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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
DEMOCRACIA E CRIMES CONTRA O ESTADO: DO
ENFRENTAMENTO CONSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICO
DA MACROCRIMINALIDADE
Rafael Gonçalves Mota
Fortaleza - CE
Junho, 2010
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RAFAEL GOALVES MOTA
DEMOCRACIA E CRIMES CONTRA O ESTADO: DO
ENFRENTAMENTO CONSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICO
DA MACROCRIMINALIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito como requisito parcial para a
obteão do título de Mestre em Direito
Constitucional, sob a orientação do Prof. Dr.
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima.
Fortaleza - Ceará
2010
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___________________________________________________________________________
M917d Mota, Rafael Gonçalves.
Democracia e crimes contra o estado : do enfrentamento constitucional e
democrático da macrocriminalidade / Rafael Gonçalves Mota. - 2010.
191 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010.
“Orientação: Prof. Dr. Martonio Mont'Alverne Barreto Lima.”
1. Democracia. 2. Direitos fundamentais. 3. Crime organizado.
4. Terrorismo. I. tulo.
CDU 342.34
_______________________________________________________________
RAFAEL GOALVES MOTA
DEMOCRACIA E CRIMES CONTRA O ESTADO: DO
ENFRENTAMENTO CONSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICO
DA MACROCRIMINALIDADE
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Prof. Dr. Martônio Mont’Alverne Barreto Lima
UNIFOR
__________________________________________________________
Prof. Dr. César Barreira
UFC
__________________________________________________________
Prof. Dr. Jo Filomeno de Moraes Filho
UNIFOR
Dissertação aprovada em 30 /06 / 2010.
Dedico este trabalho a minha Mãe, meu Pai,
minha Irmã e Ilanna, que formam as quatro
muralhas do castelo mais importante de minha
vida, aquele que costumamos chamar de
Família. Castelos são feitos para nos proteger
nos momentos difíceis, quando somos
ameaçados, e nos preparar e dar a apoio ao
combatermos nas horas em que precisamos
seguir em frente. Vocês são a razão maior
desse momento.
AGRADECIMENTOS
Muitos são os agradecimentos e com absoluta certeza serei injusto pelo esquecimento de
algumas pessoas que mereceriam estar aqui, porém saibam que sempre as carrego no coração.
Primeiro e acima de qualquer coisa a Deus e Nossa Senhora que me permitiram estar aqui,
realizando isso. Nada mais óbvio, porém absolutamente necessário é reconhecer a perfeição da
obra de Deus em minha vida, que se mostra a todo momento de forma concreta e real.
Aos meus pais. Meu pai, Petrucio Mota, exemplo absoluto de homem. Aquele que me
ensina com atos e não somente com palavras o real sentido de ser homem: sério, amoroso,
profissional e honesto, que foi e é sempre meu referencial maior de tudo que quero ser em
minha vida. Espero que um dia, meus futuros filhos tenham por mim pelo menos parte
(mínima que seja) do orgulho que tenho em poder -lo como pai.
Minha mãe, Edna Mota. Sem ela nada seria, desde às lições tomadas quando pequeno
até este título de mestre. Todas essas vitórias o dela. Ensinou-me o valor do estudo, da
leitura, da dedicação, da responsabilidade, do trabalho e da fé em Deus sempre e em todos os
momentos. Seu esforço mais uma vez vê-se concretizado.
À Raquel, minha irmã, colega de profissão e jornada de vida, aquela que sempre esteve
no momento certo me dando o apoio e a força que precisava, com seu jeito forte, determinado
e objetivo, porém profundamente amoroso e genuíno. Seguiremos sempre juntos, pois a vida
já nos provou emrias ocasiões que nada nos separa.
A Ilanna a quem agradeço em especial por ter me mostrado a existência de um amor
definitivo, seu valor e como este é maior que as dificuldades. Mostrou-me que a persistência
em nosso amor tem como fruto a felicidade, a realização e a entrega. Este trabalho é para
você, a quem neguei tantas horas e dias para produzir essas páginas. Jamais, jamais mesmo,
teria chegado até aqui sem você, seu doce incentivo e constante presença. O amor traz uma
6
força que muitas vezes não compreendemos, mas a sentimos e isso basta. Te amo, simples
assim...
A minha coordenadora e incentivadora Prof.ª Dra. Maria Vital da Rocha que sempre
acreditou em mim e em meu potencial. Devo-lhe muito e serei sempre grato pela generosa
ajuda, incentivo constante, forte presença e valoroso exemplo.
A meu orientador Prof.º Dr. Martônio Mont’Alverne Barreto Lima, que confiou em
mim desde o primeiro momento e que jamais deixou de estar ao meu lado, com conselhos
precisos e apoio imprescindível.
Aos meus poucos, porém verdadeiros e presentes amigos, sobre tudo nesta jornada do
Mestrado, Raul Nepomuceno, Marcelo Mota, Rodrigo Costa e Danilo Fontenele.
A meu tio Annio Siebra Lima, que infelizmente não está mais entre nós, porém segue
sendo para mim um referencial absoluto de caráter, seriedade e honestidade.
“Si vis pacem para bellum."
(Publius Flavius Vegetius Renatus –
provavelmente escrito no ano 390 D.C.)
“Há uma paz que é encontrada do outro
lado de uma guerra”
(Pensamento anônimo israelense)
RESUMO
O trabalho analisa as relações entre o estado moderno, constitucional e democrático e a
macrocriminalidade, realizada por organizações criminosas, grupos mafiosos ou terroristas.
Examina os impactos causados por tais instituições ilícitas, quer internas, quer internacionais,
nas democracias modernas e liberais, notadamente considerando o ataque direto feito contra o
Estado. Num primeiro momento, o próprio conceito de democracia moderno é definido,
verificando-se as diferenças com a ideia clássica do instituto bem como indicando que o
exercício do poder democrático exige um rigoroso controle. Em seguida verifica as ideias
relativas a direitos fundamentais, sua difícil conceituação e formas de aplicação e restrição.
As instituições criminosas de diversas naturezas (puramente criminosas, mafiosas ou
terroristas), utilizando-se cotidianamente de lacunas estatais ou mesmo de direitos
fundamentais para atentarem contra o estado, desejam com isso enfraquecer o poder estatal,
facilitando diretamente o desenvolvimento de suas condutas, representando uma maior gama
de ameaças aos Estados Nacionais. A análise e propostas de modelos e instrumentos
democráticos, que podem ser utilizados para tornar a atuação estatal mais ágil e eficaz nesse
cenário e com maiores condições de enfrentamento de tal criminalidade, mostram-se
indispensáveis, especialmente considerando que tais ações podem comprometer no futuro o
próprio exercício democrático do poder. Com isso definir com precisão o conceito e as
situações de exceção bem como de que maneira agir nestas situações, é indispensável para
resguardar a sociedade e o próprio estado. A atuação estatal pela via de exceção exige um
sistema pensado de modelos constitucionais bem definidos e especialmente controlado para
que tais poderes não possam ser utilizados de forma abusiva ou ilegal. Busca com isso trazer
ao mundo do direito a exceção e não admiti-la fora do universo jurídico.
Palavras-chave: Democracia. Crime organizado. Estado de excão. Terrorismo. Poder do Estado.
ABSTRACT
The work analyzes the relationship between the modern state, constitutional and democratic,
and the macro-crime carried out by criminal organizations, terrorists or mafia groups. It
analyzes the impacts of such illegal institutions, whether internal or international, in modern
and liberal democracies, especially considering the direct attack made against the state. At
first, the concept of modern democracy is analyzed, verifying the differences from the
classical idea of the institute, such as indicating that the exercise of democratic power requires
rigorous control. Then, the work examines the ideas related to fundamental rights, the
difficulty to define these rights, and the methods for application and restrictions. Criminal
institutions of various kinds (purely criminal, mafia or terrorists) using daily gap state or even
fundamental rights to offend against the state. They want to weaken state power, directly
facilitating the development of its pipeline, representing a wider range of threats to national
states. The analysis and proposals for democratic models and tools that can be used to make
state action more responsive and effective in this scenario and higher opportunities for taking
on such a crime appears to be essential, especially considering that such actions could
jeopardize the future exercise itself democratic power. In this context, to precisely define the
concept and exceptional situations and how to act in these situations is essential to protect the
society and the state itself. The role of the state of emergency requires a well-defined
constitutional system models and specially controlled so that such powers can not be used
improperly or illegally
Keywords: Democracy. Organized crime. Exception state. Terrorism. State power.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................12
1 DA DEMOCRACIA........................................................................................................16
1.1 Evolução do conceito de democracia moderna..........................................................16
1.2 Tomada de decisões em um Estado democrático.......................................................30
1.3 Controle do poder estatal no Estado democrático de direito......................................32
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................................................................ 40
2.1 Das relações entre Estado, democracia e direitos fundamentais.................................40
2.2 Surgimentos da ideia de direitos fundamentais modernos .........................................42
2.3 Conceitos básicos de direitos fundamentais modernos ..............................................48
2.4 Limites e restrições aos direitos fundamentais .......................................................... 52
2.4.1 Tratamento constitucional da restrição de direitos...........................................53
2.4.1.1 Da restrição de direitos.......................................................................54
2.4.1.1.1 Restrições diretamente constitucionais ............................. 54
2.4.1.1.2 Restrições indiretamente constitucionais .......................... 56
2.4.2 Restrições tácitas constitucionais ....................................................................57
2.4.3 Princípio da proporcionalidade........................................................................57
3 DA CRIMINALIDADE CONTRA O ESTADO .............................................................. 61
3.1 Crime organizado: A face sombria da sociedade.......................................................62
3.2 Terrorismo: Inimigo sem rosto .................................................................................67
3.3 Máfia: O crime em forma de Família.....................................................................74
3.4 Relões entre o crime organizado, o terrorismo e afia: Semelhanças e distinções....81
3.5 Disposições normativas sobre o combate ao crime organizado e terrorismo no
ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado ....................................87
3.6 Projeto de Lei para odigo Penal Brasileiro: Dos crimes contra o Estado ..............97
4 DO ENFRENTAMENTO CONSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICO DA
CRIMINALIDADE CONTRA O ESTADO .................................................... 100
4.1 Dos instrumentos democráticos de combate à criminalidade contra o Estado.......... 100
4.2 Modelos e sistemas constitucionais de Estado de exceção....................................... 101
4.3 Do inimigo do Estado: Do conceito clássico ao direito penal do inimigo ................ 107
4.4 Da doutrina do supermajoritarian Escalator de Bruce Ackerman........................... 113
4.5 Do pensamento de Paul Wilkinson ......................................................................... 125
4.6 Do pensamento de Eduardo Pizarro Leongómez..................................................... 131
4.7 Sistema constitucional brasileiro de Estado de exceção vigente .............................. 132
CONCLUSÃO................................................................................................................... 135
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 139
ANEXOS........................................................................................................................... 147
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar quais as possibilidades de
modelos democráticos e constitucionais que podem ser utilizados para o enfrentamento da
macrocriminalidade que atinge diretamente o estado, fazendo com que esteja enfraquecido ou
fragilizado no enfrentamento desta. Percebe-se que muitas vezes os organismos criminosos de
maior porte utilizam-se do próprio sistema de direitos e garantias fundamentais para atentar
contra a organização social e social.
Diante disso imaginar um modelo que seja pensado efetivamente para o enfrentamento
de tal dimensão criminosa é fundamental para preservão e fortalecimento do modelo
democrático de estado.
Os novos tempos, especialmente caracterizados pela pulverização de interesses, capitais
e um maior fluxo de pessoas, trouxeram novos desafios ao chamado Estado Moderno,
notadamente apresentando um novo perfil criminoso, caracterizado especialmente pela
dimensão organizada e ainda mais nociva do crime.
O Estado Moderno passou a se deparar com uma nova e constante ameaça: organizados
grupos marginais, que não pretendem mais, como no passado, subverter a ordem posta com a
proposta de novas ideologias, mas sim atacar diretamente o modelo estatal vigente, visando
com isso a garantir a realização de crimes comuns, voltados normalmente para atos ligados ao
tráfico de várias origens, como o corcio ilegal de drogas, armas ou pessoas, crimes contra a
propriedade imaterial, como a falsificação de produtos, bem como organizações tipicamente
terroristas.
Obviamente tal espécie de criminalidade não é nova ou idita, porém é evidente que
nas últimas décadas passou por uma considerável sofisticação, que aliada à falta de ateão
devida dada pelo Estado ao problema, fez que com que atingisse níveis impensáveis e muitas
vezes quase que irreversíveis.
13
Assim, o presente trabalho surge com o desejo de realizar um estudo técnico do
fenômeno da criminalidade moderna, especialmente relativa aquelas ações diretamente
dirigidas contra o Estado, seus agentes e seus interesses, pois se percebe que ao fragilizar o
próprio ente estatal, a Sociedade é direta e gravemente atingida.
Neste sentido busca-se analisar o fenômeno da criminalidade moderna nas suas
principais origens e, sobretudo, identificar como pode ser desenvolvido um combate
contundente e eficaz por parte do Estado, especialmente considerando a opção democrática
inegociável deste.
Desnecessário indicar que vários são os instrumentos que podem ser utilizados no
enfrentamento à criminalidade. Tais ações são entendidas como medidas educacionais,
desenvolvimento econômico, lazer, valorização da autoestima coletiva, saúde pública, dente
outras. No presente trabalho, no entanto, o objetivo é indicar um modelo jurídico-
constitucional, com forte ênfase penal no enfrentamento da macrocriminalidade. Faz-se
portanto um corte teórico sobre o qual examinam-se propostas de modelos jurídicos que
permitam ao Estado uma atuação mais eficaz e rígida contra tais medidas.
Aqui não se pretende analisar as múltiplas dimensões que permitem analisar o
fenômeno da violência, da criminalidade organizada ou mesmo do terrorismo.
Indubitavelmente é possível analisar tais institutos por óticas diversas como a sociológica, a
política ou mesmo a antropológica, porém opta-se aqui pela abordagem essencialmente
jurídica, com especial atenção a dimensão constitucional e penal do tema.
A atuação estatal com elementos de exceção contra a criminalidade organizada o é
tema novo, sendo facilmente tratada em Estados Nacionais com vocação autoritária ou
ditatorial. O que se pretende analisar no presente estudo é como pode existir um combate mais
eficiente produzido dentro de um cenário exclusivamente democrático, onde as instituições
democráticas irão relativizar determinados direitos fundamentais para a preservação de
interesses sociais e em nível mais extremo o próprio estado.
A discussão em torno de relativização ou flexibilização de direitos fundamentais é
recorrente, especialmente quando o consideradas as novas práticas criminosas, bem como
agentes criminosos cada vez mais sofisticados, aparelhados e violentos. O que se busca aqui,
porém, é identificar e sistematizar mecanismos democráticos de atuação estatal que dotem o
14
estado de instrumentos modernos, fortes, porém sempre constitucionais e democráticos para a
atuação contracriminosa.
Trabalhar com os conceitos de relativização de direitos e garantias fundamentais
significa determinar até que ponto é possível limitar o direito individual para preservar o
público. A análise não se dá na dimensão se é ou não possível a realização de tais restrões,
mas sim em que intensidade e sobre que referencial.
Assim, busca-se a criação de um sistema democrático, no qual as escolhas e ações
dirigidas ao combate à criminalidade organizada e moderna passariam por opções feitas por
instituições públicas, dentro de modelos e princípios essencialmente democráticos, sem
qualquer oportunidade para ideias autoritárias ou caracterizadas por um regime de exceção.
O trabalho está desenvolvido em quatro capítulos, onde se analisa de forma plena a
evolução do enfrentamento democrático da macrocriminalidade, ou seja, como é possível
combater os diversos crimes contra o estado de forma mais efetiva, respeitando-se princípios
constitucionais e democráticos, porém dotando-se o ente estatal de força e eficácia.
No primeiro capítulo analisam-se o conceito de democracia, bem como a formação de
institutos democráticos e as relações entre o poder de coerção do Estado e os indivíduos. O
controle democrático do poder estatal é elemento essencial para garantir a efetividade plena
do sistema, porém com a preservão do modelo vigente. Traz com isso a exceção para o
direito, evitando que os atentados contra o estado possam comprometer a sua própria
organização democrática.
A seguir são examinados os direitos e garantias fundamentais, especialmente na origem
e classificação, bem como a abrangência destes. Não se busca exaurir a conceituação dos
direitos fundamentais, porém entender em que termos podem ser compreendidos como
elementos limitadores da atuação do estado. Ainda no segundo capítulo, trabalha-se com os
critérios para a limitação de direitos essenciais.
O terceiro capítulo trata da criminalidade contra o estado, analisando os conceitos de
organizações criminosas, instituições mafiosas e grupo terroristas. Trata-se da criminalidade,
considerando as suas características, bem como quando ela é dirigida ao Estado, tendo este
como vítima direta ou indireta. Inicialmente cada uma dos entes criminosos é analisado
15
isoladamente, para que em seguida possam ser verificadas as semelhanças e diferenças entre
tais modalidades criminosas, percebendo como interagem e como se repelem.
O quarto e último capítulo busca analisar as efetivas relações entre a criminalidade
moderna e as instituições democráticas, especialmente considerando as possibilidades
democráticas de controle dos agentes criminosos, bem como a edificação e um sistema mais
eficaz no combate a esta neoespécie de delinquência.
Com isso percebe-se que o ponto central do exame é a constante tensão entre o público
e privado, ou seja, os limites estatais de atuação política e jurídica para a contenção da
criminalidade de grande porte, mantendo-se de forma clara e efetiva o catálogo de direitos
essenciais do indivíduo.
1 DA DEMOCRACIA
O Estado moderno ocidental é caracterizado pela busca da defesa prioritária do
princípio democrático. Com isto qualquer ofensa realizada ao ente estatal pela criminalidade,
organizada ou o, representa uma ofensa à própria democracia. A defesa das instituões
mostra-se absolutamente necessária quando considera-se que a fragilização do estado
representa um risco à paz social e à integralização do tecido coletivo.
Os mecanismos de defesa, no entanto, precisam ser igualmente regidos por princípios e
regras democráticas e a evolução da própria formação do estado moderno e do conceito de
democracia precisa ser analisada para que se possa imaginar mais adiante no presente trabalho
qual é a resposta eficaz a ser tomada.
1.1 Evolução do conceito de democracia moderna
Definir democracia representa uma missão difícil, especialmente quando se consideram
os inúmeros momentos e períodos pelos quais esse conceito passou, porém compreender essa
evolução é relevante para o exame preciso das relações que os chamados estados
democráticos possuem com a criminalidade em geral e aquela especificamente voltada a
atacar o próprio ente estatal, sobretudo ao se deparar com a chamada criminalidade
organizada, notadamente em suas dimensões mais agudas, como o terrorismo.
O presente trabalho não tem como objetivo analisar a evolução histórica do conceito de
democracia, mas lhe definir a realidade moderna e as dificuldades enfrentadas para formação
deste conceito, especificamente diante de uma dimensão moderna, de modo que esta tarefa
obriga a verificar brevemente a evolução de tal conceito.
Atualmente tal ideia possui um entendimento relativamente pacífico e sendo
compreendida como “um regime de envergadura planetária” (GOYARD-FABRE, 2003, p.
17
14). Por esta visão, a democracia teria seu inicio nos Estados Unidos do século XVIII
1
, porém
deve-se entender que essa visão apenas dará o moderno e atual conceito de estado e sociedade
democráticos, especialmente nos países ocidentais influenciados pela doutrina norte-
americana, pois o instituto em si, mesmo com significativas mudanças que sofreu no correr
dos séculos, nasceu há séculos.
A era anterior a Cristo foi fértil em novos modelos de organização estatal e social, com
as mais variadas concepções. A democracia grega é atribuída como a origem maior de toda e
qualquer definição moderna, porém, o modelo grego ignorava a plenitude ou amplitude que o
conceito atual possui, pois era plena apenas entre os iguais, ou seja, entre os homens livres e
nativos da cidade, não abrangendo os escravos, as mulheres e os estrangeiros. Na lição de
Goyard-Fabre (2003, p.14), percebe-se tal realidade:
Com efeito, quando a aurora da filosofia ocidental raiou sobre o mundo grego,
descobriu uma pluralidade de comunidades humanas mais ou menos extensas e mais
ou menos organizadas nas quais, diferentemente do que ocorria na comunidade
familiar, a dimensão pública da existência prevalecia sobre a dimensão privada. Por
isso, todos concordam em reconhecer a Cidade-Estado grega (Polis) como o berço da
política (politeia). Mais precisamente, foi na Grécia que apareceram as Constituições
(Politeiai) que, ao darem forma e estrutura à Cidade-Estado, distinguiam os helenos,
orgulhosos de sua civilização, dos bárbaros, mergulhados na incultura.
Cada Cidade-Estado
2
grega adotava seu próprio modelo de democracia, levando em
consideração suas opções políticas e ideológicas próprias. Podem-se citar especialmente os
exemplos de Atenas
3
e Esparta
4
, a primeira de natureza intelectual e filosófica, e a segunda
com essência guerreira e militar. Cada uma delas privilegiava um modelo de cidadão, onde
determinadas virtudes eram mais ou menos valorizadas, porém carregavam em si a noção de
que todos os iguais deveriam em conjunto decidir os destinos do estado e da sociedade. A
1
Neste sentido lembra Bobbio (2000, p. 374) que a “primeira grande constituição de democracia representativa,
que foi aquela dos Estados Unidos.”
2
Deve-se considerar que apesar de utilizar tradicionalmente a expressão cidade tais aglomerados humanos
possuíam uma estrutura muito mais complexa dos que percebemos atualmente em um município, assim deve-
se considerar a expressão polis por ser mais específica e marcar claramente a dimensão que tal instituto requer.
3
O modelo ateniense era significamente diferente, especialmente considerando que a ordem legislativa e a atuação
filosófica. Porém mesmo passando por momentos distintos na formação de seu conceito de democracia, devemos
considerar que o apogeu da democracia ateniense e da própria cidade veio no Século V a. C. com Péricles, porém
nem mesmo pode-se verificar um regime democrático compatível com o modelo atual, sendo ainda
essencialmente escravista e segregador. (BAGNOLI; BARBOSA; OLIVEIRA, 2009, p. 37-39).
4
Esparta possuía uma realidade peculiar, especialmente por sua localização geográfica de difícil acesso (planície
da Lacônia) direcionou seu desenvolvimento para a expansão geográfica e conseqüentemente valorizando a
dimensão militar. Sua organização social era essencialmente aristocrática, valorizando em especial a
aristocracia guerreira. A Apela (Assembléia Popular) era composta por cidadãos maiores de 30 (trinta) anos.
(BAGNOLI; BARBOSA; OLIVEIRA, 2009, p. 34-35).
18
origem etimológica do termo vem, não à toa, do grego, como lembram Cerqueira e Antunes
(2008, p. 3):
O termo democracia deriva dos gregos, sendo a soma de demos + kratos. Segundo
registros históricos, foi citado pela primeira vez em um discurso fúnebre pela morte
de um soldado, por Péricles em 431 a. C.
E continua
O primeiro termo, demos, é visto como povo e o segundo como poder do governo,
poder político. Na Grécia, onde o modelo mais desenvolvido de demokratia era o de
Atenas, que entre 509 e 332 a. C conheceu seu apogeu em todas as áreas da cultura,
havia um sorteio entre os cidadãos para eleger os que seriam responsáveis pela
gestão da administração pública.
Na lição de Platão (2000, p.557a), a gênese da democracia estaria ligada a um processo
natural e violento de formação do conceito, onde a maioria ascende ao poder, impondo sua
visão da realidade. Em suas palavras:
Ora a democracia surge, penso eu, quando após a vitória dos pobres, estes matam
uns, expulsam outros, e partilham igualmente com os que restam o governo e as
magistraturas, e esses cargos são, na maior parte, tirados à sorte.
É essa, efetivamente, a maneira como se estabelece a democracia, quer pelas armas,
quer pelo medo do outro partido, o que foge.
Completando essa visão, é possível citar Goyard-Fabre (2003, p.77-78) que ao comentar
a visão platônica do instituto, indica que
Platão, como vimos, não poupou críticas à democracia. No entanto, foi levado a
corrigir, sob um olhar mais realista, a intransigência de seu idelismo. Assim, em O
político, redigido depois da segunda estada do filósofo na Sicília junto do tirano
Dionísio, e, sobretudo, em As leis, seu último tratado político, alias inacabado, em
borá Platão mantivesse em relação à democracia a hostilidade que exprimira em A
República, modificou um pouco o olhar que lança sobre esse regime constitucional.
[...]
O bom governo é portanto, em O político e também em A República, o do rei-
filósofo, alheio a qualquer democracia. Aquele que governa bem é aquele que sabe o
que é a política, cuja Idéia ele contemplou no Céu inteligível, numa ascese solitária,
antes de descer de novo para a caverna dos homens.
Com isso tem-se que a visão platônica do instituto é essencialmente derivada de uma
visão do conflito, deixando transparecer no momento qual modelo pensava ser o mais
adequado, chegando a afirmar que se deveria analisar a “mais bela forma de governo, e o mais
belo dos homens: a tirania e o tirano” (PLATÃO, 2000, p.562a).
19
Neste sentido necessário contextualizar que o conceito grego não possuía a dimensão
ampla e irrestrita conhecido hoje, conforme a lição de Goyard-Fabre (2003, p. 20-21):
A amplitude da democracia era, portanto limitada, pois o povo (demos) saudado
como soberano não se confundia com toda a população (pléthos) da Cidade-Estado:
eram levados em consideração os ‘cidadãos’, o que excluía não só os escravos,
que excediam em número os homens livres, mas também as mulheres, consideradas
inferiores, e os metecos, que eram estrangeiros domiciliados em Atenas. Portanto só
eram cidadãos chamados a participar do exercício do poder os homens que já
tinham atingido a idade legal de dezoito anos, regra geral que foi sendo restringida,
com o correr da história de Atenas, pela adição de critérios de nascimentos e de
censo. Tais restrições viram-se sujeitas a revisão no transcurso dos séculos.
Indicar uma visão precisa e única sobre o conceito de democracia não constitui objetivo
central deste trabalho, especialmente porque o intuito aqui é trabalhar com a definição
moderna do instituto, porém percebe-se que, desde a sua mais antiga gênese, havia sérias
vidas sobre a natureza do pensamento democrático. Havia discussão sobre qual seria a
melhor forma de estruturar o estado, porém a possibilidade democrática de organização e
exercício do poder sempre foi cogitada e trabalhada.
Percebe-se também que sobre a tomada de decisões que iriam gerir a sociedade, o estado
(mesmo inicial e incipiente), teve sua atribuição significamente alterada no correr da história,
porém sempre estando intimamente ligada ao alcance que o conceito de democracia possui.
Como lembram Bobbio, Matteucci e Pasquino (2000, p.320) citando Platão, analisar o
modelo grego de democracia é complexo, especialmente considerando que se tem aqui as
bases iniciais e primárias de tais conceitos, e diz que
O mesmo Platão, além disso, reproduz no Político a tradicional tripartição das
formas puras e das formas degeneradas e a Democracia é aí definida como o
‘Governo do número(291d), ‘Governo de muitos’ (302c) e ‘Governo da multidão’
(303a). Distinguindo as formas boas das formas más de Governo com base no
critério da legalidade e da ilegalidade, a Democracia é, nesse livro, considerada a
menos doa das formas boas e a menos má das formas más de Governo.
Ocorre que, mesmo com essa visão plural e geral de democracia, percebe-se claramente
que a universalidade não era plena, ou seja, considerar o governo da maioria, dos iguais ou de
todos, representa antes de mais nada compreender quem o esses iguais, ou mesmo quem
compunha a maioria.
Essa democracia grega era reservada aqueles que eram tidos como cidadãos, ou seja,
com visto, os nascidos na cidade, com uma idade mínima que girava em regra em torno de 30
20
(trinta) anos, excluindo-se os estrangeiros, mulheres e menores. Neste sentido, afirma Bobbio
(2000a, p. 373) que
O conceito de cidao entre os romanos não era diferente se comparado ao dos
gregos: o ius suffragii não era o direito de eleger um candidato como concebemos
hoje, quando se fala de extensão do sufrágio, do sufrágio feminino, do sufrágio
universal, mas era o direito de votar nos comícios. Aqueles que eram excluídos do
voto, os semilivres, eram chamado civis sine suffragio.
A visão grega de democracia, no entanto, não era uniforme ou pacífica. Para Goyard-
Fabre (2003, p.81) tem-se que
Ainda que na democracia conforme a concebe Isócrates o povo não governe a si
mesmo diretamente, mas exerça sua soberania pela eleição, para que os notáveis
cuidem dos assuntos públicos, ele tem o mérito de tender para a realização do
interesse comum e por isso, de convocar a coragem e a dedicação de todos. Para
Isócrates, e, provavelmente, para um bom número de gregos de seu século, a
‘mistura’ das qualidades de todos, jovens e velhos, ricos e pobres – ‘o bom, o dio
e o verdadeiramente perfeito’ segundo a expressão de Tucídides -, é, em política
assim como em medicina, uma questão de equilíbrio e de eficiência. Será essa a
idéia que, pouco depois, Aristóteles idesenvolver, precisamente a propósito da
democracia.
A visão aristotélica de democracia é diferente, conforme ensina Goyard-Fabre (2003, p.85)
Portanto, Aristóteles não condena categoricamente a democracia. Admite que,
quando o povo pretende governar apenas para o seu próprio bem, ou seja,
considerando os interesses dos pobres, esse regime é ruim porque é um regime de
partido, de facção até. Mas, se o povo não impõe sua vontade a golpe de decretos
visando apenas seus interesses, ou seja, quando leva em conta os interesses de toda a
comunidade, ele nada tem de desprezível. Em política, o bem, é o interesse geral’
ou ‘a utilidade comum’. Na medida em que a politie concilia as vantagens e os
direitos de todos os cidadãos, ela é bastante aberta para que o povo, em sua
diversidade, faça escutar sua voz pelo canal das instituições.
O pensamento de Aristóteles é muito claro: ele condena a tirania da massa, ou seja,
o despotismo do povo que, aferrado apenas as suas vantagens, pretende espoliar e
humilhar os ricos. Mas a politie que ele apresenta com o melhor governo é um
regime misto, pois a justiça que lhe compete fazer reinar tem por imperativo prático
exigir um equilíbrio entre diversos componentes da Cidade-Estado.
Percebe-se, portanto, que a visão de Aristóteles sobre democracia e sobre a chamada
Constituição mista é bastante avançada, conforme indicado por Goyard-Fabre (2003, p.85):
Para que a Constituição mista que o desdenha os princípios democráticos
contenha um quinhão de esperança, uma condição expressa imprescindível que o
povo seja considerado com um ser coletivo e o como um agregado díspar de
indivíduos. É bastante notável que Aristóteles, em seu tempo e portanto bem antes
de Hobbes e Rousseau, sublinhe a diferença existente entre o povo considerado
como uma soma dos indivíduos e o povo considerado como um corpo político:
embora os indivíduos que compõem uma massa popular tendam, ut singuli, a ceder
às paixões e a seus excessos, o povo, em sua globalidade, não é desprovido de
lucidez e de discernimento político. Isso não significaria, desde aquela época, que o
21
risco que a democracia corre reside nos efeitos deletérios do individualismo e que
se, a contrario, ela autoriza alguma esperança para os povos é sob a condição
expressa de que estes sufoquem a conflagração destrutiva dos interesses privados?
Nesse pondo, Aristóteles não seria mais moderno que todos os políticos modernos?
A tese de Aristóteles poderia ter-se tornado a ponta de lança de ardentes defensores
da democracia.
A definição romana de democracia é mais clara visto que, mesmo ainda possuindo uma
dimensão restrita, passa a ser vista com maior amplitude, que política e geograficamente
tinha uma perspectiva maior, tratando-se de um império e não mais de uma cidade-estado.
Com isso tem-se a primeira noção clara de que o conceito de cidadão passa a gozar de
uma ideia mais ampla, incluindo eventualmente estrangeiros ou mesmo ex-escravos. Pela
longa dimensão temporal, surgem significativas mudanças na estrutura e forma de
organização do estado romano, porém é possível notar que
a rigidez das normas em uma fase inicial era decorrente da própria religiosidade e do
primitivismo das unidades organizacionais, todavia, à medida que as estruturas se
apresentaram mais complexas, a população aumentou e o comércio cresceu, tornou-
se necessário o aprimoramento das instituições político-jurídicas para que
acompanhassem a velocidade das relações. (BAGNOLI; BARBOSA; OLIVEIRA;
2009, p. 45).
Fundamentando tal pensamento, ensinam Bobbio, Matteucci e Pasquino (2000, p.321) que
Os juristas medievais elaboraram a teoria da soberania popular, partindo de algumas
conhecidas passagens do Digesto, tiradas principalmente de Ulpiano (Democracia, I,
4, 1), onde depois da celebárrima afirmação quod principi placuit, legis habet
vigorem, se diz que o príncipe tem autoridade porque o povo lha deu (utpote cum
lege regia, quae de imperio eius lata est, populus ei et in eum omne suum imperium
et potestatem conferat), e o de Juliano (Democracia I, 3, 32), onde, a propósito do
costume, como fonte de direito, se diz que o povo cria o direito não apenas através
do voto, dando vida às leis, mas também rebus ipsis et factis, dando vida aos
costumes. O primeiro passo serviu para demonstrar que, fosse qual fosse o efetivo
detentor do poder soberano, a fonte originária deste poder seria sempre o povo e
abriu o caminho para a distinção entre a titularidade e o exercício do poder, que teria
permitido, no decorrer da longa história do Estado democrático, salvar o princípio
democrático não obstante a sua corrupção prática.
O conceito romano, portanto sofre um significativo aumento de acepção, porém apesar
do avanço conceitual para a época, ainda fica longe da moderna visão. Sobre isso lecionam
Cerqueira e Antunes (2008, p. 3):
em Roma, de início, o governo era formado pelo escol da sociedade, comandado
pelos aristocratas. Com o crescimento do império Romano, e a total impossibilidade
de expansão do Estado como mecanismo coeso para a administração de seu agora
amplo território, o modelo democrático passou a ser discriminatório, pois, os novos
‘cidadãos’ (Roma tornava alguns dos importantes habitantes das terras ocupadas
cidadãos romanos, comprando assim seu patriotismo) não podiam participar das
22
decisões, até por limitações geográficas, terminando o modelo de administração do
povo e para o povo do ano zero. (Grifou-se)
Assim, durante o império romano, começa-se a ter uma maior ampliação do conceito de
democracia, porém ainda sem a dimensão atual, algo que somente no momento s
revoluções liberais existirá.
Nesse momento histórico, como lembram Cerqueira e Antunes (2008, p. 18) citando
Barzotto, a influência do cristianismo mostra-se relevante, especialmente considerando a
dimensão universal das lições de Cristo, que não via realmente diferenças entre os indivíduos
ou mesmo motivo para segregações:
Pertinente lembrança faz Luis Fernando Barzotto ao lembrar o apóstolo Paulo, em
sua epístola aos Gálatas: ‘não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há
homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus. (epístola dos
Gálatas 3,28)’
Como leciona Goyard-Fabre (2003, p.89-90):
O advento do cristianismo, a queda do Império Romano e a teocracia medieval o
forneceram à consciência política, nem na história ocidental nem na história das
idéias, ocasiões favoráveis para um despertar ou, simplesmente, para a maturação da
idéia democrática. Pelo contrário, os povos sentiam uma necessidade de unificação
sob a autoridade de um chefe. No espírito político dos quinze primeiros séculos de
nossa era impôs-se, portanto, a idéia de um poder pensado como dominação.
[...]
Nos dez séculos que se seguiram, o incremento do poder monárquico viu-se envolto
em taumaturgia, a sociedade feudal e as comunas se desenvolveram, o que não
deixava lugar para nenhuma reflexão filosófica-política sobre a democracia.
Neste momento percebe-se claramente o início da mudança de paradigma, qual seja,
uma tendência natural à universalização do conceito de democracia, de cidadania, ou mesmo
do próprio cidadão.
Falando sobre o conceito genérico de democracia para os antigos, e em especial suas
diferenças ao moderno conceito, indica Bobbio (2000a, p. 372) que
Para os antigos a imagem da democracia era completamente diferente: falando de
democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembléia na qual os
cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhe diziam respeito.
‘Democracia’ significava o que a palavra designa literalmente: poder do demos, e
não, como entendido genericamente como a ‘comunidade dos cidadãos’, fosse
definido dos mais diferentes modos, ora com os mais, os muitos a massa, os pobres
em oposição aos ricos, e portanto se democracia fosse definida ora como poder dos
mais ou dos muitos, ora como poder do povo ou da massa ou dos pobres, o
modifica em nada o fato de que o poder do povo, dos mais, dos muitos, da massa, ou
dos pobres, não era aquele de eleger quem deveria decidir por eles, mas de decidir
23
eles mesmos, como escreve Moses Finley, ‘sobre a guerra e a paz, as finanças, os
tratados, a legislação, as obras blicas, em suma, toda a gama de atividades
governativas’. Na célebre oração fúnebre de Péricles são louvadas as pessoas que se
ocupam não apenas de seus interesses privados, mas também dos negócios públicos,
e são censurados como cidadãos inúteis aqueles que não se ocupam dos segundos.
E arremata Bobbio (2000a, p. 371) que, no seu uso descritivo, por democracia os
antigos entendiam a democracia direta, os modernos a democracia representativa.”
Essa diferença de visão começa a ser mais bem percebida notadamente a partir do início
de construção do conceito moderno de democracia durante a Idade Média, e especialmente
após o fim desta, após um longo período de letargia e ausência de alteração do conceito de tal
instituto.
Neste período, poucas são as ações que podem ser percebidas como condutas ligadas ao
conceito de democracia. Cerqueira e Antunes (2008, p.4) citam algumas dessas
possibilidades:
Com mida ocorrência em 930 d.C., via do povo Viking e de suas famosas tings,
assembléias judiciais realizadas em campo aberto onde os homens resolviam seus
conflitos e diferenças, onde aceitavam ou rejeitam leis, a idéia começou a ressurgir,
vindo a ganhar força aproximadamente na virada do primeiro século 1.100 d.C.,
quando na Itália, embora ainda sob o conceito de cidades-estado, reaparecem os
governos populares.
Florença era a principal das cidades-estado, chamada em 1469, quando em seu
apogeu, de ‘balança de equilíbrio entre os estados italianos e de guardiã da paz e da
liberdade’.
Com isso, percebe-se que poucas são as mudanças encontradas nesse conceito até a
Idade Moderna.
Após tal período, não será possível perceber maiores mudanças no conceito de
democracia, vindo novo período de mudanças a partir das revoluções liberais do século
XVIII, especialmente a Revolução Francesa.
Nesse momento histórico tem-se a formação do conceito moderno de democracia, cujas
a vontade e a soberania popular passam a configurar a regra geral, especialmente no mundo
ocidental. Nesse contexto visualiza-se claramente a mudança de visão sobre o instituto,
especialmente considerando uma crescente ampliação da participação popular, e uma
migração natural da democracia direta para a representativa, com a consequente limitação do
Poder do Estado.
24
A Revolução Francesa foi feita essencialmente pelas massas populares, porém guiadas
de forma definida pela crescente burguesia, que via seus interesses mais bem preservados com
o fim da monarquia absolutista reinante, especialmente quando se considera que esta
naturalmente privilegiava sua própria corte e o respectivo clero, não havendo espaço político
pleno para a classe burguesa em ascensão.
Hobsbawm (2007a, p.91) comenta sobre a personalidade desse burguês liberal que faz a
revolução, especialmente considerando o momento hisrico em que vive, e diz que:
No geral, o burguês liberal clássico de 1789 (e o liberal de 1789-1848) não era um
democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com
liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e
proprietários.
Entretanto, oficialmente esse regime expressaria não apenas seus interesses de
classe, mas também a vontade geral do ‘povo’, que era por sua vez (uma
significativa identificação) ‘a nação francesa’.
Com isso, uma nova forma de ver as relações entre os diversos setores sociais está
inaugurada, haja vista que a vitoriosa revolução quebra paradigmas e determina com claridade
que o povo passa a ter maior participação nas decisões e gerência do estado, porém, segue de
certa forma influenciado e até mesmo, em alguns momentos, manipulado por outra classe, no
caso a burguesia.
Deve-se considerar que nem nesse momento passa a existir um entendimento único e
universal sobre a democracia, passando a conviver com diferentes perspectivas dessa idéia,
sobretudo considerando os diversos elementos de composição de tal conceito.
Diversas são as diferenças apontadas entre a ideia antiga de democracia e a visão
moderna ou atual. Dentre elas, pode-se citar Bobbio (2000a, p.374) que “Nas duas formas de
democracia, a relaçção entre participação e eleição está invertida. Enquanto hoje a eleição é a
regra e a participação direta a exceção, antigamente a regra era a participação direta, e a
eleição, a exceção.”
Decidir, portanto, quais são os elementos que vão caracterizar e conceituar a democracia
moderna não é tarefa das mais ceis. Bobbio (2000a, p.380) tratando da matéria diz que:
Na democracia moderna, o soberano não é o povo, mas são todos os cidadãos. O
povo é uma abstração, cômoda, mas também, como já dissemos falaciosa; os
indivíduos, com seus defeitos e seus interesses, são uma realidade. Não é por acaso
que como fundamento das democracias modernas estão as Declarações dos Direitos
do Homem e do Cidadão, desconhecidas da democracia doa antigos. A democracia
moderna repousa em uma concepção individualista da sociedade, Se depois esse
25
individualismo é proposto e reivindicado em nome da teoria utilitarista da felicidade
do maior número ou mesmo da teoria dos direitos do homem, para mencionar
rapidamente a disputa dos últimos anos entre quem acolheu e defendeu os princípios
do utilitarismo e quem protesta colocando à frente os direitos ‘que devem ser
levados a sério’, é um tema que aqui pode ser posto em segundo plano, porque
aquilo que me interessa avaliar é o lugar central que ocupa o individualismo no
debate contemporâneo, qualquer que seja o seu fundamento.
Esta mutação significativa no conceito do instituto ocorreu por alguns fatores foram
determinantes. A própria relação que o indivíduo passa a ter com o estado, bem como a
percepção de que é sujeito de direitos faz com que tenha uma alteração da visão sobre a
democracia e sua aplicação prática na sociedade e no estado. Fundamentando essa idéia indica
Bobbio (2000a, p.376)
Das duas diferenças entre a democracia moderna e a democracia antiga, a primeira
foi o efeito natural da alteração das condições históricas, a segunda, ao contrário, foi
efeito de uma diferente concepção moral de mundo. A substituição da democracia
direta pela democracia representativa deveu-se a uma questão de fato; o distinto
juízo sobre a democracia como forma de governo implica uma questão de princípio.
As condições históricas alteram-se com a transição da Cidade-Estado para os
grandes Estados territoriais. O próprio Rousseau, embora tivesse feito o elogio da
democracia direta, reconheceu que uma das razões pelas quais uma verdadeira
democracia jamais existiu, e jamais existirá, era que ela exige um Estado muito
pequeno ‘no qual seja fácil para o povo reunir-se, e no qual cada cidadão possa
facilmente conhecer todos os outros’.
Por sua vez, imagina Schmitt (2006a, p. 230) que democracia possui um sentido e
conceito próprio, indicando que
Democracia (tanto en cuanto forma política como en cuanto forma del Gobierno o
de la Legislación) es identidad de dominadores y dominados, de gobernantes y
gobernados, de los que mandan y los que obedecen.
1. Esta definición resulta de la sustancial igualdad, que es supuesto esencial de la
Democracia. Excluye el que la distinción dentro del Estado democrático de
dominantes y dominados, gobernantes y gobernados exprese o produzca una
diferencia cualitativa. Dominación o gobierno en una Democracia no pueden nacer
de una desigualdad, de una superioridad de los dominadores o gobernantes, de que
los gobernantes sean en algún modo cualitativamente mejor que los gobernados.
Según su sustancia, tienen que permanecer en la igualdad y homogeneidad
democráticas. Porque uno domine o gobierne, no por eso puede salirse de la
identidad y homogeneidad del pueblo. Por lo tanto, la fuerza o autoridad de los que
dominan o gobiernan no ha de apoyare en cualquiera altas cualidades inaccesibles
al pueblo, sino solo en la voluntad, el mandato y la confianza de los que han de ser
dominados o gobernados, que de esta manera se gobiernan en realidad a si mismos.
De este modo recibe su sentido ideológico la expresión de que la Democracia es
una dominación del pueblo sobre si mismo. Todas las tendencias e instituciones
democráticas, tales como la igualdad y equiparación de derechos en los períodos
electorales (diputaciones), disolución de los Parlamentos, responden a ese esfuerzo
por realizar la identidad de gobernantes y gobernados.
A construção de um conceito único não é possível, especialmente quando se considera
que variadas dimensões e elementos influenciaram nesse cenário. Porém, podem extrair
26
alguns elementos definidores centrais, especialmente considerando o conceito ocidental e
moderno de democracia.
Primeiramente, tem-se uma forte influência popular, que como visto abandonou o
modelo direto e o substituiu pelo representativo, porém passou a ter a cada dia mais
possibilidades de interferência nas escolhas políticas feitas por seus representantes.
A proteção às minorias e o respeito à diversidade social, cultural e étnica também
podem ser apontados como traços característicos comuns desse conceito, fazendo com que a
escolha pelo modelo democrático não seja algo raro, mesmo que sua aplicação muitas vezes
seja imperfeita.
Assim, a indicação expressa ou tácita, de escolha por um modelo democrático de
organização, passou a ser vista como natural e imprescindível para que aquele estado seja
visto pela comunidade internacional como “civilizado” ou onde impera a vontade popular.
