 71
Russell (1903), 15, 16, 21, 56, 72
Russell (1905), 13, 18, 29, 30, 33– 35, 37, 38,
40, 42, 44, 46, 47, 49, 51, 52, 54, 55,
58, 59, 64, 71, 76, 81, 89
Russell (1910), 55, 60–64, 90, 92, 96, 97
Russell (1910), 73, 74
Whitehead e Russell (1910), 21, 32, 43, 52
Russell (1912), 67, 68
Russell (1918), 17
Urquhart (1994), 63, 72
Speaks (2006), 101
Stanley (1999), 108
Strawson (1950), 30, 38, 80
Strawson (1959), 80
Stroud (1999), 96
Vega-Encabo (1999), 59, 60
Woodfield (2000), 103
115
Índice onomástico
Ackerman, 94
Barcan, 22
Black, 94, 95
Burge, 102
Coffa, 31, 41, 56, 72
Davies, 82
Donnellan, 22, 81, 92, 102, 105
Evans, 12, 32, 78, 82, 84, 89, 92, 93, 96, 98–
100, 104, 105, 107, 110
Faria, 60, 61, 89, 97
Frege, 10, 21, 22, 25 , 27, 30, 31, 37, 40, 45,
56, 57, 101
Homero, 85
Hume, 72
Kaplan, 63, 96
Keil, 107
Kripke, 80, 92
McDowell, 12, 70, 78, 82, 84, 94, 97, 100, 106
Meinong, 31
Moore, 20, 21
Neale, 13, 17, 31, 45
Peacocke, 70
Platão, 54
Recanati, 103
Rouilhan, 31, 33, 36, 50
Russell, 10, 12–14, 17, 18, 20–23, 27, 30–32,
34, 36–38, 40–42, 45–47, 49, 51, 53,
55–64, 66, 67, 69–7 3, 76, 78, 80, 81,
84, 85, 89–97, 109, 110, 118, 120
116
Índice remissivo
Abreviação
dispositivo de, veja teoria, das descri-
ções, dispositivo de abreviação
Alucinação, 77
Anti-individualismo, 100–101, 101–106
Argumento
ad hoc, 105–106
circular, 93–94, 96–97
da Elegia de Gray, 47–48, 58
do Ferdinand, 38–39
formalismo dos Principia mathematica,
31, 41
de ‘Sobre o denotar’, 30–31
da Terra Gêmea, 104–105
transcendental, 95–97
Atitudes proposicionais, veja proposição, ati-
tude
Atividade subjetiva, veja Cognição
Atos de fala, veja linguagem, atos de fala
Autoridade, veja epistemologia, testemunho,
especialistas
Axioma, 51, 82–83, 84
Bivalência, veja princípio, do terceiro excluído
Cadeia
comunicativa, 105–106
de falantes, 92–93
Cálculo, veja formalismo
fórmula mal-formada, 28–29, 91
de predicados, 25–29, 48, 50
proposicional, 38, 48
Certeza, veja epistemologia, cartesiana
Cognição, 20, 23, 25, veja subjetividade
Competência linguística, veja linguagem, com-
petência
Componente proposi cion al, veja proposição,
componente
Composicionalidade, veja princípio, de com-
posicionalidade
Compreensão, 10–12, 17–19, 19–20, 23
cálculo de predicados, 25–27
descrições definidas, veja descrições, de-
finidas, compreensão
epistemologia da, veja condições, de com-
preensão
parcial, 102–104
referência, veja expressões, referenciais,
compreensão
revisão do conceito de, 100
Comunicação, 10, 100–10 1, 106–108
Comunidade linguís tica, veja deferência, co-
munidade linguística
Conceitos
denotativos, veja expressões, denotati-
vas
Condições
de adequação, 10–12, 56–58, 103–104
de compreensão, 11–12, 17–20, 92–93
estritas, 99–100, 105–106
justificação, 89, 91–92, 95–97
de comunicação, 100
de correção do emprego de descrições de-
finidas, veja unicidade
epistemológicas, 11–12, 19–20, 58–76,
89–93, 98–100
ontológicas, 11–12, 19–20, 77–78, 81–84
de proferimento, 11–12, 67–68, 92–93
de verdade, 11–12, 25, 25–29, 86–89, veja
conteúdo, proposicional
atribuição de, 82–84
indefinidas, 27–29
Conhecimento
de coisas, 66–69, 93–95
por descrição, 54–56, 58–59, 61–62, 74–