Nesse sentido diz Hobsbawn (2007b, p.97) que:
palavras com as quais ninguém gosta de se ver associado em público, como
racismo e imperialismo. Há outras, por outro lado, pelas quais todos anseiam por
demonstrar entusiasmo, como mãe e meio ambiente. Democracia é uma delas. Você
se lembrará de que, nos dias do que normalmente se conhecia como ‘socialismo
real’, mesmo os regimes mais implausíveis ostentavam-na em seus títulos oficiais,
como a Coréia do Norte, o Camboja de Pol Pot e o Iêmem. Hoje, é claro, é
imposvel encontrar, com a exclusão de algumas teocracias islâmicas e monarquias
hereditárias asiáticas, qualquer regime que não renda homenagens oficiais,
constitucionais e editoriais a assembléias e presidentes pluralmente eleitos. Qualquer
Estado que possua esses atributos é oficialmente considerado superior a qualquer
outro que não os possua, como, por exemplo, a Geórgia pós-soviética com relação à
Geórgia soviética e um regime civil corrupto no Paquistão com relação ao regime
militar.
E afirma ainda que:
Além disso, desprezando toda retórica, como hoje assinala o professor John Dunn,
ainda que de maneira breve, ‘pela primeira vez na história humana uma única
forma de Estado claramente dominante a república democrática, constitucional,
representativa e moderna’, embora também seja necessário assinalar que a maior
proporção de sistemas políticos estáveis que seriam vistos como democráticos por
observadores imparciais está hoje em monarquias, as quais parecem ter sobrevivido
melhor nesse ambiente político, ou seja, na União Européia e no Japão.
(HOBSBAWN, 2007b, p.97)
Neste sentido também leciona Goyard-Fabre (2003, p. 197):
Hoje existem poucos países no mundo que o se dizem uma democracia, como se
sua longa genealogia filosófica a tivesse conduzido, apenas das resistências e das
dúvidas, a um triunfo inelútável. Na verdade, a antiga palavra ‘democracia’, tantas
27
vezes empregada no correr dos séculos pelos filósofos para designar teoricamente
um modelo de regime político, se impôs durante o século XIX na linguagem
sociopolítica, adquirindo, então, não tanto uma conotação nova, como se costuma
dizer, mas pelo menos um status semântico até então praticamente inédito: a
democracia não mais designa apenas um esquema institucional pertencente ao
quadro jurídico da política, mas também o fato social que caracteriza a potência
ativa do povo no espaço público.
O modelo de democracia que é encontrado nesse cenário sofre hoje um novo ciclo de
transformação, especialmente considerando os modernos instrumentos de comunicação de
massa e imprensa, bem como as ferramentas de interação e participação popular, notadamente
através da rede mundial de computadores. Tal realidade conduz a pensar que se possa estar
hoje diante, como nunca antes na história moderna, de uma volta à democracia direta, em que
os indivíduos o consultados ou indicam pessoal e diretamente suas vontades e escolhas
políticas, abandonando-se (ou pelo menos diminuindo-se) a ação tomadas pelos
representantes eleitos ou escolhidos. (BOBBIO, 2000a, p. 382)
A opção pelo modelo democrático é natural no mundo atual, especialmente
considerando os valores agregados a esta realidade. Com isso é possível concluir que uma
sociedade moderna, especialmente a ocidental e em alguns estados orientais, naturalmente
passa a viver de acordo com esses valores.
No momento em que esta escolha é feita, ou seja, a de um modelo democrático de
sociedade e consequentemente de estado, passa-se naturalmente a ter que se buscar a
implementação concreta de alguns dos elementos que caracterizam concretamente esta hipótese,
dentre os quais o chamado pacto de o-agreso, que se mostra como um dos elementos
essenciais da democracia moderna. Nesse sentido afirma Bobbio (2000a, p. 384-385) que
O fundamento de uma sociedade democrática é o pacto de não-agressão de cada um
com todos os outros e o dever de obediência às decisões coletivas tomadas com base
nas regras do jogo de comum acordo preestabelecidas, sendo a principal aquela que
permite solucionar os conflitos que surgem em cada situação sem recorrer à violência
recíproca. Mas tanto o pacto negativo de não-agressão, quando o pacto positivo de
obediência, para serem, além de válidos, também eficazes, devem ser garantidos por
um poder comum. Com o pacto de não-agressão recíproca, os indivíduos saem do
estado de natureza; com o pacto de obediência às regras estabelecidas em comum
acordo constituem uma sociedade civil. Mas somente instituindo um poder comum
dão vida a um Estado (que não é necessariamente democrático)
Com isto a preservação desta relação harmoniosa e serena entre os membros do tecido
social mostra-se como um elemento central da construção de um estado democrático
definitivo e durável.
28
Neste sentido nos indica Goyard-Fabre (2003, p. 140), ainda sobre os pilares
fundamentais da democracia moderna, que
A teoria democrática ocidental é inconcebível hoje sem que se recorra ás três linhas
de força que são a virtude cívica do republicanismo, a moderação do regime
constitucional do equilíbrio dos poderes e o pluralismo dos partidos. Essas linhas de
força lembram muito as idéias mestras do liberalismo de Montesquieu. (Grifou-se)
Percebe-se com isso que os crimes contra o estado, como aqueles praticados por
organizações criminosas e o próprio terrorismo nacional e internacional
5
, representam hoje uma
das maiores ameaças a esta democracia moderna construída sobre todos esses pilares. Da
mesma forma o crime organizado em geral e bem como todos os ilícitos penais que possuem
comotima potencial o próprio Estado Democrático de Direito. Essa ameaça está caracterizada
especialmente por quebrar esse pacto de o-agressão e por muitas vezes demonstrar a
fragilidade do Estado na defesa de seus cidadãos, gerando a estes uma profunda sensação de
insegurança, onde a incapacidade de prevenção e reação estatal torna naturalmente frágil o
próprio pacto social. Neste sentido reforça Barreto Lima (2004, p.147) que
Do ponto de vista discursivo, a perspectiva da construção da tolerância e a sua
ausência como elemento desencadeador do terrorismo foi igualmente detectada. Por
essa razão é que o reconhecimento da identidade do outro e o respeito a esta
legitimidade aparecem como critérios fundamentais para a solidificação de uma paz
interna a uma sociedade, e externa a outras sociedades.
Neste contexto, além da agressão criminosa direta ao Estado, à sociedade e às diversas
instituições democráticas, tem-se também que muitas reações dos Estados representam um
risco, pois muitas vezes optam por alternativas alheias aos princípios democráticos, fazendo a
opção de reagir com soluções desproporcionais ou mesmo atentatórias aos princípios
constitucionais e democráticos.
Assim, Estados com longa tradição democrática fazem a escolha consciente e deliberada
de utilizar medidas e instrumentos antidemocráticos em nome do combate ao terror, ao crime
organizado e à corrupção em geral e da preservação da sociedade como um todo.
Tal opção mostra-se imensamente complexa, especialmente considerando que as
escolhas políticas de uma geração devem ser aprimoradas e respeitadas pelas demais, e
quando isso não ocorre há imensos momentos de trevas principiológicas ou políticas.
5
Tais crimes serão objeto de análise profunda no Capítulo III, motivo pelo qual são apenas citados aqui. Sua
definição e conceituação podem ser vistas a seguir.
29
Não bastasse a natural dificuldade de dimensionar a intensidade da resposta
democrática a ameaça terrorista e a condutas criminosas contra o estado, tem-se outro
problema igualmente relevante, qual seja, o que se pode considerar como terrorismo, por
exemplo como conceituar tal termo para que se possa bem definir que espécie de inimigo as
democracias modernas tem diante de sai para serem enfrentados.
A vulnerabilidade do modelo democrático sempre representou um obstáculo
significativo quando trata-se de preservação de tal estado, porém os presentes dias mostram
dificuldades ainda maiores para tratar-se disso, fazendo pensar no futuro, e mais ainda, na
própria sobrevivência do modelo democrático de sociedade e estado. Analisando tal aspecto a
lição de Bobbio (2000a, p. 382) que diz:
E contudo, em seu último escrito antes de morrer, Gino Germani colocou-se a
seguinte pergunta: ‘A democracia conseguirá sobreviver?’. Respondia colocando em
evidência quatro razões pelas quais era lícito afirmar que os regimes democráticos
encontravam-se em zona de perigo. Dessas razões, três são internas, uma externa. As
três internas são segundo Germani, o excesso de mudanças, a vulnerabilidade dos
sistema, o paradoxo tecnocrático.
E neste sentido detalha: “A vulnerabilidade da democracia dependeria da fragmentação
do poder que permite que pequenos grupos organizados desfiram golpes mortais na sociedade
obrigada, para se defender, a negar a si mesma.” (BOBBIO, 2000a, p.383)
Diante deste risco, pode-se indiscutivelmente perceber que dentre estes grupos
localizam-se com tranquilidade instituições criminosas, que mesmo que não tenham como
objetivo central a aniquilação do estado, trabalham para o seu enfraquecimento, uma vez que
isto representa uma maior liberdade de ação e desenvolvimento de suas condutas criminosas.
Quando indica o fator externo citado acima, Bobbio (2000, p. 383) considera que este
seria determinado pelo sistema internacional, uma vez que a contextualização e harmonização
de um estado não democrático em um panorama transnacional, onde a democracia é a regra,
mostram-se complexas.
Tal fato ainda é mais grave quando se que a criminalidade de que o estado é vítima
cotidianamente possui um caráter transnacional crescente, especialmente quando se leva em
consideração que as organizações criminosas, quer de atuação terrorista, quer o, possuem
fortes elementos de contato e interação entre si.
30
Desta forma definir a forma de tomada de decisões dentro do ente estatal, em especial
considerando a dimensão radical que estas possuem e sua relação com a sociedade mostra-se
indiscutivelmente fundamental para que se possa determinar a sua legitimidade, validade e
legalidade.
1.2 Tomada de decisões em um Estado democrático
A tomada de decisões do ente estatal sempre foi objeto de estudo pela ciência política e
pela teoria do estado, porém devem-se considerar no presente estudo algumas características
específicas que essa tomada de decio pode ter.
Conforme será visto mais à frente, as situações excepcionais e graves devem receber do
estado uma resposta precisa e eficaz, visando especialmente à tutela e à salvaguarda da
própria sociedade. Assim, deve-se fazer menção a forma de tomada de decisão e
especialmente aos princípios que podem ser levados em consideração quando se tem tal
realidade diferenciada.
Diante disso, percebe-se que o princípio norteador básico da tomada de decisões é, ou
pelo menos deveria ser, garantia da máxima liberdade de cada cidadão de forma compatível
com a máxima satisfação de todos os membros do tecido social.
O estado deve observar com precisão qual situação tem diante de si, evitando com isso a
realização de atos de natureza tendenciosa ou ofensiva, ou seja, a excepcionalidade deve estar
prevista. Com isso quer se dizer que o modelo democrático que tem sido adotado no ocidente
moderno restará preservado quando do enfrentamento de situações de crise se existir um
modelo próprio para o combate dos momentos de urgência constitucional, onde a tomada de
decisões em situações de crise venha a ocorrer naturalmente, mesmo considerando a
adversidade do momento.
Exatamente considerando a complexidade das escolhas políticas do estado moderno e
especialmente o mecanismo de tomada de decisão, Bobbio (2000a, p. 385) diz:
E se depois, hoje, uma grande potência alegar, em vez de salvação do Estado, os
‘interesses vitais’, a coisa muda de figura. Quando Maquiavel escreve que onde está
em jogo a saúde da tria ‘não cabe qualquer consideração, NE de justo nem de
injusto’, porque o que conta ‘posposto qualquer outro respeitoé ‘seguir de todo
aquele partido que lhe salva a vida e mantenha a liberdade’, refere-se à liberdade do
Estado e não a liberdade dos cidadãos; aliás ‘posposto qualquer outro respeito’
significa também posposto o respeito à liberdade dos cidadãos.
31
E continua:
Se aceitarmos essa hipótese, segundo o qual a amea a este ou aquele Estado
atualmente democrático depende do fato de que cada um deles faz parte de um
universo em seu todo não-democrático, o desafio no final do segundo milênio não
poderá ser vencido a o ser nestas duas direções: a ampliação das esferas dos
Estados democráticos e a democratização do sistema internacional no seu todo. Dois
processos interdependentes, seja no sentido de que deveriam reforçar-se
reciprocamente, seja no sentido de que a incompletude de outro
Percebe-se, portanto, que a tomada de decisões é parte inerente e decisiva da atuação
estatal, porém o constitui tarefa que possa ser plenamente objetivada, possuindo
inegavelmente uma dimensão política e ideológica, ou seja, seu conteúdo mostra-se na
maioria das vezes discricionário em relação ao agente público e ao momento.
Neste sentido indica Vanossi (2008, p. 140) que como es sabido, las etapas del proceso
de gobierno son, por lo menos, cinco instancias bien diferenciadas, a saber: a) consulta; b)
decisión política; c) ejecución; d) control, y e) responsabilidad.”
Diante disso, a tomada de decisões em situações de crise, especialmente aquelas em que
o estado é atingido diretamente pela criminalidade organizada torna a escolha política ainda
mais complexa, fazendo com que deva ser medida e determinada ainda mais eficazmente.
Deve-se, no entanto, ter-se em mente que a tomada de decisão, que reflete por sua vez
uma tomada de posição política, ideológica e jurídica frente a uma situação, é
necessariamente passível de controle, pois o poder estatal sem limite e controle vai de
encontro às bases do sistema democrático.
Assim, se a realização do controle do estado representa tarefa complexa quando se
vivem situações de normalidade social e institucional, o que falar quando que se enfrentar
situações diferenciadas e ofensivas ao tecido social ou mesmo ao próprio ente estatal.
O sistema básico de tomada de decisões (em especial considerando a repartão de
funções estatais) bem como o controle do poder estatal passa necessariamente pela utilização
e aperfeiçoamento do sistema de freio e contrapesos.
Não como o estado aperfeiçoar sua forma de decidir em situações de emergência,
bem como o necessário controle de tais ações se não existir uma forte interação entre as
diversas funções do estado. Com isso impede-se que uma dessas funções venha a agir de
forma a desequilibrar o salutar e indispensável equilíbrio entre os “Poderes” estatais.
32
Veja-se, portanto, como esse controle estatal pode ser feito em situações convencionais,
e no quarto capítulo do presente estudo analisar-se-á como este mesmo controle será realizado
no âmbito do sistema imaginado de enfrentamento de ameaças e ofensas ao estado pela
criminalidade, nas suas mais variadas concepções, porém especialmente na organizada, de
viés terrorista ou não.
1.3 Controle do poder estatal no Estado democrático de direito
Primeiramente, pode-se considerar que falar em controle do poder ou controlar o poder
pode parecer em si paradoxal, especialmente quando se imagina que o poder ou o ente que o
detém a princípio não pode ou não deve ser limitado sob pena de negativa deste poder.
(VALADÉS, 2005, p.1). A necessidade de limitação e controle do poder do estado representa
claramente um dos pilares centrais da estrutura moderna de estado. (GOYARD-FABRE,
2003, p. 126)
Ocorre que o controle ou limitação do poder é condição essencial para a formação do
Estado Moderno ou, como afirma Vanossi (2008, p. 130) en el Estado contemporâneo, el
“control” es una función, pero también es – ornicamente un ‘poder’, y del Estado mismo.”
Tal racionio poderia parecer correto quando se analisam os modelos mais primitivos
de estado, ou principalmente o modelo absolutista. Como afirma Schmitt (2006, p.7)
“soberano é quem decide sobre o estado de exceção.” Desta forma, já no início da sua
formulação sobre o estado e sua atribuição de poder, considera-se que o soberano é o senhor
das decisões no modelo schmittiano. Ainda afirmando sobre o soberano, afirma que
Ele decide tanto sobre a ocorrência do estado de necessidade extremo, bem como
sobre o que se deve fazer para saná-lo. O soberano se coloca fora da ordem jurídica
normalmente vigente, porém a ela pertence, pois ele é competente para a decisão
sobre se a Constituição pode ser suspensa in toto. (SCHIMITT, 2006, p.8)
Desta forma, nesse modelo estatal, não havia ainda necessidade de se desenvolver de
forma eficaz a estruturação de controle ou limites de atuação do estado, uma vez que o
monarca era o senhor da soberania, decidindo sobre a excepcionalidade das medidas
necessárias, sua abrangência e utilização.
O poder absoluto do estado, característico da s Idade Média, passou a ser combatido
de forma direta e, conforme indica Bonavides (1999, p. 203), o princípio da separação de
poderes foi concebido como uma técnica de resistência ao poder absoluto.
33
A própria determinação de que se estar a enfrentar uma situação excepcional é
característica própria da soberania e de seu exercio, e obviamente na determinação de seus
controles e limites.
Indica ainda Schmitt (2006, p. 10) ao comentar sua obra anterior sobre a ditadura, que
“ao revés do esquema tradicional da apresentação histórica que, também, nos autores do
Direito Natural do século XVII, a questão da soberania foi entendida como questão da decisão
sobre o estado de exceção. E ainda comentando sobre a dimensão do soberano, indica que
Se somente Deus é soberano, aquele que, na realidade terrena, age de modo
incontestável como seu representante, imperador, o soberano ou o povo, isto é,
aquele que pode identificar-se, indubitavelmente, com o povo também é soberano. A
questão sempre se volta para o sujeito da democracia, ou seja, à aplicação do
conceito a um caso concreto. (SCHIMITT, 2006, p. 8)
Desta forma, a discussão sobre a existência ou abrangência da soberania ou de seu
agente detentor sempre existiu no âmbito da ciência política, trazendo consequentemente a
natureza de limitação e controle deste.
Na visão medieval e absolutista, o poder concentrava-se no monarca e, portanto, a ele
cabia determinar o estado de exceção, suas medidas, bem como a abrangência destas, não
estando sujeito a nenhuma espécie de controle ou limitação.
No modelo moderno e democrático de estado, já não se pode admitir o exercício de um
poder sem limites ou reservas, sendo necessária a idealização de um modelo de controle que
limitasse o poder estatal tanto em situações regulares quanto na ocorrência de situações
excepcionais. Neste sentido indica Bonavides (1999, p. 203), ao comentar o princípio da
separação de poderes, que
Graças ao princípio, se tornou possível estruturar uma forma de organização de
poder, em que o Estado se limitava pela Constituição. O poder executivo,
igualmente contido no círculo de competências restritas, já não era o poder absoluto
e sem limites do começo da Idade Moderna. Dantes a soberania do príncipe
encarnava a própria vontade estatal debaixo da fórmula ‘L’État c’est moi’ (‘eu sou o
Estado’), e Luís XIV, reflexo das doutrinas da soberania de direito divino,
proclamadas por alguns teólogos, dentre eles, Bossuet, o mais expressivo.
No presente estudo analisa-se como o estado moderno e democrático podeagir diante
de situões excepcionais de origem criminosa. Assim, é necessário imaginar uma forma de
controle desse poder uma vez que este se manifestará de forma diferenciada para fazer frente às
34
ameaças que o postas, porém é importante indicar que o sistema de controle do poder estatal
não ocorre apenas quando da excepcionalidade, mas também na regularidade social e estatal.
A primeira análise que se deve fazer sobre o controle do poder estatal, fundamental, em
tempos de crise, passa pela própria concepção do termo poder, e especialmente contextualizá-
lo com a dimensão com o qual muitas vezes é tratado, qual seja, a de vertente do poder do
estado.
Indicar a existência de “Poderes” representa tão somente uma divisão acadêmica ou
metodológica, uma vez que estes representam muito mais uma função estatal do que
efetivamente o poder ou a sua origem. Assim, deve-se entender que o poder estatal é uno e
indivisível, porém, para que melhor seja desempenhado, é repartido em diversas atribuições
distintas. O poder estatal, no entanto, deve ser controlado e limitado, uma vez que apenas o
exerce por delegação expressa feita pelo povo, constante da Carta constitucional de 1988 e em
muitas Constituições Ocidentais. Neste sentido Valadés (2005, p. 1) diz:
Contra lo que se piensa, los procesos institucionales que se conocen como
‘separación de poderes’ no se basan en la disminución de los efectos del poder, sino
en su potenciación. La teoria newtoniana de los equilibrios inspiro el inteligente
esquema de la separación de poderes. Uno de los efectos de esa relación es que los
balances y contrapesos operan como fuerzas crescientes, no menguantes. En esa
medida, y pensando en un sistema de equilibrios lo más cercano posible a lo ideal,
tantas más atribuiciones como se confieran a un órgano que ejerce funciones de
poder, tantas más las que de manera agregada se irán incorporando
progresivamente a otros órganos. (Grifou-se)
Com isso percebe-se que a repartição de funções do estado passa a ser vista como uma
forma o de tornar o ente estatal mais eficaz, mas também de limitar seu poder,
controlando-o e mantendo-o dentro dos limites aceitáveis pelo ser soberano, ou seja, o povo,
na acepção moderna.
Não bastasse isso, é necessário considerar que o controle do poder é, em si, um ato de
poder, assim não se pode controlar este poder fora de um sistema político-jurídico, o equivale
dizer que não se controla o poder de fora deste senão internamente ao ente controlado.
Aperfeiçoando ainda mais esse controle, tem-se o sistema básico de controle, qual seja,
o de freios e contrapesos, segundo o qual onde esses “Poderes” autônomos e independentes
entre si passam a interagir, refreando qualquer ímpeto ou vontade de monopolizar ou
concentrar suas atribuições. Será visto, mais à frente que para as situações excepcionais
enfrentadas pelo estado e oriundas de ataques criminosos, deve-se aperfeiçoar ainda mais a
35
interação entre esses Poderes, notadamente considerando que mesmo temporariamente um
destes passa a desempenhar funções mais radicalmente fortes. Sobre tal sistema sico,
lembra Vanossi (2008, p. 132) que
De todo el pensamiento de Montesquieu, la idea más rescatable y con mayor
supervivencia es aquella según la cual ‘solo el poder contiene al poder’, cuya mejor
aplicación inicial fue realizada por los constituyentes de Filadélfia mediante el
sistema de checks and balances y cuya más decantada actualización se encuentra en
las modernas Constituciones europeas de la segunda posguerra mundial (sin
desmedro de los valiosos antecedentes que ofrecen las innovaciones
constitucionales de la primera posguerra.
E complementa indicando que
Pero en el tratamiento de esta temática del control para su eficaz procedencia (real
y concreta) surgen tres cuestiones previas, que operan a manera de recaudos o
presupuestos: a) la independencia del controlante en relación con el controlado; b)
el ambito de lo controlado, y c) el derecho de información y la publicidad de los
actos. (VANOSSI, 2008, p. 132)
Com isso a necessidade de um controle passa a ser maior e mais direta. Ocorre que
assim como o estado tem limitações, o próprio modelo de controle (ou sugestão de modelo)
aplicado no ocidente possui limites. Sobre isso indica Valadés (2005, p. 9)
Los controles tienen limitaciones muy claras. Unas son las que resultan de la
naturaleza de os controladores, y otras son las que se producen como consecuencia
de la necesidad de conciliar los máximos posibles de libertad y de seguridad para la
sociedad, con los mínimos indispensables de eficácia de los órganos estatales. En
otras palabras, la estructura constitucional de los controles debe atender a las
demandas reales de la sociedad tanto como a las posibilidades efectivas del Estado.
E conclui:
Todo esto es posible en un sistema constitucional democrático donde el poder debe:
a) estar distribuído, b) ser regulado, c) estar limitado, d) ser accesible, e) ser
predecible, f) ser eficaz, y g) estar controlado.
Estas condições fundamentais para o controle do poder estatal devem sempre buscar um
nível de equilíbrio, não só durante a normalidade do estado democrático de direito mas
também durante o enfrentamento de anormalidades sociais ou estatais. O alcance deste
equilíbrio é fundamental para que se possa considerar o sistema de controle de poder
devidamente calibrado.
O exercício do poder possui uma natureza absolutamente dinâmica, ou seja, para que o
Estado desempenhe suas funções básicas deve sempre estar atento para a caminhada ou
evolução que a sociedade faz, porém isto representa uma dificuldade adicional no exercício
36
deste controle, uma vez que exige que este seja constantemente melhorado e aperfeiçoado, ou
seja, deve-se criar um mecanismo de limitação do poder e repressão a seus abusos que se
autodiscipline, adaptando-se sempre que se mostrar necessário devido a mudaas pontuais
ou sistemáticas. Sobre isso afirma Valadés (2005, p. 13) diz:
El poder tiene una naturaleza altamente dinamica. Los instrumentos para controlar
el ejercicio del poder fluyera a través de múltiples expresiones, y que los
mecanismos adoptados para controlarlo no pudieran adecuarse de continuo a esas
diferentes expresiones.
O exercício do poder estatal sem controle pode representar um risco e uma ameaça
maior do que a própria ausência de poder, ou seja, a sociedade aquele que deve dela zelar
extrapolando seus limites e sobrepondo-se ao ente soberano. El ‘enemigo del pueblo’, en
términos de Ibsen, no está en el adversário del poder que aspira a su limitación, sino en el
partirio del poder excesivo que, sin proponérselo, lleva el poder a la ilegitimidad y, por lo
mismo, al colapso.” (VALADÉS , 2005, p.17)
Percebe-se com isso que a necessidade de controle do poder do Estado existe sempre
que se imagina que este ente é dotado de funções e prerrogativas para controlar e gerir a
sociedade, logo não se pode atribuir ao ente estatal uma soberania que não possui, uma vez
que é o povo o detentor desse poder irrestrito. Neste sentido afirma Valadés (2005, p. 24): “Se
prueba aque el control es inherente al ejercicio del poder; toda manifestación de poder es
objeto de una posibilidad de control. Si hubiera un órgano del Estado que no estuviera sujeto
a control, se estaria ante el caso de un poder absolutista.”
O sistema que será estudado no quarto capítulo do presente trabalho prevê mecanismos
de atuação do Estado para propiciar o enfrentamento de situações críticas. Tais situações
excepcionais devem ser trazidas para o direito e não serem tratadas fora deste, uma vez que
sua existência representa uma ameaça à ppria democracia e à estrutura do Estado.
Com isso, da mesma forma tem-se o controle deste poder estatal, cujo sistema deve ser
igualmente político e interno ao estado, que não se deve imaginar o controle de um poder
estatal fora deste cenário. Neste sentido afirma Valadés (2005, p.13) que “los controles
políticos son del Estado, no son autonomos o ajenos al Estado.
A necessidade de existência de um controle restou clara, porém percebe-se que por
mais que a maioria dos sistemas modernos derive do sistema de freios e contrapesos, o
37
exercício deste bem com seu efetivo desempenho deve ser constantemente monitorado sob
pena de perecimento da legalidade do ato ou mesmo da perda absoluta de sua legitimidade.
Tal sistema representa uma forma clara de equilibrar a soberania popular quando
exercida pelas funções constitucionais do estado, representando forma efetiva de controle do
poder estatal. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 216). Complementa Vanossi (2008, p.141)
El control es la antesala de la responsabilidad, y ésta, recíprocamente, es la
consecuencia necesaria de la etapa del control. Imaginar el control sin la
responsabilidad es tan disparatado y frustrante como afirmar la supremacía
constitucional sin prever el control, o como sostener la existencia de derechos sin
asegurarlos mediante sus garantías. (Grifou-se)
O controle é uma das formas de se preservar uma das condições essenciais de formação
do Estado Moderno, qual seja, o equilíbrio. Neste sentido Vanossi (2008, p.140) diz:
Ya no cuadra, pues, la alegre exclamación de los bien intencionados liberales del
siglo pasado: ‘el mejor Estado es el menor Estado (pensamiento universal que,
entre nosotros, adoptara Dardo Rocha). Entonces, frente a la nueva realidad, surge
la pregunta: y el equilibrio? La respuesta no se hace esperar: la necesidad de
seguir preservando un cierto equilibrio hace a la salud del sistema, puesto que no es
un aspecto contingente de él, sino que forma parte del núcleo fundamental de las
‘reglas del juego’ .
O enfrentamento de situações atípicas e agressivas ao estado faz com que se tenha que
aperfeiçoar este controle, dotando-o de esferas ou mesmos níveis distintos que vão desde o
Legislativo (indiscutivelmente, o mais legítimo para refrear ou limitar a atuação estatal) ao
Judiciário, derradeiro instrumento de salvaguarda das liberdades e direitos fundamentais
6
.
Qualquer desvio ou falha nesse processo de controle afetará definitivamente a estrutura
social e política. Neste sentido afirma Valadés (2005, p.35):
Una vez que se haya admitido el uso de los instrumentos de control como parte de
los arreglos para el ejercicio del poder, las posibilidades de distorsión aumentan
considerablemente. El efecto de ese desvío puede afectar la idoneidad de los
controles como factor de racionalización del ejercicio del poder, y operar
exactamente en sentido inverso: como elemento que permita encubrir los acuerdos
tomados en contra de la norma constitucional y de la ética pública. Lejos de
contribuir a la racionalización del poder, y a preservar su legitimidad, los controles
proveerían a los agentes políticos de un recurso para obtener subrepticiamente
concesiones que de otra forma serían inasequibles.
6
No desenvolvimento do Capítulo Quarto tratar-se-á de mecanismos para a proteção estatal e social quando da
existência de ameaças oriundas da criminalidade, especialmente a organizada. abordar-se-á com mais precisão
como controlar o poder excepcional dado ao Estado nesses momentos, e em especial os níveis de autorização prévia
e controle posterior, envolvendo a atuão inicial do Poder Legislativo e a atuação final do Poder Judiciário.
38
Todo esse mecanismo de controle, no entanto, tem uma origem normativa básica, qual
seja, a Constituição. Não poderia ser diferente uma vez que a característica fundamental do
constitucionalismo ocidental moderno é a estruturação do Estado na carta constitucional,
sendo esta de natureza política e jurídica, fazendo com que qualquer espécie de mecanismo de
controle deva estar previsto nesta norma, mesmo que de forma geral e abstrata.
Imaginar ou desenhar a face moderna do Estado, edificando suas instituições e repartindo
suas respectivas fuões, bem como elencando o rol de direitos e garantias fundamentais, é
matéria essencialmente constitucional, e como não poderia deixar de ser a determinação do
sistema de controle, deve ter a mesma origem, qual seja, na carta política maior.
A consolidação e solidificação do constitucionalismo moderno é elemento essencial
para o efetivo e concreto limite estatal. Neste sentido Valadés (2005, p.37) leciona:
Resultará difícil argumentar que es posible la consolidación democrática sin
considerar los valores del constitucionalismo moderno. Juan Linz y Alfred Stepan
(p.30) subrayan la importancia de la Constitución para poder hablar de una
democracia consolidada. Sin embargo, el constitucionalismo no puede quedar
confinado en el viejo modelo del Estado de derecho. En materia de controles puede
darse cumplimiento formal a un precepto constitucional, pero ese hecho a su vez
puede no ser otra cosa que un acto litúrgico sin importancia política real.
E ainda tratando da importância da dimensão constitucional que o controle estatal tem,
traz-se à colação a lição de Valadés (2005, p. 38-39):
Hemos afirmado que el control tiene una naturaleza contractual. En esta medida
resulta tambíen clara la vinculación del control con el concepto de soberania
constitucionalmente adoptado. Por lo general, las Constituciones reconocen que la
soberania radica en el pueblo, y en este caso los órganos del poder desempeñan
funciones que derivan de atribuiciones del titular de la soberania. Cuando esos
órganos del poder ejercen las facultades propias de un representante, sus actos se
consideran imputables al soberano, porque son practicados en su nombre. Entre
esos actos figuran los concernientes al control político. El problema es qué tan
amplia es la extensón de la representación, y si puede llegar al extremo de abolir en
la prática el ejercicio de los controles.
E arremata indicando que “los instrumentos de control son solo una de las funciones del
poder en un sistema constitucional democrático.” (VALADÉS, 2005, p.40). Neste mesmo
sentido complementa:
Fue la clarividencia de Sieyes (p. 326) la que permitió al Tercer Estado encontrar
la clave: ‘la Constitución comprende a la vez la formación y la organización de los
diferentes poderes blicos; de su necesaria correlación y de su recíproca
independencia’. Surge así una gran concepción del constitucionalismo moderno.
(VALADÉS, 2005, p. 94)
39
Pode-se concluir que o controle efetivo do estado passa essencialmente pela formação
de um sistema no qual os órgãos do estado se controlam, formando uma teia de controle onde
Todos los órganos del poder se controlan entre si; y en la aplicación de los
controles políticos intervienen, si bien en proporciones diversas, los congresos y los
gobiernos. Justamente en las decisiones que se adoptan en cuanto a la forma de
distribución y ejercicio de esos controles, reside el tipo de poder que se quiere
establecer o se acepta tolerar.
Percebe-se de forma clara que a raiz de toda forma de controle é a soberania popular
expressa de forma livre e concreta na Constituão, e que o exercício do poder bem como sua
legitimidade derivam exclusivamente deste. Neste sentido expõe Valadés (2005, p.99):
La soberanía popular há devenido en una espécie de referente, que permite orientar
la estructuración, organización y funcionamiento de las instituciones públicas,
como antaño lo fueron los princípios de derecho divino, por ejemplo. Una de las
grandes diferencias, además de la configuración racional del orden jurídico
derivado del concepto de soberania popular, se situa en el ámbito de las
consecuencias prácticas: las comunidades humanas suelen ejercer su potestades
muy de tarde en tarde, pero lo hacen de una manera que no deja lugar a dudas.
Com isso percebe-se que além da definição de modelos de controle estatal claros,
sólidos e constitucionais, baseados na interação das funções estatais (aquilo que se costuma
chamar de Poderes), a soberania popular sempre pode ser vista como o controle derradeiro,
sendo a origem inicial de tudo e especialmente o possuindo limites em seu exercício. Desta
forma, nada impede que esta, a qualquer momento, retome a titularidade e impeça diretamente
o poder de ser exercido de forma irrestrita.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
A existência do direito moderno, assim compreendido aquele sistematizado depois dos
processos revolucionários existentes no Séc. XVIII, está diretamente ligada à formação de um
conceito próprio e determinante de direitos fundamentais, ou seja, um acervo definido e pré-
estabelecido de princípios que limitem o poder do Estado e que protejam o indivíduo da
atuação excessiva ou abusiva do ente estatal.
A definição de um rol de direitos e garantias fundamentais representa de forma clara um
dos pilares constitucionais fundamentais, além de ser um elemento chave para a existência,
manutenção e aplicação do conceito atual e moderno de democracia.
Assim, neste capítulo, continuando a abordagem do anterior sobre democracia e formas
de limite e controle democrático do estado, indicar-se-á qual seria o conceito a ser utilizado
no presente trabalho sobre direitos fundamentais, suas relações com a ideia de democracia e
principalmente suas formas de limitação e restrição.
2.1 Das relações entre Estado, democracia e direitos fundamentais
Não é possível tratar de assuntos como democracia e direitos fundamentais sem destacar
as suas relações óbvias e principalmente a interação de tais conceitos com a ideia de estado,
especialmente considerando o objeto maior deste estudo, que é o tratamento que deve ser
dado a situações de risco e emergência, em que o próprio estado esteja ameaçado pela
delinquência, porém sem se furtar à aplicação do referencial constitucional.
Neste sentido é importante deixar clara nesse tópico a conexão entre os dois primeiros
capítulos do presente trabalho, especialmente considerando o objeto central de estudo. Ao
tratar-se de um sistema que possa efetivamente dotar o estado de um acervo de instrumentos
constitucionais e legítimos para a sua defesa e protão, deve-se sempre ter em mente o pado
constitucional, devendo este sempre ser balizado pela limitação do poder do estado com o
reconhecimento de direitos fundamentais e especialmente dentro de um modelo democrático.
41
Assim, tem-se sempre que determinar claramente que o modelo de repressão penal a
potenciais ofensas diretas ao estado e a sociedade sempre deveser norteado pelos direitos
fundamentais, cujo acervo deve ser escolhido exclusivamente dentre de um modelo
democrático, ou seja, resguardando as opções políticas feitas pela sociedade e em especial
observando as escolhas ideológicas, históricas e culturais do povo.
Com isso, ao se trazer as situações de exceção para o contexto próprio do direito, precisa-se
necessariamente definir um claro modelo democrático que possa ser utilizado nessas situações, e
esse modelo não poderá ser concebido sem a definição clara dos limites do ente estatal, sendo tais
limites balizados sobretudo pelos direitos fundamentais individuais e coletivos.
Assim, percebe-se claramente a conexão obrigatória entre os assuntos tratados nos dois
primeiros capítulos deste estudo, como forma de preparação para o que virá a seguir, pois não
se pode raciocinar com um modelo democrático de controle estatal se não se definir de forma
clara como determinar quais os valores humanos maiores, como escolhê-lhos e defendê-los e
principalmente em que hipóteses e sobre que critérios limitá-los. Neste sentido afirma
Ferrajoli (2009, p.54) que
Los derechos fundamentales se afirman siempre com leyes del más débil en
alternativa a la ley del más fuerte que regía y regiría en su ausencia.
La historia del constitucionalismo es la historia de esta progresiva ampliación de la
esfera pública de los derechos. Una historia no trica, sino social y política, dado
que ninguno de estos derechos cayó del cielo sino que todos fueron conquistados
mediante rupturas institucionales: las grandes revoluciones americana y francesa,
los movimientos decimonónicos por los estatutos, y, en fin, las luchas obreras,
feministas, pacifistas y ecologistas de este siglo. Se pueden decir que las diversas
generaciones de derechos corresponden a otras tantas generaciones de movimientos
revolucionarios: desde las revoluciones liberales contra el absolutismo real de
siglos pasados, hasta las constituciones de este siglo.
Ainda indica Ferrajoli (2008, p.86) que
Es cierto que, literalmente, democracia’ quiere decir ‘poder del pueblo’, pero es
precisamente la semántica de la palabra democracia la que nos impone el análisis del
significado de estas palabras. Ante todo, ¿de qué «poder» estamos hablando?, ¿de un
poder legitus solutus o, s bien, de un poder jurídico, o sea, sujeto al derecho? Me
parece que Bovero oscila, sobre la cuestión, entre dos tesis opuestas. Cuando afirma,
sin ulteriores precisiones, que la democracia es únicamente «un todo para tomar
decisiones colectivas», parece aludir a un poder ilimitado. Pero obviamente no es así.
Es Bovero mismo quien afirma que sin derechos fundamentales una democracia no
nace, o no sobrevive o es pura apariencia (es una democracia «de plástico», como
eficazmente la ha llamado), aludiendo así a un poder del pueblo no absoluto sino
jurídico, o sea, sometido al (y limitado por el) derecho, según el modelo del gobierno
ya no «de los hombres» sino «de las leyes». (Grifou-se)
42
Não há portanto com se dissociar as ideias de democracia e direitos fundamentais
especialmente tratando-se de um trabalho que busca analisar quais as possíveis formas de
proteger o estado de ações criminosas de forma mais contundente ou enfática, porém
respeitando-se o disposto no catálogo de direitos essenciais do indivíduo e da sociedade.
2.2 Surgimentos da ideia de direitos fundamentais modernos
Conceituar direitos fundamentais constitui umas das mais árduas atribuições do cientista
do direito, especialmente considerando as significativas alterações no pensamento e na
realidade política e ideológica que caracterizaram o Ocidente no final do Séc. XX,
influenciando assim tal construção semântica.
No presente estudo, será considerada a definição obtida após as grandes revoluções
liberais, notadamente a Revolução Francesa, que teve como uma das conseqüências naturais
de seu desenvolvimento a mudança no eixo central das relações sociais, onde o Estado,
personificado no soberano ou monarca, deixa de ocupar o lugar central e passa a se localizar
num cenário periférico, sendo substituído pelo indivíduo.
A ideia de um conjunto fundamental de direitos atribuídos ao indivíduo surge como
uma forma de limitar o poder do Estado, que passa a ser visto de forma contundente como o
agente que irá promover a paz e o equilíbrio sociais, notadamente caracterizado por elementos
que tragam ao ser humano o reconhecimento da sua própria condição humana, sujeitos de
direitos e reconhecidamente participantes ativos no tecido social e jurídico.
Deve-se lembrar que a ideia de um acervo mínimo de direitos essenciais para o
indivíduo representa significativo avanço na estrutura jurídica, representando uma opção
política, em que o Estado reconhece que o exercício do seu poder é limitado, e que o ator
central do cenário político é o ser humano. Porém não se pode indicar que exista um único
conceito para tal instituto, havendo assim apenas um consenso mínimo para tal definição.
Dificilmente é possível indicar um conceito antigo de direitos fundamentais, isto é,
anterior ao período das revoluções liberais, mesmo que para alguns a origem dos direitos
fundamentais possa ser vista como anterior mesmo à era cristã, porém em geral tais visões
estão totalmente carentes de fundamento histórico (DIMOULIS; MARTINS, 2009, p. 21),
especialmente considerando a dimensão própria e específica que tais direitos passaram a ter
na sociedade moderna.
43
Analisando a dimensão da historicidade dos direitos fundamentais, percebe-se
claramente que não se pode falar, dentro da ótica moderna e ocidental, em um acervo definido
de direitos fundamentais antes da formação do estado moderno. Assim indicam Dimoulis e
Martins (2009, p.46-47) que:
Sustenta-se freqüentemente que os direitos fundamentais são anteriores ao seu
reconhecimento por parte do estado quando de sua garantia constitucional. Nessa
ótica, o estado seria necessariamente obrigado a reconhecer esses direitos, pois a
liberdade e igualdade dos indivíduos seriam não ‘direitos naturais’, mas também
condições sine qua non de legitimação da criação do Estado e por isso obrigariam e
cerceariam o exercício do poder estatal: os direitos fundamentais [...] são direitos
preexistentes ao ordenamento jurídico.’
Aqui se está diante de um difundido mito da teoria e doutrina dos direitos
fundamentais que é adotado por autores das mais variadas escolas jurídicas. Com
efeito, essa tese é afirmada tanto por um grande constitucionalista alemão da década
de vinte que depois viria a se transformar no jurista soberano’ (Kronjurist) do
regime nazista Carl Schmitt quanto discutida por dois autores de um contemporâneo
e muito utilizado na Alemanha manual de direitos fundamentais, de orientação
claramente liberal.
O mito da pré-estatalidade cronológica e axiológica dos direitos fundamentais
decorre da ideologia dos autores das primeiras Declarações de Direitos nos Estados
Unidos e na França, que consideravam esses direitos como naturais, inalienáveis e
mesmo sagrados, e sua proclamação como mero reconhecimento daquilo que já
existia.
Tal afirmação carece de fundamento. A ‘natureza do homem’ se encontra nos
dados de sua constituição biológica. Nenhum direito ou obrigação, nenhuma regra
de conduta social pode ser deduzida da natureza humana. Isso é de fácil
comprovação histórica já que ‘o homem’ viveu sob os mais variados regimes sociais
e isso não seria possível se a sua natureza fosse sempre a mesma ou se tal suposta
natureza fosse determinante para a outorga de direitos que nada mais seria do que o
seu reconhecimento pelo poder político. Não se pode imaginar uma sociedade, na
qual os homens não durmam ou não se alimentem, pois isso faz parte de sua
verdadeira natureza. De outro lado, há muitas sociedades que privavam vastos
grupos de seres humanos de liberdade, instituindo a desigualdade política a despeito
de suposta igualdade ou mesmo em razão do reconhecimento de suposta
desigualdade natural. Isso indica que a teoria dos direitos naturais pode também
redundar no totalitarismo racial, tal qual ocorrido entre 1933 e 1945 sob o regime do
terceiro Reich alemão.
A formação do moderno conceito de estado tornou possível a construção desse novo e
definitivo pensamento sobre os direitos fundamentais individuais e coletivos, ou seja, a
construção dessa ideia passa indiscutivelmente pela construção do ente estatal.
Deve-se considerar que somente um estado legítimo, dotado de soberania e com força
coercitiva pode efetivamente assegurar a preservação de um acervo de direitos fundamentais
próprios e concretos. Assim enquanto não se viu a formação na história a formação de um
modelo estatal como esta o foi possível verificar a formação de um sistema
verdadeiramente eficaz para limitar o poder estatal e indicar qual o acervo de direitos que
44
deve ser assegurado ao indivíduo. Na lição de Dimoulis e Martins (2009, p.21-23), percebe-se
tal realidade:
Limitamo-nos a destacar que, para se poder falar em direitos fundamentais, deve-se
constatar a presença de três elementos.
a) Estado. Trata-se do funcionamento de um aparelho de poder centralizado que
possa efetivamente controlar determinado território e impor suas decisões por
meio da Administração blica, dos tribunais, da polícia, das forças armadas e
também dos aparelhos de educação e propaganda política. Sem a existência de
Estado, a proclamação de direitos fundamentais carece de relevância prática.
Estes não poderiam ser garantidos e cumpridos e perderiam sua função
precípua, qual seja a de limitar o poder do Estado em face do indivíduo.
[...]
b) Indivíduo. Pode parecer supérfluo dizer que a existência dos indivíduos é um
requisito dos direitos fundamentais. Não existem pessoas desde o início da
humanidade? Do ponto de vista da filosofia e da teoria política, a resposta aqui
é negativa. Nas sociedades do passado, as pessoas eram consideradas membros
de grandes ou pequenos coletivos (família, clã, aldeia, feudo, reino), sendo
subordinadas a tais coletivos e privadas de direitos próprios.
[...]
c) Texto normativo regulador da relação entre Estado e indivíduos. O papel de
regulador entre os dois elementos supra descritos é desempenhado pela
Constituição no sentido formal, que declara e garante determinados direitos
fundamentais, permitindo ao indivíduo conhecer sua esfera de atuação livre de
interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincular o Estado a determinadas
regras que impeçam cerceamentos injustificados das esferas garantidas da
liberdade individual. O texto deve ter validade em todo o território nacional e
encerrar supremacia, isto é, força vinculante superior àquela das demais normas
jurídicas. (Grifou-se)
Percebe-se que o conceito de direitos fundamentais passa a ter um sentido próprio no
direito ocidental atual, notadamente influenciado pela formação do formato de estado de
direito moderno, surgido especialmente com os movimentos revolucionários do Séc. XVIII.
A existência de um ente formal que possa figurar como elemento garantidor de tal
reserva de faculdades essenciais é apontada como um dos elementos determinantes para a
sistematização dos direitos fundamentais. Neste mesmo sentido, qual seja, da necessidade de
existência do estado como elemento caracterizador e definidor dos direitos fundamentais,
tem-se a afirmação de Alexy (2008a, p.47):
Apesar de seu caráter moral, direitos do homem estão em uma relação íntima com o
direito. Se existe um direito moral, portanto, fundamentável perante cada um, por
exemplo, à vida, então também deve existir um direito, fundamentável perante cada
um, à imposição desse direito. Se se quer evitar guerra civil entra, como instância de
imposição, somente o estado em questão. O direito moral à vida implica, portanto,
um direito moral à proteção por direito estatal positivo. Nesse sentido, existe um
direito do homem ao estado, mais concisamente, um direito moral ao direito
45
positivo. A declaração dos direitos do homem universal expressa isso, como já
observado, acertadamente em seu preâmbulo
1
e no artigo 28
2
.
O direito do homem ao direito positivo não é um direito do homem ao direito
positivo de qualquer conteúdo, mas a um direito positivo que respeita, protege e
fomenta os direitos do homem, porque é justamente o asseguramento dos direitos do
homem que fundamenta o direito do homem ao direito positivo. A observância dos
direitos do homem é uma condição necessária para a legitimidade do direito
positivo. Nisto, que o direito positivo deve respeitar, proteger e fomentar os direitos
do homem para ser legítimo, portanto, para satisfazer sua pretensão de correção,
expressa-se a prioridade dos direitos do homem.
E conclui Alexy (2008a, p.47) que Direitos do homem estão, com isso, em uma relação
necessária para como direito positivo, que está caracterizada pela prioridade dos direitos do
homem. Essa prioridade necessária é a terceira marca definidora dos direitos do homem.”
Neste mesmo sentido, Dimoulis e Martins (2009, p.47) indicam que:
Fundamentalidade formal e material. A posição dos direitos fundamentais no
sistema jurídico define-se com base na fundamentalidade formal, indicando que um
direito é fundamental se e somente (condição necessária) for garantido mediante
normas que tenham a força jurídica própria da supremacia constitucional.
Afirma ainda Ferrajoli (2009, p. 54) que en definitiva, la configuración del Estado con
esfera pública instituida y garana de la paz, y al mismo tiempo de los derechos
fundamentales, nació con Hobbes.
Desta forma, percebe-se que o conceito moderno aceito majoritariamente de direitos
fundamentais passa necessariamente pela formação, existência e atuação do estado, pois a
1
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 diz que “Visto que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, visto que o desrespeito e o desprezo pelos direitos
humanos têm resultado em atos bárbaros que ofenderam a consciência da humanidade e que o advento de um
mundo em que os seres humanos tenham liberdade de expressão e crença e a liberdade de viver sem medo e
privações foi proclamado como a aspiração mais elevada do homem comum, visto que é essencial que os
direitos humanos seja compelido a recorrer, em última instância, à rebelião contra a tirania e a opressão,
visto que é essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, visto que os povos
das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor da
pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso
social e melhores pades de vida em maior liberdade, visto que os Estados-membros se comprometeram a
desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades
fundamentais e o cumprimento desses direitos e liberdades, visto que uma compreensão comum desse
compromisso, a Assembléia Geral proclama esta Declaração Universal dos Direitos Humanos como um ideal
comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações, para que todo indivíduo e todo órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, procure, pelo ensinamento e pela educação, promover o
respeito a esses direitos e liberdades e, por medidas progressivas de caráter nacional e internacional,
assegurar o seu reconhecimento e cumprimento universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios
Estados-membros como entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (HUNT, 2009, p. 229-230)
2
A redação do Artigo 28 nos diz que “Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração possam ser plenamente realizados”. (HUNT, 2009, p. 236)
46
proteção de tais direitos será efetivada quando da atuação tanto preventiva quanto
repressiva do estado.
A evolução do conceito dos direitos fundamentais permite compreender sua relação
precisa com o próprio conceito moderno de estado, bem como com a ideia determinante de
que a existência desse rol fixo e definido representa claramente um requisito essencial para a
existência da democracia existente e atual. Sobre o assunto, afirma Ferrajoli (2009, p.41):
Así, ha ocurrido que en la antigüedad las desigualdades se expresaron sobre todo a
través de la negación de la misma identidad de persona (a los esclavos concebidos
como cosas) y sólo secundariamente (con las diversas inhabilitaciones impuestas a
las mujeres, los herejes, los apóstatas o a los judíos) mediante la negación de la
capacidad de obrar o de la ciudadanía. Con posterioridad, una vez alcanzada la
afirmación del valor de la persona humana, las desigualdades se propugnaron sólo
excepcionalmente con la negación de la identidad de persona y de la capacidad
jurídica piénsese en las poblaciones indígenas víctimas de las primeras
colonizaciones europeas y en la esclavitud en los Estados Unidos todavía en el siglo
pasado – mientras se matenían, sobre todo, con las restricciones de la capacidad de
obrar basadas en el sexo, la educación y el censo. De este modo, incluso con
posterioridad a 1789, sólo los sujetos masculinos, blancos, adultos, ciudadanos y
propietarios tuvieron durante mucho tiempo la consideración de sujetos optimo
jure. En la actualidad, después de que también la capacidad de obrar se ha
extendido ya a todos, con las solas excepciones de los menores y los enfermos
mentales, la desigualdad pasa esencialmente a través del molde estatalista de la
ciudadanía, cuya definición con fundamentos en pertenencias nacionales y
territoriales representa la última gran limitación normativa del principio del
derecho, aparte de las garantías ofrecidas por las codificaciones y las
constituciones, no son los criterios personalidad, capacidad de obrar y
ciudadanía conforme a los cuales se atribuyen los derechos fundamentales, sino
únicamente su significado, primero restringido y fuertemente discriminatorio,
después cada vez más extendido y tendencialmente universal.
A evolução completa e a construção plena do conceito de direitos fundamentais são por
demais complexas para serem analisadas a fundo neste trabalho, porém é necessário
considerar alguns elementos formadores centrais.
Como foi dito, a visão moderna dos direitos fundamentais é obtida a partir do séc.
XVIII e especialmente influenciada pela formação do moderno conceito de estado. Porém,
mesmo considerando fortes conexões e pontos de influência recíproca no movimento de
independência norte-americano e na revolução francesa, tem-se em boa verdade processos
distintos nos dois lados do Atlântico, onde por mais próximos que sejam na sua essência
representam pensamentos distintos. (DIMOULIS; MARTINS, 2009, p. 23).
O processo americano foi definido pelo desejo de independência da metrópole inglesa, e
a desconfiança natural do trabalho do legislador (deve-se lembrar que as normas em vigor na
América eram elaboradas pelo poder legislativo inglês) fez com que o Judiciário ocupasse
47
uma função de destaque na consolidação do movimento revolucionário, bem como na
indicação e preservação deste acervo fundamental de direitos fundamentais.
O modelo francês possui uma visão mais ampla, tendo seu foco central fincado na
função legislativa, criando todo um sistema normativo de proteção ao indivíduo capitaneado
pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, redigida em 26 de agosto de 1789 e
adotada em definitivo em 2 de outubro do mesmo ano. (DIMOULIS; MARTINS, 2009, p. 23).
Sintetizando esse pensamento, afirmam Dimoulis e Martins (2009, p.24) que
A grande diferença está no fato de que o texto francês não segue a visão
individualista das declarações norte-americanas e confia muito mais na intervenção
do legislador enquanto representante do interesse geral. Isso se torna claro no fato de
a maioria dos direitos garantidos pela Declaração encontrarem-se submetidos a
limites que o legislador deveria estabelecer.
A seguir comenta o modelo norte-americano, indicando que
Um passo muito importante no caminho do pleno reconhecimento dos direitos
fundamentais deu-se nos Estados Unidos quando, em 1803, a Corte Suprema
(Supreme Court) decidiu que o texto da Constituição Federal é superior a qualquer
outro dispositivo legal ainda que criado pelo legislador federal (caso Marbury vs.
Madison).
Constituem enfaticamente tarefa e dever do Poder Judiciário dizer o que é o direito.
Aqueles que aplicam a norma aos casos concretos devem necessariamente expor e
interpretar a norma [...]. Se uma lei contraria a Constituição, e tanto a lei como a
Constituição forem aplicáveis no caso concreto, então a Corte deve decidir o caso
conforme a lei, desconsiderando a Constituição, ou conforme a Constituição é
superior a qualquer ato ordinário do Legislativo, é a Constituição e não o ato
ordinário que deve regular o caso no qual ambos se aplicam.
Dessa forma, os juízes norte-americanos tornaram-se garantidores da supremacia
constitucional e, necessariamente, dos direitos fundamentais contidos no texto
constitucional, tendo a incumncia de declarar a inconstitucionalidade de toda norma
estatal que atentasse contra tais direitos. (DIMOULIS; MARTINS, 2009, p.24)
Arrematam indicando que
Para entender a motivação política e as conseqüências jurídicas da decisão Marbury
vs. Madison é necessário comparar o constitucionalismo dos EUA com o modelo
francês (e, em geral, da Europa continental) e atentar-se para as relações entre as 13
colônias norte-americanas e a metrópole inglesa no decorrer de mais de dois séculos.
Os norte-americanos, em sua grande maioria cidadãos britânicos, continuavam
submetidos à legislação criada pelo Parlamento do Reino Unido. Em geral, o
legislador britânico lembrava-se dos cidadãos do além-mar quando da fixação e
levantamento de impostos, considerados, muitas vezes, abusivos. (DIMOULIS;
MARTINS, 2009, p.25)
O modelo francês valoriza a dimensão legal por encontrar na lei a sustentação
fundamental para os direitos fundamentais bem como para o controle da atividade do estado e
48
da manifestação concreta de soberania popular. Neste sentido Dimoulis e Martins (2009, p.27)
indicam que
Em um contexto social marcado por turbulências e rupturas, o constitucionalismo
francês tinha como principal alvo os aparatos da Administração e da Justiça,
dominados pelos representantes e pela mentalidade do ‘ancien regime’ e confiava no
Parlamento que era composto, em sua esmagadora maioria, por representantes da
burguesia, sendo apresentado, no plano da ideologia política, como único legítimo
representante da soberania nacional e do ‘interesse geral’, ou seja, também das
crescentes massas miseráveis que deixavam os campos em direção às cidades.
Por isso que a principal preocupação era a garantia do princípio da legalidade
(positivado pela primeira vez na terceira Constituição francesa de 1795), isto é, da
prevalência da lei, submetendo a essa as decisões dos demais poderes e aguardando
do legislador a tutela e harmonização dos direitos fundamentais sem ulteriores
possibilidades de controle A máxima jurídica da qual se valiam os
constitucionalistas alemãs do século XIX era a seguinte: ‘não haverá intervenções na
liberdade e propriedade sem lei (que as legitime)’ (Kein Eingriff in Freiheit und
Eigentum ohne Gesetz). Por isso que se diz que os direitos fundamentais eram então
sinônimos de ‘reserva da lei ou ‘reserva legal’. Todavia em paralelo, a pressão
popular explica a crescente preocupação com igualdade material intensificada com a
aceleração do processo de industrialização nas emergentes potências européias
durante o século XIX, assim com as referências à solidariedade e a existência dos
direitos sociais.
Desta forma, percebe-se que, por mais que dos dois lados do Atlântico existam formas
distintas de perceber a formação das instituições estatais modernas, bem como a delegação
principal de determinação do conjunto de direitos fundamentais, não se pode deixar de
considerar que em ambos a participação do estado é fundamental para a afirmação, construção
e proteção da ideia de um rol de direitos fundamentais.
2.3 Conceitos básicos de direitos fundamentais modernos
Determinar um único e preciso conceito de direitos fundamentais é difícil e sem vida
complexo, não sendo objeto central do presente trabalho. Porém não é possível analisar como
seria um modelo preciso de proteção do estado contra ações delitivas do ponto de vista
democrático e constitucional sem uma idéia, mesmo que básica, do que seja direito
fundamental, quer individual, quer coletivo.
Para Canotilho (2003, p.393), é possível compreender direitos em dois prismas, os
direitos do homem e os direitos fundamentais.” Aqueles são entendidos como “direitos
válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista). Já
estes são vistos como os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados espacio-temporalmente.”
49
Com isso pode-se indicar que sempre que se considera a ideia de direitos fundamentais,
independente da teoria ou visão adotada, tem-se em boa verdade um acervo mínimo de
valores e bens jurídicos reservados e conferidos ao indivíduo para sua proteção, e
reconhecimento de sua condição humana.
na visão de Dimoulis e Martins (2009, p.46-47), pode-se compreender como
direitos fundamentais aqueles que
são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em
dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo
dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face
da liberdade individual.
Esta definição permite uma primeira orientação na matéria ao indicar alguns
elementos básicos, a saber: (a) os sujeitos da relação criada pelos direitos fundamentais
(pessoa vs. Estado); (b) a finalidade desses direitos (limitação do poder estatal para
preservar a liberdade individual); (c) sua posição no sistema jurídico, definida pela
supremacia constitucional ou fundamental formal. (grifo original)
Para Ferrajoli (2009, p.37), os direitos fundamentais podem ser definidos de formas
distintas, dependendo do referencial teórico que se tome. Tomando uma definição puramente
formal ou estrutural, ele indica que direitos fundamentais são
todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a todos’ los
seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas
con capacidad de obrar; entendiendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa
positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por
una norma jurídica; y por ‘status’ la condicíon de un sujeto, prevista asimismo por
una norma jurídica positiva, como presupuesto de su idoneidad para ser titular de
situaciones jurídicas y/o autor de los actos que son ejercicio de éstas.
Esta definição é de ordem absolutamente formal e teórica, e prescindiria de qualquer
definição ou ligação com textos legais ou constitucionais, fazendo com que não estejam
vinculados a nenhuma regra de direito positivo. (FERRAJOLI, 2009, p.37). Neste sentido
afirma que
son evidentes las ventajas de una definición como ésta. En cuanto prescinde de
circunstancias de hecho, es válida para cualquier ordenamiento, con independencia
de los derechos fundamentales previstos o no previstos en él, incluso los
ordenamientos totalitarios y los premodernos. (FERRAJOLI, 2009, p.38)
Esse conceito é complementado pela ideia de uma dimensão material, essencialmente
substancial, onde afirma que
A la pregunta ¿qué son los derechos fundamentales?’, si en plano de su forma se
puede responder a priori enumerando los caracteres estructurales que antes he
señalado, en el plano de los contenidos o sea, de que bienes son o deben ser
50
protegidos como fundamentales sólo se puede responder a posteriori: cuando se
quiere garantizar una necesidad o un interés, se les sustrae tanto al mercado como
a las decisiones de la mayoría. Ningún contrato, se ha dicho, puede disponer de la
vida. Ninguna mayoría política puede disponer de las libertades y de los demás
derechos fundamentales: decidir que una persona sea condenada sin pruebas,
privada de la libertad personal, de los derechos civiles o políticos o, incluso, dejada
morir sin atención o en la indigencia. (FERRAJOLI, 2009, p.38)
Analisando ainda o tema do conceito dos direitos fundamentais, segue indicando
Ferrajoli (2008, p. 42) que se poderiam ter três respostas diferentes para tal questionamento,
uma dada pela teoria do direito, outra pelo direito positivo e ainda a última indicada pela
filosofia política. Sobre a primeira definição, afirma Ferrajoli (2008, p. 42):
La primera respuesta es la que ofrece la teoría del derecho. En el plano teórico-
jurídico la definición más fecunda de los derechos fundamentales es, desde mi punto
de vista, la que los identifica con los derechos que están adscritos universalmente a
todos en cuanto personas, o en cuanto ciudadanos o personas con capacidad de
obrar, y que son por tanto indisponibles e inalienables. Esta respuesta no nos dice
‘cuelas son’, sino solamente ‘que són’ los derechos fundamentales. (FERRAJOLI,
2008, p.42)
Sobre a definição indicada pelo direito positivo, tem-se que
Son derechos fundamentales, en el ordenamiento italiano o alemán, los derechos
universales e indisponibles establecidos por el derecho positivo italiano o alemán. Son
derechos fundamentales, en el ordenamiento internacional, los derechos universales e
indisponibles establecidos en la Declaración universal de los derechos humanos de
1948, en los Pactos internacionales de 1966 y en las demás convenciones
internacionales sobre los derechos humanos. (FERRAJOLI, 2008, p.43)
Finalmente, ao indicar a última visão possível, afirma Ferrajoli (2008, p. 43) que a
questão fundamental sobre os direitos fundamentais apontada pela filosofia política seria
necessariamente indicar quais seriam os direitos passiveis de serem reconhecidos como
universais, ou seja, indicando de forma clara, é o conteúdo e não a forma o definidor de tais
direitos. Neste sentido indica três critérios axiológicos que podem ser utilizados para a
fixação do conteúdo, quais sejam, o nexo entre direitos humanos e a paz, o nexo entre tais
direitos e a igualdade e finalmente o papel dos direitos humanos como leis do mais fraco
(leyes del más débil).
O presente trabalho não possui a pretensão de esgotar plenamente o estudo sobre os
direitos fundamentais, especialmente considerando a complexidade do tema, assim pela
pertinência com os assuntos que a seguir serão tratados, irá se aprofundar sobre este último
critério de determinação axiológica, que sem dúvida mostra-se o mais complexo e pleno.
51
Este critério é definido de forma sucinta com a ideia de que os direitos fundamentais são
historicamente e axilogicamente identificados com a necessidade de limitação do poder do mais
forte, quer do ponto de vista econômico, militar ou político, para com isso defender o direito
dos mais frágeis e fracos nestes aspectos, limitando o próprio poder. (FERRAJOLI, 2008, p. 51)
Por este critério, deixa-se de ter, na visão de Ferrajoli (2008, p. 52-53), a relativização
dos direitos fundamentais, pois para alguns estes o passariam de uma imposição ocidental
feita pela pretensão de impor seu convencimento e conceito de valor aos demais povos.
Afirma que a necessidade de legitimação dos direitos fundamentais decorre exatamente da
indiscutível importância que estes possuem, bem como de que quão mais legítimo forem mais
eficazes serão, e não em determinar cultura ou povo, uma vez que há valores que de forma
contundente refletem o caráter humanitário universal decorrente da própria condição moderna
do homem. E indica que
Se manifiesta, sobre estas bases, la fecundidad de nuestro tercer criterio, no
solamente para identificar cuáles son los derechos fundamentales y cuál es su
papel, sino también para resolver los conflictos entre derechos fundamentales y
multiculturalismo y trazar las fronteras entre el derecho de la democracia
constitucional y el respeto debido a las distintas culturas. Los derechos
fundamentales son siempre leyes del más débil contra la ley del más fuerte. Y esto
es válido para cualquier cultura, incluida la nuestra. Son derechos de los individuos
que sirven para protegerlos también – y diría que sobre todo – contra sus culturas e
incluso contra sus familias: que protegen en general a los oprimidos contra sus
culturas opresivas. Tómese el ejemplo de la clotoritomía o de las prácticas de
segregación impuestas por los talibanes. Está claro que en estos casos se producen
lesiones graves en perjuicio de las mujeres que ningún respeto hacia otra cultura
puede justificar; por la misma e idéntica razón por la que no es justificable el
código de honor mafioso o el homicidio ‘por causa de honor’ o el duelo.
[...]
Se confirma así la tesis avanzada con anterioridad de que el constitucionalismo y el
universalismo de los derechos fundamentales, los primeros de entre todos los
relativos a la libertad, son la única garantía del multiculturalismo, dado que
solamente ellos garantizan el igual respeto a todas las diferentes identidades
culturales (FERRAJOLI, 2008, p.56-57) (Grifou-se)
Falando sobre o conceito de direitos fundamentais e sua diferença terminológica com os
direitos humanos indica Sarlet (2007, p. 35) que
Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’)
comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de
passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se
aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do
direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expreso
‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional,
por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano com
total, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional,
52
e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal
sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)
Assim, mais uma vez volta-se à idéia de que a existência dos direitos fundamentais está
diretamente ligada à atuação direta e expressa do estado, indicando claramente através de um
rol definido e positivado, quais sejam os direitos fundamentais passíveis de serem aplicados
em proteção do indivíduo.
De forma precisa as condições essenciais para o reconhecimento de direitos fundamentais
o indicadas por Alexy (2008a, p. 45) como aqueles que possuem cinco marcas. Eles são
direitos (1) universais, (2) morais, (3) fundamentais, (4) preferenciais e (5) abstratos.”
Desta forma, é possível considerar como direitos fundamentais numa concepção
contemporânea, todo esse acervo de direitos essenciais aos indivíduos, quer em sua esfera
particular, quer coletiva, e queo assim reconhecidos pelo estado de norma positiva e
mesmo que admitindo indicações implícitas exigem uma indicação expressa e normatizada
em um rol pré-estabelecido.
2.4 Limites e restrições aos direitos fundamentais
A restrição de direitos fundamentais é assunto absolutamente relevante quando se
considera a natureza específica da matéria constitucional, qual seja, verificar até que ponto
deve ser limitado o poder do Estado, ou seja, em que medida pode o ente estatal interferir nos
direitos e garantias fundamentais para preservar interesses e valores sociais.
O estado moderno, cujo conceito foi forjado depois das grandes revoluções liberais,
notadamente a francesa, tem como principal característica o fato de que o exercício da sua
autoridade é limitado por um acervo de direitos e garantias, cuja titularidade reside no
indivíduo.
Nem sempre foi assim. No período medieval o poder, em grande parte, residia nos senhores
feudais, e naqueles países que já havia conseguido se unificar, estava na figura do soberano.
Com a mudança de foco, os indivíduos passam a contar com uma indicação expressa de
valores reconhecidos e que geram uma obrigação imposta ao estado de atuar dentro de
determinados limites, quais sejam, aqueles que conferem ao ser humano a mínima condição
de se impor às condutas do estado, sobretudo quando tratar de limitação de direitos primários,
como liberdade.
53
Desde o século XVIII, portanto, fica evidente o reconhecimento dessa nova forma de
relação entre o Estado e o indivíduo, porém as questões essenciais tornaram-se outras.
No pensamento jurídico ocidental contemporâneo, algumas questões estão definidas.
Primeiramente é inconteste que um conjunto de direitos intnsecos à natureza humana.
Também se mostra pacificado o entendimento de que, em regra, nenhum desses princípios
pode ser visto como absoluto, ou seja, no caso concreto é sempre possível haver conflitos
entre determinadas opções principiológicas e políticas feitas pela sociedade, e com isso
escolhas e opções devem ser feitas. Neste sentido afirma Alexy (2008b, p. 111) que
É fácil argumentar contra a existência de princípios absolutos em um ordenamento
jurídico que inclua direitos fundamentais. Princípios podem se referir a interesses
coletivos ou a direitos individuais. Se um princípio se refere a interesses coletivos e
é absoluto, as normas de direitos fundamentais não podem estabelecer limites
jurídicos a ele. Assim, até onde o princípio absoluto alcançar não pode haver direitos
fundamentais. Se o princípio absoluto garante direitos individuais, a ausência de
limites desse princípio levaria à seguinte situação contraditória: em caso de colisão,
os direitos de cada indivíduo, fundamentados pelo princípio absoluto, teriam que
ceder em favor dos direitos de todos os indivíduos, também fundamentados pelo
princípio absoluto. Diante disso, ou os princípios absolutos não são compatíveis com
direitos individuais, ou os direitos individuais que sejam fundamentados pelos
princípios absolutos não podem ser garantidos a mais de um sujeito de direito.
Questão complexa e que merece maior atenção, trata-se de possibilidade de limitações
ou restrição a esses direitos, pois resta determinar claramente quais podem ser limitados e
principalmente em que caso e sob qual limite, proporção ou referencial.
2.4.1 Tratamento constitucional da restrição de direitos
A Constituição brasileira de 1988 não traz nenhuma regra expressa que, dentro de uma
situação de normalidade jurídica e política, possibilite a restrição de direitos fundamentais, não
dispondo de qualquer indicação de quais seriam as hiteses em que poderia haver tal limitação.
As únicas indicações expressas de limites ao exercício de direitos previstas na Carta
Constitucional vigente no Brasil é vista quando esta trata dos estados de defesa e de sítio,
especialmente considerando a excepcionalidade do momento, normalmente caracterizado por
uma realidade crítica.
No plano internacional poucas constituições trazem expressamente as hipóteses,
intensidades e possibilidades de restrições a direitos fundamentais. Oportuno citar o exemplo
destacado por Vizzotto (2006, p. 135) que indica que a Constituição Turca traz regra expressa,
em seu art. 13, indicando que:
54
Direitos e liberdades fundamentais podem ser restringidos pela lei, em conformidade
com a letra e o espírito da Constituição, objetivando salvaguardar a integridade
indivisível do Estado com seu território e nação, soberania nacional, a República,
segurança nacional, ordem blica, paz geral, interesse público, moral e saúde
pública, e também por razões específicas dispostas nos artigos da Constituição. As
restrições de direitos fundamentais e liberdades não podem entrar em conflito com
os requerimentos da ordem democrática da sociedade e não deverão ser impostas
para nenhum objetivo que o aqueles para os quais foram prescritas.
Diante da ausência de indicação expressa das situações e hipóteses em que é possível
haver a limitação de direitos fundamentais, deve-se obrigatoriamente utilizar regras e a lógica
de hermenêutica constitucional para resolver a questão, especialmente considerando a
necessidade de determinação de critérios mínimos para o enfrentamento dessas situações
críticas e diferenciadas.
2.4.1.1 Da restrição de direitos
Trata-se agora de analisar em que termos podem ser feitas limitações de direitos
fundamentais. Inicialmente deve-se considerar que diversos são os critérios para a realização
de tais limitações, e nesse sentido toma-se aqueles indicados por Alexy e Canotilho. Aquele
indica a existência de restrições diretamente constitucionais (explícitas e implícitas) e a
restrições indiretamente constitucionais, enquanto que este visualiza limites ou restrições
constitucionais imediatos, limites ou restrições estabelecidos por lei e limites imanentes ou
limites constitucionais não escritos. Leciona Alexy (2002, p. 268) que:
El concepto de restricción de un derecho sugiere la suposición de que existen dos
cosas el derecho e sus restricciones entre las cuales se da una relacion de tipo
especial, es decir, la de la restricción. Si la relación entre derecho y restricción
de ser definida de esta manera, entoces existe, primero, el derecho en si, que no está
restringido, y segundo, lo que queda del derecho cuando se le añaden las
restricciones, es decir, el derecho restringido.
A seguir analisa-se como efetivamente, em termos específicos, pode-se realizar essas
limitações.
2.4.1.1.1 Restrições diretamente constitucionais
Tal modelo de restrição de direitos é previsto e criado pela própria Constituição Federal
quando esta excepciona algumas situações, indicando que o exercício de direitos estará sujeito
a limitações. Leciona Alexy (2002, p.277) que:
Los derechos fundamentales, en tanto derechos de rango constitucional, pueden ser
restringidos solo a través de, o sobre la base de normas com rango constitucional.
Por ello, las restricciones de derechos fundamentales son siempre o bien normas de
55
rango constitucional o normas de rango inferior al de la Constitución, a las que
autorizan dictar normas constitucionales.
Já Canotilho (2003, p. 1276) indica que:
as restrições constitucionais imediatas são positivadas pelas próprias normas
constitucionais garantidoras de direitos. Exs.: o art. 45º/1 estabelece como limite
expresso do direito de reunião o seu caráter pacífico e não armado; o art. 46º impõe
limites expressos ao direito de associação (proibição de associações de carácter
militar, militarizado ou fascista). (grifo no original)
Alguns exemplos são citados por Vizzoto (2006, p. 137):
os direitos de liberdade de expressão religiosa
e ao direito à reunião
e livre
manifestação de pensamento. Nos próprios dispositivos em que tais direitos estão
consagrados, existem certas limitações/restrições ao exercício dos mesmos. Logo,
pode o cidadão expressar suas convicções religiosas, filosóficas e morais, desde que
não as use sob o pretexto de eximir-se de obrigação legal; pode reunir-se
pacificamente, mas sem armas; e pode manifestar livremente seu pensamento, desde
que não o faça de modo anônimo.
Outros exemplos podem ser considerados quando se observa o regramento
constitucional previsto na Carta de 1988 para o tratamento das situações críticas,
especialmente quando da utilização do Estado de Sítio e do Estado de Defesa.
Quando, por exemplo, for decretado o estado de defesa, é autorizado ao Estado pelo
CF/88 a limitação aos direitos de reunião, ainda que no seio da associação
3
, bem como aos
direitos de “sigilo de correspondência e comunicação telegráfica e telefônica”
4
. Tratando-se
de estado de sítio, as restrições podem acontecer de forma mais grave e radical, indicando o
art. 139 que:
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I,
poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes
comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de servos públicos;
VII - requisição de bens.
3
Art. 136, I, da Constituição Federal de 1988.
4
Art. 136, I, da Constituição Federal de 1988.
56
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de
pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que
liberada pela respectiva Mesa.
Por fim, não custa lembrar um dos exemplos mais simples de restrição de direitos
fundamentais previstos na Constituição vigente, que é o que trata da proteção ao domicílio,
uma vez que a inviolabilidade deste é reconhecida
5
, porém nas hipóteses previstas no pprio
texto constitucional é possível haver a entrada e permanência em qualquer domicílio, mesmo
sem a autorização expressa de seu dono, proprietário ou responsável, desde que haja grave e
iminente perigo ou quando da ocorrência de flagrante delito.
6
Esta modalidade de restrição é a mais evidente e óbvia de todas, pois a própria Carta
constitucional indica as regras por ela observadas, bem como as potenciais exceções indicadas.
2.4.1.1.2 Restrições indiretamente constitucionais
Outra espécie de restrições pode ser compreendida quando são visualizados
determinados dispositivos constitucionais que autorizam expressamente que a lei, ou seja,
normas infraconstitucionais limitem direitos. Abre-se, portanto, a essa categoria de normas e,
consequentemente, ao legislador ordirio.
Alexy (2002, p. 282) é enfático ao definir tais restrições, indicando que las
restricciones indirectamente constitucionales son aquéllas cuya imposicion está autorizada
por la Constituición.
Para Canotilho (2003, p.1277), existem restrições estabelecidas por lei quando os
preceitos garantidores de direitos, liberdades e garantias admitirem, de forma expressam, a
possibilidade de restrições destes através da lei (reserva da lei restritiva).
Com isso, passa-se a ter necessariamente a obrigação de observar quais seriam as regras
previstas na esfera infraconstitucional sobre a maria.
Pode-se citar, como exemplo, a regra indicada no art. 5º, II, da Constituição Federal,
quando indica que tudo aquilo que o está expressamente vedado em lei é autorizado, ou
seja, a lei poderá sem qualquer sombra de vidas, limitar o exercício de direitos
fundamentais.
5
Art. 5º XI, da Constituição Federal de 1988.
6
A definição no entanto de flagrante delito é dada pela legislação processual penal, mais precisamente pelo art.
302 do Código de Processo Penal.
57
Algumas garantias constitucionais também o limitadas por normas
infraconstitucionais. Como exemplo, há o Mandado de Segurança, que tem seu prazo de
utilização definido em lei, qual seja, 120 (cento e vinte) dias
7
do ato impugnado.
Analisando o assunto, Vizzotto (2006) ainda indica quais seriam as espécies de
limitações legais aceitas: a reserva de lei restritiva simples e a reserva de lei restritiva
qualificada. Aquela pode ser entendida “quando a Constituição não determina ou especifica
requisitos para a elaboração da lei. Já esta é entendida quando a Constituição fixa requisitos
objetivos para a lei restritiva e, dessa forma, limita a discricionariedade do legislador
ordinário para estabelecer a restrição ao direito fundamental.” (VIZZOTTO, 2006, p.138).
Como exemplo de reserva de lei restritiva qualificada tem-se o direito ao sigilo de
comunicações, dados fiscais, bancários e telefônicos, uma vez que é a lei que efetivamente
determina em que condições podem tais direitos ser limitados e restringidos, em nome de um
bem coletivo.
2.4.2 Restrições tácitas constitucionais
Outra espécie de modalidade de restrições que convém analisar, trata-se daquelas que
são tacitamente decorrentes no texto constitucional.
A realidade nacional é imensamente dinâmica, o que gera necessariamente a
possibilidade concreta de conflitos ou choques entre princípios fundamentais, surgindo da
necessidade de se utilizar critérios e técnicas para a resolução do conflito.
Muitos desses choques ocorrem entre valores inegavelmente privados e aqueles que tem
uma visão nitidamente pública, notadamente relacionados à segurança pública ou
institucional.
A maioria desses conflitos é resolvida por atuação direta do judiciário, e tem como
principal elemento ou técnica de resolução a aplicação do princípio da proporcionalidade.
2.4.3 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade mostra-se como principal referencial para a efetiva
solução entre conflito de direitos fundamentais, sendo grande elemento de ponderação,
7
Art. 18 da lei nº 1.533/51
58
fazendo com que, em cada caso, se verifica que qual valor deve prevalecer, ou seja, em que
medida pode-se preservar tais mandamentos em nome do maior valor indicado na situação
específica.
Tal princípio surge no direito administrativo e depois migra para o direito
constitucional, irradiando daí para todos os ramos do direito, sobretudo aqueles de natureza
mais pública, cujos interesses do estado, da sociedade e do indivíduo entram constantemente
em choque (BARREIRA, 2007, on line).
Esse princípio pode ser segmentado em três subprincípios, quais sejam: a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro diz respeito ao fato de que a
utilização do princípio deve ser feita da forma mais adequada, ou seja, determinando a medida
ideal para a restrição de direitos.
O segundo subprincípio indica que ele “tem como pressuposto que a medida restritiva
indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental que não possa
ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos lesiva.” (BARREIRA, 2007, on line).
O último dos subprincípios é o mais relevante, já que determina que a utilização da
técnica deve ser feita exclusivamente diante da ponderação específica, ou seja, analisando
caso a caso, qual deve ser o valor que irá prevalecer na situação. Diante de um choque direto
entre bens jurídicos vitais, deve-se ponderar qual é o princípio que prevalecera e em que
medida. Resumindo a aplicação de tal princípio, Vizzotto (2006, p.142) diz que:
Assim, o primeiro elemento deve demonstrar que a medida que se avalia deve ser
adequada para a consecução de um fim constitucionalmente lícito. O segundo, que a
medida deve ser necessária, e não existe alternativa menos gravosa. Por derradeiro,
avaliam-se os custos e benefícios, ou seja, as vantagens que se obtém com a medida
devem ser maiores que as desvantagens que a mesma gera.
E citando um pertinente exemplo, indica Vizzoto (2006, p.142) uma decisão do
Tribunal Constitucional Colombiano:
O conceito de proporcionalidade serve como ponto de apoio da ponderação entre
princípios constitucionais: quando dois princípios entram em colisão, por que a
aplicação de um implica a redução do campo de aplicação de outro, corresponde ao
juiz constitucional determinar se essa redução é proporcional, à luz da importância
do princípio afetado.
A lição de Alexy é bem resumida por Freire (2007, on line), quando comentando o
princípio da proporcionalidade indica que:
59
Alexy, com base nos critérios de estrutura e aplicação, divide as normas em duas
categorias: as regras e os princípios. Neste sentido, as regras expressam deveres
definitivos e são aplicadas mediante subsunção. Por sua vez, os princípios
expressam deveres prima facie dos quais o conteúdo definitivo somente é fixado
após o sopesamento com princípios colidentes. Destarte, os princípios o normas
que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as
condições fáticas e jurídicas.
Portanto, a proporcionalidade, desde a teoria estrutural de Alexy, não pode ser
concebida enquanto princípio, vez que não produz efeitos de forma gradua, nem
sequer é aplicada mediante regras de prevalência no caso concreto de modo a
outorgar-lhe primazia em certas hipóteses fáticas. O próprio Alexy categoriza
explicitamente a proporcionalidade enquanto regra, afastando a possibilidade de
enquadrá-la como princípio nos termos de sua proposta de modelo normativo.
Segundo Alexy, a proporcionalidade não pode ter a mesma sorte dos princípios no
sentido por ele proposto, uma vez que as máximas parciais da proporcionalidade não
são ponderadas em face de algo distinto. Assim,no es que unas veces tenga
precedencia y otra no. Lo que se pregunta más bien es si las máximas parciales son
satisfechas o no, y su no satisfación tiene como consecuencia la ilegalidad. Por Io
tanto, las tres máximas parciales tienen que ser catalogadas como regias.Nesse
sentido, cita como posicionamento semelhante o entendimento de Haverkate,
segundo o qual as regras aplicam-se por meio de subsunção.(Grifou-se)
Com isso, percebe-se claramente que o princípio da proporcionalidade mostra-se como
ferramenta hermeutica fundamental para a correta e precisa ponderação de valores tidos
como conflitantes, que a melhor técnica nos indica que não se deve excluir ou abandonar
qualquer dos princípios conflitantes, mas harmonizá-los no caso concreto.
Tal análise no tratamento de direitos fundamentais é essencial quando se verifica que
esse conflito pode ter origem na complexa dicotomia público-privado, ou seja, valores ligados
à segurança pública e à paz coletiva e a direitos individuais e particulares, sobretudo no
cenário onde crimes contra o Estado, notadamente o crime organizado, é um dos principais
vetores ilícitos contemporâneos.
Oportuno citar alguns entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria, que indicam a
direção seguida pelo Judiciário Nacional:
AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL ROUBO MAJORADO CONCURSO DE
CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES – REINCIDÊNCIA E
CONFISSÃO ESPONTÂNEA PREPONDERÂNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA
AGRAVANTE – ART. 67 DO CÓDIGO PENAL – INCIDÊNCIA DE DUAS
MAJORANTES PROPORCIONALIDADE DIMINUIÇÃO DA CARGA
PUNITIVA PENA PECUNIÁRIA QUANTUM CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS – VALOR DO DIA MULTA – SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU
INTELIGÊNCIA DO ART. 60 DO CÓDIGO PENAL PEDIDO PROCEDENTE,
EM PARTE Nos termos do art. 67 do Código Penal, deve a circunstância
agravante da reincidência preponderar sobre a circunstância atenuante da confissão
espontânea. Em respeito ao princípio da proporcionalidade, no crime de roubo,
a presença de duas circunstâncias majorantes implica na incidência da fração
de 3/8 na pena. Precedentes da Corte. ‘O valor do dia multa é fixado de acordo com
a situação econômica do condenado, porém a quantidade, como a pena detentiva,
60
deve ser fixada de acordo com o art. 59 do Código Penal.’ (TJSP - JTJ 189/332).
Pedido conhecido e procedente, em parte. (PARANÁ. TJPR RvCr 0297804-7
Cascavel 5ª CAMARA CRIMINAL EM COMPOSICAO INTEGRAL Rel. Des.
Jorge Wagih Massad – J. 09.11.2006)JCP.67 JCP.60 JCP.59
PROVA ILÍCITA – E-MAIL CORPORATIVO – JUSTA CAUSA – DIVULGAÇÃO
DE MATERIAL PORNOGRÁFICO – 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à
privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados,
concernem à comunicão estritamente pessoal, ainda que virtual (e-mail particular).
Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de
provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2.
Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corporativo, instrumento
de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de
computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que
lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem
mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo,
salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de
uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a
consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a
existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e
justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na
qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa
tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e,
pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A
experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente
acontece revela que, notadamente o e-mail corporativo,o raro sofre acentuado
desvio de finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio
de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o
empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se cuida de e-mail
corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao
serviço, o que esem jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do
empregador sobre o computador capaz de acessar à Internet e sobre o próprio
provedor. Insta ter presente tamm a responsabilidade do empregador, perante
terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inciso III),
bem como que es em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente
merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o
empregado, ao receber uma caixa de e-mail de seu empregador para uso corporativo,
mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais,
não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo
no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e
rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo, isto
é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material
ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa
para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho.
Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6.
Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento. (TST RR
613/00.7/1 R. T. Rel. Min. João Oreste Dalazen DJU 10.06.2005 p. 901)
JCF.5 JCF.5.X JCF.5.XII JCF.5.LVI (Grifou-se)
Assim, percebe-se que a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais é clara,
devendo apenas existir uma forma definida e precisa para que isto aconteça. No quarto
capítulo do presente trabalho serão analisados diversos sistemas que admitem tais restrições,
porém de forma democrática e visando a permitir a proteção estatal.
3 DA CRIMINALIDADE CONTRA O ESTADO
Como visto, o Estado Moderno passa a ser o grande gerente das relações humanas,
especialmente considerando a necessidade de utilização de um conjunto de normas, princípios
e regras, escritas ou não, específicas para a preservação dos direitos e valores fundamentais e
mais caros a determinado grupo social.
Com isso, passa-se a viver constantemente ataques e ofensas à estrutura social e do
próprio Estado, uma vez que a desestabilização deste significa a fragilidade de toda a sociedade,
e, consequentemente, o enfraquecimento das regras jurídicas, éticas e até mesmo morais.
Durante muito tempo as ações contra o Estado tiveram fundamento político ou
ideológico, sobretudo durante grande parte do Século XX. O fim do último século marcou de
forma significativa mudanças nas relações do ente estatal com o crime, momento em que a
criminalidade organizada passa a se diversificar, realizando atos ilícitos das mais várias
naturezas, porém sempre coordenados em nome de um objetivo comum - sua expansão - e
com isso maximizar lucros e resultados e enfraquecer a atuação do próprio estado como ente
de proteção social e responvel pela persecução criminal.
A definição de crimes contra o Estado é complexa, porém, é possível sintetizá-la
indicando que sempre que o ente estatal estiver no polo passivo da relação criminal, direta ou
indiretamente, este poderá ser entendido como vítima da prática criminosa.
A expressão maior desse tipo de crime é visualizada pelo terrorismo, ou seja, a prática
criminosa que tem como objetivo desestabilizar o Estado através do uso de instrumentos
violentos que imponham o terror à sociedade e causem profunda instabilidade social,
normalmente com o mínimo de meios ou instrumentos. Com isso busca-se a implantação de
um novo modelo de estado ou a fragilização da atuação deste, permitindo com isso a
formação de espaços ou mesmo a ampliação destes para a atuação de entidades criminosas de
qualquer natureza.
62
O crime organizado em geral também pode ser visto como uma ação delitiva que tem
como objetivo fundamental a atuação contrária ao estado, uma vez que o enfraquecimento da
atuação estatal representa de forma clara um elemento essencial para a melhor atuação
criminosa. Esta debilidade estatal é conseguida principalmente pela intimidação das forças
estatais ou pela corrupção destas, pois com isso as entidades criminosas irão desempenhar
melhor suas atividades.
A lavagem de capital financeiro representa uma outra forma de ataque ao estado,
especialmente por dificultar a localização e apreensão de ativos oriundos ou ligados a práticas
criminosas. Assim, acaba-se por ter um fortalecimento econômico do crime organizado, o que
gera naturalmente uma dificuldade adicional na repressão destas condutas.
Oportuno destacar quais os elementos conceituais de cada umas dessas organizações ou
modalidades criminosas, pois não é possível planejar e executar um modelo eficiente de
combate se não se encontra uma indicação precisa do que se combater. Neste sentido deve-se
entender também quais as diferenças mais significativas entre as instituições, especialmente
determinando suas distintas modalidades de atuação e características gerais.
3.1 Crime organizado: A face sombria da sociedade
1
O crime organizado pode ser visualizado como um dos principais elementos que geram
um grave comprometimento da ordem estatal, especialmente considerando que age de forma
centralizada, coordenada e dirigida a minimizar a atuação do estado no enfrentamento dessas
comunidades delinquentes.
Encontrar um conceito único e perfeito de crimes contra o Estado, ou mesmo,
especificamente, de crime organizado é tarefa exaustiva e complexa. Mendroni (2007, p.9),
citando Guaracy Mingardi, indica que se pode considerar crime organizado como um
grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possui uma
hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão
do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da
violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou
serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características
distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da
Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de
determinada porção de território.
1
É a expressão pela qual o crime organizado é conhecido no Japão (MONET, 2006, p. 183).
63
Tal conceito mostra-se absolutamente didático, especialmente por lembrar que é da
natureza essencial do crime organizado a prática de atos de corrupção, uma vez que ao
corromper agentes públicos ganha para si uma significativa proteção, uma vez que diminui ou
anula qualquer conduta do Estado de imposição de responsabilização criminal.
Apesar da utilidade de tal conceito nos lembra Mendroni (2007) que o conceito de crime
organizado ou organizações criminosas deve sempre ser visto sob um ângulo plural e
essencialmente doutrinário, sendo difícil a obtenção de um conceito legal único.
A exisncia de um conceito único, positivo e legal é rara, especialmente considerando a
dificuldade de reunir todos os elementos de universalmente possam ser entendidos como
fundamentais para definir tais grupos. Nesse sentido indica Mendroni (2007, p. 10) que
o dispositivo legal teria na verdade que abranger todas as hiteses de infrações penais
praticadas por uma organização criminosa, como, por exemplo, roubos de carros e de
cargas, receptação, tráfico ilícito de entorpecentes, os diversos crimes dele decorrentes,
crimes fiscais etc., todos muito evidentes na realidade de nosso país etc.
Ensina Maierovitch (2007, on line) que:
associações criminosas que seguem o modelo mafioso são aquelas que objetivam o
controle social. Mantêm conexão com os poderes constituídos, mediante uma rede
parasitária de intermediação. Apresentam-se como de tipo gangsterística, ou seja,
promovem, quando convém, a eliminação física dos seus adversários. (grifo original)
Percebe-se, portanto, que dentro de um cenário democrático, a atuação eficaz e
coercitiva contra essas modalidades criminosas é absolutamente indispensável, sobretudo
considerando que os ataques perpetrados contra as instituições estatais têm reflexos em toda a
sociedade, sobretudo quando considera-se a missão estatal promoção e garantia do equilíbrio
social e regulação das relações humanas.
Definir o crime organizado é difícil, especialmente considerando a diversidade de
características que este possui. Esta dificuldade faz com que a maioria da legislação penal
ocidental o possua uma definição legal deste instituto criminoso, inclusive no Brasil.