75
direto, 54–55, 58–61, 61–72, 85–91, 93–
95
discriminante, 98–100
invocação, 98
não-conceitual, veja conteúdo, não-con-
ceitual
de verdades, 66–69, 93–95
Constantes
individuais, veja expressões referenciais,
veja expressões, singulares
Conteúdo
conceitual, veja conteúdo, proposicional
mental, 104–105
não-conceitual, 59–61, 69–70
proposicional, 11–12, 18–19, 23–27, 60–
117
118
61, 71–73 , 76–79, 83–84, 89–91, 94–
95, 100–105, veja condições, d e ver-
dade
Contexto, 18–19
cognitivo, 106–108
comunicativo, 100–101, 106–108
proposicional, 32, 37–38, 45–46
sensibilidade, veja sensibilidade, a con-
texto
Contrassenso, 35, 81
Crenças
falsas, 83–84
linguísticas, veja intuições, linguísticas
responsabilidade por, 106
Critério
de Russell, 32
epistemológico de Russell, 66
Dados sensíveis, veja epistemologia, dados
sensíveis
Deferência
comunidade linguística, 100–102, 104–105
especialistas, 101–105
semântica, 100–108
Definição
contextual, veja teoria, das descrições
redução
Demonstrativos, 77, 86, 98, 104–105
Denotação, 15, 16–17, 32–34, 3 6–40, 48, 54–
56, 61–64, 72, 74–75
Dependência de objeto
condições de compreensão, 75–76, 91,
100
expressões referenciais, 75–76, 81–84
proposições singulares, 11, 28–29, 76–
79, 80–84, 88–89, 100
Descompasso, veja distinção, linguagem e pen-
samento
Descrições definidas, 31–32, 46, 46–53
compreensão, 85–86, 90
distribuição sintática, 16–17
redução, veja teoria, das descrições, re-
dução
semântica, 32–35, 35–40
sintaxe, 13–14, 35–37
uso referencial, 29–30, 79–80
Descrições indefinidas, veja expressões, des-
crições, indefinidas
Desejos, 73, 100–101
Distinção
conceito denotativo, denotação e expres-
são denotativa, veja expressão, de-
notativa
conhecimento direto e por descrição, veja
conhecimento, por descrição
escopo de operadores, veja operador, es-
copo do
forma lógica e forma gramatical, 19–20,
24
linguagem e pensamento, 12, 17–19, 23–
24, 27, 29, 47–48, 68–69, 100–101
o que é dito e o que é comunicado, 79–80
produtores e consumidores de pensamen-
tos, veja proposição, produtores e
consumidores
proposição geral e singular, 25–27
sujeito e predicado, veja linguagem, na-
tural, sujeito-predicado
Divisão do trabalho linguístico e cognitivo,
102, 104–105, 107–108
Elegia de Gray (argumento da —), veja ar-
gumento, da Elegia de Gray
Eliminação
de descrições definidas, veja teoria, das
descrições, redução
Elucidação
do pensamento, 23, 25–27, 31, 44–45 ,
52
Enigma, veja paradoxo
Epistemologia
cartesiana, 10, 69–71, 74
compreensão, veja condições, de com-
preensão
dados sensíveis, 69–71
testemunho, 106, veja deferência
Equivocação, 94–95
Escopo, veja operador, escopo do
Especialistas, veja epistemologia, testemu-
nho, especialistas
Estado de coisas, veja proposição, russelliana
Estados mentais, 12, 78, 100–106
Estereótipos, veja teoria, dos estereótipos
Estratégia
apresentação da teoria das descrições, 30–
31, 31–32
heurística, 107–108
semântica das expressões referenciais, 78–
79
semântica vericondicional, 84
transcendental, 95–97
Explicação
119
direção de, 23–24, 100–101
Expressões
correferenciais, 46–48
denotativas, 13–17, 32–40
distribuição sintática, 16–17