Diante da imprecisão no conceito de crime organizado, é possível delimitar a ideia sobre
tal espécie de criminalidade apenas indicando suas características fundamentais, em especial
aquelas que buscam diferenciá-las de qualquer outra instituição, grupo, associação ou
empresa, criminosa ou não. Para Montoya (2007, p.67), algumas características básicas
podem ser apontadas, como
64
1) O alto padrão organizativo; 2) a racionalidade do tipo de empresário da ‘corporação
criminosa, que oferece bens e serviços ilícitos (tais como drogas e prostituição) e vem
investindo seus lucros em setores legais da economia; 3) a utilização de todos
violentos com a finalidade de ocupar posições proeminentes ou de ter o monopólio do
mercado (obtenção do máximo lucro sem necessidade de realizar grandes
investimentos, redução dos custos e controle da o-de-obra); 4) valer-se da
corrupção da força policial e do Poder Judiciário; 5) estabelecer relações com o poder
político; 6) utilizar a intimidação e o homicídio, seja para neutralizar a aplicação da lei,
seja para obter decisões políticas favoráveis ou para atingir seus objetivos.
Ainda comentando tais características e citando Lopéz Rey indica Montoya (2007, p.70)
dois modelos básicos de criminalidade organizada. A primeira seria a idéia ítalo/norte-
americana e a outra uma mais modesta, regional ou local que pode se desenvolver em
qualquer país. Indica que
A versão norte-americana-italiana, que de certa maneira tem categoria internacional,
e outra de índole mais modesta, regional ou local, que pode surgir em qualquer país.
A primeira caracteriza-se por uma organização bastante rígida, por uma certa
continuidade dinástica, pelo afã de seus membros de ganhar respeitabilidade, pela
severa disciplina interna, pelas lutas internas por poder, por métodos pouco piedosos
de castigo, pela extensa utilização da corrupção política e policial, por dedicar-se
tanto a atividades lícitas como ilícitas, por contar com a simpatia de alguns setores
eleitorais, pela distribuição geográfica por zonas, por obter enormes lucros etc.
A visão européia de crime organizado é imensamente influenciada pela indicação da
orientação da Secretaria Permanente de Planejamento Estratégico do Benelux para o Combate
ao Crime Internacional, que indica como características fundamentais:
Hierarquia piramidal, divisão funcional, planejamento empresarial com objetivos
ilícitos, capacidade tecnológica profissional, diversificação das áreas territoriais onde
operam; conexão estrutural ou funcional com setores do poder legal, grupos ilícitos em
nível nacional e, internacional e, finalmente, potencial poder de intimidação.
Ferro (2009, p. 320), citando Fernandes, indica três critérios indicados por este que
podem caracterizar o crime organizado, sendo o primeiro determinado pelo próprio conceito
de instituições criminosas, cujas as atividades praticadas por este caracterizam tal atividade. A
segunda forma de definição proposta passa pela indicação de seus elementos essenciais, e
finalmente a terceira que indica um rol de condutas picas, que podem ser praticadas por
organizações criminosas.
Ferro (2009, p. 321) aponta a primeira como a mais viável, afastando-se de uma mera
enuncião de características que indicariam o conceito de crime organizado e indicando que este
só é viabilizado e praticado por uma organizão criminosa, ou seja, a existência desta é condição
fundamental para aquela. Assim não existe crime organizado sem organização criminosa.
65
Diante da dificuldade de se indicar um conceito único de delito organizado, a Conveão
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Trasnacional (Convenção de Palermo)
2
indicou
algumas características que poderiam ser apontadas como essenciais para tal delito, em especial
praticarem infrações séria ou graves
3
, grupo estruturado, possuidora de bens valiosos, dentre
outras (MENDRONI, 2007, p. 12-13). Pode-se citar também como características a associação
ilícita de 3 (três) ou mais pessoas, atuação de forma combinada e preexistente, objetivo de
vantagem financeira ou material e transnacionalidade. (GOMES, 2008, p. 20)
Na tentativa de indicação de um conceito tendente a abrangente e universalizado de
crime organizado, a citada Convenção de Palermo (decreto 5.015/2004) indica que se pode
entender como crime organizado
Grupo criminoso organizado grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou
mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de
obter, direta ou indiretamente, um benefício material (art. 2º, alínea a, da Convenção
de Palermo).
Muitas definições internacionais tentam deixar claro, apesar do relativo consenso em
torno da definição de Palermo. Dentre elas pode-se destacar a indicada pelo Federal Bureau
of Investigation (FBI), órgão federal norte-americano que combate internamente tais crimes,
indica que se considera instituição criminosa
Qualquer grupo que tenha de alguma forma uma estrutura formalizada e cujo
objetivo pririo seja obter lucros através de atividades ilegais. Tais grupos mantêm
suas posições através do uso da violência, corrupção de funcionários públicos,
suborno ou extorsão e geralmente tem um impacto significativo na população local,
da região ou país com o um todo. Um grupo criminoso resume esta definição: Cosa
Nostra. (grifo original) (PACHECO, 2007, p. 42)
A lei brasileira sobre o assunto (Lei 9.034/1995), mesmo com as alterações posteriores,
não definiu o crime organizado. Da mesma forma não se exige na visão brasileira todos esses
requisitos e sim a existência de alguns deles. Pode-se citar, por exemplo, a transnacionalidade
que não representa um requisito obrigatório no modelo brasileiro.
2
O Brasil é signatário desta convenção que foi internalizada no ordenamento jurídico trio pelo decreto 5.015
de 12 de março de 2004.
3
Utilizando desta mesma idéia de que o crime organizado deve estar relacionado com crimes graves ou
violentos, ou pelo menos, bastante nocivos socialmente encontramos outras classificações de delitos indicando
a criminalidade neste aspecto como de macrocriminalidade, ou mesmo, organização criminosa lato sensu.
(FERRO, 2009, p. 330)
66
A formação da ideia de crime organizado no Brasil é relativamente recente, datando
especialmente da década de 1970. Antes disso há relatos apenas de quadrilhas ou bandos que
atuavam pontualmente e de forma minimamente organizada, normalmente ligados à prática de
crimes correlatos, como saques, furtos e roubos. Pode-se citar, por exemplo, o bando de
Lampião, que atuou no sertão nordestino praticando diversos crimes, até ser definitivamente
combatido por forças policiais, o que resultou na morte de seus principais líderes,
especialmente Virgulino Ferreira, o Lampião. (FERRO, 2009, p. 75)
Pode-se, citar como exemplo remoto de formação de organização criminosa, a
instituição do chamado jogo do bicho, originado do inocente jogo de azar criado pelo Barão
de Drumond (PINTO, 2007, p. 10), com o objetivo de arrecadar fundos para o Jardim
Zoológico do Rio de Janeiro. A exploração deste jogo motivou a formação de grupos de
contraventores, que após praticarem apenas o uso econômico do jogo passaram a desenvolver
outras atividades criminosas, como tráfico de drogas, corrupção policial, falsificação,
descaminho, dentre outros.
Misse (2006, p. 142) citando Silvio Terra em artigo escrito em 1951, indica que não
havia na época instituições que pudessem ser consideradas minimamente similares ao crime
organizado moderno, ou mesmo as gangues norte-americanas ou a máfia siciliana da época.
Indica que haveria apenas bandos de delinquentes sem organização, grupos sem uma estrutura
hierarquizada definida e rígida, e sim atuações espodicas e pontuais.
Após o golpe militar de 1964, que impôs um forte combate aos opositores políticos do
governo, passa-se a vivenciar muitas prisões com motivação política, quando pessoas que se
mostravam contrárias ao pensamento político dominante eram detidas. Visando a diluir a
possível influência de tais presos, o governo de então os recolheu com presos comuns. Tal
medida tinha como objetivo essencial limitar a atuação política dos mesmos e evitar que
mantivessem a força de organização. Assim, nas palavras de Gomes (2009, p.332), tem-se que
Em 1968, surge no Presídio da Ilha Grande, com a junção de presos políticos e
presos comuns, o embrião do Comando Vermelho cuja fundação é atribuída a
Willian da Silva Lima, com a alcunha de Professor’, visando a libertação de presos
ali recolhidos com a prática de seqüestros, assaltos a bancos e tráfico de
entorpecentes.
Em São Paulo, nos idos dos anos 80, surge o embrião do Primeiro Comando da
Capital, com o aparecimento da organização ‘Serpentes Negras’, com os mesmos
objetivos do Comando Vermelho do Rio de Janeiro.
67
Um dos resultados de tal medida foi a troca de influências entre os presos comuns e
aqueles considerados presos de consciência, onde estes passaram àqueles noções básicas de
organização e estrutura, fazendo surgir as primeiras organizações criminosas de grande porte
no Brasil, como, por exemplo, o chamado Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, que tinha
como lema fundante paz, justiça e liberdade. (SOBRINHO, 2009, p.32). Assim, os primeiros
líderes dessas organizações ou grupos derivavam necessariamente dos ex-presidiários da
década de 1970. (MISSE, 2007, p. 190)
Misse (2007, p. 190) afirma que a organização das instituições ligadas ou responsáveis pelo
tráfico de drogas no Rio de Janeiro (“o movimento”) começou com o ‘Comando Vermelho’, mas
atravessou diferentes etapas, mantendo, no entanto, uma estrutura local similar.”
Após esse período, percebe-se a formação de diversos grupos com tais características,
quase todos envolvidos com o tráfico ilícito de entorpecentes ou armas, extorsões, homicídios
e outros crimes de natureza grave. Dentre estes é possível citar, no Rio de Janeiro, o Terceiro
Comando, Amigos dos Amigos (que sucedeu a Falange do Jacaré) (MISSE, 2007, p.192) e,
em São Paulo, mais recentemente, a organização Primeiro Comando da Capital (FERRO,
2009, p.103), que em 2006 agiu de forma brutal contra a população paulista e as autoridades
policiais e estatais em geral do Estado de São Paulo.
Tem-se em São Paulo, portanto a formação de organização similar, igualmente formada
dentro do sistema prisional na década de 1980, que passa a ser denominada de Primeiro
Comando da Capital (PCC) a qual foi responsável pela megarebelião de presídios ocorrida em
2005 e pela maior onda de ataques contra a autoridade do Estado de São Paulo, em maio de
2006, que vitimou mais de 40 agentes estatais, entre policiais, bombeiros militares, agentes
penitenciários e civis.
3.2 Terrorismo: Inimigo sem rosto
4
Conceituar terrorismo representa algo de grande complexidade, porém passa a ser
matéria indispensável no cenário moderno de enfrentamento da macrocriminalidade, mesmo
em pses onde não tradicionalmente a atuação de ações desta natureza, pois o surgimento
e mobilização de grupos com tal finalidade é imprevisível e indeterminada.
4
Diversas são as expressões utilizadas para a definição de terrorismo. Dentre elas pode-se destacar esta que bem
representa a dificuldade utilizada para a identificação e combate de tais instituições, onde não se sabe ao certo
quem é o autor ou potencial autor daquele ato de terror. (CRETELLA NETO, 2008)
68
O terrorismo esteve tradicionalmente ligado a aspectos religiosos, políticos ou
ideológicos, porém é possível citar exemplos de ões terroristas com fundamento econômico
ou social, ou até mesmo ligados a uma motivação típica e exclusivamente criminosa, como é
o caso dos atos perpetrados pelos cartéis de narcotraficantes colombianos.
A palavra terror, com sentido próximo daquele que é utilizado hoje, é vista pela
primeira vez no idioma francês em 1335, e tinha origem no latim (terror), cuja origem
designava “um medo ou uma ansiedade extrema correspondendo, com mais freqüência, a uma
ameaça vagamente percebida, pouco familiar e largamente imprevisível.No final do século
XVIII, durante a Revolução Francesa, o termo adquire outro sentido, o de uma forma de
governo específica (PELLET, 2003, p.10).
Um natural processo de radicalização dos ideais revolucionários fez com que o nível de
violência e intimidação tenha chegado a uma dimensão maior, criando um sentimento geral de
repúdio, mesmo daqueles que haviam imaginado o sistema do terror, surgindo pela primeira
vez a expressão terrorismo.
O século XIX representa a retomada do conceito de terrorismo, especialmente
considerando a nova dimensão que os atos dessa natureza adquirem. Para Pellet (2003, p.11),
tem-se que a
A palavra ‘terrorismo’ reaparece no final do século XIX e adquire um sentido novo,
com o terrorismo dos anarquistas, que visavam aterrorizar o Estado incitando a
sociedade contra os órgãos estatais, por meio da propaganda. Na mesma época
surgiu o terrorismo dos niilistas na Rússia, que chegaram a assassinar o Czar
Alexandre II, em de março de 1881. O terrorismo era então utilizado por
agrupamentos políticos como um meio de ação cujo objetivo era derrubar o poder
vigente em um determinado país. Tanto o terrorismo revolucionário, quanto o
terrorismo utilizado pelos anarquistas e niilistas, atentavam exclusivamente para a
ordem interna do Estado no qual atuavam. Na realidade, o terrorismo internacional
apareceu recentemente, no período entre as duas grandes guerras
Mesmo sendo possível indicar o momento histórico em que esse fenômeno se
desenvolveu e se expandiu, continua existindo uma imensa dificuldade de definição do
conceito de terrorismo, especialmente considerando que envolve vários aspectos políticos,
jurídicos, religiosos, sociais, dentre outros. Nesse sentido, tem-se claramente a ideia de Soares
(2003, p. 1) que afirma que
O fenômeno denominado ‘terrorismo’ revelou-se, ao longo do tempo, tão difícil de
ser combatido quanto de ser definido, o que se tornou, na prática, mais um obstáculo
a ser superado na batalha, contra um inimigo já suficientemente obscuro.
69
A dificuldade de obtenção de uma definição abrangente e que englobe suas
principais manifestações, meios e objetivos é tão antiga quanto a própria prática do
terrorismo e deve-se a vários fatores, em sua maioria, de ordem político-sociológico.
Na verdade, a valoração do terror carrega em si uma grande componente de ordem
moral, ou seja, tem uma natureza profundamente subjetiva. O que para uns é
moralmente repugnante não o é para outros e, deste modo, far-se-ia necessariamente
uma definição do que seria moralmente rejeitável para todos.
A complexidade da situação torna-se ainda mais grave quando se verifica que para
alguns os conceitos acima explorados de terror e terrorismo teriam significados distintos. O
primeiro poderia ser um gênero de onde se extrairia o terrorismo de Estado e o terrorismo
contra o Estado. Pode-se também tomar as duas expressões com possuidoras de ideias iguais e
equivalentes, especialmente diante da realidade atual vista no mundo. É esse o pensamento
que será utilizado no presente trabalho, quando da análise do conceito do terrorismo.
Ao analisar qual seria o melhor conceito para terrorismo e quais seriam as espécies que
se poderiam identificar, percebe-se que muitas o as possibilidades de visão diferentes.
Mesmo com a diversidade de conceitos podem-se extrair elementos comuns de cada uma
dessas visões.
Cerqueira e Antunes (2008, p. 7) lembrando a lição de Joaquim Ebile Nesefum (1992, p.
10) afirmam que terrorismo seria caracterizado como
atos contra a vida, integridade corporal, saúde ou liberdade das pessoas; de
destruição ou apropriação do patrimônio que, verificados sistematicamente, tendem
a provocar uma situação de terror que altera a segurança e a ordem pública com fins
políticos.
Já Pellet (2000, p. 17), citando Eric David (1973) afirma que a
Todo ato de violência armada que, cometido com um objetivo potico, social,
filosófico, ideológico ou religioso, viole, dentre as prescrições do direito
humanitário, aquelas que proíbem o emprego de meios cruéis e bárbaros, o ataque
de alvos inocentes, ou o ataque de alvos sem interesse militar
Na definição de Leongómez (2006, p. 101), tem-se que
A palavra ‘terrorista’ surgiu durante a Revolução Francesa, no momento em que a
luta por liberte, egalité, fraternité derivou para uma atmosfera de terror. Enquanto
jacobinos assumiam com orgulho tal apodo, Edmund Burke, o pai do
conservadorismo inglês, em 1795 denunciava com indignação os milhares de
verdugos que se autodenominam terroristas’. Desde então, o qualificativo de
terrorista caracterizou-se por uma conotação negativa.
70
E completa
A produção do medo coletivo é o que distingue a operação terrorista de simples
assassinato ou assalto. Em alguma medida é possível, pois, afirmar que ‘o terrorismo
é basicamente uma arma psicológica’, cujo desiderato final é chantagear um
determinado governo, confrontando-o com uma opinião pública disposta a ceder em
função do medo.
[...]
É errôneo abordar o terrorismo como sinônimo de guerra de guerrilhas.
[...]
Empregar o terror de maneira sistemática ou circunstancial é uma das principais
diferenças entre um grupo guerrilheiro e um grupo terrorista
E Wilkinson (2000, p. 15) define terrorismo como:
Terrorism is the systematic use of coercive intimidation, usually to service political
ends. It is used to create a exploit a climate of fear among a wider target group than
the immediate victims of the violence and to publicise a cause, as well as to coerce a
target to acceding to the terrorist’ aims Terrorism may be use on its own or as part
of a wider unconventional war.
A definição de um conceito muitas vezes passa necessariamente pela indicação ou
enunciação das características do instituto. Com o terrorismo portanto é possível facilitar a
conceituação e entendimento deste analisando e dispondo sobre suas características. Após
definir, Wilkinson (2000, p. 1) aponta as características do terrorismo, indicando que
Terrorism can be conceptually and empirically distinguished from other modes of
violence and conflict by the following characteristics:
It is premeditated and designed to create a climate of extreme fear.
It is directed at a wider target than the immediate victims.
It inherently involves attacks on random or symbolic targets, including
civilians.
It is considered by the society in which it occurs as ‘extra-normal’, that is, in
the literal sense that it violates the norms regulating disputes, protest and
dissent.
It is used primarily, though not exclusively, to influence the political behavior of
governments, communities or specific social groups.
Outros conceitos levam em consideração a natureza do ato, isto é, se é um ato de
terrorismo nacional ou internacional, especialmente sob a ótica do direito interno ou externo.
Guimarães (2007, p. 19) define terrorismo sob várias visões, porém, quando analisa do
ponto de vista interno afirma que a maioria das legislações penais internas diz que
Os atos terroristas infrações de direito penal comum com características terroristas,
isso em razão da motivação dos agentes praticantes das condutas delituosas, ou seja,
atentados contra os princípios fundamentais do Estado com o fito de destruí-los.
71
Encontram-se exemplos disso na lei britânica do Terrorism Act 2000, que define o
terrorismo como uma ação ou uma omissão quando ‘o uso ou ameaça é feito com
propósitos políticos, religiosos ou ideológicos’ incluindo ‘séria violência contra uma
pessoa, sérios danos a uma propriedade’, ou ainda criando “um sério risco à saúde
ou à segurança do público ou a uma parte do público’.
A legislação americana (Seção 901 da Public Law 100-204, de 1987), por sua vez,
define as atividades terroristas como ‘a organização, o apoio ou a participação em
um ostentoso ou indiscriminado ato de violência com extrema indiferença ao risco
de causar morte ou sérios danos corporais a um indivíduo que não esteja envolvido
nas hostilidades armadas’.
o Código Penal francês, em seu artigo 421-1, traz definição dos atos terroristas
delimitando-os como infrações ‘contra uma empresa individual ou coletiva, tendo
por objetivo perturbar a ordem pública por intimidação ou por terror.’
As tentativas de definição do terrorismo no plano internacional são igualmente
complexas, tendo inclusive a Assembléia das Nações Unidas tratado da matéria, definindo
como qualquer ato violento contra pessoas inocentes com intenção de forçar um Estado, ou
qualquer outro sujeito internacional, para seguir uma linha de conduta que, de outro modo,
não seguiria, é um ato de terrorismo.” (GUIMARÃES, 2007, p. 21). Por fim tem-se a
definição de Guimarães (2007, p. 25) que o define como
Ato de indiscriminada violência física, mas também moral ou psicológica, realizado
por uma empresa individual ou coletiva, com o intuito de causar morte, danos
corporais ou materiais generalizados, ou criar firme expectativa disso, objetivando
incrustar terror, pavor, medo contínuo no público em geral ou em certo grupo de
pessoas (parte do público), geralmente com um fim, no mais das vezes ideogico
(político, nacionalista, econômico, sócio-cultural, religioso)
Definir o terrorismo é de grande valia para se realizar a análise da sua relação com a
moderna democracia, porém, ainda se deve analisar quais seriam as principais causas e
principalmente quais seriam as espécies de terrorismo que são possíveis de identificação
atualmente.
Para Guimarães (2007, p. 27), é possível dividir as espécies de terrorismo em quatro
grupos: “organização criminosa, o terrorismo de Estado, o terrorismo político-revolucionário
e o terrorismo ideológico-religioso.”
O terrorismo praticado por organizações criminosas tem como objetivo dar suporte a
suas ações de delinquência normal, e tem como característica fundamental não representar a
principal atuação da organização, mas somente uma conduta de apoio a estas, muitas vezes
para minar ou diminuir a capacidade de reação do Estado.
72
Como comenta Guimarães (2007, p. 28), tal espécie, “como o próprio nome sugere, é
uma prática adotada por homens e mulheres organizados que, em grande parte, têm no seu
comando insuspeitos personagens públicos.
O terrorismo de Estado “em princípio foi criado a fim de caracterizar regimes ou
governos autoritários, totalitários ou ditatoriais, cuja prática constante é a sistemática violação
consciente de direitos individuais.” (GUIMARÃES, 2007, p. 31)
O terrorismo político-revolucionário tem como elemento central de definição a
utilização deste como meio para determinar o incremento ou fortalecimento de movimentos
revolucionários. Tem-se, portanto, o terrorismo como meio para um fim maior, qual seja, o
ideal político, ideológico ou revolucionário.
Por fim, tem-se que o terrorismo ideológico-religioso, ou seja, tem-se realmente aqui
uma motivação especial, qual seja, a indicação de que o terrorismo deve ser usado como um
“instrumento de Deus” ou agir “contra os infiéis”. Tal motivação apresenta uma dificuldade
imensa, especialmente por apresentar motivações de natureza transcendente.
Nesta última espécie de terrorismo, o aspecto religioso prepondera, mesmo coexistindo
com outros. É o que diz Guimarães (2007, p. 44), quando afirma que
Resta evidente que outros fatores, e não somente a religião, estão presentes e
fundamentam explicações para a ocorrência dos atentados, como argumentos
políticos, ecomicos, culturais, nacionalistas, regionalistas ou revolucionários
propriamente ditos, todos baseados em maior ou menos carga ideogica. O fator
religioso, entretanto, em muitos casos prepondera.
Para Leongómez (2006, p. 104), o fenômeno do terrorismo pode ser classificado em
cinco, e não quatro, espécies, quais sejam: “terrorismo patrocinado por Estados, terrorismo
ideológico de extrema-direita ou extrema-esquerda, terrorismo nacionalista, terrorismo
político-religioso e, finalmente, terrorismo de motivação única.”
O primeiro deles é caracterizado por grupos patrocinados e financiados pelo próprio
estado, que passam a atuar em nome deste tanto interna quanto externamente, e especialmente
realizando missões e ações que as forças convencionais não podem realizar, quer por
impedimentos jurídicos, quer por falta de apoio político dominante. Atuam sob a proteção do
Estado, não sendo caracterizados, portanto, como grupos terroristas que ameacem, em um
primeiro momentos o ente estatal.
73
A segunda escie de terrorismo, motivada por ideias de extrema direita ou esquerda, foi
muito característica nas décadas de 1960 até 1980, especialmente no leste europeu, América
Latina e sudeste asiático, pom, com o fim da guerra fria e a queda do bloco sovtico, passaram
naturalmente a ser menos frequentes, embora ainda existam, atos com tais motivações.
O chamado terrorismo nacionalista tem como elemento central de sua definição a
existência de “grupos que lutam a favor dos interesses de um grupo étnico, seja para
conquistar o reconhecimento de sua identidade cultural ou lingüística, ou então para gerar um
processo de secessão territorial.” (LEONGÓMEZ, 2006, p. 105)
Para Leongómez (2006, p. 106), o terrorismo político-religioso trata-se mormente de
movimentos religiosos que procuram impor um modelo de Estado e sociedade governados por
princípios religiosos.
Esta espécie de terror passou a ganhar naturalmente muita importância e destaque,
notadamente depois dos atentados ocorridos em solo norte-americano, em 11 de setembro de
2001, fazendo com as que as atenções da doutrina especializada e da sociedade com um todo
estivessem voltadas para a compreeno e enfrentamento deste tipo de atos de terror. Tais
ações, praticadas por grupos radicais com fundamentação islâmica, reavivaram a conversa a
respeito da realidade concreta do terror mundial.
A última espécie de terrorismo apontado por Leongómez (2006, p. 107) é a de motivação
única, ou seja, “refere-se a grupos que objetivam modificar pela violência determinadas
condutas sociais ou normas legais, tais como, por exemplo, a proibição do aborto.”
Para Ferro (2009, p. 341) podem-se citar outras espécies de terrorismo, dentre elas:
“terrorismo criminoso, terrorismo ideológico, terrorismo nacionalista, terrorismo patrocinado
pelo Estado e terrorismo revolucionário.”
O chamado terrorismo criminoso tem com objetivo viabilizar ações que visam ao lucro
ou a ganhos patrimoniais, enfrentamento ou intimidação do Judiciário, sendo também
chamado de terrorismo doméstico. O predomínio de um pensamento político específico e o
desejo de o impor geram o terrorismo ideológico.
O terrorismo nacionalista representa a ideia de um grupo étnico, racial ou social que
deseja impor sua vontade ou pensamento quando não compreendida. O terrorismo
patrocinado pelo Estado é aquele em que o próprio estado utiliza de meios ou atos de terror
74
como política pública e forma de intimidação ou instrumento de combate bélico. O terrorismo
revolucionário utilizado em ações guerrilheiras, subversiva ou insurrecional.
Gomes (2009, p.336) classifica o terrorismo em “político, cultural, religioso,
cyberterrorismo, bioterrorismo e químico.”
Com tudo isso, percebe-se que muitas o as espécies, classificações e origens
atribuídas ao terror, porém, no mundo atual, inegavelmente conclui-se que independente da
fundamentação ou motivação, as ações e condutas dessa natureza, e dessa espécie
caracterizam-se como um grande desafio à democracia moderna, especialmente nos países
que verdadeiramente optaram por este regime.
3.3 fia: O crime em forma de “Família”
A fia representa uma forma de organização criminosa própria, detentora de conceitos
próprios e específicos, onde é possível verificar elementos gerais que definem o crime organizado,
como visto acima, bem como requisitos particulares daquelas formas de organização.
A origem do termo máfia é incerta e imprecisa. Uma primeira corrente indica que a
expressão viria do árabe, derivada na palavra muafah, que significa proteção. Outra corrente é
de que a expressão fia ou mafioso teria surgido na Sicília, Itália. Esta expressão viria do
acrônimo da expressão Morte Alla Francia, Italia Anela, que foi utilizada quando da luta
siciliana contra o domínio francês no século XIII (FERRO, 2009, p.235).
Ainda aponta-se o significado mais moderno de algo como homens de honra, homens
de confiança da nobreza.” (MONTOYA, 2009, p.4). Atualmente a expressão máfia, ou
mesmo suas diversas nomenclaturas próprias que designam suas instituições específicas, é
mais utilizada por juízes, promotores, advogados ou acadêmicos, pois os respectivos membros
normalmente referem-se a ela apenas como o Sistema (por exemplo, Sistema de
Secondigliano, Sistema da Cosa Nostra). Assim, não importa a linguagem, e sim a análise do
conjunto de elementos que a caracteriza. (SAVIANO, 2009, p.52)
Dentre os elementos indicados como fundamentais para a formação do conceito de
instituição mafiosa tem-se especialmente “o papel central da falia, a menção à honra, a
cultura da morte e uma relação especial com o Estado”. (MONTOYA, 2007, p. 1).
75
Para que se compreenda a posição central da família, deve-se entender que o conceito
de família em uma organização deste porte é mais abrangente que o normal, incluindo o
indivíduos ligados por laços sanguíneos, mas eventualmente por pessoas da mesma cidade ou
povoado natal, grupo étnico ou até mesmo bairro comum. Assim, percebe-se que a ligação
mais íntima, determinada por elos de confiança preexistentes, compõe um dos elementos
centrais de tal entidade. Dessa forma, a máfia defenderá e será constituída o pela família, e
sim pela “Família”, com F maiúsculo. (MONTOYA, 2007, p. 4)
Um exemplo dessa importância é a chamada mesada, ou seja, o pagamento mensal feito
pelas instituições mafiosas, especialmente a napolitana e a siciliana na Itália, à família dos
seus membros que são presos. Essa ajuda financeira é feita em dinheiro e em gêneros
alimentícios, entregues pelos chamados submarinos. Essa ajuda reforça a ideia de lealdade e
de tratamento familiar encontrado nestas instituições. (SAVIANO, 2009, p. 168-169)
Uma das origens do próprio termo máfia refere-se a que seriam os chamados homem de
honra, com isso a existência de um sentido de honra definido e claro mostra-se essencial para
conceituar-se a máfia, fazendo do juramento de iniciação mafiosa. requisito essencial de
admissão na Onorata Società. (MONTOYA, 2007, p. 4). Diz Montoya (2007, p.4) que
Agir de modo mafioso significa impor respeito, ser um homem de honra e ser capaz
de vingar com a própria força qualquer ofensa. Esse comportamento é justificado,
apoiado e idealizado de acordo com a particular cultura em que vive o mafioso.
A máfia é um comportamento e um poder e não apenas uma organização formal;
comportar-se ao modo mafioso é ter uma conduta honrosa, de acordo com as regras
da coragem, da esperteza e da ferocidade. A palavra ‘honorável denota força
superior, significa ser excepcional, digno, prepotente. Respeitar a regra da omertà ou
lei do silêncio significa aderir ao sistema dupla moral, uma que é vigente para os
membros do mesmo grupo e outra válida para as relações com estranhos. É
sinônimo de cultivar bons modos, educão, gentileza, bondade e persuasão através
da conversa na relação com outros mafiosos.
Lealdade, honra e disponibilidade para viver e morrer pela máfia é um elemento central
de caracterização do mafioso, diferenciando daquele membro de organização criminosa
normal e corrente. O juramento mafioso em si representa claramente isso, quando na
“cerimônia de aceitação” o neófito na instituição deve segurar uma imagem de um santo, e
após molhá-la com o próprio sangue, queimá-la dizendo minha carne deve queimar como
esta imagem se euo permanecer fiel a este juramento.” (MONET, 2009, p. 186)
O nível de lealdade e desprendimento pela instituição é tamanho que até o treinamento
dos membros é levado a extremos, como indica Saviano (2009, p. 126)
76
Para adestrarem os rapazes a não terem medo de armas, faziam-nos vestir o colete e
depois atiravam neles. Um colete, por si só, não basta para levar um indivíduo a não
fugir de uma arma. Um colete não é vacina contra o medo. O único modo para
afastar qualquer temor é mostrar como as armas podiam ser neutralizadas. Kit Kat
me contou que os levavam para um descampado fora de Secondigliano. Faziam-nos
vestir os coletes à prova de balas por baixo da camisa e depois uma de cada vez
descarregava meio pente de pistola neles.
A cultura da morte é sempre uma constante nas organizações mafiosas, cujo sacrifício
pessoal extremo é sempre visto como um elemento de honra, entrega e renúncia em nome da
Família, representando ato radical no procedimento mafioso.
A relação direta com o Estado e com todas as manifestações de poder constituído (como
a igreja, os sindicatos, imprensa, dentre outras instituições) representa também um elemento
essencial caracterizador da máfia. Apesar da ideia de querer mostrar-se com uma entidade
paraestatal que atua em situações onde o estado não pode agir, na verdade “a máfia não é uma
sociedade de serviços que opera a favor da coletividade, mas, sim, uma sociedade de auxílio
mútuo que realiza suas atividades em benefício de seus membros, é um tipo de organização
parasita. (MONTOYA, 2007, p. 2)
Um dos principais elementos apontados pela doutrina para diferenciar uma organização
mafiosa de outra considerada como crime organizado puro é de que naquela existe um
chamado mito fundante, ou seja, uma história determinante, quase mitológica, que invoca
valores como honra e coragem e que explica a formação daquele grupo familiar (dentro do
conceito visto de família). Tem-se aqui uma ideia semelhante a uma seita ou religião onde
se passa a viver uma obrigação quase que eterna para com a instituição, assim não como
eximir-se do vínculo ou da ligação com o ente mafioso. (MONTOYA, 2007, p.2)
Desta forma, uma instituição criminosa organizada e que possua pelo menos algumas
dessas características pode ser vista como mafiosa, por mais que o seja possível indicar que
entre elas uma uniformidade de estrutura, organização ou mesmo de atuação em crimes
comuns.
Percebe-se claramente que cada organização mafiosa acaba naturalmente se
especializando em uma espécie própria de modalidade criminosa, notadamente levando a
lucratividade, a capacidade de atuação, a viabilidade de atuação, dentre outros fatores. Neste
sentido, é possível citar o exemplo da máfia russa, que explora de forma decisiva a
prostituição de mulheres eslavas na Europa, sobretudo nos países do leste europeu.
(NAPOLEONI, 2010, p. 24)
77
Não se pode indicar um único modelo de formação e desenvolvimento das organizações
mafiosas, porém pode-se indicar elementos comuns. A estruturação desses grupos passou por
fases muito bem definidas, representando uma evolução natural da entidade. Pode-se destacar
quatro etapas fundamentais, são elas (FERRO, 2009, p. 78):
a) A “incubação”, que vai do século XVI até o XIX, em que se pode verificar um
momento pré-mafioso, onde na verdade antecede-se a verdadeira ou contemporânea
máfia;
b) A segunda fase é a chamada “Máfia agrária”, como herdeira e perpetuadora de uma
ordem econômicosocial alicerçada no campo, dominante aa década de 50 do
século pretérito;
c) A partir da década de 1960, a máfia passa a existir com uma organização “urbano-
empresarial”, caracterizando-se essencialmente pela realização de ões comerciais
e empresariais, como, por exemplo, as ligadas à indústria da construção civil;
d) A quarta e última etapa é iniciada na década de 1970, com a chamada “Máfia
financeira”, quando a instituição passa a desempenhar atividades com forte obtenção
de lucro, normalmente voltadas para o tráfico internacional de drogas e armas e
outras condutas de alto poder de valor agregado.
As ações criminosas desenvolvidas pelas instituições mafiosas, inicialmente eram
ligadas ao contrabando
5
de diversos produtos, consolidando-se no mercado de tráfico ilícito de
drogas, e mais recentemente até mesmo controlando os negócios relacionados à coleta e
armazenamento de lixo normal, hospitalar e tóxico.
A máfia italiana, em especial a napolitana, passou a diversificar suas atividades
criminosas, passando a atuar desde o narcotráfico. Aa falsificação de produtos de luxo,
como roupas e acessórios de moda, aparelhos eletrônicos, como quinas de foto e vídeo,
computadores e equipamentos de construção civil (por exemplo, furadeiras, serras elétricas,
martelos pneumáticos, esmerilhadeiras e lixadeiras). Com isso utilizavam-se os canais de
distribuão normalmente utilizados para o narcotráfico para gerar o fluxo de produtos
falsificados, descaminhados ou fruto do contrabando. (SAVIANO, 2009, p. 58-59)
A relação das diversas organizações mafiosas com as práticas criminosas não é
uniforme, pois atualmente cada uma das instituições passa a ter uma disciplina distinta sobre
5
Nas palavras de Saviano (2009, p.27) o contrabando era a FIAT do Sul, o Welfare dos desempregados.
78
as atividades ilícitas. Quanto ao narcotráfico, por exemplo, a Camorra (máfia napolitana),
negociam-se livremente diversas drogas, vendendo a pequenos comerciantes, profissionais
liberais, aposentados, estudantes ou qualquer um que esteja disposto a pagar pelo produto. Por
outro lado, a Cosa Nostra (máfia siciliana) e a ‘ndrangheta (máfia calabresa) comercializa as
drogas em todos os mercados, porém desejam saber exatamente a quem vendem, com quem
se relacionam e de que maneira estão revendendo ou comercializando seus “produtos”, ou
seja, os entorpecentes. (SAVIANO, 2009, p. 85)
O tráfico de drogas passou a ser paulatinamente utilizado pelas organizações criminosas
de formação mafiosa como elemento de obtenção de significativos lucros. Neste sentido,
explica Monet (2006, p. 193) que
Quem quer que aborde o tema não pode deixar de ficar chocado com a amplidão da
mudança de panorama nos últimos vinte anos. O uso de entorpecentes, na ocorrência
das drogas ditas ‘leves’, apareceu, nos anos 70, como a expressão de uma filosofia
‘liberada’ ou do desenvolvimento de uma contracultura que procurava resistir à
implacável racionalização das atividades humanas sob a pressão das lógicas
econômicas. Outros tempos, outros estilos de consumo. O uso de heroína, depois da
cocaína, substituiu o da maconha e do LSD. Ao trabalho de formiga dos ‘hippies
mochileiros’, que levavam de Katimandu alguns gramas de ervas parcimonisamente
adquiridos, sucedeu a expedição de contêineres da América do Sul e da Ásia para a
Europa. A mobilização contra a droga atinge até países europeus que, por muito
tempo, não se sentiram afetados ou que tinham adotado políticas liberais, como a
Itália, a Espanha e a Holanda.
O negócio do narcotráfico representa uma das principais atividades da máfia moderna,
utilizando-se dos canais existentes para o tráfico de armas, pessoas e para o contrabando e
descaminho para realizar o transporte da droga e das substâncias ilícitas, fazendo com que o
fluxo seja ainda mais intenso e rápido. Detalhe interessante é que muitas das pessoas e
famílias que trabalham atualmente para a máfia italiana no comércio de entorpecentes não
sabem realmente para quem trabalham, dificultando em muito qualquer ação do estado contra
seus reais “empregadores”. (SAVIANO, 2009, p.80)
Esta é uma das muitas formas encontradas pelas organizações mafiosas italianas para
dificultar ou inviabilizar a atuação do estado. Outra fórmula utilizada é a organização em
células ou pequenos núcleos independentes e desconhecidos entre si, pelo quais, caso uma
delas seja presa ou descoberta, não influenciará ou prejudicará as demais.
A escolha de bases de operação seguras também faz parte da estratégia maior das
organizações mafiosas, que optam por atuar em alguns países após analisar sua legislação,
aplicação da lei penal e rigor desta, posição geográfica e logística, fazendo com que possam
79
efetivamente atuar de forma mais livre e eficiente, o que importa necessariamente em mais
lucro e capacidade financeira. (MONET, 2006, p. 185)
Durante várias décadas, a máfia foi retratada para a sociedade com uma visão romântica e
teatral, onde o glamour e a riqueza coexistiam com a violência e o crime. A literatura e o
cinema foram responsáveis por isso, especialmente com a produção de obras como O Poderoso
Chefão, livro de Mario Puzo, que quando representado no cinema obteve o prêmio maior da
acadêmica de cinema de Los Angeles (Oscar), em 1972, e na sua continuação em 1974.
Ao contrário do que se imagina, as obras de ficção não foram influenciadas
decisivamente pela realidade concreta das instituições mafiosas, mas sim, ao contrário, pois
estas que passaram a incorporar a linguagem, as figuras e os estereótipos criados nos livros e
principalmente nos filmes. Neste sentido, indica Saviano (2009, p. 288-289):
O caso do filme O poderoso chefão é eloqüente. Nunca ninguém dentro das
organizações criminosas, sicilianas ou campanas, tinha utilizado antes o termo
padrinho, fruto de uma tradução pouco filológica do termo inglês godfather. O
termo usado para indicar um chefe de família ou um filiado sempre foi compare,
compadre. Porém, depois do filme, as famílias mafiosas de origem italiana nos
Estados Unidos começaram a adotar a palavra padrinho, substituindo as o o
na moda, compare e compariello.
[...]
Mario Puzzo não se inspirou num boss italiano, mas na história e no aspecto de
Alfonso Tieri, um boss de Pignasecca o mercado do centro histórico de Nápoles
que assumiu o comando, depois da morte de Charles Gambino, das famílias
mafiosas italianas hegemônicas nos Estados Unidos.
Essa visão romântica e glamourizada foi, por um tempo, alimentada dentro da própria
máfia e com o reforço positivo das obras de cinema e literatura. Esta imagem, além de passar
à sociedade uma face menos ofensiva, chegava a propor que as instituições criminosas, de
certa forma, eram mais honradas que o próprio estado, ou seja, era possível acreditar mais e
com mais convicção nessas instituições do que na própria força estatal legítima estabelecida.
Saviano (2009, p. 107) indica que alguns líderes antigos da máfia e suas esposas
afirmavam, por exemplo, que os mafiosos não matavam mulheres e que a Camorra clássica
não tolerava esses crimes, o que não era verdade, pois sabe-se que qualquer um que se
mostra-se contra os interesses da organização criminosa ou um risco a esta era tido como
indesejado e seria imediatamente eliminado.
80
Essa escie de confiança invertida, que faz com que as instituições criminosas tenham
palavras que pesem mais do que as do pprio estado, foi vista tamm em outros países e não
apenas ligadas a atividades dafia no sentido estrito, mas também ao crime organizado em geral.
Relatando grave e violenta onda de sequestros promovidos pelo Cartel de Medellin, em
campanha contra a ideia do governo colombiano de extraditar os chefes do narcotráfico
naquele país no início da década de 1990 (as atividades criminosas eram promovidas por um
grupo chamado de Los extraditables (Os extraditáveis)), Marques (1996, p.147) afirma que
“Pablo Escobar havia conseguido uma credibilidade que as guerrilhas jamais tiveram em seus
melhores dias. As pessoas chegaram a crer mais nas mentiras dos Extraditáveis que nas
verdades do governo.”
Qualquer visão romântica ou ligada a uma “função ou ação social” das instituições
mafiosas não corresponde à verdade atual, especialmente considerando a radicalizão do
combate estatal e a ligação com negócios de imensa dimensão violenta e grave como o
narcotráfico.
Percebe-se que todas as medidas adotadas atualmente pela máfia têm como objetivo
apenas a obtenção de um cerco de proteção coletiva, ou seja, dificultar a divulgão de
informões às autoridades sobre suas atividades ou membros. Percebe-se, porém, que tal
medida é parcial ou tendenciosa, especialmente quando tem-se como outro meio de proteção
da instituição a coerção, a ameaça e atos de homicídio ou tortura, cujo medo causado na
sociedade faz com que não se revele qualquer elemento de informação perigoso ou que
arrisque sua formação ou conduta.
Estas características, na realidade, podem ser aplicadas não apenas à máfia italiana, mas
também à máfia chinesa e japonesa. A tríade chinesa surgiu como uma instituição política a
serviço da dinastia Ming para combater e destituir a dinastia Ts’ing (1644-1912). A dimensão
política é o que forma a instituição, porém, naturalmente, quando esvaziada da essência
política, passa a se ocupar de atividades criminosas e não se pode mais falar em uma única
tríade, e sim em várias e diversas tríades, em que cada uma possui elementos próprios de
organização e estrutura, porém mantendo uma certa ligação com a instituição original, mesmo
que de forma simlica ou mesmo invocando o mito fundador que caracteriza as organizações
criminosas. (MONET, 2006, p. 188)
81
A máfia japonesa, conhecida como Yakusa, possui como um de seus elementos
essenciais a violência de suas ações, bem como a cobrança por uma lealdade quase que
insana, em que a atuação deve sempre ser realizada de forma a cumprir as ordens expressas da
instituição, sendo comum o sacrifício da própria vida ou mesmo a automutilação como prova
determinante de força, coragem e lealdade.
A origem do termo vem de um jogo de cartas denominado hanafuda, em que umas das
jogadas definitivas era uma sequência de cartas (8, 9 e 3, que em japonês eram lidos como ya-ku-
sa). A origem mais aceita tem ligação com o bando Tosei Kai, de Goro Fuyita, que acaba ligado
às origens tradicionais de grupos como os samurais japoneses. (MONTOYA, 2007, p. 40).
Alguns elementos caracterizam de forma peculiar esta formação mafiosa. Por exemplo,
a cerimônia, na qual os membros que cometem faltas contra a organização cortam parte do
dedo (última falange do dedo) como forma de se desculpar. O hábito de tatuar o corpo de
forma intensa era outro elemento específico da yakusa e desejava provar virilidade,
considerando a dor para a realização das mesmas. As marcas passavam também a ideia de
pertença definitiva à instituição.
Algumas regras representam a essência da instituição, especialmente considerando o
forte dever de lealdade e entrega à instituição. Dentre essas regras, podem-se citar:
nunca revelar os segredos da organização, o se envolver pessoalmente com
drogas, jamais desonrar a esposa ou os filhos de outros membros, não se apropriar
de dinheiro da quadrilha, não falhar na obediência aos superiores e não apelar à lei
ou à polícia. (MONTOYA, 2007, p. 42)
As atividades desenvolvidas pela máfia japonesa são diversificadas, vão desde a relação
de negócios com uma fachada legal nos Estados Unidos (ligados ao mercado imobiliário,
dentre outros) até atividades de contrabando, descaminho, comércio de mercadorias
falsificadas e tráfico de pessoas, armas e drogas ilegais.
3.4 Relações entre o crime organizado, o terrorismo e a máfia:
Semelhanças e distinções
Após a análise das mais expressivas formas de organizações criminosas e suas
características principais, é importante destacar as diferenças essenciais entre elas,
especialmente considerando que cada uma exige uma forma de combate específica e própria.
Com isso há formas distintas de enfretamento estatal desta criminalidade.
82
As relações existentes entre essas diversas modalidades criminosas podem ser tanto de
complementação e cumplicidade política, operacional e comercial, como de oposição. As
divergências podem vir especialmente da atuação mais ou menos violenta, bem como a maior
ou menor proximidade com o estado ou mesmo a ideia de realizar um enfrentamento aberto
contra este ou aproveitar-se da clandestinidade.
As ligações entre o crime organizado, mafioso ou não, e o terrorismo podem se
estabelecer no sentido de colaborarem entre si, fazendo com que possam efetivamente facilitar
suas ações ou mesmo otimizar suas condutas. Neste sentido afirma Montoya (2007, p. 95):
A relação entre o crime organizado e o terrorismo evoluiu até incluir três categorias
gerais:
-Alianças com finalidade de lucro entre criminosos e rebeldes/terroristas
- Participação direta em atividades criminosas de grupos rebeldes/terroristas como
fonte para obter dinheiro
-Substituição das ideologias dos grupos rebeldes/terroristas por motivações
criminosas e econômicos.
As ligações entre o crime organizado, instituições mafiosas e organizações puramente
terroristas são motivadas especialmente por objetivos financeiros, logísticos e até mesmo de
proteção direta contra a atuação do estado.
Como exemplos, pode-se citar que grupos ligados ao narcotfico, falsificação de produtos
e mercadorias, descaminho e contrabando com nculos a grupos de inspiração terrorista na
tríplice fronteira no Cone Sul (Argentina, Brasil e Paraguai). Outra ligação no mesmo nível ocorre
entre o Hezbollah, que utiliza o Vale do Bekaa como base de operações e logística como
corcio de drogas no Oriente Médio. A Al-Qaeda tem como uma das suas fontes de renda a
produção e comercialização de heroína no Afeganistão. (MONTOYA, 2007, p.96)
Até a personalidade, formação e áreas de atuação de membros de organizações
terroristas radicais, como a Al-Qaeda
6
foram influenciadas por membros ligados à
delinquência comum, afirma Wright (2006, p. 331), que os novos jihadistas tendiam a ser
jovens solteiros, mas entre eles havia também criminosos, cujas habilidades em falsificação,
fraudes com cartões de crédito e tráfico de drogas se mostrariam úteis.”
Nem sempre as relações econômicas entre o terror e outras formas de crime, e até
mesmo negócios em tese legais, são amistosas e lucrativas. Osama Bin Laden, quando de sua
6
O grupo foi formado após reunião ocorrida na manhã de 20 de agosto de 1988, criando o que denominaram Al-
Qaeda AL-Askariya (a base militar), ou simplesmente Al-Qaeda (A Base). (WRIGHT, 2006, p.154)
83
passagem pelo Sudão, utilizou-se de sua riqueza pessoal para implementar negócios naquele
país com o objetivo de reforçar ainda mais sua presea e a rede de proteção que o cercava.
Neste sentido indica Wright (2006, p. 220), comentando sobre a atuação empresarial de
Osama Bin Laden e sua fortuna:
Ele enterrara grande parte de seu dinheiro em empreendimentos dos quais pouco
entendia. Seus negócios agora incluíam quinas trituradoras de rochas, inseticidas,
produção de sopa, curtume de couro – dezenas de projetos díspares. Ele abriu contas
em bancos de Cartum, Londres, Malásia, Hong Kong e Dubai, cada uma em nome
de um membro diferente da Al-qaeda, dificultando o rastreamento pelos órgãos de
inteligência, mas também quase impossibilitando a gestão. Entregava-se a projetos
se muita reflexão. Quando um de seus auxiliares achou que seria um bom
investimento importar bicicletas baratas do Azerbaijão para o Sudão, onde ninguém
anda de bicicleta, bastou que três gerentes da Al-Qaeda assinassem um formulário
para que Bin Laden entrasse no ramo.
-se, portanto, que nem sempre as ligações entre os diversos tipos de instituições
criminosas e mesmo entre estas e as atividades econômicas regulares são eficientes e
harmoniosas.
As organizações criminosas e as terroristas puras também possuem ligações que não
têm como elemento central a obtenção de lucros (mesmo porque tal objetivo não é
característico dos grupos de terror). Neste sentido Montoya (2007, p. 99) indica que:
As organizações criminosas abastecem as terroristas tamm de outros serviços como,
por exemplo, documentação adulterada, possibilidades de que seus integrantes se
movimentem junto com os imigrantes ilegais, transferências de fundos e lavagem de
dinheiro. Os terroristas juntam-se ao crime organizado para respaldar algumas
atividades. No sul da Ásia, nota-se uma tendência de aumento da relação entre
terrorismo e crime organizado, situação que tem acentuado o aumento da criminalidade.
As ligações entre estas instituições vêm essencialmente de conveniências comuns, nas
quais se percebe claramente que as mesmas atuam em conjunto visando essencialmente à
facilitação de suas ações. Dentre os pontos de interesse comuns, podem-se citar: “1) a
periculosidade dessas organizações, tanto para a sociedade nacional quanto para a
internacional; 2) a limitada habilidade da comunidade para prevenir e controlar esse tipo de
atividade; 3) o dano humano e social ilimitado que o capazes de infringir.” (MONTOYA,
2007, p. 100)
Muitas vezes as ligações entre essas instituições são pontuais e específicas, como, por
exemplo, o fornecimento de armas ou explosivos. Quando da desintegração do antigo bloco
socialista, então capitaneado pela União Soviética, um grande conjunto de armas, explosivos e
equipamentos bélicos (inclusive carros de combate e blindados em geral) passou a ser
84
negociado no mercado ilícito, tendo as diversas instituições mafiosas como principais
intermediadoras de tal comércio. (SAVIANO, 2009, p. 189)
Com isso um grande número de armas passou a ser negociada pela máfia, que
estabeleceu relações de negócio com entidades terroristas, criminosas e até mesmo com
países
7
com dificuldades momentâneas ou perenes de aquisição de armas.
Grupos terroristas europeus, como o basco ETA (Pátria Basca e Liberdade – Euzkadi Ta
Askatasuna) mantinham forte ligação com a máfia napolitana e siciliana, haja vista que
O ETA enviava cocaína através dos militantes da organização para receber, em troca
armas. O ETA teria baixado constantemente o preço da coca que obtinha através dos
contatos com grupos guerrilheiros colombianos e assumia os custos e a
responsabilidade pela chegada da mercadoria na Itália: tudo para manter contato
com os cartéis da Campânia, talvez os únicos em condições de fornecer arsenais
inteiros. (SAVIANO, 2009, p. 211)
Igual vel de relação existe entre grupos guerrilheiros colombianos e organizações
criminosas brasileiras, sendo prova maior disso a prisão do líder do Comando Vermelho em
território colombiano, quando negociava pessoalmente a venda de drogas ilícitas, sendo o
pagamento feito em dinheiro mas também em armas de uso pessoal da guerrilha, como fuzis,
pistolas e granadas, contrabandeadas do Brasil através da selva amazônica ou através do
Paraguai. Os negócios entre essas instituições chegaram a totalizar dez milhões de dólares por
mês. (MONTOYA, 2007, p. 98)
Apesar das ligações entre tais organizações serem motivadas por interesses e
necessidades comuns, tais organismos possuem diferenças graves e significativas, tornando
impossível indicar que todas pertencem à mesma espécie de organização. Perceber as
diferenças é fundamental para que se possa empreender um combate eficiente e preciso e que
se possa efetivamente fazer o enfrentamento democrático e constitucional desta criminalidade,
transnacional ou não. Montoya (2007, p. 97), ao comentar tal diferenciação, indica que
É conveniente levar em conta que uma das diferenças essenciais entre o crime
organizado e o terrorismo é que o primeiro se caracteriza por uma finalidade de
proveito econômico, enquanto o segundo está identificado com motivações
ideológicos.
7
Durante o conflito bélico entre Argentina e Inglaterra pelo domínio das ilhas Malvinas (Falklands) com
dificuldades de aquisição de armas por ter seus principais fornecedores fechado seus mercados por pressão
inglesa, relatos de que o Governo Argentino tenha lançado mão de instituições mafiosas para a obtenção de
armas que não lhe seriam vendidas por outros meios. (SAVIANO, 2009, p. 215)
85
E arremata dizendo que
As pessoas que participam em atos de terrorismo podem ter metas políticas que
determinem seus atos de violência; aqueles que estão comprometidos com o crime
organizado não têm essa finalidade e procuram apenas a perpetuação da
organização. (MONTOYA, 2007, p. 99)
As diferenças são de diversas categorias, sendo uma das principais a motivação
principal de cada uma das organizações, pois o foco central das organizações criminosas é
essencialmente a obtenção do lucro, havendo uma dimensão quase que empresarial nas suas
atividades. Por outro lado, os entes essencialmente terroristas têm o foco na ação direta contra
o estado por diversas motivações como políticas, econômicas, jurídicas, religiosas,
ideológicas, dentre outras, ou seja, a atuação de grupos terroristas não busca como elemento
central de sua atuação a obtenção de vantagens econômicas ou financeiras, utilizando-se de
lucro ou recursos financeiros como meio e o como fim.
As organizões criminosas diferenciam-se daquelas consideradas mafiosas por estas
possuírem características próprias, como a ligação atras de um laço de família, entendida
como algo que gera um amálgama, ou seja, uma ligação forte e precisa. Outros elementos,
como o mito fundamente, a valorização do compromisso ou honra entre os membros da
organização. Tais elementos são os que definem todos os entes que podem ser considerados
mafiosos. Aquelas que o consideradas puramente criminosas não possuem tais elementos,
sendo a associação unicamente protegida para manter em funcionamento o grupo e protegido
das ações do estado. Comentando essas diferenças, afirma Ferro (2010, p. 345) que
O que realmente diferencia as organizações terroristas é a persecução de um fim
político de forma prioritária, é o seu caráter notadamente ideológico e subversivo do
status quo, por intermédio de atos marcados pela tática do terror. A busca do lucro
não é descartada ou mesmo negligenciada, mas está a serviço do objetivo maior, de
mudança política, tanto que, uma vez alcançado(s) o(s) seu(s) fim(ns), tendem a
ingressar na legalidade e a participar ativamente do novo processo político
instaurado, ou a perder a natureza de organização terrorista, em prol de uma nova
rotulação criminal, em caso de permanência na ilegalidade. As organizações
criminosas stricto sensu, ao contrário, perseguem o lucro e, em última análise, o
máximo de poder possível, dentro de suas limitações, que lhes permita a obtenção de
lucros crescentes e o maior grau de impunidade. São o ideológicas, porque o
dispõem de agendas políticas pprias, no sentido de que o defendem uma
ideologia política particular. Em geral, a mudança política não lhes interessa, pois o
próprio status quo comumente lhes favorece as atividades ilícitas. O que buscam
então é a neutralização das forças estatais e governamentais de controle social,
mediante corrupção, com o estabelecimento de ligações estruturais ou funcionais
com o próprio Poder blico e com seus agentes. A estratégia do terror, quando
utilizada, parece ser episódica ou circunstancial, diversamente do que acontece no
cenário das organizações terroristas, nas quais a opção pelo terror é de as própria
essência. Além disso, nem sempre o terrorismo é praticado em caráter associativo.
86
A motivação política (ou por pequenas variações como ideológica, religiosa, jurídica,
econômica ou outras) caracteriza-se como elemento central de definição do terrorismo
moderno, porém se devem diferenciar atos e entes tipicamente terroristas dos chamados
crimes políticos ou de consciência.
A diferença fundamental entre ambos está no elemento violência. Não há como
imaginar atos terroristas sem a dimensão da violência, quer física quer psíquica, fazendo com
que a sensação de terror e ofensa potencial à sociedade seja produzida por atos ofensivos
contra o estado e seus órgãos ou a sociedade em geral.
Por outro lado, os crimes políticos, de ideologia ou de consciência representam uma
oposição ao pensamento dominante do estado, contrariando-lhe a matriz ideológica, porém
desprovidos de qualquer ação violenta, intimidadora ou ofensiva. Não se busca com ele as
condutas de força (material ou moral), mas sim a decisiva oposição pelos meios políticos e
ideológicos puros. (FERRO, 2010, p. 352). Neste sentido Vergueiro (2009, p. 60) afirma
sobre a diferença entre crime político e terrorismo:
É a idéia de que não de confundem os crimes políticos com os crimes anti-sociais,
que se distinguem dos primeiros porque, enquanto aqueles visam à destruição da
organização social comum aos Estados civilizados. Alguns autores incluem nesta
classificação o terrorismo.
Por isso tudo, a tendência é de não se considerar o terrorismo como crime político.
A diferença entre crimes políticos e terrorismo é apontada por três teorias fundamentais:
a objetiva, a subjetiva e a mista. Nas palavras de Guimarães (2007, p. 63):
As teorias objetivas definem o crime político em razão do bem jurídico lesado ou
sob perigo de ser lesado, sendo assim os que atentam contra a existência do Estado
enquanto organismo político, porque há ameaça à sua organização político-jurídica.
A infração política, portanto, para ser assim considerada, deve atentar contra a
ordem política. Importa que sua incriminação dependa unicamente desse caráter, ou
seja, é fundamental a efetiva direção política do ataque, menos importando seja esta
a sua motivação.
Nas teorias subjetivas, de outro lado, mais importa o fim pretendido pelo autor e
menos a natureza do bem jurídico atingido, de modo que o delito político se
caracteriza mesmo se a conduta constituir crime comum, bastando seja política a sua
motivação.
as teorias mistas combinam as duas anteriores, mesclando na definição de delito
político os critérios objetivo e subjetivo.
É de fato mais aceito atualmente, para a caracterização do delito potico, que
estejam presentes o elemento subjetivo da conduta (o fim político) e o bem
jurídico lesado ou ameaçado de lesão (direção efetivamente política de ataque).
(Grifou-se)
87
Deve-se lembrar que é possível ter-se o terrorismo sem qualquer motivação política,
representando de forma nítida a existência de uma diferença clara quanto à motivação dos
atos praticados por organizações mafiosas ou criminosas e aquelas puramente terroristas.
Percebe-se que a auncia de atos de violência e a motivação essencialmente política
são os principais elementos de caracterização dos crimes políticos ou de consciência. Já os
atos caracterizados como atos de terror são necessariamente violentos e nem sempre possuem
motivação política.
3.5 Disposições normativas sobre o combate ao crime organizado e
terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado
O tratamento legal dado ao crime organizado e ao terrorismo no Brasil é extremamente
deficiente, precário, impreciso e insuficiente do ponto de vista penal e processual penal. Apesar
de alterações recentes, sobretudo do ponto de vista processual, com a criação de novas
modalidades de provas
8
, tem-se ainda uma forte deficiência na estruturação de um sistema
jurídico verdadeiramente eficaz, tanto do ponto de vista normativo, quanto processual e policial.
Os dispositivos constitucionais aplicáveis são precisos, porém sempre carecem de
regulamentação ou definição infraconstitucional, fazendo com que a sua dimensão efetiva
torne-se comprometida.
Quando da indicação dos princípios constitucionais aplicáveis às relações exteriores, na
Constituição Federal de 1988 (CF/88) está o repúdio ao terrorismo e ao racismo
9
.
Ao tratar de direitos e garantias fundamentais, em seu Art. 5º, a CF/88, indica alguns
limites à atuação do Estado, mas também traça o indicativo sobre as condutas repudiadas e em
que termos devem ser tratadas. Pode-se citar:
XVII- é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
[...]
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
8
As inovações trazidas pela 10.217, de 11 de abril de 2001, a lei 9.034, de 3 de maio de 1995, são de natureza
essencial processual, com a disponibilização as forças de segurança e repressão do estado de meios de
produção de informações e provas mais eficazes.
9
Art. 4º, VIII, CF/88
88
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados,
civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
(Grifou-se)
A indicação de tais diretrizes deixa clara a opção feita pelo legislador constitucional em
dar a crimes que ameacem o estado de direito, a democracia e a sociedade em geral de forma
grave, organizada e estabelecida, um tratamento diferenciado. Tal indicação faz com que o
legislador infraconstitucional, ao regulamentar tais dispositivos e criar modalidades de ação,
deva necessariamente optar por modelos eficazes, fortes e graves, porém necessariamente
democráticos e constitucionais.
A CF/88 igualmente fornece um tratamento próprio para situações nas quais o estado
esteja fortemente ameaçado, quer do ponto de vista interno, quer externo, criando nos arts.
136 a 139 um sistema de estado de exceção a ser utilizado em momentos extremos e graves.
Este sistema constitucional brasileiro vigente será objeto de análise no próximo capítulo,
juntamente com outros modelos propostos pela doutrina para o enfrentamento dessas
situações excepcionais.
Quanto às disposições infraconstitucionais, é possível encontrar no ordenamento
jurídico brasileiro alguns exemplos, estruturados em leis espaças, sem qualquer sentido de
sistematização, gerando graves dificuldades de aplicação.
Apesar das disposições constitucionais expressas sobre o terrorismo, bem como a
indicação do delito de terrorismo como assemelhado aos crimes hediondos, não definição
expressa na lei (pelo menos não consenso doutrinário sobre isso) sobre o crime de
terrorismo ou atos terroristas.
A única lei nacional em vigor (mesmo com as discussões doutrinárias sobre a maria) que
tipifica criminalmente o terrorismo é a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14 de
dezembro de 1983). A lei feita em momento peculiar da histórica política nacional é a única que
efetivamente traz alguma espécie de definição sobre a conduta. O art. 20 da citada lei indica que:
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere
privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de
terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados
à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o
dobro; se resulta morte, aumenta-se ao triplo. (Grifou-se)
89
Assim tem-se expressamente a indicação de atos de terrorismo como elemento de
definição da conduta delituosa, vinculando-se com determinadas motivações, especificamente
“o inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de
organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Não há na lei uma definição do que seja terrorismo ou atos de terror, e, como visto, não
é possível determinar-se um conceito único e preciso do que isso possa efetivamente
significar, motivo pelo qual parte da doutrina entende que não seria possível a aplicão de tal
dispositivo. Com tal indefinição seria gerada uma ofensa ao princípio da legalidade, e por
consequência uma ofensa ao dispositivo constitucional, gerando a integral
inconstitucionalidade do citado artigo, mais precisamente a sua não recepção pelo CF/88.
Neste sentido afirma Silva Franco (1994, p. 67):
Embora a figura criminosa em questão corresponda a um tipo misto alternativo, ao
encerrar a descrição de várias condutas que equivalem à concretização de um
mesmo delito, força é convir que a prática de atos de terrorismo não se traduz numa
norma de encerramento idônea a resumir as condutas anteriormente especificadas.
A indicação em tipo penal de um nomen iuris não é capaz de determinar sua natureza
jurídica ou menos ainda a sua possibilidade de aplicação, ou sequer a delimitação de uma
conduta, se não existir com precisão correção técnica. Por correção técnica pode-se entender a
delimitação precisa e clara de quais condutas são definidas como crime. Neste sentido afirma
Guimarães (2007, p. 100):
O tipo penal deve ser claro e delimitar plenamente a conduta, definindo-a e
demonstrando todo o seu significado, possibilitando, assim, ampla compreensão do
que deve se entender como terrorismo, de modo a impedir, de qualquer forma, ao
autor da conduta, qualquer dúvida quanto à sua tipificação, para que não haja mácula
ao princípio da ampla defesa.
Parte da doutrina é enfática no sentido de determinar a constitucionalidade do
dispositivo. Segundo essa visão, o dispositivo conteria tipos alternativos e imensamente
exemplificativos, especialmente determinados pela motivação política das condutas. Desta
forma, o haveria motivos para a indicação de lacunas, defeitos normativos ou indicações de
não recepção ou de inconstitucionalidade. (GONÇALVES, 2002, p.86)
Quanto às qualificadoras, tem-se exemplo de dispositivo preterdoloso, cujo elemento
subjetivo do dolo está no ato terrorista em si, porém sem qualquer intenção na produção
específica do resultado mais grave. Este raciocínio é utilizado no caso de aceitar-se a
constitucionalidade do dispositivo descrito no citado art. 20.
90
Caso entenda-se pela não recepção (ou inconstitucionalidade dependendo do ponto de
vista), poder-se-ia imaginar a aplicação de outros tipos penais aunomos, como homicídio,
lesão corporal, incêndio ou outros.
Ordenamentos jurídicos estrangeiros trazem outras disposições sobre o delito. O direito
colombiano tipificou a conduta desde 1980, e após algumas mudanças o Código Penal
daquele país passou a indicar que
Artículo 343. El que provoque o mantenga en estado de zozobra o terror a la
población o a un sector de Ella, mediante actos que pongan en peligro la vida, la
integridad física o la libertad de las personas o las edificaciones o medios de
comunicación, transporte, procesamiento o conducción de fluidos o fuerzas
motrices, valiéndose de medios capaces de causar estragos, incurrirá en prisión de
diez (10) a (15) años […]. Sin perjuicio de la pena que le corresponda por los
demás delitos que se ocasionen con esta conducta) (APONTE, 2009, p. 21)
O Código Penal italiano dise de forma expressa sobre o delito de terrorismo,
indicando qual conceito deveria ser utilizado para a tipificação de tais condutas. A indicação é
sempre no sentido da realização de “atos de violência com o fim de subverter a ordem
democrática. Pune-se ainda a promoção, constituição, organização e direção de associação
(art. 270 bis), o seqüestro (art. 289 bis) e o atentado (art. 280). (SAMPAIO, 2003, p. 153)
Desde 2001 o ordenamento jurídico italiano passou a disciplinar de forma mais específica as
figuras do terror, especialmente no trato de questões ligadas ao financiamento do terrorismo,
proteção das vítimas, tanto em território italiano quanto em terras estrangeiras
10
. (CRETELLA
NETO, 2008, p. 423) A legislação portuguesa indica como terrorismo
toda atuação concertada, que vise a prejudicar a integridade ou a independência
nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado
previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se
de praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupo de
pessoas ou a população em geral, mediante a prática de crime contra a vida, a
integridade física ou a liberdade das pessoas; contra a segurança dos transporte e das
comunicações, incluindo as telegráficas, telefônicas, de dio ou de televisão; de
produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, libertação de substâncias
radioativas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalanche,
desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a
consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos; de
sabotagem ou que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo,
substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza,
encomendas ou cartas armadilhas (arts. 300.2 e 301). (SAMPAIO, 2003, p. 154)
A França foi o berço do conceito moderno de terrorismo, remontando-se à época da
Revolução Francesa de 1789. Atualmente o modelo frans de enfrentamento ao terrorismo é
10
São exemplos dessas normas as leis 438 (14/12/2001), 56 (02/04/2003), 369 (24/12/2003), 68 (12/03/2004)
e 155 (31/7/2005)
91
determinado em grande parte pela Lei 86-1.020, de nove de setembro de 1986, que confere ao
Estado poderes significativamente amplos no enfrentamento de ações terroristas.
(CRETELLA NETO, 2008, p. 416). Nesse país o conceito normativo de atos considerados
terroristas é definido como
Os atos dolosamente praticados, individual ou coletivamente, com o objetivo de
perturbar gravemente a ordem pública por intimidação ou terror, como o atentado à
vida, à integridade física, o rapto, o seqüestro de pessoas, de aves, de navios e de
outros meios de transporte, roubo, extorsão, destruição, degradação, deterioração de
bens, além da introdução na atmosfera, no solo, subsolo, na água e mar territorial de
uma substância de forma a colocar em perigo a saúde do homem e dos animais ou o
meio natural. (SAMPAIO, 2003, p. 154)
O conceito espanhol definido pelo Tribunal Constitucional daquele país passa pela
realização de atos ofensivos à integridade física individual ou coletiva e para a “ordem
democrático-social.” (SAMPAIO, 2003, p. 154)
Na Alemanha as disposições sobre terrorismo estão no próprio no Código de Processo
Penal, com a reforma de 1986, e no Código Penal. Fora estas disposições normativas, tem-se
a aplicação de normas especiais, como a Lei Antiterrorismo, de 18 de agosto de 1976
(Antiterrorismusgesetz), que se constitui uma das principais leis sobre a matéria. Esta lei
especial criminaliza grupos terroristas, definidos como “associações cujos propósitos ou
atividades são dirigidos à prática de homicídios, genocídio ou outros crimes graves.
(CRETELLA NETO, 2008, p. 405)
Detalhe interessante da legislação alemã é a possibilidade de monitoramento de
conversas entre acusados de atos de terrorismo e seus respectivos advogados.
Na Grã-Bretanha, a definição de atos de terrorismo era preceituada principalmente pela
Lei de Prevenção ao Terrorismo, de 1989, que aferia que o ato de terror é aquele onde “o
uso de violência para fins políticos e incluir qualquer uso de violência com o propósito de r
medo no público ou em parcela dele.(SAMPAIO, 2003, p. 154)
O novo milênio assistiu ao surgimento de diversas normas que efetivamente tentavam
construir um sistema eficaz de enfrentamento ao terror. A primeira das normas foi o
Terrorism Act 2000, que foi sucedido por outras normas, como o Anti-terrorism, Crime and
Security Act 2001 e Prevention of Terrorism Act 2005. Esta última confere expressamente
poderes especiais ao Secretário de Negócios Internos para implementar medidas de força e
92
energia contra suspeitos de organizar e participar de ões ou grupos terroristas. Disposição
interessante é encontrada no Terrorism Act 2006 (13 de abril de 2006) que
considera crime a incitação ao terrorismo, bem como sua glorificação, a distribuição
de publicações terroristas, incluindo canais de distribuição diversos, tais como
livrarias extremistas, sites e blogs na internet, na preparação ou planejamento de atos
terroristas ou auxílio a outros para que os cometa, treinamento ou participação em
treinamento terroristas e visita a campos de treinamento de terroristas. Essa lei,
também muito controvertida. Inclui novas condutas sobre a rubrica ‘terrorismo’.
(CRETELLA NETO, 2008, p. 413)
A disciplina norte-americana sobre o terrorismo é dividida em dois momentos, antes e
depois do ataque em 11 de setembro de 2001. Antes desse momento, os principais instrumentos
normativos de enfrentamento do terror eram o Foreign Intelligence Surveillance Act, de
25/10/1978, emendado pelo Antiterrorism and effective Death Panalty Act (1996). Após o
ataque, tem-se a instituição do chamado USA Patriot Act. (CRETELLA NETO, 2008, p. 394)
Este último constitui o principal elemento de combate legal ao terrorismo, feito de forma
rápida para permitir uma imediata reação às devastadoras ações de 11 de setembro, que fizeram
com que o texto trouxesse disposições imensamente criticáveis, bem como claras limitões aos
direitos fundamentais, muitas delas inéditas até então naquele modelo de direito.
Os traços essenciais da política antiterror norte-americana atualmente pode ser resumida
em três pontos básicos: a) evitar a intimidação, coação, ameaça ou ação contra a população
civil em geral, tipificando tais condutas; b) proteger a máquina do estado gerando uma
blindagem na ação contra ações de corrupção, ameaças e constrangimentos de grupos
terroristas; e c) evitar ações violentas como atentados e homicídios contra autoridades e
agentes públicos, definindo criminalmente tais condutas como crimes federais e graves.
Quanto ao crime organizado, a legislação brasileira passou a dispor em seu interior de
norma especificamente voltada para o enfrentamento desta modalidade criminosa, com a Lei
nº 9.034/95, alterada pela Lei 10.217/2001. Esta lei traz a previsão de medidas de natureza
processual que podem ser utilizadas no combate à macrocriminalidade, especialmente a
considerada organizada.
A lei não conceitua o que ela considera organização criminosa, indicando apenas (com a
alteração vinda em 2001) que se destina a “quadrilha ou bando ou organizações ou
associações criminosas.”
93
“Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer
crimes é o conceito de quadrilha ou bando indicado expressamente no Código Penal do
Brasil, em seu art. 288. Assim a mera ideia de ligarem-se com o objetivo de efetivar condutas
criminosas constitui crime, não havendo necessidade de consumação deste para que haja a
consumação daquele.
No que tange ao conceito de organização criminosa, percebe-se que a lei brasileira
optou pela lacuna, o definindo de forma expressa o que se pode compreender como ente
criminoso colegiado ou organizado. Com isso resta apenas considerar as definições
doutrinárias sobre o fato para que se possa efetivamente determinar qual é na verdade a ideia
básica, o conceito fundamental sobre a matéria. Como visto, os conceitos doutrinários são
diversos, ora optando pela própria organização como elemento de referência, ora tomando
como referencial as condutas realizadas.
Desta forma tem-se a primeira e principal crítica realizada à lei, qual seja, a ausência de
definição jurídica positiva do que se pode entender como organização criminosa
(independente de suas características como mafiosa, terroristas, etc.). A melhor forma de
preencher tal lacuna é aplicar o conceito indicado na Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), internalizada no ordenamento
jurídico brasileiro através do decreto 5.015, de 13 de março de 2004.
Assim passa-se a ter na base normativa nacional disposição expressa que conceitua tal crime,
ou melhor, tal instituição. Apesar de haver sido citada no presente trabalho, pela pertinência se
permite nova citão. Tal convenção indica como grupo criminoso organizado aquele
Grupo criminoso organizado grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou
mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de
obter, direta ou indiretamente, um benefício material (art. 2º, alínea a, da Convenção
de Palermo).
Desta forma, percebe-se que a única forma de dar aos dispositivos da Lei 9.034/1995
maior tranquilidade de aplicação (excetos nos casos em que se envolvam apenas grupos que
possam ser caracterizados com quadrilha ou bando pois aqui se aplica o disposto no art. 288
do Código Penal Brasileiro) é considerar a definição exposta em tal decreto.
94
Apesar de ser a principal norma brasileira que disciplina o combate a tal modalidade de
criminalidade, esta mostra-se absolutamente imprecisa, limitada e tímida no fornecimento de
elementos legais para o enfrentamento de tal realidade.
Os instrumentos formais previstos na lei (com as mudanças trazidas pela Lei nº
10.217/2001) são limitados naqueles indicados no art. 2º, que afirma:
Art. 2
o
Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já
previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
I - (Vetado).
II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se
supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize
no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de
informações;
III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e
eleitorais.
IV a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos
ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização
judicial;
V infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de
investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante
circunstanciada autorização judicial. (Grifou-se)
A existência de instrumentos específicos para o enfrentamento desta
macrocriminalidade, por óbvio não exclui o uso de instrumentos regulares e padronizados,
especialmente aqueles previstos na legislação processual penal regular, porém ainda assim
mostram-se incapazes de realizar a contenção e o enfrentamento efetivo, especialmente
quando da postura violenta e agressiva desenvolvida por tais grupos diretamente contra o
estado e a sociedade.
Dentre esses, interessante destacar a infiltração policial, que apesar de ser largamente
utilizada em outros países, como Colômbia, Itália e Estados Unidos, ainda é timidamente
empregada no Brasil, especialmente pelo grande esforço logístico que impõe.
Convém destacar que a utilização em outros países tem regramento distinto. Por
exemplo, na Colômbia, prescinde-se de ordem judicial prévia, sendo a determinação da
realização da diligência feita por autoridade policial ou militar, como é exemplo operações de
infiltração concluídas no segundo semestre de 2008, por meio das quais a Polícia Nacional
95
Colombiana e o Exército Nacional Colombiano se infiltraram e localizaram acampamentos
das FARC-EP
11
e outros operados pelo narcotráfico
12
.
No Brasil a realização de interceptações telefônicas, ambientais ou de qualquer natureza
de dados óticos, acústicos ou eletromagticos precisa necessariamente de autorização
judicial prévia, por exigência expressa da lei processual penal. Mesma exigência é imposta na
obtenção de dados bancários, fiscais, eleitorais ou de qualquer outra ordem.
Tal obrigação visa a manter sobre o controle do juiz toda e qualquer medida que
relativize direitos fundamentais, como a inviolabilidade de domicílio ou o sigilo de conversas,
dados bancários, telefônicos, fiscais, dentre outros.
No direito comparado não necessariamente tal exigência. No direito italiano, por
exemplo, tem-se a dispensa prévia de ordem judicial para a captação de tais dados obtida em
escutas ambientais, telefônicas, eletromagnéticas ou telemáticas de qualquer natureza. A
análise judicial é posterior, ou seja, depois que os dados são produzidos leva-se ao
conhecimento do juiz para que este possa efetivamente determinar se podem ou não ser
admitidos como válidos.
Tal possibilidade baseia-se na necessidade de rapidez e agilidade na prodão da prova,
especialmente considerando a facilidade hoje encontrada em substituição rápida de linhas de
telefone, especialmente os celulares, chegando-se à realidade de linhas praticamente descartáveis.
No direito colombiano as interceptações telefônicas não exigem aprecião judicial
anterior, sendo determinadas por autoridade policial diretamente. Conm destacar que se
autoriza não apenas a captação de dados e conversas, mas também a interfencia nessas,
realizando-se ato típico da chama contrainteligência (quer militar, quer policial).
Talvez uma das operações de maior destaque de que se tem notícia na história do
anticrime e do antiterror recente, foi a chamada Operación Jaque (Operação Xeque), que
resultou na libertação de quinze rens que estavam em poder da FARC-EP, dentre eles, a ex-
11
As Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – Ejercito Del Pueblo (FARC-EP) representam o principal
grupo guerrilheiro em atividade naquele país. Em conferência guerrilheira realizada em 1966 o grupo
guerrilheiro que estava em operação no país passou a se autodenominar FARC. Apenas em 1982 passou a
utilizado a tradicional sigla a expressão EP (Ejército del Pueblo – Exército do Povo). (LEONGÓMEZ, 2006, p.
65-66). As FARC-EP hoje são consideradas um grupo terrorista pelo governo colombiano, pelos Estados
Unidos e pela União Européia.
12
Estas operações foram desenvolvidas durante aproximadamente dois anos e resultaram na localização e
destruição de acampamentos guerrilheiros que eram os pontos principais de domínio da guerrilha na região de
onde teriam partido mais de 60 operações de extorsão, homicídio, seqüestro, saques, dentre outras.
96
senadora colombiana e ex-candidata à presidência da República na Colômbia, Íngrid
Betancourt, três cidadãos norte-americanos e onze militares e policiais colombianos.
Em tal operação, agentes do Exército Nacional Colombiano interferiram nas
comunicações entre os diversos grupos ou frentes da FARC-EP, criando falsas ordens, o que
permitiu a reunião dos quinze reféns em um único local (pois até eno estavam em três locais
distintos) e fazer com que os líderes guerrilheiros aceitassem que os mesmos embarcassem em
helicóptero que, em tese, iria levá-los ao encontro do líder maior do grupo ilícito.
Dentro do helicóptero um comando das forças especiais do exército daquele país
dominou os dois agentes guerrilheiros que estavam a bordo, declarando a libertação dos
reféns. Percebe-se com isso que a interferência das comunicações foi fundamental para a
realização e sucesso da missão. (TORRES, 2008)
No direito comparado, encontra-se em geral a replicação das mesmas medidas e
possibilidades existentes no ordenamento jurídico pátrio, normalmente, porém, dotam-se as
forças estatais de meios mais rápidos e eficientes do que aqueles vistos na lei brasileira.
A principal norma contra o crime organizado nos Estados Unidos é a Organized Crime
Control Act 1970, que está dividida em doze títulos, sendo os dez primeiros de natureza
substancial e processual. O principal é o IX, conhecido por Racketeers Influenced and
Corrupt Organizations – RICO. Outras normas norte-americanas a sucederam, porém as
novidades foram muito mais dirigidas às ações antiterror do que anticriminosas.
Esta norma e suas disposições influenciaram decisivamente as leis alemãs, suíças,
holandesas e japonesas sobre a matéria. (MONTOYA, 2007, p. 201)
O modelo italiano de enfrentamento ao crime organizado é imensamente determinado
pelo modo de combate à máfia, uma vez que naquele país não uma distinção precisa e
prática entre entidades mafiosas e criminosas, especialmente considerando que a maior parte
das instituões criminosas é tecnicamente entendida como possuidora de elementos da máfia.
A legislação japonesa é extremamente detalhada e precisa, discriminando desde os
propósitos e objetivos considerados ilícitos, até as medidas processuais que podem ser
adotadas, bem como atos que podem ser considerados essencialmente ilícitos quando
desenvolvidos por tais métodos.
97
A França é um dos poucos países do mundo que adotam um conceito legal de crime
organizado. Desde o digo Napoleônico de 1811, tem-se uma disposição expressa para tal
modalidade ilícita.
A legislação moderna, reformada e ampliada em 1994, disciplina o que se entende por tal
medida, afirmando que como instituição criminosa “todo grupo formado ou todo acordo
estabelecido para a preparação, caracterizada por um ou rios fatos materiais, de um ou vários
crimes, ou de um ou muitos delitos castigados com dez anos de prio. (Montoya, 2007, p. 217)
3.6 Projeto de Lei para odigo Penal Brasileiro: Dos crimes contra o Estado
Atualmente tramita no Congresso Nacional Brasileiro um projeto de lei (PL-
6764/2002), de autoria do Poder Executivo, mais precisamente do Ministro da Justiça, que tem
como objetivo acrescentar ao Código Penal o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado
Democrático de Direito. Mencionada proposta foi apresentada em 9 de maio de 2002, sendo
apensada a outra proposta equivalente que havia sido iniciada em 1991 (PL-2462/1991).
Tal projeto tem como eixo central a modernização e sistematização da legislação
nacional sobre a criminalidade que ameaça diretamente o estado, seus agentes ou suas
instituições. O eixo central é a tipificação de algumas condutas que passam a ser consideradas
ilícitas, ou mesmo, têm nova definição legal.
Como mandamento expresso tem-se a revogação integral da lei 7.170/1983, a chamada
Lei de Segurança Nacional, resolvendo de vez as questões ligadas a constitucionalidade desta.
Alguns dos tipos penais propostos são necessariamente interessantes para análise no
presente trabalho, especialmente por passarem a conferir nova definição sobre a realidade
fática e jurídica aqui estudada.
O primeiro que se deve analisar é a nova tipificação de terrorismo, que passaria a
integrar o art. 371 do Código Penal, definido da seguinte forma:
Terrorismo
Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de
infundir terror, ato de:
I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar
atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou
II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou
temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos,
98
aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou
estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou
alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo,
mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro
meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.
§ 2o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão de quatro a doze anos.
§ 3o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.
§ 4o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de
qualquer forma, exerce funções de autoridade pública.
A nova descrição sem dúvida é mais ampla do que a anterior (e em tese ainda em vigor)
prevista na Lei de Segurança Nacional, porém ainda apresenta lacunas e omissões que podem
comprometer sua aplicação.
Em primeiro lugar, ao descrever com relativa precisão e criatividade legislativa as
possíveis condutas que podem vir a ser caracterizadas como atos de terror, consegue abranger
um bom número de atos ofensivos. Porém vincula o aplicador da lei a este rol definido, uma
vez que, diante do princípio da estrita legalidade em vigor no ordenamento jurídico nacional,
não se pode utilizar de analogia para criar novas figuras criminais.
Uma das modalidades de terror, ou de atos de terror, que passou a ser comum foi
incluída na definição típica, qual seja, a do chamado Cyberterrorism ou terrorismo virtual,
onde, por meio da rede mundial de computadores (Internet) ou quaisquer outros recursos
tecnológicos, é possível a realização de condutas imensamente graves, ofensivas e de difícil
combate, como a apropriação de bancos de dados, manipulação de informações, invasão em
sistemas eletrônicos públicos e privados, dentre outras.
Outro ponto sensível da definição é encontrado no caput do citado artigo, pois vincula a
realização do ato tido como terrorista a motivações de facciosismo político ou religioso. Não
há uma definição precisa do que se possa considerar “facciosismo político”, desta forma,
poder-se-ia pensar se motivações estritamente econômicas, culturais, sociais, regionais ou
mesmo precisamente jurídicas (como as ações desenvolvidas pelo Cartel de Medellín na
Colômbia dos anos 1980/1990 contra a possibilidade extradição de seus líderes aos Estados
Unidos) seriam ou não políticas.
99
As motivações religiosas evidentemente podem um dia motivar ões em território nacional
ou contra instituições brasileiras ao redor do mundo, porém atualmente ações criminosas com
feições terroristas realizadas por organizações puramente criminosas, sem quaisquer motivações
políticas ou ideológicas, estariam excluídas da aplicação do novo tipo penal.
Outras condutas relevantes por ser gravemente ofensivas ao estado passam a ser tratadas
de forma expressa, tais como atentado à soberania (art. 360), traição (art. 361), atentado à
integridade nacional (art. 363), espionagem (art. 364), golpe de Estado (art. 366), atentado
à autoridade (art. 368), sabotagem (art. 373), ação de grupos armados (art. 374) e coação
contra autoridade legítima (art. 375).
Além de definir uma série de condutas que podem comprometer o funcionamento ou a
estabilidade estatal, o projeto traz para a situação de normalidade democrática e estatal delitos
que existiriam em tempos de guerra, por estarem previstos no Código Penal Militar no
capítulo dedicado a tais condutas, como, por exemplo, espionagem.
Quanto ao crime de sabotagem, a principal diferença que se pode considerar é a
ausência de uma motivação específica, como política ou mesmo religiosa em atos que tendem
a inutilizar, prejudicar, inviabilizar ou mesmo atrapalhar o fluxo normal de pessoas,
transportes, mercadorias ou informações, sendo tipificado no art. 373 que indica:
Art. 373. Destruir, inutilizar, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente,
meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações
ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao
abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de
necessidades gerais e impreteríveis da população:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo,
mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro
meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.
§ 2o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos.
§ 3o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a doze anos.
Desta forma, passa-se a ter uma disciplina significativamente mais precisa e eficaz contra
tais modalidades criminosas, que apesar de não serem absolutamente perfeitas (se é que é
possível atingir-se tal nível de perfeição na tipificação de ilícitos penais), mostra-se importante
instrumento de proteção do Estado Democrático de Direito, se efetivamente aprovada.
4 DO ENFRENTAMENTO CONSTITUCIONAL E
DEMOCRÁTICO DA CRIMINALIDADE CONTRA O ESTADO
O estado moderno passa sem dúvida a ser alvo preferencial e direto das atividades
criminosas, que passam a ser utilizadas para a intimidação, enfraquecimento ou mesmo total
aniquilação do poder estatal.
Diante disso, o enfrentamento deve ser feito de forma mais dura, enérgica e precisa,
porém sem deixar de respeitar princípios constitucionais e democráticos, sob pena de
perecimento integral da legitimidade estatal.
A tensão entre o público e o privado, entre o individual e o coletivo, entre o autoritário e
o democrático passa a ser constante, o que exige uma atuação precisa do estado para que
possa ser forte sem agir arbitrariamente.
Neste capítulo analisam-se diversos modelos políticos e jurídico-penais, considerando
as disposições constitucionais aplicáveis para que se possa, respeitando a matriz legítima e
democrática viabilizar o enfrentamento adequado da macrocriminalidade.
4.1 Dos instrumentos democráticos de combate à criminalidade contra o Estado
O enfrentamento ao crime organizado por todos os motivos apresentados representa
um problema de dimensões mundiais e que deve ser trabalhado sob pena de perecimento das
sociedades democráticas, bem como dos próprios Estados Democráticos de Direito.
Diversos modelos são apresentados para o enfrentamento desta macrocriminalidade,
sendo a maior dificuldade compatibilizar tais instrumentos com a ordem democrática liberal.
Neste sentido afirma Bobbitt (2008, p. 241) que
The tension between national security and civil liberties fluctuates from normal
times to crises; a crises often forces the reassessment of civil rights and liberties.
When people fear their security is threatened, they often are willing to acquiesce in
incursions of civil liberties as a perceived trade-off to gain a sense of greater
personal safety. Conversely, when people feel secure, they are inclined to bridle at
even minor constraints on their personal liberties.
101
Dimensionar como é possível harmonizar essa tensão (a maior segurança social e estatal
de um lado e a preservação e respeito aos direitos fundamentais de outro) representa um dos
maiores desafios do direito moderno, especialmente considerando como é possível efetivamente
determinar uma atuação constitucional forte por parte do ente estatal, porém preservando o
indivíduo e em especial considerando-o como sujeito claro e definitivo de direitos.
O presente capítulo analisa diversos sistemas jurídicos previstos para o enfrentamento
da criminalidade contra o estado, como o terrorismo, crime organizado, instituições mafiosas,
dentre outros.
O ponto comum entre tais modelos é a busca por um pensamento e método calibrado
que permita efetivamente uma atuação mais efetiva do estado, porém efetivamente
condicionando a utilização de um modelo de exceção que possa respeitar de forma concreta
os direitos fundamentais, especialmente considerando um natural aperfeiçoamento do sistema
de freio e contrapesos (checks and balances).
4.2 Modelos e sistemas constitucionais de Estado de exceção
Como lembra Bercovici (2008, p. 38), “o direito constitucional, acostumado a lidar com
regras, tem dificuldades em lidar com a exceção. Mesmo considerando tal dificuldade, para a
efetiva atuação do estado bem como para assegurar de forma clara a preservação de direitos
fundamentais, é indispensável a imposição de um modelo expresso e positivo, e em especial a
existência de uma forma de controle, quer político, quer judicial.
O enfrentamento constitucional de uma situação de crise sempre busca se concentrar ou
“na justificão (sempre posterior à violação da regra) ou no fundamento (antes da atuação
violadora) da utilização dos poderes excepcionais.” (BERCOVICI, 2008, p.39)
Citando Pedro Cruz Villalon e Vicente Alvarez García (1980, p. 39), especialmente no
trato do estado de exceção, afirma Bercovici (2008, p. 39) que
há duas formas principais de positivar o estado de exceção: por meio de uma
tipificação taxativa (o ‘estado de necessidade’ ou ‘estado excepcional’), com um
marco jurídico expresso e delimitado para a atuação durante as crises; ou por um
sistema de ‘cláusulas gerais’, em que se autoriza a autoridade competente a tomar as
medidas necessárias para lidar com a crise (a ‘ditadura constitucional’).
A diferença fundamental entre os modelos é de que se pode ter efetivamente uma
estrutura pré-estabelecida em determinados casos, que em ocorrendo podem autorizar a
102
decretação de um estado diferenciado por parte de uma autoridade estatal (por exemplo o
Presidente da República ou o Parlamento, ou o que é mais comum, um sistema misto, no qual
esses poderes estatais interagem).
Outra possibilidade é a exisncia de uma lei vigente e especificamente prevista para o
tratamento de situação críticas, sendo esse modelo predominante nos países de origem anglo-
saxã, como exposto mais à frente.
Rossiter (2002, p. 8-10 apud BERCOVICI, 2008, p. 41) comentando especificamente o
tratado da chamada ditadura constitucional, indica que
pode ter suas técnicas e instituições resumidas em duas grandes categorias: a ação
emergencial de natureza executiva, cujas instituições básicas são a lei marcial e o
estado de sítio; e ação emergencial da natureza legislativa, cuja instituição básica
é a delegação de poder legislativo para o executivo. (Grifou-se)
Com tudo isso percebe-se claramente que o disciplinamento efetivo de um modelo
constitucional é complexo, apresentando graves e significativas variações, especialmente
influenciadas pelas referências históricas, jurídicas e culturais.