sintaxe, 13–17, 34–35
descrições
definidas, veja descrições, definidas
indefinidas, 35, 43–44
quantificadas, 25–29
referenciais, 20–22, 29–30, 32, 49, 57,
74–76, 79–81, 98
compreensão, 86–89
semântica, 80, 81, 86–89
singulares, 25–29
Extensão, veja predicado, extensão
Externismo, veja anti-individualismo
Falibilismo, 12, 89, 100
Fatos, veja proposição, russelliana
Ferdinand (argumento do —), veja argumen-
to, do Ferdinand
Fingimento
meinonguiano, 28–29, 91
Formalismo, veja teoria, das descrições, for-
malismo
Função
par-ordenado, 21–22, 81–82
proposicional, 15, 42–44, 64
Habilidades, 19–20, 23–24, 54–56, 63–64, 98–
99
Idealismo, 20–21, 73–74
Identificação
modo de, 98–99
Ilusão, 12, 27–29, 74, 86–89
atribuição maciça, 99–100, 105–106
Incompreensão, 74, 86–89, 99–100
Independência de objeto, 12, 17
condições de compreensão, 91
conhecimento por descrição, 17–18, 66
descrições definidas, 32–34, 38–42, 44,
50–53
expressões quantificadas, 17, 29–30, 32,
34–35, veja independência de objeto,
descrições definidas
Indexicais, veja Demonstrativos
Individuação, 98–99
Informação, 105–106
Intenção, 80, 100–102
Intencionalidade restrita, veja princípio, da
intencionalidade restrita
Intensão, 104–105
Interpretação, 82–84
Intuição
intelectual, 57–58
linguística, 10–12, 19, 37–38, 86–89, 92–
93
prova, 25
Linguagem
atos de fala, 10–12, 20, 78–79
competência, 10, 87–88, 103–104, 107–
108
expressões genéricas, 104–105
nomes próprios, 105–106
intuição, veja intuição, linguística
natural, 20, 24–25, 42, 44–46
enganadora, veja linguagem, natural,
transparência
sujeito-predicado, 16–17, 19–20, 25–
26, 27, 45
transparência, 10–11, 27–29
objeto, 82–83
Monismo semântico, veja princípio, do mo-
nismo semântico
Mundo, 20, 21–23, 56, 77, 91, 100–101
Nomes
logicamente próprios, 71
nomeação, 93
próprios, 11, 21, 29, 92–93, 98–100
competência, veja competência linguís-
tica, nomes próprios
prática, 105–106
semântica, 32–34, veja expressões, re-
ferenciais, semântica
sensibilidade, veja sen sib ili dad e, à in-
formação, nomes próprios
em ‘Sobre o denotar’, 71
Normatividade, 87, 100–108
Objetos
do conhecimento direto, 69–70, 94
dados sensíveis, veja epistemologia, da-
dos sensíveis
identidade, 76–77
do pensam ento, 57, 67–68, 72–73, 97–98
Ontologia
compromisso, 52
condições, veja condições, ontológicas
120
disputa, 51–52
Operador
deferencial, 102–103
das descrições definidas, veja operador,
iota
escopo do, 45, 49–50
iota, 42–43
quantificador, 26, 40–42
binário, 31, 44–45
domínio, 35, 52, 70
Oração
subordinada substantiva objetiva
direta, 67
indireta, 94, 95
Paradoxo, 17, 46–5 3
da negação existencial, 50–53
da substituição, 46–48
do terceiro excluído, 48–50
Par-ordenado, veja função, par-ordenado
Pensamento, veja proposição
Percepção, 71, 98, veja conhecimento, direto
Petição de princípio, veja argumento, circu-
lar
Pragmática, 101–103, 103–104
atos de fala, veja linguagem, atos de fala
contexto, veja sensibilidade, a contexto
Predicado, 25–26
binário, 86
compreensão, 24, 86–87
extensão, 83, 104–105
monádico, 21, 82
Premissa
evidente, 95–98
transmissão da verdade entre, 25
Pretensão, 74, 86–89
Princípio
da teoria das descrições, 32
de composicionalidade, 23–24, 24, 24–
27, 46, 98–99
do conhecimento direto, 58–66, 68–69,
85–87, 89–93, 95–97
justificação, veja condições, de com-
preensão, justificação
limitações, 90–91
da intencionalidade restrita, 56–58
do monismo semântico, 56
de paridade, 36–37, 37–40
de Russell, 91–93, 93–98
de substituibilidade, 46–48
do terceiro excluído, 48–50
Proposição, 18–23
atitudes, 23, 27–29, 60–61, 72–74, 77–
79, 100–102
componente, 25–27, 74–7 5, 82–83
composicionalidade, veja princípio, de
composicionalidade
estrutura, 23–29, 44, 98–99
geral, 25–27
identidade, 76–77
molecular, 38–39
produtores e consumidores, 105–106
relações múltiplas, 73–74
russelliana, 20–23, veja proposição, sin-
gular
falsa, 72–74, 90
singular, 25–27
Quantificadores, veja operador, quantifica-
dor
Racionalidade, 83–84, 104
Realismo semântico, 20–21, 21–23, 56, 72–73
Redes intersubjetivas de noções, 105–106
Redução
do conhecimento por d escrição, 61–62
das descrições definidas, veja teoria, das
descrições, redução
Referência, veja expressões, referenciais, veja
valor semântico
Regra de tradução, veja teoria, das descri-
ções, regra de tradução
Relação
causal, 92
cognitiva, 20–21, 59–60, veja conhecimento,
direto
função proposicional, veja função, pro-
posicional
objeto do pensamento, veja objetos, do
pensamento
Restrição de generalidade, 98–99
Revolta contra o idealismo, veja realismo se-
mântico
Saber, veja objetos, do pensamento
qual, 91–98, veja conhecimento, de coi-
sas
que, veja conhecimento, de verdades
Semântica, 19–20, 98–99, 100–101, veja va-
lor semântico
da linguagem natural, 17, 25, 45–46, veja
semântica, vericondicional
vericondicional, 82–84
121
Sensibilidade
a contexto, 10, 11, 101–105, 105–106,
106–108
à informação, 106–108
nomes próprios, 107–108
senso, 107–108
da teoria da compreensão, 87
Sentido, 25–26, 47–48, 84
Simbolismo, veja cálculo
Símbolos incompletos, 32, 40–41
definição contextual, veja teoria, das des-
crição, redução
proposições, 72–73
Sintagma nominal, 13–14 , 66–67, 94–95
Sintaxe, veja expressões, denotativas, sintaxe
Situação, 18, veja contexto
Sociedade, veja comunidade linguística
Subjetividade, 20, 23, 25, 73–74
Substituibilidade (princípio de —), veja prin-
cípio, de substituibilidade
Sujeito
gramatical, 16–17, 25–29, 32, 44, 45, 74,
80
sujeito-predicado, veja linguagem, na-
tural, sujeito-predicado
lógico, 25–29, 39
subjetividade, veja subjetividade
Teorema, 42–44, 83
Teoria
da denotação, 14–15, 32–33, 40
das descrições, 30–53, 54–56, 63–64, 66,
68–69, 85
dispositivo de abreviação, 42, 42–43,
44
formalismo, 31, 42–46
redução, 40–42, 43, 44, 54, 61–62
regra de tradução, 31, 40–41
tese n egativa fundamental, 31–34, 34,
40
tese positiva fundamental, 31–32, 40–
42
unicidade, 42–44
dos estereótipos, 104–105
da referência direta, 92–93, 105–106
Terceiro excluído (princípio do —), veja prin-
cípio, do terceiro excluído
Testemunho, veja epistemologia, testemu nh o
Trade-off , 39–40
Unicidade, veja teoria, das descrições, unici-
dade
Valor semântico, 23 –25, 101–103, 103–108
Vocabulário
epistêmico, 97–98
intensional, 84
Livros Grátis
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