Desta forma existem dois sistemas constitucionais clássicos e consolidados de
enfrentamento de situações críticas e urgentes: “um, o que prepondera na Grã-Bretanha e nos
Estados Unidos, segue de perto as tradições de seu Direito: é o da lei marcial’; outro, o que
se prefere nos países de direito escrito, o ‘estado de sítio’.” (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008,
p.13). Sobre o estado de sítio afirma Bonavides (1999, p.201-202) que
O estado de sítio se caracteriza também pela transitoriedade e por limitações
constitucionais a que fica sujeito. Não é o arbítrio conduzido às últimas
conseqüências (sic), como sói acontecer nos regimes ditatoriais, mas remédio
extremo para erradicar a crise política, a fim de que esta não conduza à desagregação
institucional, fazendo perecer as bases do sistema representativo. Apesar de ser
exatamente o recurso final a utilizar-se quando o é possível preservar pelos
meios ordirios a normalidade governativa, diante de comoção intestina grave ou
de agreso estrangeira, suspende as garantias constitucionais da liberdade e acarreta
um reforço considerável do Executivo com reflexos debilitadores sobre a ordem
jurídica. Ao redor dele sempre prosperam os conceitos de segurança, rao de
Estado, princípio de autoridade e outras formas que fazem adivinhar a antevéspera
da ditadura ou do golpe de Estado.
Assim percebe-se que tais medidas o necessariamente deflagradas quando de
situações excepcionais. Tal pensamentoo é inédito muito menos recente uma vez que desde
o Direito Romano havia sistemas parecidos ou preparados para situações de risco,
especialmente a chamada Ditadura Romana. Sobre tal sentido indica Maluf (1999, p. 105) que
103
Nos casos de perigo interno ou externo, proclamado o estado de tumultos
(equivalente ao ‘estado de sítio’ dos tempos modernos), ficavam suspensas todas as
garantias blicas, colocando-se todas as classes à disposição do Estado. Em tal
emergência, cabia a qualquer dos cônsules nomear um ditador, pelo prazo máximo
de seis meses; nomeação esta que, normalmente, recaía no outro cônsul.
O ditador ficava investido do poder de imperium, com autoridade ilimitada,
inteiramente irresponsável, sobrepondo-se de maneira absoluta a todas as
magistraturas respeitadas apenas as prerrogativas sagradas dos tribunos da plebe.
A instituição da ditadura, como magistratura excepcional, justificava-se em nome da
salvação pública: salus publica suprema lex est. (Grifou-se)
Outro mecanismo igualmente utilizado, mesmo que em menor intensidade, é o da
suspensão da Constituição, que pela gravidade e radicalidade da medida é menos utilizado.
A lei marcial é o mecanismo mais utilizado no direito anglo-saxão, especialmente
considerando sua origem histórica. Pode-se compreendê-la como o sistema previsto e
disciplinado no sistema do Common Law, que determina e autoriza a Coroa (ou quem a
corresponda) e seus respectivos agentes, a agirem como for necessário e eficaz, isto é, o uso
da força pela força, contra insurreição, ameaças, ofensas ou atentados contra o Estado ou a
sociedade. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.14)
A utilização desta lei é excepcional, porém é regulada pelo direito comum, não
representando nenhuma alteração legislativa, mas sim uma situação de fato. Na verdade “ela
exclui a antijuridicidade de certas ações que isoladamente consideradas traduziriam ofensas a
direitos individuais.” Com isso, ao se declarar a lei marcial, o se tem nenhuma espécie de
inovação jurídica, mas sim um “aviso de que a força militar será empregada para a
manutenção da ordem” (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.14). Comentando tal sistema,
indica Bercovici (2008, p. 218) que
Apesar do modelo europeu de poderes excepcionais predominante ser o estado de
sítio, a Inglaterra adota outra conformação institucional, a de lei marcial (Martial
Law), elaborada para combater invasões e insureições. A lei marcial estende o
governo militar para áreas civis, não limita a atuação do executivo
previamente, e apura as responsabilidades apenas posteriormente. O direito
comum não é suspenso, mas o utilizados meios extraordinários para manter a
ordem. (Grifou-se)
Os países com tradição romana em seu direito utilizam-se normalmente do chamado
“estado de sítio e suas diversas variações de nomenclatura. A constituição chilena de 1833,
que vigorou a1925, foi a primeira constituão a prever o estado de sítio em seu texto.”
(BERCOVICI, 2008, p. 221)
104
O modelo brasileiro adota esta lógica, sendo a mesma utilizada na maioria dos países
latinos, com pequenas variações. Na lição de Scalquette (2004, p. 144):
O Estado de sítio corresponde a suspensão temporária e localizada de garantias
constitucionais, apresentando maior gravidade do que o Estado de defesa e
obrigatoriamente o Presidente da República deverá solicitar autorização da maioria
dos membros damara dos Deputados e do Senado Federal para decretá-lo.
Os pressupostos para a decretação dessas medidas excepcionais (quer seja o estado de
defesa ou de sítio, ou mesmo qualquer outra nomenclatura) têm que preencher pressupostos
específicos, previstos no texto da Constituição, e que respeitem os fundamentos democráticos.
Esses pressupostos dividem-se em pressupostos de fundo ou materiais. Tais pressupostos
podem ser sintetizados da seguinte forma:
1. Para a decretação do estado de defesa têm-se os seguintes pressupostos materiais:
a) a existência de grave e iminente instabilidade institucional ou a ocorrência de
calamidades de grandes proporções na natureza;
b) que essa instabilidade ou calamidade ameace a ordem pública e a paz social.
O estado de defesa deveser decretado para preservar ou prontamente restabelecer a
normalidade em locais restritos e determinados, valendo-se, para alcançar tal objetivo, de
medidas coercitivas elencadas no próprio texto constitucional.
Desta forma as hipóteses de utilização do estado de sítio sempre devem estar previstas
na Constituão, e ao contrário da Lei Marcial, que representa mera situação de fato, sem
representar uma realidade jurídica nova, deve ser expressamente declarada, conforme a
previsão constitucional.
O estado de sítio pode ser de duas naturezas básicas, o repressivo e o defensivo, sendo
este utilizado quando o quadro não é apenas de comoção interna, mas sim de guerra externa.
As medidas coercitivas que podem ser utilizadas no momento de utilização desta medida
podem ser sintetizadas da seguinte maneira:
Comoção grave é aquela que não pode ser debelada com os instrumentos de
segurança ordinários do Estado. A repercussão nacional constitui pressuposto
elementar, pois, à sua falta, a hipótese seria de estado defesa.
No estado de sítio repressivo podem ser adotadas as seguintes medidas
coercitivas:
a) obrigação de permanência em localidade determinada;
b) detenção de edifícios não destinados a essa finalidade;
c) restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações e à
liberdade de imprensa;
d) suspensão da liberdade de reunião;
e) busca e apreensão em domicílio sem as formalidades constitucionais;
105
f) intervenção em empresas de serviços públicos;
g) requisição de bens. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.18)
Tais ações, no entanto, devem respeitar um conjunto de limitações e restrições na atuação
do Estado, para evitar usos ofensivos e agressivos em excesso, porém tais fatos devem
necessariamente respeitar as opções políticas e democráticas feitas. A Constituição brasileira
bem exemplifica quais seriam as garantias e limites que deveriam ser observados, quais sejam:
Daí pode-se concluir expcita ou implicitamente, a manutenção das seguintes
garantias:
a) Tipicidade dos pressupostos ou das causas das situações de emerncia;
b) Necessidade de declaração ou de proclamação na forma prevista na Constituição;
c) Obrigação de declaração em caso de ocorrência das situações de emergência;
d) Declaração adequadamente fundamentada;
e) Declaração pelos órgãos e segundo os procedimentos fixados pela Constituição,
em modelos de interdependência;
f) Declaração com efeitos temporalmente limitados;
g) Suspeno ou restrição de direitos apenas na media do necessário, em harmonia
com o princípio da proporcionalidade;
h) Estrita sujeição de todas as providências que alterem a normalidade constitucional
aos princípios da constitucionalidade e da legalidade, com a adequada fiscalização
jurisdicional;
i) Prescrição de garantias de organização política adequadas, exigidas pelo estado
democrático de Direito. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.18)
O direito comparado é rtil em possibilidades de proteção do modelo democrático,
especialmente considerando a necessidade de harmonizar tais instrumentos com as
disposições democráticas e políticas.
Na França, a Constituição de 1958 trouxe importante inovação, qual seja, a criação
normativa da chamada ditadura constitucional” e incrementando o conceito de estado de
sítio. Criou por exemplo um mecanismo que é conceder “ao presidente, dentro de condições
de guerra e outras ameaças como o terrorismo por exemplo, poderes extraordinários, não
lhe cabendo o poder para dissolver a Assembléia nacional.
Neste modelo, caso o Presidente da República cometa excessos ou abusos com tais
poderes, o texto constitucional criou o mecanismo da “alta traição”, pelo qual o Presidente é
pessoalmente responsabilizado, equivalendo-se ao modelo norte-americano e brasileiro do
impeachment. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.19)
O modelo espanhol da Constituição de 1978 aprimorou o estado de sítio, criando uma
graduação nesse instituto, que vai desde o
estado de alarma (não suspende garantias; não tem ordem constitucional e dura
somente quinze dias), passando pelo chamado estado de exceção (usado para crises
106
de média gravidade; decretado pelo governo com autorização da câmara; já
suspende as garantias constitucionais e tem prazo máximo de trinta dias) e
finalmente chegando ao estado de sítio (crises mais graves; aprovado por maioria
absoluta da câmara dos deputados e pode ser pedido pelo governo; suspende as
garantias constitucionais e pode durar o tempo que a câmara determinar).
(CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.19)
O modelo americano merece uma atenção especial. Após os atentados de 11 de
setembro de 2001, o Estado norte-americano passou a adotar um novo modelo de
enfrentamento de situações críticas e emergenciais, o chamado Patriot Act 2001, abreviação
de United ans Strengthening América by Provinding Apropriate Tools Required to Intercept
and Obstruct Terrorism Act of 2001 (COLE; DEMPSEY, 2006, p. 195). Esta medida foi
tomada apenas seis semanas após os atentados, e como lembram Cole e Dempsey (2006, p.
195) congress acted under extraordinary pressure from Attorney General John Ashcroft,
who essentially threatened Congress that the blood of the victims of future terrorist attacks
would be on its hands if it did not swiftly adopt the administration’s proposals.”
rias são as medidas adotadas a partir da edição do Patriot Act 2001. Uma das mais
questionadas é a possibilidade de prisão de suspeitos, como comentam Cerqueira e Antunes
(2008, p.20)
possibilidade de prisão compulsória de pessoas meramente suspeitas de atos de
terrorismo ou de suporte a esses, como, por exemplo, a colaboração. Para tanto, basta
que o procurador-geral certifique que a pessoa esteja enquadrada como ‘suspeita’ em
uma das seções do ato, e poderá ser presa por prazo indeterminado. Outrossim, medida
aplivel apenas àqueles não-americanos, podem ser levados a tribunais militares,
onde, de forma ainda duvidosa, devem ser-lhes resguardados apenas os direitos à água,
alimentação, roupas, tratamento médico e auxílio religioso.
Tais medidas ainda são imensamente contestadas e demonstram de forma clara os
impactos que a macrocriminalidade, em especial o terrorismo, cria para as democracias
liberais modernas.
As democracias modernas são construídas sobre alicerces bem definidos, especialmente
os que dizem respeito à não-agressão entre os indivíduos, à proteção de direitos e garantias
fundamentais, à limitação do poder do Estado, dentre outros elementos.
Com isso, no momento em que as ações criminosas contra o estado em geral e as terroristas
em particular são realizadas, tem-se com isso produção de conseqncias graves contrárias aos
princípios fundamentais do próprio estado democrático, como a imediata suspensão de garantias
pririas, restrão de direitos e expansão da área de atuão do ente estatal.
107
No caso norte-americano, isto se torna ainda mais grave considerando que o povo
americano sempre demonstrou um imenso orgulho de suas tradições democráticas,
especialmente referentes à liberdade e preservação de direitos fundamentais.
Percebe-se que na tentativa de defesa imediata do Estado, encontra-se na restrição de
direitos uma das primeiras medidas a serem adotadas para o fortalecimento do ente estatal,
atropelando-se direitos fundamentais ou mesmo limitações a esses direitos.
Tais problemas, hoje comuns, geram a necessidade de se pensar em modelos
democráticos de controle e preservação da sociedade e do estado, especialmente considerando
a ameaça terrorista. Esses modelos devem proteger eficazmente os indivíduos, a sociedade e o
Estado, criando-se uma estrutura mais forte e eficaz, porém com observância e preservação
dos direitos fundamentais e garantias essenciais. Neste cenário algumas propostas e
possibilidades merecem ser consideradas.
4.3 Do inimigo do Estado: Do conceito clássico ao direito penal do inimigo
tempos o Direito, a Ciência Política e a Teoria do Estado trabalham com o conceito
de amigo e inimigo, tentando de alguma forma definir dentro das relações políticas e jurídicas
quem pode ser identificado como indivíduo nocivo ao estado e à sociedade, e especialmente
qual o tratamento que lhe deve ser dado.
O conceito ou a percepção de inimigo sempre foi diretamente influenciada pelo
momento histórico ou realidade política do pensamento teórico da época. Por exemplo, na
visão de Schmitt, o inimigo era o desconhecido, influenciado imensamente pela idéia romana
de hostis, ou seja, o inimigo público. Neste sentido, explica Zaffaroni (2009, p.22) que
Este concepto bien preciso de enemigo se remonta a la distinción romana entre el
inimicus y el hostis. El inimicus era el enemigo personal, en tanto que el verdadero
enemigo político era el hostis, respecto del cual se planteaba siempre la posibilidade
de la guerra y era visto como negación absoluta del otro ser o realización extrema de
la hostilidad. El extranjero, el extranjero, el enemigo, el hostis, era el que carecía de
derechos en absoluto, el que estaba fuera de la comunidad.
E continua
La palabra hostis proviene de la raíz sánscrita ghas-, que alude a comer, lo que explica
su origen con con hostería. Hostire tambn significa matar y hostia tiene el sentido
de víctima. La pena máxima en muchas sociedades era la expulsn de la comunidad, el
exílio, la rdida de la paz (die Friedlossigkeit), justamente porque dejaba al sujeto en
la situación de extranjero, estraño, enemigo, privado de todo derecho.
108
A dimensão do inimigo como um agente que representa um risco e uma ameaça pública,
coletiva, é efetivamente determinada. Não se leva em consideração a esfera privada do
conceito, especialmente considerando que no direito romano havia a preponderância de
esfera pública, coletiva, como elemento de proteção maior. Classicamente muitas foram as
conceituações sobre o inimigo.
Hobbes (1984, p. 237 apud JAKOBS, 2009, p.6) não retira do criminoso a condição de
cidadão, especialmente considerando que o cidadão não pode efetivamente desvencilhar-se de
sua condição de sujeito de direito. Ocorre que em caso de rebelião ou de alta traição passa-se
a ter outra condição, “pois a natureza desse crime está na recusa da submissão, o que significa
um retorno ao estado de guerra... E aqueles que delinqüem dessa forma são punidos não como
súditos, mas sim como inimigos.”
As diversas visões contratualistas mostram o inimigo como aquele que não respeita o
pacto social, agredindo-o diretamente. Neste sentido tem-se que
Para Rousseau e Fichte, todo criminoso, em si, é inimigo; para Hobbes, ao menos, o
alto traidor. Kant, que utiliza o modelo do contrato com idéia reguladora na
justificação e delimitação do poder estatal, situa o problema no limiar entre o estado
natural (fictício) e o Estado estatal. Em Kant, toda pessoa está autorizada a coagir
qualquer outra pessoa a uma constituição civil para possibilitar a proteção da
propriedade (JAKOBS, 2009, p.6) (Grifou-se).
Para Jakobs (2009) o conceito de inimigo é definido como criminoso, aquele que atenta
de forma deliberada e grave contra a sociedade ou o estado, derivando do conceito latino de
inimicus, ou seja, o agente delituoso que claramente ofende e agride os valores sociais
fundamentais. Tratando do conceito, Jakobs (2009, p.104) indica expressamente que
O inimigo é um indivíduo que, de modo não apenas passageiro, em sua postura
(crimes sexuais; e também o antigo criminoso inveterado ‘perigoso, nos termos do
art. 20ª do Código Penal), ou em sua vida ativa (criminalidade econômica,
criminalidade organizada, especialmente a narcocriminalidade) ou, principalmente,
através da associação a uma organização (terrorismo, criminalidade organizada,
novamente, a narcocriminalidade e também o antigo ‘complô assasino’), ou seja, em
todo caso, de forma supostamente duradoura, afastou-se do Direito e, nesse sentido,
não garante a segurança cognitiva mínima de um comportamento pico de
pessoa, demonstrando esse déficit por meio de seu comportamento. (Grifou-se)
O próprio Jakobs (2009, p.41) explica sua diferença de visão em relação a Schmitt,
afirmando que
O conceito aqui representado não é congruente com o conceito de inimigo, da maneira
como ele é constituído em Carl Schmitt, ‘Der Bergriff des Politischen’ (1927), com o
inimigo como adversário existencial. Em Carl Schmitt, o conceito do político é um
109
conceito teológico secularizado, que mais distingue os tementes a Deus dos ateus do
que adversários políticos no entendimento corrente. O conceito de Schmitt não trata
de um criminoso, mas de hostis, de outros, no Estado, somente se chega a um
confronto político, no sentido de Schmitt, no caso de uma guerra civil. Em
contrapartida, o inimigo do Direito Penal do Inimigo é um criminoso do tipo que se
supõe permanente perigoso, um inimicus. Ele não é um outro, mas devia se
comportar como um igual e, por essa razão, é-lhe também imputada a culpa penal,
diferentemente do hostis de Schmitt. Se, nas minhas exposições, eu tivesse me referido
a Carl Schmitt, isso seria uma incorreção crassa. (Grifou-se)
A responsabilidade penal, em regra, somente pode ser atribuída quando o individuo
criminoso inicia a execução da conduta criminosa, não sendo possível a responsabilização
apenas pela cogitação do fato, ou mesmo pela simples preparação da mesma.
Tal visão deveria ser alterada. A visão do Direito Penal do Inimigo é oposta a essa idéia,
especialmente considerando a necessidade de efetivar um modelo de enfrentamento concreto
da macrocriminalidade, especialmente a mais violenta, como o crime organizado e o
terrorismo. Para esta visão, a mera preparação já deveria merecer a plena imposição de
responsabilidade criminal com a respectiva punição, pois com isso se teria uma efetiva
proteção social.
Por tal pensamento, busca-se eliminar efetivamente o perigo, não havendo a necessidade de
aguardar-se de alguma forma a implementação de tais atos criminosos, especialmente com o
início da execução, eliminando o risco desde a cogitação ou preparação. Com isso “a punibilidade
é amplamente antecipada para o âmbito da preparação, e a pena se presta ao asseguramento contra
fatos futuros, não à punição de fatos consumados.” (JAKOBS, 2009, p. 12)
O direito penal do inimigo passa a impor uma nova visão sobre o criminoso,
diferenciando de forma clara qual o tratamento dado ao cidadão e ao inimigo. Nas palavras de
Jakobs (2009, p. 9), tem-se que “O Direito Penal do Cidadão é o Direito de todos; o Direito
Penal do Inimigo é o Direito daqueles que se contrapõem ao inimigo; em relação ao inimigo,
ele é somente coação física, chegando até à guerra.”
A teoria do Direito Penal do Inimigo tem como base fundamental separar em duas
dimenes de atuação o uso do direito penal, indicando um modelo voltado para o cidadão,
aquele que comete crimes de forma eventual, não existindo uma intenção deliberada de
atentar contra o estado ou a sociedade. Para este deve-se reconhecer plenamente a incidência
de direitos e garantias fundamentais, especialmente previstos na matriz constitucional.
110
Porém, quanto à aqueles que deliberadamente atentam contra o estado ou a sociedade
devem ser tratados de forma diferente, pois estes optaram por se excluir da ppria sociedade,
não podendo merecer tratamento igual ao merecido pelo simples cidadão delinquente.
O tratamento dado ao inimigo priva o indivíduo de seus direitos essenciais, especialmente
considerando sua ação violenta ou agressiva contra o estado e a sociedade. A justificativa
doutrinária seria a de que o inimigo teria por decisão e vontade própria se afastado do tecido
social, excluindo-se livremente da condição de cidao ou sujeito de direitos.
Com isso tem-se essencialmente que quando o indivíduo posiciona-se por vontade
própria em oposição ao estado, realizando condutas que tem como objetivo direto a
eliminação deste, em especial para determinar o aniquilamento ou enfraquecimento do estado.
Convém lembrar que tal inimigo não precisa ser radical, total, podendo posicionar-se
parcialmente contra o estado.
Diante de tal realidade é que seria aplicado o direito penal do inimigo, não apenas na
dimensão material, mas também na processual, permitindo limitações de direitos e garantias
também na esfera adjetiva. Importante ressaltar que, neste cenário, o estado deve abolir os
direitos juridicamente de forma absolutamente regulada e disciplinada, e principalmente
objeto de fortíssimo controle. Nas palavras de Jakobs (2009, p.13)
Um indivíduo que não se deixa coagir a um estado de civilidade não pode gozar dos
benefícios do conceito de pessoa. O estado natural é justamente um estado da
anormatividade, ou seja, tanto de liberdade excessiva quanto de combate excessivo.
Quem vence a guerra determina o que é norma, e quem perde deve se curvar a essa
determinação.
Complementando tal ideia de forma direta, ao trabalhar com a ideia de terrorista Jakobs
(2009, p.13) comenta que
Sendo aquele que nega, por princípio, a legitimidade do ordenamento jurídico e, por
conseguinte, está pronto para destruir esse ordenamento. Mas não se pretende
duvidar de que também um terrorista que mata e realiza outros atos possa ser
representado como um criminoso punível pelo Direito Penal de qualquer Estado que
considere esses fatos crimes.
Na visão de Jakobs (2009), deve-se retirar do terrorista o direito de ação, ou seja, retirar
dele a possibilidade plena de mobilidade para atentar contra o estado e a sociedade, ou seja, o
direito à liberdade, não apenas no sentido geral, mas no específico de ação, planejamento,
coordenação e iniciativa.
111
Percebe-se assim que se admite como inimigo o criminoso que efetivamente atenta
contra o estado, quer como pertencente ao crime organizado, máfia ou terrorismo. Nesse
sentido afirma Jakobs (2009, p. 14): quem inclui o inimigo no conceito de criminoso cidadão
não se deve espantar se os conceitos de ‘guerra’ e ‘processo penal’ se misturarem.”
Um ponto importante na teoria do Direito Penal do Inimigo é a indicação expressa de
que não se deve utilizar seus de elementos conceituais e teóricos, de forma pontual e
superficial no direito penal regular, ou seja, é absolutamente indesejável a contaminação
pontual e específica do direito regular por medidas inspiradas no “direito do inimigo”. Tal
contaminação gera o que Jakobs (2009) chama de “Direito Penal do Inimigo supérfluo.
Assim, ou se aplica um ou outro, de forma clara, geral, plena e controlada, uma vez que
a mistura de dois sistemas distintos em seus objetivos, conceitos e referenciais é grave quando
se considera tal aplicação. Em suma: ou o indivíduo é cidadão ou é um inimigo estatal.
Essa diferença essencial é indicada pelo próprio Jakobs (2009, p. 22), quando afirma
que “no Direito Penal do Cidadão, a função manifesta da pena é a oposição; no Direito Penal
do Inimigo, a eliminação de um perigo.” Afirma ainda que
Todavia, quando o Estado cria uma regulação, deve distinguir claramente entre
aquilo que se aplica apenas ao inimigo seja ele terrorista ou outro tipo de
dissidente de atuação grave e contumaz e aquilo que se aplica também ao
cidadão, pois, do contrário, o Direito Penal do Inimigo contamina o Direito Penal
do Cidadão. (JAKOBS, 2009, p.68) (Grifou-se)
Deve-se considerar, no entanto, que apesar de tal distinção, lembra Jakobs (2009, p. 39)
que tais modelos são exclusivamente ideais, afirmando que “‘cidadãoou ‘Direito Penal do
Cidadão’ e ‘inimigoou ‘Direito Penal do Inimigo’ são tipos ideais, que praticamente não
aparecem em sua manifestação pura.
Assim, o tratamento dado ao inimigo é distinto, especialmente considerando que este irá
efetivamente deixar de receber qualquer proteção jurídica do estado, especialmente
considerando sua atuação hostil. O próprio Jakobs (2009, p.40-41) afirma que
A resposta é inequívoca: na medida em que se lida com o inimigo como inimigo, deixa
de existir, por falta de reciprocidade, o vínculo jurídico que liga a sociedade civil; assim,
o trato, na relão com o inimigo, não se como um trato judico (dever-se-á expor
ainda que nem por isso deve ele ser desprovido de limites, eo se trata aqui dos direitos
resultantes da personalidade nata; vide já supra, III. A.). Portanto, quando se fala em
‘Direito Penal do Inimigo’, isso não pode significar que o inimigo na medida mesmo
em que, justamente, é inimigo estaria incluído como membro em que, justamente, é
inimigo – estaria incluído como membro cidadão do Direito. (Grifou-se)
112
Assim, pois, o inimigo é excluído, ou melhor, excluído de alguns dos seus direitos.
Isso poderia ser entendido incorretamente no sentido de que a decisão de se afastar
da sociedade civil e transformar-se em inimigo seria do criminoso. Todavia não é
assim: a sociedade decide, ela mesma, quem está incluído nela e quem não está, e
diga-se de passagem o inimigo preferia, em regra, continuar incluído.
Porém, é inegável que Jakobs (2009, p.41) confere ao direito penal a função de ultima
ratio, ou seja, de que ele seria a derradeira proteção jurídica do estado, afirmando, portanto, que
Com efeito, o Direito Penal do Inimigo o constitui um código de normas para a
destruição ilimitada, mas sim, no Estado de Direito gerido de forma inteligente, uma
ultima ratio a ser aplicada conscientemente como exceção, como algo que não se
presta a um uso duradouro.
Um ponto relevante da teoria de Jakobs (2009, p. 49) é a análise que este faz sobre a
legitimidade desta, indicando alguns pontos relevantes. Primeiramente indica que a aplicação
do Direito Penal do Inimigo o deve de forma alguma gerar o completo comprometimento
do estado enquanto ente jurídico. Afirma que quando se fala em Direito Penal do Inimigo,
não se quer dizer imediatamente ‘processo sumário’, ‘pena indiciária’, nem sequer
‘esquartejamento público visando à intimidação’ ou algo semelhante”.
Outro ponto indicado como elemento chave para a determinação da legitimidade de tal
modelo é de que o estado o está obrigado a realizar todas as medidas nele propostas de
forma plena e radical, podendo, na verdade, realizar a todo momento um juízo de
adequabilidade e razoabilidade.
A utilização prudente e necessária da força e coerção seria o elemento central de
definição do limite em que se pode medir a legitimidade de tal medida.
Enfim, pode-se resumir em algumas características o chamado Direito Penal do
Inimigo. O próprio Jakobs (2009, p.103-104) indica quais sejam estes:
O Direito Penal do Inimigo segue regras diferentes daquelas de um Direito Penal
Interno do Estado de Direito, e ainda não esdeterminado se, expressado, ele se
revela como Direito. São características típicas do Direito Penal do Inimigo: (1)
ampla antecipação da punibilidade, ou seja, desloca-se a atenção do fato
ocorrido para o fato vindouro, exemplos seriam os tipos de formação de
organização criminosa ou terrorista (arts. 129, 129ª do Código Penal) ou da
formação de quadrilha e cultivo de entorpecente (arts. 30, § 1º; 31, § , da Lei de
Entorpecentes); (2) nenhuma redução da pena proporcional à antecipação; por
exemplo, a pena para o chefe de uma organização terrorista é igual à pena da
tentativa de homicídio qualificado evidentemente, no caso de atenuação da
tentativa (arts. 129, § 2º; 211, § 1º; 49, §1º, 1, do Código Penal) e excede, na
maioria das vezes, de forma considerável, a pena de tentativa atenuada dos outros
delitos citados no caso de organizações terroristas; (3) transição da legislação
penal para a legislação de combate, que deve combater, por exemplo, a
113
criminalidade econômica, o terrorismo, a criminalidade organizada, mas também
com a perda de certos contornos – os crimes sexuais e outras infrações penais
perigosas, bem como abarcando tudo – o crime em geral; (4) supressão das
garantias processuais, sendo que o isolamento total do preso (arts. 31 e ss. da Lei
de Introdução à Lei Constitucional Judiciária) vem constituindo, por assim dizer, o
exemplo clássico. (Grifou-se)
Em suma, aquele que por vontade de ação ppria afastou-se da sociedade e de seus
valores de forma perene e voluntária, e que por consequência não oferece nenhuma certeza de
que irá atuar conforme o direito e em respeito às regras sociais e jurídicas nimas deve ser
tratado como inimigo.
Tal decisão é necessariamente política, de cunho ideológico, porém não pode deixar de
apresentar ao estado o ônus e a prerrogativa de fazê-la, especialmente quando considerado o
risco concreto, imediato e efetivo contra o pprio estado e a sociedade.
4.4 Da doutrina do supermajoritarian Escalator de Bruce Ackerman
Outra teoria que busca encontrar uma fórmula de enfrentamento da criminalidade contra
o estado
1
é a desenvolvida por Ackerman, que tem como elemento central a ideia do
Supermajoritarian Escalator (Escala de Maiorias Crescentes)
2
. Por tal pensamento a
ocorrência de situações excepcionais leva à necessidade do estado de dimensionar formas
próprias e específicas para o controle e o enfrentamento de tais atos, porém dentro de uma
perspectiva absolutamente democrática e constitucional.
Ackerman afirma que de forma direta e clara os países não estão preparados para o
enfrentamento de situações críticas, e tem em mente o modelo americano para chegar a essa
conclusão, porém pode ser aplicado a qualquer democracia liberal moderna.
A nica central da medida é de que as constituições criam mecanismos de defesa do
estado iguais para todas as situações de emergência, porém tal modelo é ineficaz para o
enfrentamento de situações diferenciadas, como o terrorismo. Diante disso devem ser criados
mecanismos especiais para essas situações.
1
A teoria é pensada e fundamentada de forma majoritária do enfrentamento específico do terrorismo, porém é
perfeitamente possível sua utilizão aos demais crimes dirigidos diretamente ou indiretamente como aqueles
praticados pelo crime organizado e pela máfia. É o que indica Ackerman (2007, p. 62) quando afirma que “La
máfia comparte muchas de la características próprias de los grupos terroristas; uma estructura bien
organizada, predadora, celosa del secreto y pertubadora del orden social.”
2
Tradução livre
114
A criação, utilização e emprego de modelos de estado de exceção previstos de forma
pontual e relativa não seriam capazes de efetivamente enfrentar situação críticas de
emergência constitucional e penal, notadamente diante da vigorosa investida contra o Estado
realizada pela criminalidade organizada, por grupos terroristas ou por entidades mafiosas.
A proposta de Ackerman é um modelo constitucional global e pleno, baseado numa
forte ideia de controle da atividade estatal de exceção, especialmente com um
aperfeiçoamento do sistema de freios e contrapesos. Ackerman, citado por Cerqueira e
Antunes (2008, p.22) alega que
a essência do terrorismo moderno é o desafio e oposição ao governo vigente. o
grande desafio dos Estados consiste na necessidade de criar novos conceitos
constitucionais para poder lidar com a proteção das liberdades civis durante o estado
de emergência e a ameaça terrorista, desafio que o atual Patriot Act 2001 não
conseguiu superar. Para isso, sugere que uma doutrina mais rígida seja adotada pelos
Estados, na qual apenas aquelas medidas de emergência de curto prazo deveriam ser
permitidas. Neste caso, estamos falando da suspensão e não da restrição de direitos.
Diante desse quadro, precisa-se criar uma estrutura clara de enfrentamento ao terrorismo
e à macrocriminalidade, preservando as estruturas centrais essenciais.
Nesse cenário, é necessária a criação de um estado específico de emergência para o
enfrentamento dos crimes contra o estado, adequando as constituições para o enfrentamento
dessas circunstâncias. A lógica é a permissão emergencial para que o estado atue, temporária
e preventivamente, para evitar um potencial e futuro ataque terrorista. É isso que Ackerman
(2007, p. 9) chama de reassurance function, definido assim por ele:
When a terrorist attack places the state’s effective sovereignty in doubt, government
must act visibly and decisively to demonstrate to its terrorized citizens that the
breach was only temporary, and that it is taking aggressive action to contain the
crisis and to deal with the prospect of its recurrence. Most importantly, my proposal
for an emergency constitution authorizes the government to detain suspects without
the criminal law’s usual protections of probable cause or even reasonable
suspicion. Government may well assert other powers in carrying out the
reassurance function, but in developing my argument, I shall be focusing on the
grant of extraordinary powers of detention as the paradigm.
Comentando tal instituto, Cerqueira e Antunes (2008, p.22) alegam que
A criação de um ‘estado de emergência’ específico para ataques terroristas é uma
boa oportunidade para que haja uma revisão nas constituições de diversos países no
que se refere aos poderes emergenciais cedidos ao governo ao mesmo tempo em que
serviria para assegurar à população de que o Estado estaria tomando todas as
medidas de curto prazo necessárias para evitar um próximo ataque – é o que chama
de reassurance function.
115
O principal eixo condutor da teoria de Ackerman é o uso, e de certa forma o
aperfeiçoamento, do sistema de freio e contrapesos, uma vez que ele passa a dar uma forte
tônica no efetivo controle da atividade estatal.
Ele reconhece a efetiva necessidade de existência de um modelo mais duro e enérgico
no enfrentamento da macrocriminalidade, porém indica que este deve ser muito bem
construído e definido no texto constitucional para evitar risco à democracia e aos direitos
individuais, e a chave desse sistema está no controle. Afirma Ackerman (2007, p. 14) que
Para disminuir el riesgo de involución despótica, los constituyentes crearon un
sistema basado en los frenos y contrapesos («checks and balances»); me propongo
en este libro avanzar por esa misma senda. Mi constituición de excepción pretende
adaptar el sistema que hemos heredado, de modo que pueda servirnos para afrontar
los retos específicos del siglo XXI.
E segue indicando a ideia básica de seu sistema, afirmando que
En primer lugar, y muy especialmente, es importante fijar límites estrictos al poder
presidencial. Los presidentes no deben tener autoridad para declarar el estado de
excepción, salvo con carácter transitorio y por un período máximo de una o dos
semanas, el tiempo necesario para que el Congreso considere la cuestión. Los
poderes de excepción se extinguirán salvo que una mayoría en las dos cámaras
del Congreso los refrende, pero incluso esa autorización parlamentaria tiene una
validez limitada a dos meses, transcurridos los cuales, el presidente habrá de
solicitar al Congreso la renovación de los poderes de excepción; la mayoría
necesaria será ahora del 60 por 100; cuando pasen otros sesenta días, la
renovación requerirá una mayoría aún más reforzada, del 70 por 100; finalmente,
las renovaciones sucesivas sólo serán concedidas si las apoyan un 80 por 100 de
los congresistas. (ACKERMAN, 2007, p. 14) (Grifou-se)
Esta é a dinâmica fundamental da teoria de controle democrático imaginado por
Ackerman, que ele define como supermajoritarian escalator (escala de maiorias crescentes),
a qual pode ser compreendida como o uso de medidas de força autorizadas pelo Parlamento
através de um escalonamento crescente de votos dos congressistas, e modo que o Estado, na
figura do Poder Executivo, recebe poderes especiais para reagir imediatamente a ameaça do
terror (o que se pode incluir a macrocriminalidade nociva e violenta),
Tais poderes são temporários, e serão prorrogados apenas com autorizações sucessivas
do legislativo, com quoruns que aumentam progressivamente, o que obriga a prova efetiva de
que tais medidas continuam sendo necessárias, ou seja, que a ameaça terrorista segue efetiva e
significativa.
Tem-se um modelo básico fundado numa forte interação entre os poderes constituídos,
sendo o estado excepcional autorizado pelo poderes reconhecidamente mais legítimos, pois
116
foram em regra escolhidos diretamente pela vontade popular no modelo brasileiro, quais
sejam, o Executivo e o Legislativo.
A inexistência de um sistema constitucional, democrático e dotado de forte modelo de
controle gera grave risco social, uma vez que em cada ocorrência de ações nocivas e ofensivas
ao Estado tem-se a tendência de avançar mais nas respostas. Tal avanço tenderia a conferir ao
estado poderes discricionários e flagrantemente limitadores dos direitos do indivíduo.
A ideia desse sistema surge da necessidade de aperfeiçoar o modelo constitucional, pois
na visão de Ackerman (2007, p. 13) nenhuma constituição é plena ou perfeita para o
enfrentamento de tais situações, especialmente considerando a pluralidade de riscos e
situações de emergência, bem como a dimensão recente que alguns crimes passaram a ter,
como o terrorismo internacional ou o crime organizado transnacional.
É interessante também destacar que a maioria dos modelos constitucionais quando
imaginam sistemas de enfrentamento de crises tem seus pensamentos e olhos voltados para
invasões estrangeiras ou golpes de estado (ACKERMAN, 2007, p. 14). Desta forma, falta um
modelo sistematizado para o enfrentamento de ocorrências graves, violentas e críticas geradas
por entidades criminosas, guerrilheiras ou terroristas. Ainda nas palavras de Ackerman (2007,
p. 9), tem-se que
The state of emergency then should expire unless it gains majority approval. But this
is only the beginning. Majority support should serve to sustain the emergency for a
short time—two or three months. Continuation should require an escalating cascade
of supermajorities: sixty percent for the next two months; seventy for the next; eighty
thereafter.
Oportuno destacar a explicação de tal instituto feita por Cerqueira e Antunes (2008,
p.22) que alegam:
A supermajoritarian escalator consiste no seguinte: para que haja uma continuidade
do estado de emerncia após os primeiros dois meses, deve haver um aumento da
maioria: 60% para os próximos dois meses; 70% para os próximos; 80% daí por
diante. A necessidade de renovações em intervalos curtos serve como uma primeira
linha de defesa contra uma normalização perigosa do estado de emerncia.
O fato de obrigação de se fazer uma nova votação de dois em dois meses mostra
para o povo que o regime é temporário e requer a aprovação consciente dos
legisladores para uma continuação limitada. A medida em que a escala se aproxima
da exigência de 80% dos votos, todos irão reconhecer que será extremamente difícil
manter este grau de apoio legislativo por tempo indefinido, a não ser que os
terroristas consigam atacar repetidamente com efeitos devastadores.
Uma característica importante da supermajoritarian escalator é que utiliza os checks
and balances para limitar e amenizar o regime emergencial. Quando os poderes
117
extraordinários são autorizados, o Presidente estará ciente de que sedifícil manter
este regime por muito tempo, e por isso deverá usar estes poderes de forma prudente.
O público ficará então mais protegido contra casos de abuso de poder por parte do
Executivo. Também, a participão da minoria bem informada nesses casos de
emergência também será fundamental para a manutenção deste regime extraordinário.
Percebe-se com isso que a grande virtude de tal sistema é a preservação do sistema de
freios e contrapesos, em que onde o Poder Legislativo continua com o controle do Executivo,
permitindo que ele atue de maneira excepcional para enfrentar um risco concreto, qual seja, o
terrorismo, porém exercendo um controle sobre a situação emergencial.
Ackerman repudia de início, e de maneira peremptória, a ideia de que se estaria
travando uma guerra ao terror”, assim como a qualquer modalidade de criminalidade. Para
este, a ideia de guerra pode ser utilizada em seu conceito clássico e próprio, ou seja, o
enfrentamento de grupos (civil ou interna) ou estados nacionais (externa ou internacional),
que é vencida ou perdida, onde se podem ter rendições ou armistícios. O enfrentamento do
terror e da criminalidade organizada jamais permitirá uma rendição unilateral ou mesmo a
firma de um acordo de cessação das hostilidades.
O estado não poderá jamais reconhecer status político ou similar a grupos bandoleiros,
criminosos, marginais. Assim o emprego da expressão “guerra” mostra-se absolutamente
imprópria e indevida.
Desta forma a criação de um sistema jurídico que trata da exceção, porém que esteja
perfeitamente construído no estado regular, ou seja, “dentro do direito”, apresenta-se como
única alternativa para fornecer ao estado um efetivo instrumental que lhe permita enfrentar
tais crimes e submeter as organizações que os praticam ao poder estatal e à autoridade
pública. A inexistência de um sistema constitucional definido e claro faria a incidência de
modelos ad hoc, ocasionais ou casuísticos.
Ainda comentando o modelo do supermajoritarian escalator (escala de maiorias
crescentes), afirma Ackerman (2007, p. 111) que
Si el parlamento no respalda mayoritariamente la decisión del gobierno de
proclamar el estado de excepción, éste debería darse inmediatamente por
concluido. Pero con esta regla no basta. El apoyo mayoritario del parlamento
debería autorizar el estado de emergencia por un período ximo relativamente
breve dos o tres meses a lo sumo -. La prorrogación del estado de excepción
debería requirir mayorías cualificadas cada vez más amplias; así, el apoyo de un
60 por 100 de los congresistas para la primera prórroga, un 70 por 100 para a
sucesiva, y de un 80 por 100 para cada nueva extensión.
118
La definición de una «escala creciente de mayorías» es una cuestión de principio,
pero también de diseño institucional, pues con ella se trata de crear los incentivos
políticos adecuados para lograr nuestros objetivos. Consideremos las cuestiones de
principio en primer lugar. La necesidad de que la proclamación del estado de
excepción haya de ser refrendada tras lapsos de tiempo relativamente breves
contribuye a evitar que se genere la peligrosísima percepción de estados de
excepción como algo normal. El hecho de que el parlamento tenga que decidir
periódicamente si prorroga o no el estado de excepción nos recuerda que la medida
ha de ser temporal, al tiempo que hace depender que la medida ha de ser temporal, al
tiempo que hace depender su continuidad de una decisión explícita. En cada ocasión,
la Cámara de Representantes y el Senado celebrarán un debate, en torno al cual los
políticos, los medios de comunicación, y los ciudadanos en general, se interrogan
una vez más acerca de la necesidad del estado de excepción. (Grifou-se)
Um dos pontos fortes de tal sistema é impedir, ou pelo menos dificultar, que um partido
consiga sozinho, com sua exclusiva força política, impor a aplicação de um modelo de exceção
grave, pois passa-se a exigir um crescente muito significativo de vontade legislativa para manter
a autorização para o estado de exceção, bem como as medidas de exceção em vigor.
A análise de casos concretos, ou seja, de modelos constitucionais estabelecidos
representa forte elemento da teoria exposta por Ackerman, especialmente considerando que
este apresenta um modelo ideal, porém que ainda não encontra previsão plena em nenhuma
constituição atualmente vigente.
Analisando tais modelos constitucionais, indica Ackerman (2007, p. 123) que alguns
possuem sofisticados elementos de enfrentamento de situações críticas. Como um dos
principais exemplos comenta a constituição sul-africana onde
una mayoría simple de la asamblea nacional puede autorizar la declaración del
estado de excepción; sin embargo, es imperativo que la autorizacn se renueve a
los tres meses, en cuyo caso se requiere el apoyo de una «mayoría formada por al
menos el 60 por 100 de los miembros de la Asamblea». Es cierto que la escala es
simple, pues solo tiene dos grados: primero se exige mayoría simple, después el 60
por 100, que sigue aplicándose indefinidamente.
Percebe-se com isso que o modelo da África do Sul mostra-se bastante avançado, e
mesmo não chegando à complexidade e ao ineditismo da teoria ackermaniana, tem-se forte
elemento de controle do poder excepcional do estado quando do enfrentamento de situações
críticas.
Uma das possíveis explicações para que o citado país africano possua modeloo
avançado de estado de exceção é a realidade política vivida naquele estado décadas atrás,
marcada especialmente por fortes conflitos raciais e pela utilização de um política
segregacionista e racista institucionalizada.
119
Outras constituições trazem modelos que de uma forma ou outra representam modos
diferenciados de enfrentamento de situações graves. Neste sentido comenta Ackerman (2007,
p.121) que
El régimen previsto en la Constitución alemana es un poço mejor, dado que
condiciona la declaración del estado de excepción a la autorización de una mayoría
simple de los miembros del Bundestag. Pese a ello, no se hace mención alguna a la
necesidad de renovar periódicamente la autorización: la Ley Fundamental alemana
permite que la excepción se prolongue hasta que ambas cámaras (decidiendo por
mayoría simple) acuerden su fin. Las constituciones aprobadas en la Europa
Central y del Este tras la caída del Muro contienen normas semejantes. Sólo la
Constitución rusa confiere al presidente el poder de declarar unilateralmente el
estado de excepción. Todas las demás exigen la autorización parlamentaria; en el
caso húngaro, la mayoría exigida a tal efecto es de dos tercios. En países como
Chile, Portugal o Turquía las normas constitucionales son aún más restrictivas, al
exigir la renovación periódica de la autorización parlamentaria, como se propone
en este libro. La diferencia radica en que en ninguno de estos países se ha optado
por establecer una escala creciente de mayorías, por lo que no hay garantías
suficientes de que la excepción no acabe volviéndose la regla, o lo que es lo
mismo, «normalizandose». (Grifou-se)
A Polônia admite a declaração do estado excepcional por ordem do Presidente da
República seguindo orientação do Conselho de Ministros, por período máximo de noventa dias,
admitindo-se uma única prorrogação por mais sessenta dias. (ACKERMAN, 2007, p. 121)
No modelo brasileiro, atualmente previstas na Constituição Federal duas
modalidades distintas de estado de exceção, o estado de sítio e o estado de defesa (art. 136 a
139, CF/88).
O estado de defesa, quanto à dimensão temporal, é decretado pelo prazo de 30 (trinta)
dias, podendo ser prorrogado por uma única vez por igual período. (art. 136, § 2º, CF/88).
Quanto ao estado de sítio, a decretação inicial é por prazo também não superior a 30 (trinta)
dias, podendo ser prorrogado por prazos sucessivos, enquanto ainda existir a necessidade de
utilização de tais medidas (art. 138, §1º, CF/88).
No modelo brasileiro, quando o Congresso Nacional autoriza o Presidente da República
a utilização de tais remédios extremos, o faz sem que haja qualquer maioria ou quorum
qualificado ou diferenciado, não havendo em nenhum caso um incremento desta quantidade
de votos de parlamentares.
A Constituição colombiana traz dois modelos pprios de estado de exceção. O primeiro
define que a situação de guerra externa, chamado de Estado de Guerra Exterior, e por motivo
120
óbvio não tem prazo limite (não é possível determinar o período de duração de um conflito
armado).
Para o enfrentamento de situações internas, existe o que é chamado de Estado de
Emergência que possui uma regra de prorrogão peculiar, indicando o artículo 215 da citada
carta constitucional que pode ser decretado por períodos hasta de treinta días en cada caso,
que sumados no podrán exceder de noventa días en el año calendário.”
A Constituição argentina indica em seu artículo 23 a disciplina sobre o estado de sítio,
indicando que
Artículo 23 En caso de conmoción interior o de ataque exterior que pongan en
peligro el ejercicio de esta Constitución y de las autoridades creadas por ella, se
declarará en estado de sitio la provincia o territorio en donde exista la perturbación
del orden, quedando suspensas allí las garantías constitucionales. Pero durante esta
suspensión no podrá el presidente de la República condenar por sí ni aplicar penas.
Su poder se limitará en tal caso respecto de las personas, a arrestarlas o
trasladarlas de un punto a otro de la Nación, si ellas no prefiriesen salir fuera del
territorio argentino
Percebe-se, portanto, que não há nenhuma previsão de limitação temporal, muito menos
regras específicas sobre a maioria ou quorum de aprovação ou prorrogação.
Outro instrumento citado como possível de ser utilizado é a suspensão do habeas
corpus, ou seja, o impedimento de utilizão do remédio heróico serve para conferir as
medidas estatais mais efetividade e força. Tal medida se justifica, por exemplo, considerando
que dentre os eventualmente detidos e presos durante o esta fase excepcional, podem estar
inocentes mas também pode haver criminosos e terroristas, em especial. Cerqueira e Antunes
(2008, p.23) explicam a lógica de tal medida, dizendo que
Mesmo que a maioria do legislativo vote repetidamente para manter a extensão do
estado de emergência, isto o é suficiente para normalizar os poderes de
emergência, visto que nós não podemos esquecer que existem centenas ou milhares
de indivíduos que foram detidos sem as evidências que normalmente são requeridas.
Ao mesmo tempo que muitas pessoas inocentes serão incluídas na rede de suspeitos,
esta rede pode naturalmente conter alguns dos verdadeiros conspiradores, o que
justifica a suspensão temporária do direito de habeas corpus.
Tal lógica é indicada por Ackerman (2008, p. 62):
Fortunately, there is something special about this case that permits us to avoid a
large detour into these grand theoretical matters. Though the Constitution does
grant Congress the power to suspend habeas corpus, the text makes it clear that this
power is to be used only under exceptional conditions. This contrasts sharply with
standard grants of legislative authority. For example, when the Constitution gives
121
Congress the power of taxation, it contemplates its constant exercise, and it is
textually neutral about the propriety of a very broad range of taxes. Given the
exceptional character of habeas suspension, the imposition of a supermajority rule
should be viewed more sympathetically. It is not simply an effort by one
congressional majority to make life more difficult for its political opponents when
they come into power. Instead, the supermajoritarian escalator in the emergency
statute should be viewed as the product of good faith interpretation by the Congress
of its constitutional responsibilities to limit the suspension of habeas corpus to truly
exceptional circumstances.
Percebe-se que permissão dada ao Executivo pela Constituição americana, mesmo
temporária, é decisiva para efetivar de forma clara o poder de disciplina, controle e atuação do
ente estatal.
Todas essas medidas têm como objetivo principal aumentar as possibilidades de
controle do Estado frente a situações emergenciais, porém respeitando os dispositivos
constitucionais, e especialmente diante de uma maior legitimidade de ações, notadamente
pelas inspirações democráticas.
Tal medida equivale ao chamado relief rationale. Cerqueira e Antunes (2008, p.23)
explicam a lógica de tal medida, dizendo que
O objetivo principal da legislação de emergência equivale ao relief rationale, ou
seja, o governo precisa obter uma resposta rápida e tomar as medidas
necessárias para dar assistência aos atingidos e ‘aliviar’ a situação após o
ataque terrorista. Uma vez que o desastre está sob controle, haverá tempo
suficiente para fazer justiça àqueles que tiveram sua liberdade e propriedade
restritas. O regime de emergência suspende as proteções normais da lei penal devido
ao esforço de deter e prender terroristas potenciais antes que eles tenham a chance -
de atacar novamente. Isso é o que o autor chama de prevention rationale. (Grifou-
se)
Esta regra é baseada no raciocínio de que essas medidas excepcionais devem ser
aplicadas quando for possível antever uma ameaça, ou especialmente quando esta
efetivamente ocorrer, ou seja, quando existir a agressão do terror ao estado. Tais medidas, no
entanto, devem ser obrigatoriamente transitórias e temporárias, pois a situação excepcional
não deve perdurar por muito tempo. Em suma
A proposta é que as emergências podem ser declaradas após um ataque; eles
podem continuar por períodos curtos de tempo, apenas através do aumento de votos
da maioria legislativa, depois que a extensão dos poderes de emergência o
limitados às necessidades de assistência e prevenção, e somente depois que os
partidos da minoria obtenham oportunidades privilegiadas de se informar sobre a
operação verdadeira do regime de emergência e possam publicar os fatos que eles
acham oportunos. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.23)
122
Uma questão essencial analisada por Ackerman diz respeito aos limites de utilização,
declaração e eficácia de tais medidas, quer políticos, jurídicos ou mesmo legais.
Primeiramente entende o citado autor que somente após a ocorrência de um atentado
terrorista ou ação grave praticada pela criminalidade contra o estado seria possível a
decretação de tal medida. Ainda analisando tal aspecto na leitura dele não seria qualquer
atentado, mas um de magnitude igual ou superior ao realizado em 11 de setembro de 2001
contra os Estados Unidos (em Nova Iorque e Washington).
Assim, em sua teoria, evitar-se-ia o uso irresponsável, arbitrário ou desnecessário de tal
sistema radical, preservando-se a segurança jurídica mínima, quer individual, quer coletiva.
Evita-se com isso (a delimitação clara de um limitador mínimo) o uso político de uma
situação que possa indevidamente levar à decretação desnecessária da medida.
Uma crítica possível de ser feita aqui à teoria ackermaniana é a subjetividade da medida
de uma ação terrorista ou criminosa contra o estado, pois quando condiciona a um evento da
mesma magnitude do citado atentado de 11 de setembro de 2001 deixa de especificar se é
considerando o número de vítimas fatais, feridos, danos materiais ou mesmo repercussão
psicológica, social ou política.
Assim, tentando definir um referencial ou mesmo tornar a utilização de tal sistema mais
segura, nota-se ainda um elevado grau de subjetividade que será resolvido pelo misto de
decisão política e apreciação judicial no caso concreto.
A preocupação do autor é válida, ou seja, determinar-se qual limite mínimo para
deflagração do sistema de emergência, porém a indicação precisa de um referencial objetivo e
preciso mostra-se difícil.
Aperfeiçoando tal visão, afirma Ackerman que o referencial deve levar em consideração
o risco potencial e concreto que o estado possa vir a sofrer, quer na sua existência, quer na
manutenção de sua legitimidade e eficácia.
Neste sentido cita exemplos da disciplina sul-africana e canadense sobre o que
determina situação de risco.
A disciplina da Constituição da África do Sul indica que seria possível a utilização de
seu sistema de exceção sempre que la vida de la nación se vea amenazada en caso de
123
guerra, invasión [extranjera], insurrección generalizada, alteración del orden público,
catástrofe natural u outro peligro público.” (ACKERMAN, 2007, p. 128)
A Lei de Emergências do Canadá indica o uso do sistema apenas em situações graves,
definidas em quatro categorias: catástrofes naturais, alterações da ordem pública,
emergências internacionais y situações de guerra.”
ainda o controle judicial de todo o sistema de exceção. Para Ackerman (2007) o
Judiciário é responsável por duas espécies básicas de decies, o que ele chama de macro e
microdecisões.
As decisões de natureza macro dizem respeito à decretação ou não do estado
excepcional, ou seja, indicar se os requisitos mínimos para a sua utilização estão presentes,
bem como quais as medidas que podem ou não virem a ser adotadas do ponto de vista
genérico e abstrato.
Caberá ao Judiciário realizar o controle externo, que após a realização do controle político
pode ou não viabilizar o uso do sistema. Com isso tem-se que qualquer abuso, uso desnecesrio
ou mesmo indevido do sistema, ou o não preenchimento de seus requisitos mínimos, será
indiscutivelmente remediado, repelido ou impedido pelas cortes judiciais competentes.
O conjunto de microdecisões estaria concentrado na análise dos diversos casos concretos,
ou seja, na apuração caso a caso de eventual abuso, excessos ou medidas desproporcionais, mas
que não devem, a princípio, interferir na aplicação do sistema como um todo.
Por estas poder-se-ia liberar alguém indevidamente preso, ou mesmo determinar o
pagamento de indenização ou outras medidas de compensação, porém mantendo-se o sistema
geral em funcionamento e operação.
O controle inicial de todas essas medidas, como visto, é feito inicialmente pelo
Legislativo, pois é esta função do estado que autorizará e determinará a utilização das
medidas comentadas acima, feitas de forma temporária e específica. Havendo o abuso na
utilização de tais medidas, entra em cena o controle judicial, que “os juízes ocupam um
papel importante neste regime de emergência no que se refere ao macro gerenciamento do
regime de emergência como um todo, e micro adjudicações responsáveis por defender os
indivíduos contra os abusos previsíveis do sistema. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.23)
124
O conjunto de medidas que podem vir a ser utilizadas também é definido por
ACKERMAN, que indica não apenas as medidas, mas também quais as garantias mínimas a
serem observadas. Afirma, sem dúvida acertadamente, que a preocupação deve sempre estar
em delimitar os direitos mínimos a serem observados quando da utilização de um sistema de
exceção eo o referencial máximo, pois para isso não deve haver limites.
Uma das medidas a ser utilizada quando do emprego do estado de exceção é a
possibilidade de prisão cautelar de pessoas suspeitas de envolvimento com tais crimes,
especialmente sem ordem judicial e muitas vezes lhes negando acesso a habeas corpus ou
liberdade provisória de qualquer gênero.
Outras medidas podem também vir a ser utilizadas, dentre as quais destaca Ackerman
(2007, p.132):
Una lista no exhaustiva incluye: toque de queda, evacuación forzosa, tratamiento
forzoso de enfermedades, controles fronterizos; poder de búsqueda y secuestro de
materiales sospechosos; vigilancia estrecha y compilacn de informacn; bloqueo de
activos financieros y cierre forzoso de negocios por lo demás perfectamente legales;
refuerzo del control federal sobre los gobiernos estatales, ampliación de las tares que
desempeña el ejército en el propio país e imposición de límites especiales al derecho a
portar armas, por mencionar sólo alguna de la facultades más controvertidas.
As medidas jurídicas seriam determinadas, a princípio, por um conjunto de normas
especialmente determinadas e preparadas para este momento de enfrentamento, especialmente
a Lei Orgânica de Exceção (framework statute), que determinará a disciplina legal específica
a ser utilizada.
Todas essas medidas idealizadas por Ackerman (2007) podem ser resumidas da seguinte
forma: são medidas excepcionais, temporárias, sujeita a um controle complexo, ora feito pelo
Legislativo, ora pelo Judiciário, porém a implementação das medidas é de responsabilidade
do Executivo. A tônica central, portanto, é dotar o governo de instrumentos rápidos e
eficientes para o enfrentamento do terror.
A dificuldade de produzir tais transformações é grande, pois dependeriam em muitos
países, como Estados Unidos e Brasil, de reformas constitucionais. Assim, Ackerman propõe
que as medidas sejam implementadas como framework statute, que impõe uma ordem
constitucional a realidades que não foram previstas pelos fundadores da América.
(CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.24). Resumindo
125
A proposta de Ackerman envolve princípios políticos, econômicos e judiciários.
Politicamente, a constituição de emergência requer maiorias cada vez maiores para
que o regime extraordinário continue por mais tempo. Economicamente, ela requer
que as pessoas inocentes que foram presas sejam recompensadas. Legalmente, ela
requer um respeito rigoroso pela decência enquanto as proteções tradicionais do
código penal estiverem suspensas. (CERQUEIRA; ANTUNES, 2008, p.24)
O resumo do pensamento de Ackerman (2007, p. 163) pode ser indicado nas três
dimenes básicas, a política, a econômica e a jurídica. Assim afirma o autor
La constitución de excepción hace depender la prorroga del régimen de excepción del
apoyo de mayorías cada vez más reforzadas. En términos económicos, exige que se
compense debidamente a las muchas personas inocentes que serán detenidas durante
las redadas que se practiquen tras el atentado. Por o que al derecho concierne, exige
el respecto exquisito de la dignidad de las personas durante el período en que estén
suspendidas las garantías que establece el derecho penal clásico.
Outras visões existem sobre um controle democrático do enfrentamento ao terror e as
demais formas de criminalidade contra o estado, ou seja, como dotar o estado de elementos fortes
e eficazes o suficiente para enfrentar tais atos, porém mantendo-se os elementos democráticos que
politicamente representam as escolhas feitas pelas democracias liberais modernas.
Dentre essas visões, têm-se as apresentadas por Wilkinson (2007), acrescidas por
algumas vistas por Leongómez.
4.5 Do pensamento de Paul Wilkinson
A síntese do pensamento de Wilkinson é de que a política antiterror democtica “deve ser a
um só tempo eficaz no enfrentamento do terrorismo e autocontrolada para evitar o desvirtuamento
do Estado de Direito e das instituições democráticas.” (LEONGÓMEZ, 2006, p.61)
Deve-se considerar que mesmo capitaneando sua teoria na ideia do enfrentamento ao
terrorismo, o autor considera que a íntima e precisa ligação de grupos que promovem o terror
com organizações criminosas e mafiosas geram a possibilidade de extensão de tudo aqui
pensado para o combate ao terror e aos demais crimes contra o estado. Neste sentido afirma
But most terrorist groups also get involved in organised crime for more mundane
reasons: unless they are lucky enough to be funded by a generous state sponsor
regime they will resort to crimes of armed robbery, fraud, racketeering and
extortion in order to raise money to buy weapons, vehicles and other resources
necessary for their campaign and generally to sustain their organisation.
(WILKINSON, 2006, p. 35)
126
Oportuno comentar tais pontos, que na visão de Wilkinson devem servir de base para o
enfrentamento do terror e dos demais crimes contra o estado, como aqueles praticados por
organizações criminosas ou mafiosas.
Neste sentido, Wilkinson (2006) afirma de forma expressa que as organizações
criminosas e mafiosas passaram a utilizar-se de meios ou técnicas essencialmente terroristas,
utilizando-se de fortes exemplos para fundamentar seu pensamento.
Primeiramente, comenta as relações entre grupos mafiosos da Itália bem como suas
ações contra o estado italiano e seus agentes. Afirma que
However, in the early 1990s organised crime gangs in Italy and India dramatically
increased the scale of their posed to their respective societies and legal systems by
adopting the tactic of large-scale urban bombing long favoured by the politically
motivated terrorists. (WILKINSON, 2006, p. 35)
É indiscutível a ligação da máfia com grupos terroristas, bem como o uso de técnicas e
ões típicas do terror na tentativa de intimidar o estado e inibir a ação de autoridades públicas.
Neste sentido, comentando o homicídio do General Dalla Chiesa
3
e dos Juízes Giovanni
Falcone
4
e Paolo Borsellino
5
, por ordem e ação da máfia, afirma Wilkinson (2006, p. 36) que
The Italian prime minister at that time, Giuliano Amato, described the bombings as
an ‘act of war against a state’. In my view, these murders, like the Mafia’s
assassination of General Dalla Chiesa, were acts of pure terrorism. Their aim was
not to promote any particular political ideology but to terrorise the state and its
judicial and police institutions into abandoning their investigations and
prosecutions of the Mafia. (Grifou-se)
E conclui indicando que “The Italian Mafia are but one illustration of the way in which
terrorist methods have become the stock-in-trade of international organized crime”.
(WILKINSON, 2006, p. 36)
Comenta igualmente grupos de origem guerrilheira que foram inicialmente motivados
por uma fundamentação ideológica, porém que a perderam com o correr do tempo passando a
agir como grupos tipicamente criminosos comuns, realizando atos ligados ao narcotráfico,
sequestro, extorsão e outros crimes regulares.
3
General dos Carabinieri (Força Armada Policial Italiana) assassinado pela máfia em 3 de setembro de 1982.
4
Morto em atentado promovido pela máfia em 23 de maio de 1992 juntamente com sua esposa e três guarda-
costas quando o comboio que o transportava passou por uma ponte em Palermo.
5
Juiz igualmente morto pela máfia italiana em 19 de julho de 1992 junto com sua esposa e três de seus guarda-costas.
127
Neste sentido comenta sobre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
Exercito do Povo (FARC-EP). Tal grupo representa hoje o mais violento e criminoso grupo
de crime organizado colombiano. Neste sentido, afirma Wilkinson (2006, p. 18) que
Some guerrilla organizations, such as FARC and the other main Marxist-Maoist
group in Colombia, the National Liberation Army (ELN), have made an industry out
of kidnap and extortion, but it is clear that this made them, both in reality and
popular perception, little more than a branch of organized crime, decadent
guerrillas rather than genuine revolutionaries, irredeemably corrupted by their
intimate involvement with the narco-traffickers and their cynical pursuit of huge
profits from kidnapping and from their ‘protection’ of coca and opium production,
processing and shipping facilities. On the other hand we should bear in mind that
these guerrilla organizations now have the wealth to deploy huge, well-equipped
private armies, a major fact in ensuring that large tracts of Colombian territory are
vital ‘no-go’ areas for the Colombiam army and police.
Wilkinson (2006, p.61) cita expressamente quais seriam os pontos centrais em que
qualquer política democrática de fortalecimento do estado e combate ao terror deva estar
baseada. Veja-se:
1. Overreaction and general repression, which could destroy democracy far more
rapidly and effectively than any campaign by a terrorist group, should de
avoided.
2. Under-reaction the failure to uphold the constitutional authority of the
government and the law will bring the threat of sliding into anarchy or the
emergence of no-go areas dominated by terrorists, war lords, Mafia gangs and
drug barons, and this should de avoided.
3. The government and security forces must at all times act within the law. If they
fail to do this, they will undermine their democratic legitimacy and public
confidence in, and respect for, the police and the criminal justice system.
4. The secret of winning the battle against terrorism in an open democratic society
is winning the intelligence war: this will enable the security forces, using high-
quality intelligence, to be proactive, thwarting terrorist conspiracies before they
happen.
5. The secret intelligence agencies and all the other institutions involved in
combating terrorism must be firmly under the control of the elected government
and fully accountable to it.
6. If emergency laws are found to be needed in a particularly serious terrorist
conflict the laws must be temporary, subject to frequent review by parliament
and subject to parliament’s approval before any renewal.
7. Despite, or perhaps because of, the dilemmas facing governments in hostage
crises, governments should avoid granting major concessions to terrorists.
Giving in to key terrorist demands encourages terrorists to exploit the perceived
weakness of the authorities by trying to wring further concessions out of them. It
also damages confidence in the rule of law and the democratic process if
terrorists or by paying large cash ransoms, the authorities will be increasing
the capabilities of the terrorists to sustain their campaign. Any major
concessions will be a propaganda and morale boost for the terrorists.
A seguir passa-se à análise de cada um dos pontos, especialmente indicando a dimensão
própria que as liga em um ponto comum, que é o enfrentamento forte por parte do estado aos
128
grupos delinquentes, porém sem ofender a dimensão democrática que deve ser o norte central
da ação do estado.
Os dois primeiros pontos estabelecem os pontos limites, os referenciais nimos e
máximos que devem ser observados e evitados pela estado no enfrentamento da
macrocriminalidade, especialmente definidos pela overreaction and general repression
(reação e repressão generalizada) e pela under-reaction (subreação).
O estado nem deve agir de forma tão violenta e repressiva que faça perecer sua
legitimidade estatal e ofenda gratuitamente a lei e os direitos individuais mínimos, nem
tampouco deveagir de maneira tão branda que sua autoridade seja esvaída ou mesmo crie
áreas onde sua soberania interna não seja utilizada ou exercida.
Permitir a criação de regiões em seu território onde as instituições e autoridades estatais
não possam entrar, gera inequivocamente um fortalecimento das organizações criminosas que
passarão a atuar no vácuo de poder deixado pelo estado.
A presença violenta e arbitrária do estado igualmente não irá gerar nenhuma eficácia no
enfrentamento de tais instituições, especialmente considerando que se perder legitimidade e
principalmente apoio popular, fundamental na atuação contrária à macrocriminalidade. Com
isso comprometer-se-iam a própria democracia e o estado legítimo. Na visão de Leongómez,
(2006, p. 118) tem-se que:
Estes dois pontos iniciais sintetizam à perfeição o dilema que enfrenta um
regime democrático entre, por um lado, as necessidades da segurança pública e
privada e, por outro, as liberdades civis e garantias constitucionais. A propósito
deste dilema existem no campo democrático – duas perspectivas, que para fins de
maior simplicidade denominaremos ‘corrente do ponto de equilíbrio’ e corrente
universalista’.
Conforme a primeira perspectiva, cada país necessita encontrar o ‘ponto de
equilíbrioideal entre a esfera das liberdades e as exigências de segurança: o
‘ponto de equilíbrio’ não é igual na Suíça e na Colômbia; inclusive, o ponto de
equilíbrio pode variar num mesmo país se as circunstancias da ordem pública sofrem
uma reviravolta, seja para melhor ou para pior. Este ponto ideal será determinado
pelo tipo de ameaças que um país sofre, sejam elas externas ou internas e,
mormente, pelas dimensões da ameaça em tela.
[...]
De acordo com a segunda corrente, muito difundida no universo das ONGs, nos
grupos de advogados e, inclusive, nas muitas ancias internacionais, as liberdades
públicas e garantias constitucionais são os parâmetros básicos em que se
assenta o Estado de Direito; isto é, são parâmetros universais. (Grifou-se)
129
Assim, deve-se pautar a ação do estado pela busca essencial da eficiência das políticas
de segurança pública e institucional, respeitando os princípios democráticos fundamentais.
O terceiro ponto indica que é obrigação do estado e de suas forças de segurança agir
estritamente dentro da legalidade positivada e prevista. Em caso de necessidade, deve-se ter
um sistema normativo próprio para o enfrentamento de tais situações, porém sempre deve
prevalecer o império da lei sob pena de perecimento da própria democracia legítima e legal,
ou seja, o comprometimento do estado democrático de direito. Comentando tal dispositivo,
afirma Leongómez (2006, p. 120) tem-se que:
Por essa razão, todas as medidas que se possa tomar, como o estabelecimento de
tribunais especializados, normas de exceção, unidades anti-terroristas
6
mal
formuladas, agentes estatais mal preparados, tribunais mal delineados podem dar azo
a toda sorte de excessos ou arbitrariedades que, mais cedo ou mais tarde, abalarão a
legitimidade das instituições democráticas; por essa razão , uma vez admitida a
necessidade, sob certas circunstâncias, de restrição provisória de certas liberdades
civis e garantias jurídicas no esforço de preservação da liberdade e da democracia,
esta normatividade de um estado de exceção não significa, sob hipótese alguma, a
concessão de ‘carta branca’ para os responsáveis pela luta antiterrorista.
A busca, correta análise e utilização eficiente de informações representa outro dos
pontos essenciais de combate aos crimes contra o estado, uma vez que somente a plena
ciência de todos os elementos que constituem os grupos criminosos, forma de atuação,
objetivos e métodos pode dotar o estado de meios eficazes de ação.
Conhecer e identificar as instituições criminosas e terroristas representam a única forma
de enfrentá-las com eficia e precisão.
O controle das instituições estatais responsáveis pelo combate à macrocriminalidade é o
quinto ponto indicado por Wilkinson. Elas devem estar fortemente sob o controle do estado,
prestando contas concretas e constantes de suas ações às autoridades públicas legítimas, não
podendo estar alheias ao controle político (do Executivo e Legislativo) e ao controle
jurisdicional (dos juízes e tribunais).
Neste ponto percebe-se a intersecção de todas as teorias democráticas de enfrentamento
eficiente e forte dos crimes contra o estado, pois não se pode admitir de forma alguma a
atuação descontrolada ou irresponsável de tais instituições orgânicas do estado.
6
O antiterrorismo constitui-se do enfrentamento direto das ações de terror. Neste sentido é distinto do
contraterrorismo que “tem por objetivo impedir que grupos armados passem à ação.” (DENÉCÉ, 2009, p.315)
130
A temporariedade e transitoriedade das medidas de exceção indispensáveis para o
enfrentamento dos momentos de emergência constituem outro ponto relevante e fundamental
da teoria analisada (ponto sexto acima descrito). A imposição de um tempo pré-estabelecido é
medida básica de uma política de segurança democrática, pois ao tornar perenes e definitivas
deixam de representar instrumentos democráticos, e necessariamente passarão a permitir
abusos e excessos de agentes do estado.
Indica também Wilkinson (2006) que a aprovação de tais medidas e principalmente sua
prorrogação devem ser aprovadas previamente pelo Congresso Nacional “(...subject to frequent
review by parliament and subject to parliament’s approval before any renewal).Neste ponto
pode-se identificar forte convergência com o pensamento de Ackerman exposto anteriormente,
porém sendo o sistema daquele consideravelmente mais sofisticado pois determina quoruns e
porcentagens específicos e constantemente majorados para permitir tais prorrogações.
Por fim, indica Wilkinson (2006) que não se deve aplicar nenhuma espécie de
concessão especial a terroristas arrependidos, especialmente considerando que apesar de
precioso seu arrependimento não se pode olvidar que foram responsáveis por graves e
violentos atos contra a sociedade e o estado. Desta forma, estar-se-ia a premiar uma mera
obrigação, qual seja, a de atuar conforme as leis e os interesses sociais e coletivos, respeita os
direitos fundamentais, especialmente o maior de todos, à vida.
Da mesma forma, o estado não pode estimular com o pagamento de valores ou
benefícios terroristas ou criminosos, ou mesmo permitir a divulgação de ideias, manifestos ou
sequer a utilização de elementos de mídia e comunicação em favor de tais grupos marginais e
em detrimento do estado e de seus interesses.
O controle estrito das informações divulgadas representa elemento central
especialmente para evitar-se campanhas difamatórias ou ofensivas à autoridade estatal. Neste
sentido, comenta Leongómez (2006, p. 123) que
Um governo democrático não pode nem deve, sob nenhuma circunstância, recorrer a
todos declarados ou velados de censura à imprensa. A liberdade de imprensa
deve ser plenamente assegurada, o que o impede que o Governo desenvolva uma
campanha nos meios de comunicação, o que os especialistas denominam de ‘gestão
de percepção dos fatos’. Tal campanha não consiste em manipular ou desinformar a
imprensa (como amiúde ocorre na Colômbia), mas em empreender campanhas
sistemáticas tanto no plano interno quanto na esfera internacional para
contrabalançar as campanhas de difamação promovidas pelos grupos terroristas, ou
entao para justificar e explicar as medidas que o Governo está tomando.
131
Em suma, jamais deve o estado aceitar qualquer espécie de chantagem feita por grupos
criminosos ou terroristas, não podendo sucumbir à extorsão ou pressão ilícita destes.
4.6 Do pensamento de Eduardo Pizarro Leongómez
Essas regras são confirmadas por Leongómez (2006, p. 117), que além de confirmá-las e
explicá-las, ainda acrescenta mais uma, formando um decálogo (ele desmembra a regra sétima
em três, que para ele seriam a sétima, oitava e nona). Uma política antiterror eficiente e
democrática dever ser caracterizada pelos seguintes pontos indicados por Wilkinson (2006, p.
124) acrescentando-se que um Estado democrático envolvido na luta antiterror não pode em
hipótese alguma apoiar grupos paramilitares”.
Por este elemento acrescentado o é tolerável que o estado apóie, utilize ou estimule
grupos paramilitares para que enfrentem grupos criminosos, pois são grupos ilícitos e que
mais cedo ou tarde irão igualmente delinquir
7
.
O combate à criminalidade contra o estado deve sempre ser realizado exclusivamente
por forças estatais, quer militares quer policiais, jamais delegando-se ou tolerando-se ações de
grupos privados ou particulares, independente de elementos políticos ou ideológicos.
Na visão de Leongómez (2006, p. 118), os dois primeiros pontos são os mais
importantes, destacando que o mais importante na utilização de políticas dessa natureza é o
encontro e definição do ponto de equilíbrio, ou seja, determinar a intensidade de utilização de
cada uma dessas regras, pois como afirma “o ‘ponto de equilíbrio’ não é igual na Suíça e na
Colômbia. Inclusive, o ponto de equilíbrio pode variar num mesmo país se as circunstâncias
da ordem pública sofrerem uma reviravolta.”
Outra forma de compatibilizar tais regras é a ideia da chamada corrente universalista,
que prega a utilização geral de tais regras, independentemente da realidade do país. Tal
pensamento não é o mais aceito, especialmente considerando que a eficácia de tais medidas
dependerá da compreensão plena das peculiaridades de cada país. Assim parece mais
adequada a observância do primeiro pensamento, pois o chamado “ponto de equilíbriode
7
Pode-se perfeitamente utilizar como elemento o recente fenômeno das milícias em atuação no Rio de Janeiro e
que atuam contra os grupos de narcotraficantes. Por mais que não sejam estimuladas ou permitidas
oficialmente pelo estado possuem em seus quadros membros ou ex-agentes do estado como policiais militares
e civis e bombeiros.
132
utilização de cada um desses instrumentos será mais bem calibrado quando se considera as
variáveis de cada estado.
De todas as propostas de instrumentos indicados, percebe-se claramente que a
compatibilização dos princípios democráticos com a maior rigidez e eficácia do combate aos
crimes contra o estado exigem um imenso esforço. Tal pensamento é essencialmente o de
encontrar o equilíbrio entre a medida de restrição de direitos e adoção de medidas coercitivas
válidas.
4.7 Sistema constitucional brasileiro de Estado de exceção vigente
O modelo constitucional brasileiro foi definido através de longo percurso de evolução
constitucional, e aquele atualmente em vigor é determinado essencialmente pelo momento
político e histórico em que foi produzida a Constituição Federal de 1988. Esta carta
constitucional prevê dois institutos distintos para o enfrentamento das situações críticas, quais
sejam, “o estado de defesa e o estado de sítio
.
8
O estado de defesa poderá ser decretado pelo Presidente da República, depois de
ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, desde que tenha como
objetivo “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou
atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Somente o Presidente da República pode realizar a decretação do estado de defesa,
devendo submeter tal decisão ao Congresso Nacional, que caso não esteja reunido irá ser
convocado. Havendo a rejeição do pedido pelo Parlamento, o estado diferenciado é
imediatamente cessado.
O tempo de duração da medida (que não poderá ser superior a trinta dias, podendo ser
prorrogado por mais uma vez se os fundamentos continuarem existindo
9
), bem como a área de
atuação do mesmo
10
será determinado e definido no decreto que determinar a utilização do
estado de defesa. Poderão ser utilizadas quaisquer das seguintes condutas:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
8
Arts. 136 a 141 da Constituição Federal de 1988.
9
Art. 136, § 2º, Constituição de 1988.
10
Art. 136, § 1º, Constituição de 1988.
133
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II - ocupação e uso temporário de bens e serviços blicos, na hipótese de
calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
Qualquer prisão durante a vigência do estado deverá ser comunicada à autoridade
judicial competente, que deverá relaxá-la quando for ilegal
11
. As prisões ou detenções feitas
não poderão durar mais de 10 (dez) dias, salvo com autorização judicial expressa
12
. A
incomunicabilidade do preso é vedada, tornando com isso não recepcionado o dispositivo do
Código de Processo Penal que dispunha tal mandamento
13
.
O art. 137 da Constituição de 1988 define as hipóteses de cabimento do estado de sítio,
especialmente caracterizadas por situações críticas de natureza interna e externa. Indica o art.
137 que:
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o
Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para
decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a
ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Mais uma vez observa-se que o texto constitucional admite a utilização deste sistema
excepcional por problemas internos na realidade nacional que comprometam a ordem pública ou
a paz coletiva ou diante da ocorrência de problemas de natureza externa ligado a conflitos bélicos.
O decreto que institui o estado de sítio determinará qual a duração da medida, bem
como quais as garantias constitucionais que ficarão suspensas. Interessante observar que
diante da indicação do texto de limitação de garantias, de fazer menção aquelas, não se
pode imaginar em tese limitação de direitos.
Necessário fazer menção as medidas que podem ser tomadas durante a vigência do
estado excepcional, conforme consta do art. 139, que indica:
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I,
poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
11
Art. 136, § 3º, I, Constituição de 1988.
12
Art. 136, § 3º, III, Constituição de 1988.
13
Art. 136, § 3º, IV, Constituição de 1988.
134
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes
comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de servos públicos;
VII - requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de
pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que
liberada pela respectiva Mesa.
Durante todo o desenvolvimento das medidas que caracterizam o estado de defesa ou de
sítio, haverá a fiscalização das ações pelo Congresso Nacional, que irá determinar uma
comissão para fazer o tal controle.
14
14
Art. 140, Constituição de 1988.
CONCLUSÃO
Este trabalho analisou as formas de enfrentamento democrático e constitucional dos
crimes de que o estado é a vítima mediata ou imediata. A macrocriminalidade se manifesta de
várias e distintas formas, porém sempre apresenta uma face sombria e absolutamente nociva à
sociedade e ao estado, especialmente violenta e agressiva.
A formação do estado moderno passou por várias etapas e momentos de evolução,
caracterizando-se essencialmente pela sucessão entre momentos em que o estado se estrutura
de forma mais autoritária ou mais democrática. Isto representa uma escolha política e própria
de cada sociedade ou daqueles que a representam em determinado momento.
Estas escolhas são realizadas pelas motivações políticas dominantes à época. O
momento histórico pós-revoluções liberais, especialmente a francesa, no Séc. XVIII, foi
marcado pela escolha predominantemente democrática e liberal do modelo estatal, levando o
indivíduo ao centro da relação de poder e reservando ao estado uma função coadjuvante,
limitada por força da própria lei, aqui compreendida em seu sentido mais amplo.
Diante dessa realidade, a indicação de um catálogo de direitos fundamentais reservado
aos indivíduos indica de forma precisa quais os limites de atuação estatal, em especial na
utilização do direito punitivo máximo que é o direito penal. Com isso o crime organizado e
demais formas de manifestação da macrocriminalidade utilizam-se de forma clara e
consciente desse acervo de direitos para atentarem contra o próprio estado.
Por óbvio o se pretende concluir que as instituições criminosas mostram-se profundas
conhecedoras da legislação penal ou das normas constitucionais que lhe são garantidas e as
tutelam, porém acabam por permitir, em um primeiro momento, uma atuação mais livre e
operacionalmente mais eficiente.
Deve-se considerar que o novo século nasceu trazendo aos Estados Nacionais novas
dificuldades quanto à existência e a sua própria segurança, ou seja, o maior risco ou inimigo
estatal não é mais um país definido e precisamente identificável, como em grande parte do
136
século anterior, mas organizações criminosas. Tais entidades o mostram sua face, não
indicam de forma precisa seus componentes, e principalmente buscam fragilizar diretamente
as forças de repressão estatal, quer pela violência, quer pela corrupção, representando assim
uma força claramente de oposição.
Diante dessa nova realidade, passa-se a buscar formas de compatibilizar o
enfrentamento mais ergico ou efetivo com o respeito ou preservação de direitos
fundamentais e essenciais dos indivíduos. Oportuno lembrar que não se buscou no presente
trabalho analisar o fenômeno na criminalidade como um todo ou mesmo propor soluções em
todos os campos, como econômico, educacional, políticas sociais, mas sim no âmbito
jurídico-constitucional.
Nesta ótica, deve-se claramente abandonar a perspectiva de que a criminalidade ou as
condutas criminosas representam um conjunto uniforme e comum, com características
comuns e sempre presentes. Na verdade a criminalidade cotidiana e regular, marcada pela
ação de indivíduos isolados ou temporariamente reunidos, possui sistemas jurídicos que
mostram-se em geral eficientes.
O maior problema, portanto, reside no combate à formação, atuação e desenvolvimento
da macrocriminalidade, especialmente aquela que atenta direta ou indiretamente, porém
sempre consciente, contra o ente estatal. O enfraquecimento, ou mesmo a paralisação do
estado, marca de forma clara o sucesso criminoso, facilitando de forma nítida e eficiente o
crime nas mais variadas dimensões.
Viu-se que mesmo possuindo elementos comuns, o crime organizado, as instituições
mafiosas e grupos terroristas são diferentes entre si. Apesar das distinções atentam igualmente
contra a sociedade e o estado, minando ou impedindo a capacidade de reação. Normalmente essas
ões contra as foas legítimas são baseadas no binômio corruão e agressão (sica e moral).
Os sistemas de exceção normalmente previstos nos textos constitucionais tratam de
situações graves, envolvendo agreses externas ou níveis de convulsão interna irremediáveis
e quase irreversíveis pelos instrumentos da normalidade. Verificou-se porém que as ações
criminosas contra o estado, que muitas vezes não geram uma ameaça externa definida ou
delimitada, produzem efeitos igualmente desestabilizadores do poder estatal.
137
Nos diversos modelos democráticos de enfrentamento da criminalidade analisados,
alguns pontos comuns são verificados, e estes permitem claramente a possibilidade de
compatibilização de elementos democráticos e aqueles permitem um aumento do rigor com
que tais situações são tratadas.
Em primeiro lugar, há que se definir o que pode determinar as situações de exceção. Na
verdade, somente os poderes constituídos e legítimos podem determinar o que consideram os
atuais inimigos do estado. Tal indicação deve ser feita através de uma interação entre tais
funções estatais, baseada na aplicação máxima do sistema de freios e contrapesos. Não se
pode admitir a declaração de tais medidas de forma unilateral ou mesmo por ação de um
dos poderes. Percebe-se claramente que quanto mais interação entre o Poder Executivo e o
Poder Legislativo mais democtico será o sistema.
Outro ponto fundamental e indispensável é a transitoriedade e provisoriedade do
modelo. Qualquer modelo a ser utilizado para enfrentar as graves ações criminosas dirigidas
contra o estado deve necessariamente ser baseados em limites temporais precisamente
definidos, não se admitindo a perenização da exceção. Tornar medidas de força excepcionais
regra é comprometer de forma clara e direta a legitimidade estatal.
A questão fundamental aqui é a definição do tempo, ou seja, da duração do momento de
exceção. Na verdade nenhum modelo poderá indicar com precisão o lapso temporal, devendo
necessária e obrigatoriamente permitir reavaliações constantes e periódicas da necessidade de
manutenção desta condição diferenciada.
Percebeu-se que o engessamento do prazo, mesmo com a intenção de evitar sua
transformação em algo constante, o se mostra solução eficiente, pois é impossível
determinar que um mês, dois ou quantos sejam, ou mesmo, uma ou duas renovações do prazo
seriam suficientes para debelar o mal grave.
Com isso a proposta de um modelo, que não delimita um limite máximo de atuação de
urgência, mas indica a necessidade de maiorias progressivas e constantes no Parlamento para
que se gere, ou melhor, que se mantenha a permissão legislativa sobre estado excepcional
parece mais adequada, pois gerará a proporcionalidade e adequabilidade precisa.
Assim, o Poder Executivo, gerenciador maior das medidas de força excepcionais,
deverá justificar suas medidas e mostrar que o recebimento de poderes excepcionais foi útil e
138
indispensável para atuar de forma anticriminosa. Caso contrário, iperder sua autorização e
mostrará sua ineficiência. Com isso, conclui-se que se não conseguir dominar e controlar as
ameaças e agressões, mesmo dotado de meios diferenciados, não faz jus a estes, não havendo
porque mantê-los.
Outro aspecto comum dentre os pensamentos analisados é a existência constante do
controle externo feito pelo Poder Judiciário, que tanto deverá atuar na macrodecisão de
utilização do sistema excepcional, quanto nas situações concretas, evitando, coibindo ou
reparando abusos ou excessos. Tem-se com isso uma manutenção e utilização extrema do
sistema de freios e contrapesos mais uma vez se manifestando.
Talvez a maior de todas as conclusões é a de que o risco oferecido ao Estado e à
Sociedade pela macrocriminalidade (crime organizado, instituições mafiosas e grupo de
terror) é real, concreto e atual, não havendo como aplicar os instrumentos clássicos e
tradicionais de estado de exceção, conforme concebidos nas cartas constitucionais.
Uma mudança necessária é a atuação rápida e pontual, ou seja, não necessidade
constante de realização de intervenções federais em estados membros, de impedir alterações
constitucionais ou obstaculizar o processo legislativo e político, como alguns modelos
clássicos propõem. Deve-se dotar o estado de um modelo diferenciado apenas no que diz
respeito às ações contra tais grupos ou condutas, mantendo-se no possível o restante da
atuação estatal regular em seus trilhos institucionais normais.
Faz-se necessário que seja mais preciso que o modelo constitucional clássico e que
permita a utilização de medidas excepcionais, devidamente autorizadas pelos poderes
constituídos, apenas quando para o combate ao macrocrime.
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ANEXOS
148
ANEXO A
(Projeto de Lei para criação do
Título dos Crimes contra o Estado
no Código Penal Brasileiro)
PROJETO DE LEI
Acrescenta o Título XII, que trata dos crimes
contra o Estado Democrático de Direito, à
Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá
outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1o A Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte Título XII:
“TÍTULO XII
DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A SOBERANIA NACIONAL
Atentado à soberania
Art. 360. Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de
outro país:
I - empreendendo ação para ofender a integridade ou a independência nacional; ou
II - executando ordem ou determinação de governo estrangeiro que ofenda ou exponha a
perigo a soberania do País:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Traição
Art. 361. Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus
agentes, com o fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o País, desmembrar parte
do seu território, ou invadi-lo:
Pena – reclusão, de três a doze anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, governo estrangeiro para promover
guerra ou hostilidade contra o País.
§ 2o Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se declarada a guerra, desencadeados os atos
de hostilidade, desmembrada parte do território ou efetivada a invasão.
149
Violação do território
Art. 362. Violar o território nacional com o fim de explorar riquezas naturais ou nele exercer
atos de soberania de outro país:
Pena – reclusão, de três a oito anos.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se ocorre a exploração ou a prática de atos de
soberania.
Atentado à integridade nacional
Art. 363. Tentar desmembrar parte do terririo nacional, por meio de movimento armado,
para constituir país independente:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Espionagem
Art. 364. Obter documento, dado ou informação essencial para o interesse do Estado
brasileiro ou classificados como secretos ou ultra-secretos, com o fim de revelá-los a governo
ou grupo estrangeiro, ou a seus agentes:
Pena – reclusão, de três a doze anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I - mantém serviço de espionagem ou dele participa, com o objetivo de realizar os atos
previstos neste artigo;
II - realiza, com o mesmo objetivo, atividade aerofotográfica ou sensoreamento remoto em
qualquer parte do território nacional; ou
III - oculta ou presta auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da
autoridade pública.
§ 2o Se o documento dado ou a informação for transmitida ou revelado com violação do dever
de sigilo:
Pena – reclusão de seis a quinze anos.
§ 3o Facilitar o funcionário, culposamente, a prática de qualquer dos crimes previstos
neste artigo:
Pena – detenção de um a quatro anos.
CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Insurreição
Art. 365. Tentar, com emprego de grave ameaça ou violência, impedir ou dificultar o
exercício do poder legitimamente constituído, ou alterar a ordem constitucional estabelecida:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 366. Tentar, o funcionário público civil ou militar, depor o governo constituído ou
impedir o funcionamento das instituições constitucionais:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Conspiração
Art. 367. Associarem-se, duas ou mais pessoas, para a prática de insurreição ou de golpe de
estado:
150
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Atentado à autoridade
Art. 368. Atentar contra a integridade física do Presidente da República, do Vice-Presidente
da República, do Presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo
Tribunal Federal, e do Procurador-Geral da República, por facciosismo político ou para
alterar a estrutura do estado democrático ou a ordem constitucional:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
§ 1o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
§ 2o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem cometer o crime contra as autoridades
correspondentes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Seqüestro e Cárcere Privado
Art. 369. Privar as autoridades mencionadas no art. 368 de sua liberdade, mediante seqüestro
ou cárcere privado, por facciosismo político ou para alterar a estrutura do estado democrático
ou a ordem constitucional:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Incitamento a guerra civil
Art. 370. Incitar, publicamente, a prática de guerra civil ou dos crimes previstos neste
Capítulo:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES
DEMOCRÁTICAS E DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS
Terrorismo
Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir
terror, ato de:
I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado
pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou
II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente,
de meios de comunicão ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações
ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao
abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais
e impreteríveis da população:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante
acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em
sistemas de informação ou programas de informática.
151
§ 2o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão de quatro a doze anos.
§ 3o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.
§ 4o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma,
exerce funções de autoridade pública.
Apoderamento ilícito de meios de transporte
Art. 372. Apoderar-se ou exercer o controle, ilicitamente, de aeronave, embarcação ou outros
meios de transporte coletivo, por motivo de facciosismo político, religioso ou com o objetivo
de coagir autoridade:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 1o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão de quatro a doze anos.
§ 2o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.
Sabotagem
Art. 373. Destruir, inutilizar, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, meios de
comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou
rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água,
luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da
população:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante
acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em
sistemas de informação ou programas de informática.
§ 2o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos.
§ 3o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a doze anos.
Ação de grupos armados
Art. 374. Praticar, por meio de grupos armados, civis ou militares, atos contra a ordem
constitucional e o estado democrático:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Coação contra autoridade legítima
Art. 375. Constranger, mediante violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo
político, autoridade legítima a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no
exercício das suas atribuições:
152
Pena – reclusão, de um a cinco anos, ou multa.
CAPÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA AUTORIDADE ESTRANGEIRA OU INTERNACIONAL
Atentado à autoridade estrangeira ou internacional
Art. 376. Atentar contra a integridade física de chefe de estado ou de governo estrangeiro,
embaixador, nsul ou representante de estado estrangeiro no País, ou dirigente de
organização internacional, que se encontrem no terririo nacional:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
§ 1o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
§ 2o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Seqüestro e Cárcere privado de autoridade estrangeira ou internacional
Art. 377. Privar as autoridades mencionadas no art. 376 de sua liberdade, mediante seqüestro
ou cárcere privado:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA
Atentado a direito de manifestação
Art. 378. Impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, sem justa causa, o
livre e pacífico exercício de manifestação de partidos ou grupos políticos, étnicos, raciais,
culturais ou religiosos:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
§ 1o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 2o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma,
exerce funções de autoridade pública.
Associação discriminatória
Art. 379. Constituir ou tentar constituir associação, ou dela participar, com o fim de pregar a
discriminação ou o preconceito de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física
ou social, religião ou origem:
Pena – reclusão, de um a três anos.
Discriminação racial ou atentatória aos direitos fundamentais
Art. 380. Praticar, induzir, incitar a discriminação ou preconceito de raça, etnia, cor, sexo,
orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
153
Parágrafo único. Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda, inclusive cruz suástica ou gamada, que se destinem à
propagão de racismo ou atentaria aos direitos fundamentais:
Pena – reclusão de dois a cinco anos, e multa.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação.
Art. 3o Fica revogada a Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983 - Lei de Segurança Nacional.
Brasília,
EM no 00109 – MJ
Brasília, 16 de abril de 2002
Excelenssimo Senhor Presidente da República,
Submeto à apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que Introduz, no Código
Penal, tulo relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga e Lei de
Segurança Nacional”.
2. A proposta, fruto dos trabalhos da Comissão de Alto Nível coordenada pelo Ministro Luiz
Vicente Cernicchiaro, e com participação do Dr. Luiz Roberto Barroso, Dr. Luiz Alberto
Araújo e Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, constituída pela Portaria no 413, de 30 de
maio de 2000, com o intuito de efetuar estudos sobre a legislação de Segurança Nacional e
sugerir princípios gerais para nortear a elaboração de Projeto de Lei de Defesa do Estado
Democrático de Direito.
3. Para melhor elucidar as razões pelas quais ofereço ao elevado descortino de Vossa
Excelência a presente propositura, optei por reproduzir parte do Relatório circunstanciado da
referida Comissão que procurou interpretar o sentimento da sociedade civil brasileira, ciosa da
importância da liberdade duramente conquistada e da necessidade do respeito ao pluralismo
político e às instituições democráticas.
4. No que concerne à primeira parte dos trabalhos exarar parecer sobre a vigência da Lei no
7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) fez a Comissão um relato
acerca da doutrina de segurança nacional e o regime constitucional anterior, bem como um
histórico sobre a evolução, no Brasil, da legislação a respeito do tema até a promulgação da
Constituição de 1988.
5. A segunda solicitação feita à Comissão era sugerir princípios norteadores de um Projeto de
Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O texto ora submetido à consideração de
Vossa Excelência colheu valiosos subsídios em trabalhos análogos anteriores para que o
projeto fosse esboçado. Dentre eles, merecem destaque: (i) o anteprojeto de Lei de Defesa do
Estado Democrático, elaborado em 1985, pela Comissão presidida pelo Ministro Evandro
Lins e Silva e integrada pelos Professores Re Ariel Dotti, Nilo Batista e Antônio Evaristo
de Moraes; e (ii) o anteprojeto da Comissão Revisora para elaboração do Código Penal
(Portaria no 232, de 24.03.98). Foram levados em conta, igualmente, projetos em tramitação
no Congresso Nacional e sugestões encaminhadas pelo Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República.
6. “O projeto, ora apresentado, visa a tutelar valores e princípios fundamentais do Estado
brasileiro, dentre os quais a soberania nacional, o regime democrático, os direitos de
154
cidadania e o pluralismo político. Com tal propósito, acrescentou-se ao Código Penal um
Título XII, denominado “Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Abandona-se,
assim, em definitivo, a referência a segurança nacional, empregando-se a terminologia
consagrada pelo próprio texto constitucional. O título introduzido, conforme descrito no
relario da Comissão, ficou dividido em cinco capítulos, a saber:
“Capítulo I: Dos crimes contra a soberania nacional;
Capítulo II: Dos crimes contra as instituições democráticas;
Capítulo III: Dos crimes contra o funcionamento das Instituições Democráticas e dos Serviços
Essenciais;
Capítulo IV: Dos crimes contra a autoridade estrangeira ou internacional;
Capítulo V: Dos crimes contra a cidadania.”
7. Tem por conteúdo o Projeto em seu capítulo I Dos crimes contra a soberania nacional
impor deveres de lealdade ao Estado brasileiro. Nele estão previstos tipos penais
conhecidos e definidos em quase todas as legislações, que incluem: atentado à soberania,
traição, violação do território, atentado à integridade nacional e espionagem. Foi
expressamente contemplada a violação do território nacional com o fim de explorar riquezas
naturais e, no tocante à tentativa de desmembramento do território nacional, somente foi
punida a hipótese de movimento armado.
Embora a Constituão consagre a indissolubilidade da Federação, não se criminalizou a mera
expressão de idéias ou sentimentos separatistas.
8. No capítulo II Dos crimes contra as instituições democráticas é abrigado alguns tipos
igualmente tradicionais, como insurreição, conspiração e incitamento à guerra civil. Manteve-
se a previsão do crime específico de atentado à autoridade, quando a vítima seja o Presidente
ou o Vice-Presidente da República ou os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal e do Supremo Tribunal Federal. Instituiu-se o crime de golpe de Estado, imputável a
servidor público civil ou militar que tentar depor o governo constituído ou impedir o
funcionamento das instituições constitucionais. Empregou-se a locução funcionário público,
em lugar de servidor público, que seria tecnicamente mais precisa (Constituão Federal,
Título III, Seção II: “Dos Servidores Públicos”), para não quebrar a unidade da terminologia
adotada pelo Código Penal, ainda recentemente reiterada pelo legislador infraconstitucional,
com a Lei no 9.983, de 14.07.2000, que deu nova redação ao § 1o do seu art. 327 e manteve a
referência a funcionário público.
9. Dentro do capítulo III – Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e
dos serviços essenciais estão contidas a previsão dos crimes de terrorismo e ação de grupos
armados, ambos expressamente referidos no texto constitucional (art. 5o, XLIII e XLIV), bem
como o de apoderamento ilícito de meios de transporte. Note-se que o projeto exige como
motivação para este crime o facciocismo político ou religioso, ou a coação a autoridade.
Pune-se, igualmente, a sabotagem, devendo-se notar que tanto aqui, como na hipótese de
terrorismo, contemplou-se a possibilidade de utilização indevida de recursos de informática
para obtenção dos resultados previstos nestes crimes. Institui-se, também, em substituição à
previsão genérica da legislação em vigor, relativa à tentativa de impedir o livre exercício dos
Poderes da União ou dos Estados, o crime de coação contra autoridade legítima, consistente
em constranger, mediante violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo político,
autoridade legítima a o fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no
exercício das suas atribuições.
155
10. O capítulo IV Dos crimes contra autoridade estrangeira ou internacional tutela a
integridade física de representante de Estado estrangeiro no país, ou dirigente de organização
internacional, que se encontrem no terririo nacional. A Comissão optou por não incluir no
projeto outros crimes com repercussão sobre as relações internacionais, considerados crimes
contra a humanidade como genocídio e tortura –, por terem sido disciplinados em outros
documentos legislativos em vigor.
11. E, por fim, o capítulo V Dos crimes contra a cidadania – constitui importante inovação.
Nele se procura coibir o abuso de poder por parte do Estado e o abuso de direito por parte de
particulares. Prevê-se, assim, o crime de atentado a direito de manifestação, que consiste em
impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, sem justa causa, o livre e
pacífico exercício do direito de manifestação. Pode ser sujeito ativo do crime tanto o
particular como o servidor público. O projeto também pune a associação discriminatória e a
discriminação racial ou atentatória a direitos fundamentais, com o fim de desestimular o
preconceito e a intolerância”.
Estas, Senhor Presidente, as normas que integram a presente proposta, e que, se aceitas, hão
de constituir importante passo para a tutela de valores elevados do Estado e da sociedade, a
serem respeitados a todo tempo, por oposição e governo, independentemente de quem esteja
em uma ou outra posição, um documento que quando convertido em lei irá celebrar a
maturidade institucional brasileira.
Respeitosamente,
MIGUEL REALE JÚNIOR
Ministro de Estado da Justiça
156
ANEXO B
(Tramitação atual do Projeto de Lei para criação do
Título dos Crimes contra o Estado no Código Penal Brasileiro)
Consulta Tramitação das Proposições
Proposição: PL-6764/2002
Autor: Poder Executivo
Data de Apresentação: 09/05/2002
Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário
Regime de tramitação: Prioridade
Apensado(a) ao(a): PL-2462/1991
Proposição Originária: MSC-336/2002
Situação: CCP: Tramitando em Conjunto.
Ementa: Acrescenta o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de
Direito, à Parte Especial do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal,
e dá outras providências.
Explicação da Ementa: Tipifica os Crimes contra o Estado Democrático de Direito a saber:
Crime contra a Soberania Nacional, Crime contra as Instituições Democráticas, Crime contra
o Funcionamento das Instituições Democráticas e dos Serviços Essenciais, Crime contra
Autoridade Estrangeira ou Internacional e Crime contra a Cidadania.
Indexação: Alteração, Código Penal, tipicidade, crime, estado democrático, atentado,
soberania nacional, domínio, País Estrangeiro, traição, negociação, governo estrangeiro,
realização, guerra, violação, Território Nacional, exploração, recursos naturais,
desmembramento, território, espionagem, revolução, utilização, violência, ameaça grave,
impedimento, exercício, legitimidade, poder, Constituição Federal, golpe de estado, crime
contra a pessoa, sequestro, cárcere privado, Presidente da República, Vice Presidente da
República, Presidente, Senado, Câmara dos Deputados, (STF), Procurador Geral da
República, incitamento, guerra civil, terrorismo, controle, ato ilícito, aeronave, embarcação,
ônibus, transporte coletivo, sabotagem, serviços públicos, coação, autoridade, funcionário
estrangeiro, manifestação coletiva, discriminação racial, discriminação sexual, revogação, Lei
de Segurança Nacional, fixação, pena de reclusão, agravação penal.
157
Despacho:
22/5/2002 - Apense-se ao PL-2462/1991.(DESPACHO INICIAL)
Legislão Citada
Requerimentos, Recursos e Ofícios
PLEN (PLEN )
REQ 637/2007 (Requerimento de Reconstituição de proposição) - Vieira da Cunha -
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
REQ 1356/2007 (Requerimento de Redistribuão) - Marcelo Itagiba
REQ 1437/2007 (Requerimento de Redistribuição) - Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado
REQ 3010/2008 (Requerimento de Redistribuão) - Luiz Couto
Andamento
Obs.: o andamento da proposição fora desta Casa Legislativa não é tratado pelo sistema,
devendo ser consultado nos órgãos respectivos.
Data
9/5/2002
PLENÁRIO (PLEN)
Apresentação do Projeto de Lei.(íntegra)
22/5/2002
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Apense-se ao PL-2462/1991.(DESPACHO INICIAL)
27/5/2002
COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP)
Encaminhada à publicação. DCD 28/05/02 PÁG 26389 COL 02.
29/3/2007
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Apresentação do Requerimento nº 637/2007, pelo Deputado Vieira da Cunha
(Presidente da Comissão de Relações Exteriores e
de Defesa Nacional), que solicito a
reconstituição do PL 2462/91 e PL 6764/02.
10/4/2007
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Deferido o Requerimento de reconstituição, REQ 637/07, conforme despacho exarado
do seguinte teor: "Defiro. Publique-se." DCD 11 04 07 PAG 15313 COL 01 (íntegra)
17/7/2007
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Apresentação do Requerimento nº 1356, de 2007, pelo Deputado Marcelo Itagiba, que
solicita a redistribuição do Projeto de Lei n.º 2462, de 1991, e do Projeto de Lei 6764,
de 2002, ao primeiro apensado, à Comissão de Segurança blica e Combate a
o Crime
Organizado.
23/7/2007
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Deferido o Requerimento de Redistribuição, REQ 1356/07, conforme despacho do
158
Data
seguinte teor: DEFIRO. Revejo, nos termos do art. 141 do Regimento Interno, o
despacho de distribui
ção aposto ao PL 2.462/1991, para incluir a Comissão de
Segurança blica e Combate ao Crime Organizado como competente quanto ao seu
mérito, devendo manifestar-
se logo após a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional. Oficie-se ao Requerente e, após, publique-
se. DCD 02 08 07 PAG 37737
COL 01. (íntegra)
10/8/2007
PLENÁRIO (PLEN)
Aprese
ntação do Requerimento nº 1437, de 2007, pela Comissão de Segurança Pública
e Combate ao Crime Organizado, que solicita a revisão do despacho do PL nº 6764/02
(íntegra)
24/8/2007
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Prejudicado o REQ 1437/07, conforme despacho do seguinte teor: "Prejudicado o
pedido de revisão de despacho aposto ao PL 6.764/02 (apensado ao PL 2.462/91), tendo
em vista
a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado constar
do despacho aposto ao projeto principal. Oficie-se. Publique-
se." DCD 28 08 07 PAG
42689 COL 02. (íntegra)
10/7/2008
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)
Apresentação do Requerimento nº 3010, pelo Deputado Luiz Couto (PT-
PB), que requer
a redistribuição do Projeto d
e Lei n.º 2462, de 1991, e do Projeto de Lei 6764, de
2002, ao primeiro apensado, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias. DCD de
18/07/08 PÁG 33864 COL 02.(íntegra)
159
ANEXO C
(Convenção de Palermo)
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.
Promulga a Convenção das Nações Unidas contra
o Crime Organizado Transnacional.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo n
o
231, de 29 de maio de 2003, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação junto à
Secretaria-Geral da ONU, em 29 de janeiro de 2004;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 29 de setembro de
2003, e entrou em vigor para o Brasil, em 28 de fevereiro de 2004;
DECRETA:
Art. 1
o
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, apensa por cópia ao presente Decreto,
será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art 2
o
São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam
resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição.
Art. 3
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 12 de março de 2004; 183
o
da Independência e 116
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Samuel Pinheiro Guimarães Neto
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 15.3.2004
160
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL
Artigo 1
Objetivo
O objetivo da presente Convenção consiste em promover a cooperação para prevenir e
combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.
Artigo 2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações
graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de
liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de
uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que
não haja continuidade na sua composição e que o disponha de uma estrutura elaborada;
d) "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, veis ou imóveis,
tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a
propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos;
e) "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da
prática de um crime;
f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou
movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou
de outra autoridade competente;
g) "Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra
autoridade competente;
h) "Infração principal" - qualquer infração de que derive um produto que possa passar a
constituir objeto de uma infração definida no Artigo 6 da presente Convenção;
i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas
saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o
conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de
investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática;
161
j) "Organização regional de integração econômica" - uma organização constituída por Estados
soberanos de uma região determinada, para a qual estes Estados tenham transferido
competências nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido devidamente
mandatada, em conformidade com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar,
aceitar ou aprovar a Convenção ou a ela aderir; as referências aos "Estados Partes" constantes
da presente Convenção são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas
competências.
Artigo 3
Âmbito de aplicação
1. Salvo disposão em contrário, a presente Convenção é aplivel à prevenção, investigação,
instrução e julgamento de:
a) Infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção; e
b) Infrações graves, na acepção do Artigo 2 da presente Convenção;
sempre que tais infrações sejam de caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso
organizado;
2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se:
a) For cometida em mais de um Estado;
b) For cometida num Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento,
direção e controle tenha lugar em outro Estado;
c) For cometida num Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso
organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou
d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.
Artigo 4
Proteção da soberania
1. Os Estados Partes cumprirão as suas obrigações decorrentes da presente Convenção no
respeito pelos princípios da igualdade soberana e da integridade territorial dos Estados, bem
como da não-ingencia nos assuntos internos de outros Estados.
2. O disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a exercer, em
território de outro Estado, jurisdição ou funções que o direito interno desse Estado reserve
exclusivamente às suas autoridades.
Artigo 5
Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado
162
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para
caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente:
a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a
tentativa ou a consumação da atividade criminosa:
i) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma
intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício econômico ou
outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato
praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a
participação de um grupo criminoso organizado;
ii) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral
de um grupo criminoso organizado, ou a sua inteão de cometer as infrações em questão,
participe ativamente em:
a. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado;
b. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação
contribuirá para a finalidade criminosa acima referida;
b) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração
grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.
2. O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o
parágrafo 1 do presente Artigo poderão inferir-se de circunsncias factuais objetivas.
3. Os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações referidas
no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo ao envolvimento de um grupo
criminoso organizado diligenciarão no sentido de que o seu direito interno abranja todas as
infrações graves que envolvam a participação de grupos criminosos organizados. Estes
Estados Partes, assim como os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação
pelas infrações definidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo à prática
de um ato concertado, informarão deste fato o Secretário Geral da Organização das Nações
Unidas, no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação,
aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção.
Artigo 6
Criminalização da lavagem do produto do crime
1. Cada Estado Parte adotará, em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito
interno, as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como
infração penal, quando praticada intencionalmente:
a) i) A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses
bens são produto do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens
ou ajudar qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às
conseqüências jurídicas dos seus atos;
163
ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os
ditos bens são produto do crime;
b) e, sob reserva dos conceitos fundamentais do seu ordenamento jurídico:
i) A aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza,
no momento da recepção, que são produto do crime;
ii) A participação na prática de uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como
qualquer forma de associação, acordo, tentativa ou cumplicidade, pela prestação de
assistência, ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática.
2. Para efeitos da aplicação do parágrafo 1 do presente Artigo:
a) Cada Estado Parte procurará aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à mais ampla gama
possível de infrações principais;
b) Cada Estado Parte considerará como infrações principais todas as infrações graves, na
acepção do Artigo 2 da presente Convenção, e as infrações enunciadas nos seus Artigos 5, 8 e
23. Os Estados Partes cuja legislação estabeleça uma lista de infrações principais específicas
incluientre estas, pelo menos, uma gama completa de infrações relacionadas com grupos
criminosos organizados;
c) Para efeitos da alínea b), as infrações principais incluirão as infrações cometidas tanto
dentro como fora da jurisdição do Estado Parte interessado. No entanto, as infrações
cometidas fora da jurisdição de um Estado Parte constituirão infração principal quando o
ato correspondente constitua infração penal à luz do direito interno do Estado em que tenha
sido praticado e constitua infração penal à luz do direito interno do Estado Parte que aplique o
presente Artigo se o crime aí tivesse sido cometido;
d) Cada Estado Parte fornece ao Secretário Geral das Nações Unidas uma cópia ou
descrição das suas leis destinadas a dar aplicação ao presente Artigo e de qualquer alteração
posterior;
e) Se assim o exigirem os princípios fundamentais do direito interno de um Estado Parte,
poderá estabelecer-se que as infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente Artigo não
sejam aplicáveis às pessoas que tenham cometido a infração principal;
f) O conhecimento, a intenção ou a motivação, enquanto elementos constitutivos de uma
infração enunciada no parágrafo 1 do presente Artigo, poderão inferir-se de circunstâncias
fatuais objetivas.
Artigo 7
Medidas para combater a lavagem de dinheiro
164
1. Cada Estado Parte:
a) Institui um regime interno completo de regulamentação e controle dos bancos e
instituições financeiras não bancárias e, quando se justifique, de outros organismos
especialmente susceptíveis de ser utilizados para a lavagem de dinheiro, dentro dos limites da
sua competência, a fim de prevenir e detectar qualquer forma de lavagem de dinheiro, sendo
nesse regime enfatizados os requisitos relativos à identificação do cliente, ao registro das
operações e à denúncia de operações suspeitas;
b) Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente Convenção, que as
autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção e repressão e outras
autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja
previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e
trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condões
prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço
de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de
informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro.
2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de aplicar medidas viáveis para detectar e
vigiar o movimento transfronteiriço de numerário e de títulos negociáveis, no respeito pelas
garantias relativas à legítima utilização da informação e sem, por qualquer forma, restringir a
circulação de capitais lícitos. Estas medidas poderão incluir a exigência de que os particulares
e as entidades comerciais notifiquem as transferências transfronteiriças de quantias elevadas
em numerário e títulos negociáveis.
3. Ao instituírem, nos termos do presente Artigo, um regime interno de regulamentação e
controle, e sem prejuízo do disposto em qualquer outro artigo da presente Convenção, todos
os Estados Partes são instados a utilizar como orientação as iniciativas pertinentes tomadas
pelas organizações regionais, inter-regionais e multilaterais para combater a lavagem de
dinheiro.
4. Os Estados Partes diligenciarão no sentido de desenvolver e promover a cooperação à
escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos
de detecção e repressão e as autoridades de regulamentação financeira, a fim de combater a
lavagem de dinheiro.
Artigo 8
Criminalização da corrupção
1. Cada Estado Parte adota as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para
caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando intencionalmente cometidos:
a) Prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício
indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se
abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais;
b) Por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido,
para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no
desempenho das suas funções oficiais.
165
2. Cada Estado Parte consideraa possibilidade de adotar as medidas legislativas ou outras
que sejam necessárias para conferir o caracter de infração penal aos atos enunciados no
parágrafo 1 do presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um
funcionário internacional. Do mesmo modo, cada Estado Parte considerará a possibilidade de
conferir o caracter de infração penal a outras formas de corrupção.
3. Cada Estado Parte adotará igualmente as medidas necessárias para conferir o caráter de
infração penal à cumplicidade na prática de uma infração enunciada no presente Artigo.
4. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo e do Artigo 9, a expressão "agente público"
designa, além do funcionário blico, qualquer pessoa que preste um serviço público, tal
como a expressão é definida no direito interno e aplicada no direito penal do Estado Parte
onde a pessoa em questão exerce as suas funções.
Artigo 9
Medidas contra a corrupção
1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte,
na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotamedidas
eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir,
detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.
2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas autoridades
atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes
públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para
impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.
Artigo 10
Responsabilidade das pessoas jurídicas
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, em conformidade com o seu
ordenamento jurídico, para responsabilizar pessoas jurídicas que participem em infrações
graves envolvendo um grupo criminoso organizado e que cometam as infrações enunciadas
nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção.
2. No respeito pelo ordenamento jurídico do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas
jurídicas poderá ser penal, civil ou administrativa.
3. A responsabilidade das pessoas jurídicas não obstará à responsabilidade penal das pessoas
físicas que tenham cometido as infrações.
4. Cada Estado Parte diligenciará, em especial, no sentido de que as pessoas jurídicas
consideradas responsáveis em conformidade com o presente Artigo sejam objeto de sanções
eficazes, proporcionais e acautelatórias, de natureza penal e não penal, incluindo saões
pecuniárias.
166
Artigo 11
Processos judiciais, julgamento e sanções
1. Cada Estado Parte tornará a prática de qualquer infração enunciada nos Artigos 5, 6, 8 e 23
da presente Convenção passível de sanções que tenham em conta a gravidade dessa infração.
2. Cada Estado Parte diligenciará para que qualquer poder judicial discricionário conferido
pelo seu direito interno e relativo a processos judiciais contra indivíduos por infrações
previstas na presente Convenção seja exercido de forma a otimizar a eficácia das medidas de
detecção e de repressão destas infrações, tendo na devida conta a necessidade de exercer um
efeito cautelar da sua prática.
3. No caso de infrações como as enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção,
cada Estado Parte tomará as medidas apropriadas, em conformidade com o seu direito interno,
e tendo na devida conta os direitos da defesa, para que as condições a que estão sujeitas as
decisões de aguardar julgamento em liberdade ou relativas ao processo de recurso tenham em
consideração a necessidade de assegurar a presença do argüido em todo o processo penal
ulterior.
4. Cada Estado Parte providenciará para que os seus tribunais ou outras autoridades
competentes tenham presente a gravidade das infração previstas na presente Convenção
quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada ou condicional de pessoas
reconhecidas como culpadas dessas infrações.
5. Sempre que as circunstâncias o justifiquem, cada Estado Parte determinará, no âmbito do
seu direito interno, um prazo de prescrição prolongado, durante o qual poderá ter início o
processo relativo a uma das infrações previstas na presente Convenção, devendo esse período
ser mais longo quando o presumível autor da infração se tenha subtraído à justiça.
6. Nenhuma das disposições da presente Convenção prejudica o princípio segundo o qual a
definição das infrações nela enunciadas e dos meios jurídicos de defesa aplicáveis, bem como
outros princípios jurídicos que rejam a legalidade das incriminações, são do foro exclusivo do
direito interno desse Estado Parte, e segundo o qual as referidas infrações são objeto de
procedimento judicial e punidas de acordo com o direito desse Estado Parte.
Artigo 12
Confisco e apreensão
1. Os Estados Partes adotarão, na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o
permita, as medidas necessárias para permitir o confisco:
a) Do produto das infrações previstas na presente Convenção ou de bens cujo valor
corresponda ao desse produto;
b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na
prática das infrações previstas na presente Convenção.
167
2. Os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a
localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo,
para efeitos de eventual confisco.
3. Se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes
últimos podem ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do
referido produto.
4. Se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens
poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão, ser confiscados até ao
valor calculado do produto com que foram misturados.
5. As receitas ou outros benefícios obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o
produto tenha sido transformado ou convertido ou os bens com que tenha sido misturado
podem também ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, da mesma forma e na
mesma medida que o produto do crime.
6. Para efeitos do presente Artigo e do Artigo 13, cada Estado Parte habilitará os seus
tribunais ou outras autoridades competentes para ordenarem a apresentação ou a apreensão de
documentos bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes não poderão invocar o
sigilo bancário para se recusarem a aplicar as disposições do presente número.
7. Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração
demonstre a proveniência lícita do presumido produto do crime ou de outros bens que possam
ser objeto de confisco, na medida em que esta exigência esteja em conformidade com os
princípios do seu direito interno e com a natureza do processo ou outros procedimentos
judiciais.
8. As disposições do presente Artigo não deverão, em circunstância alguma, ser interpretadas
de modo a afetar os direitos de terceiros de boa fé.
9. Nenhuma das disposições do presente Artigo prejudica o princípio segundo o qual as
medidas nele previstas são definidas e aplicadas em conformidade com o direito interno de
cada Estado Parte e segundo as disposições deste direito.
Artigo 13
Cooperação internacional para efeitos de confisco
1. Na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o permita, um Estado Parte que
tenha recebido de outro Estado Parte, competente para conhecer de uma infração prevista na
presente Convenção, um pedido de confisco do produto do crime, bens, equipamentos ou
outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção que se
encontrem no seu terririo, deverá:
a) Submeter o pedido às suas autoridades competentes, a fim de obter uma ordem de confisco
e, se essa ordem for emitida, executá-la; ou
b) Submeter às suas autoridades competentes, para que seja executada conforme o solicitado,
a decisão de confisco emitida por um tribunal situado no terririo do Estado Parte requerente,
168
em conformidade com o parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, em relação ao
produto do crime, bens, equipamentos ou outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do
Artigo 12 que se encontrem no território do Estado Parte requerido.
2. Quando um pedido for feito por outro Estado Parte competente para conhecer de uma
infração prevista na presente Convenção, o Estado Parte requerido tomará medidas para
identificar, localizar, embargar ou apreender o produto do crime, os bens, os equipamentos ou
os outros instrumentos referidos no parágrafo 1 do Artigo 12 da presente Convenção, com
vista a um eventual confisco que venha a ser ordenado, seja pelo Estado Parte requerente,
seja, na seqüência de um pedido formulado ao abrigo do parágrafo 1 do presente Artigo, pelo
Estado Parte requerido.
3. As disposições do Artigo 18 da presente Convenção aplicam-se mutatis mutandis ao
presente Artigo. Para além das informações referidas no parágrafo 15 do Artigo 18, os
pedidos feitos em conformidade com o presente Artigo deverão conter:
a) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma
descrição dos bens a confiscar e uma exposição dos fatos em que o Estado Parte requerente se
baseia, que permita ao Estado Parte requerido obter uma decisão de confisco em
conformidade com o seu direito interno;
b) Quando o pedido for feito ao abrigo da alínea b) do parágrafo 1 do presente Artigo, uma
cópia legalmente admissível da decisão de confisco emitida pelo Estado Parte requerente em
que se baseia o pedido, uma exposição dos fatos e informações sobre os limites em que é
pedida a execução da decisão;
c) Quando o pedido for feito ao abrigo do parágrafo 2 do presente Artigo, uma exposição dos
fatos em que se baseia o Estado Parte requerente e uma descrição das medidas pedidas.
4. As decisões ou medidas previstas nos parágrafo 1 e parágrafo 2 do presente Artigo são
tomadas pelo Estado Parte requerido em conformidade com o seu direito interno e segundo as
disposições do mesmo direito, e em conformidade com as suas regras processuais ou com
qualquer tratado, acordo ou protocolo bilateral ou multilateral que o ligue ao Estado Parte
requerente.
5. Cada Estado Parte enviará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas uma
cópia das suas leis e regulamentos destinados a dar aplicação ao presente Artigo, bem como
uma cópia de qualquer alteração ulteriormente introduzida a estas leis e regulamentos ou uma
descrição destas leis, regulamentos e alterações ulteriores.
6. Se um Estado Parte decidir condicionar a adoção das medidas previstas nos parágrafos 1 e
2 do presente Artigo à existência de um tratado na matéria, deve considerar a presente
Convenção como uma base jurídica necessária e suficiente para o efeito.
7. Um Estado Parte poderá recusar a cooperação que lhe é solicitada ao abrigo do presente
Artigo, caso a infração a que se refere o pedido não seja abrangida pela presente Convenção.
8. As disposições do presente Artigo não deverão, em circunstância alguma, ser interpretadas
de modo a afetar os direitos de terceiros de boa fé.
169
9. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar tratados, acordos ou protocolos
bilaterais ou multilaterais com o objetivo de reforçar a eficácia da cooperação internacional
desenvolvida para efeitos do presente Artigo.
Artigo 14
Disposição do produto do crime ou dos bens confiscados
1. Um Estado Parte que confisque o produto do crime ou bens, em aplicação do Artigo 12 ou
do parágrafo 1 do Artigo 13 da presente Convenção, disporá deles de acordo com o seu direito
interno e os seus procedimentos administrativos.
2. Quando os Estados Partes agirem a pedido de outro Estado Parte em aplicação do Artigo 13
da presente Convenção, deverão, na medida em que o permita o seu direito interno e se tal
lhes for solicitado, considerar prioritariamente a restituição do produto do crime ou dos bens
confiscados ao Estado Parte requerente, para que este último possa indenizar as vítimas da
infração ou restituir este produto do crime ou estes bens aos seus legítimos proprietários.
3. Quando um Estado Parte atuar a pedido de um outro Estado Parte em aplicação dos Artigos
12 e 13 da presente Convenção, poderá considerar especialmente a celebração de acordos ou
protocolos que prevejam:
a) Destinar o valor deste produto ou destes bens, ou os fundos provenientes da sua venda, ou
uma parte destes fundos, à conta criada em aplicação da alínea c) do parágrafo 2 do Artigo 30
da presente Convenção e a organismos intergovernamentais especializados na luta contra a
criminalidade organizada;
b) Repartir com outros Estados Partes, sistemática ou casuisticamente, este produto ou estes
bens, ou os fundos provenientes da respectiva venda, em conformidade com o seu direito
interno ou os seus procedimentos administrativos.
Artigo 15
Jurisdição
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência
jurisdicional em relação às infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente
Convenção, nos seguintes casos:
a) Quando a infração for cometida no seu território; ou
b) Quando a infração for cometida a bordo de um navio que arvore a sua bandeira ou a bordo
de uma aeronave matriculada em conformidade com o seu direito interno no momento em que
a referida infração for cometida.
2. Sem prejuízo do disposto no Artigo 4 da presente Convenção, um Estado Parte poderá
igualmente estabelecer a sua competência jurisdicional em relação a qualquer destas
infrações, nos seguintes casos:
a) Quando a infração for cometida contra um dos seus cidadãos;
170
b) Quando a infração for cometida por um dos seus cidadãos ou por uma pessoa apátrida
residente habitualmente no seu território; ou
c) Quando a infração for:
i) Uma das previstas no parágrafo 1 do Artigo 5 da presente Convenção e praticada fora do
seu território, com a intenção de cometer uma infração grave no seu território;
ii) Uma das previstas no inciso ii) da anea b) do parágrafo 1 do Artigo 6 da presente
Convenção e praticada fora do seu território com a intenção de cometer, no seu território, uma
das infrações enunciadas nos incisos i) ou ii) da alínea a) ou i) da alínea b) do parágrafo 1 do
Artigo 6 da presente Convenção.
3. Para efeitos do parágrafo 10 do Artigo 16 da presente Convenção, cada Estado Parte
adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às
infrações abrangidas pela presente Convenção quando o presumível autor se encontre no seu
território e o Estado Parte não o extraditar pela única razão de se tratar de um seu cidadão.
4. Cada Estado Parte poderá igualmente adotar as medidas necessárias para estabelecer a sua
competência jurisdicional em relação às infrações abrangidas pela presente Conveão
quando o presumível autor se encontre no seu território e o Estado Parte não o extraditar.
5. Se um Estado Parte que exerça a sua competência jurisdicional por força dos parágrafos 1 e
2 do presente Artigo tiver sido notificado, ou por qualquer outra forma tiver tomado
conhecimento, de que um ou vários Estados Partes estão a efetuar uma investigação ou
iniciaram diligências ou um processo judicial tendo por objeto o mesmo ato, as autoridades
competentes destes Estados Partes deverão consultar-se, da forma que for mais conveniente,
para coordenar as suas ações.
6. Sem prejuízo das normas do direito internacional geral, a presente Convenção não exclui
o exercício de qualquer competência jurisdicional penal estabelecida por um Estado Parte em
conformidade com o seu direito interno.
Artigo 16
Extradição
1. O presente Artigo aplica-se às infrações abrangidas pela presente Convenção ou nos casos
em que um grupo criminoso organizado esteja implicado numa infração prevista nas alíneas a)
ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 e em que a pessoa que é objeto do pedido de extradição se
encontre no Estado Parte requerido, desde que a infração pela qual é pedida a extradição seja
punível pelo direito interno do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido.
2. Se o pedido de extradição for motivado por várias infrações graves distintas, algumas das
quais não se encontrem previstas no presente Artigo, o Estado Parte requerido pode
igualmente aplicar o presente Artigo às referidas infrações.
3. Cada uma das infrações às quais se aplica o presente Artigo será considerada incluída, de
pleno direito, entre as infrações que dão lugar a extradição em qualquer tratado de extradição
em vigor entre os Estados Partes. Os Estados Partes comprometem-se a incluir estas infrações
171
entre aquelas cujo autor pode ser extraditado em qualquer tratado de extradição que celebrem
entre si.
4. Se um Estado Parte que condicione a extradição à existência de um tratado receber um
pedido de extradição de um Estado Parte com o qual não celebrou tal tratado, poderá
considerar a presente Convenção como fundamento jurídico da extradição quanto às infrações
a que se aplique o presente Artigo.
5. Os Estados Partes que condicionem a extradição à exisncia de um tratado:
a) No momento do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão
à presente Convenção, indicarão ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas se
consideram a presente Convenção como fundamento jurídico para a cooperação com outros
Estados Partes em matéria de extradição; e
b) Se o considerarem a presente Convenção como fundamento jurídico para cooperar em
matéria de extradição, diligenciarão, se necessário, pela celebração de tratados de extradição
com outros Estados Partes, a fim de darem aplicação ao presente Artigo.
6. Os Estados Partes que não condicionem a extradição à existência de um tratado
reconhecerão entre si, às infrações às quais se aplica o presente Artigo, o caráter de infração
cujo autor pode ser extraditado.
7. A extradição estará sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte
requerido ou em tratados de extradão aplicáveis, incluindo, nomeadamente, condições
relativas à pena mínima requerida para uma extradição e aos motivos pelos quais o Estado
Parte requerido pode recusar a extradição.
8. Os Estados Partes procurarão, sem prejuízo do seu direito interno, acelerar os processos de
extradição e simplificar os requisitos em matéria de prova com eles relacionados, no que se
refere às infrações a que se aplica o presente Artigo.
9. Sem prejuízo do disposto no seu direito interno e nos tratados de extradição que tenha
celebrado, o Estado Parte requerido poderá, a pedido do Estado Parte requerente, se
considerar que as circunstâncias o justificam e que existe urgência, colocar em detenção uma
pessoa, presente no seu território, cuja extradição é pedida, ou adotar a seu respeito quaisquer
outras medidas apropriadas para assegurar a sua presença no processo de extradição.
10. Um Estado Parte em cujo território se encontre o presumível autor da infração, se não
extraditar esta pessoa a título de uma infração à qual se aplica o presente Artigo pelo único
motivo de se tratar de um seu cidadão, deverá, a pedido do Estado Parte requerente da
extradição, submeter o caso, sem demora excessiva, às suas autoridades competentes para
efeitos de procedimento judicial. Estas autoridades tomarão a sua decisão e seguirão os
trâmites do processo da mesma forma que em relação a qualquer outra infração grave, à luz
do direito interno deste Estado Parte. Os Estados Partes interessados cooperarão entre si,
nomeadamente em matéria processual e probatória, para assegurar a eficácia dos referidos
atos judiciais.
11. Quando um Estado Parte, por força do seu direito interno, estiver autorizado a
extraditar ou, por qualquer outra forma, entregar um dos seus cidadãos na condição de que
172
essa pessoa retorne seguidamente ao mesmo Estado Parte para cumprir a pena a que tenha
sido condenada na seqüência do processo ou do procedimento que originou o pedido de
extradição ou de entrega, e quando este Estado Parte e o Estado Parte requerente concordarem
em relação a essa opção e a outras condições que considerem apropriadas, a extradição ou
entrega condicional será suficiente para dar cumprimento à obrigão enunciada no parágrafo
10 do presente Artigo.
12. Se a extradição, pedida para efeitos de execução de uma pena, for recusada porque a
pessoa que é objeto deste pedido é um cidadão do Estado Parte requerido, este, se o seu
direito interno o permitir, em conformidade com as prescrições deste direito e a pedido do
Estado Parte requerente, considerará a possibilidade de dar execução à pena que foi aplicada
em conformidade com o direito do Estado Parte requerente ou ao que dessa pena faltar
cumprir.
13. Qualquer pessoa que seja objeto de um processo devido a qualquer das infrações às quais
se aplica o presente Artigo tegarantido um tratamento eqüitativo em todas as fases do
processo, incluindo o gozo de todos os direitos e garantias previstos no direito interno do
Estado Parte em cujo território se encontra.
14. Nenhuma disposição da presente Convenção deverá ser interpretada no sentido de que
impõe uma obrigação de extraditar a um Estado Parte requerido, se existirem sérias razões
para supor que o pedido foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir uma pessoa
em razão do seu sexo, raça, religião, nacionalidade, origem étnica ou opiniões políticas, ou
que a satisfação daquele pedido provocaria um prejuízo a essa pessoa por alguma destas
razões.
15. Os Estados Partes não poderão recusar um pedido de extradição unicamente por
considerarem que a infração envolve também questões fiscais.
16. Antes de recusar a extradição, o Estado Parte requerido consultará, se for caso disso, o
Estado Parte requerente, a fim de lhe dar a mais ampla possibilidade de apresentar as suas
razões e de fornecer informações em apoio das suas alegações.
17. Os Estados Partes procurao celebrar acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais com
o objetivo de permitir a extradição ou de aumentar a sua eficácia.
Artigo 17
Transferência de pessoas condenadas
Os Estados Partes poderão considerar a celebração de acordos ou protocolos bilaterais ou
multilaterais relativos à transferência para o seu território de pessoas condenadas a penas de
prisão ou outras penas de privação de liberdade devido a infrações previstas na presente
Convenção, para que aí possam cumprir o resto da pena.
Artigo 18
Assistência judiciária recíproca
173
1. Os Estados Partes prestarão reciprocamente toda a assistência judiciária possível nas
investigações, nos processos e em outros atos judiciais relativos às infrações previstas pela
presente Convenção, nos termos do Artigo 3, e prestarão reciprocamente uma assistência
similar quando o Estado Parte requerente tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a
infração a que se referem as alíneas a) ou b) do parágrafo 1 do Artigo 3 é de caráter
transnacional, inclusive quando as vítimas, as testemunhas, o produto, os instrumentos ou os
elementos de prova destas infrações se encontrem no Estado Parte requerido e nelas esteja
implicado um grupo criminoso organizado.
2. Será prestada toda a cooperação judiciária possível, tanto quanto o permitam as leis,
tratados, acordos e protocolos pertinentes do Estado Parte requerido, no âmbito de
investigações, processos e outros atos judiciais relativos a infrações pelas quais possa ser
considerada responsável uma pessoa coletiva no Estado Parte requerente, em conformidade
com o Artigo 10 da presente Convenção.
3. A cooperação judiciária prestada em aplicação do presente Artigo pode ser solicitada para
os seguintes efeitos:
a) Recolher testemunhos ou depoimentos;
b) Notificar atos judiciais;
c) Efetuar buscas, apreensões e embargos;
d) Examinar objetos e locais;
e) Fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos;
f) Fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo
documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas;
g) Identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para
fins probatórios;
h) Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas no Estado Parte requerente;
i) Prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte
requerido.
4. Sem prejuízo do seu direito interno, as autoridades competentes de um Estado Parte
poderão, sem pedido prévio, comunicar informações relativas a questões penais a uma
autoridade competente de outro Estado Parte, se considerarem que estas informações poderão
ajudar a empreender ou concluir com êxito investigações e processos penais ou conduzir este
último Estado Parte a formular um pedido ao abrigo da presente Convenção.
5. A comunicação de informações em conformidade com o parágrafo 4 do presente Artigo
será efetuada sem prejuízo das investigações e dos processos penais no Estado cujas
autoridade competentes fornecem as informações. As autoridades competentes que recebam
estas informações deverão satisfazer qualquer pedido no sentido de manter confidenciais as
referidas informações, mesmo se apenas temporariamente, ou de restringir a sua utilização.
174
Todavia, tal não impedirá o Estado Parte que receba as informações de revelar, no decurso do
processo judicial, informações que inocentem um argüido. Neste último caso, o Estado Parte
que recebeu as informações avisao Estado Parte que as comunicou antes de as revelar e, se
lhe for pedido, consultará este último. Se, num caso excepcional, não for possível uma
comunicação prévia, o Estado Parte que recebeu as informações dará conhecimento da
revelação, prontamente, ao Estado Parte que as tenha comunicado.
6. As disposições do presente Artigo em nada prejudicam as obrigações decorrentes de
qualquer outro tratado bilateral ou multilateral que regule, ou deva regular, inteiramente ou
em parte, a cooperação judiciária.
7. Os parágrafos 9 a 29 do presente Artigo serão aplicáveis aos pedidos feitos em
conformidade com o presente Artigo, no caso de os Estados Partes em questão não estarem
ligados por um tratado de cooperação judiciária. Se os referidos Estados Partes estiverem
ligados por tal tratado, serão aplicáveis as disposições correspondentes desse tratado, a menos
que os Estados Partes concordem em aplicar, em seu lugar, as disposições dos parágrafos 9 a
29 do presente Artigo. Os Estados Partes o fortemente instados a aplicar estes números, se
tal facilitar a cooperação.
8. Os Estados Partes o poderão invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação
judiciária prevista no presente Artigo.
9. Os Estados Partes poderão invocar a ausência de dupla criminalização para recusar prestar
a assistência judiciária prevista no presente Artigo. O Estado Parte requerido poderá, não
obstante, quando o considerar apropriado, prestar esta assistência, na medida em que o decida
por si próprio, independentemente de o ato estar ou o tipificado como uma infração no
direito interno do Estado Parte requerido.
10. Qualquer pessoa detida ou a cumprir pena no território de um Estado Parte, cuja presença
seja requerida num outro Estado Parte para efeitos de identificação, para testemunhar ou para
contribuir por qualquer outra forma para a obtenção de provas no âmbito de investigações,
processos ou outros atos judiciais relativos às infrações visadas na presente Convenção, pode
ser objeto de uma transferência, se estiverem reunidas as seguintes condições:
a) Se referida pessoa, devidamente informada, der o seu livre consentimento;
b) Se as autoridades competentes dos dois Estados Partes em questão derem o seu
consentimento, sob reserva das condições que estes Estados Partes possam considerar
convenientes.
11. Para efeitos do parágrafo 10 do presente Artigo:
a) O Estado Parte para o qual a transferência da pessoa em questão for efetuada terá o poder e
a obrigação de a manter detida, salvo pedido ou autorização em contrário do Estado Parte do
qual a pessoa foi transferida;
b) O Estado Parte para o qual a transferência for efetuada cumprirá prontamente a obrigação
de entregar a pessoa à guarda do Estado Parte do qual foi transferida, em conformidade com o
que tenha sido previamente acordado ou com o que as autoridades competentes dos dois
Estados Partes tenham decidido;
175
c) O Estado Parte para o qual for efetuada a transferência não poderá exigir do Estado Parte
do qual a transferência foi efetuada que abra um processo de extradição para que a pessoa lhe
seja entregue;
d) O período que a pessoa em questão passe detida no Estado Parte para o qual for transferida
é contado para o cumprimento da pena que lhe tenha sido aplicada no Estado Parte do qual for
transferida;
12. A menos que o Estado Parte do qual a pessoa for transferida, ao abrigo dos parágrafos 10
e 11 do presente Artigo, esteja de acordo, a pessoa em questão, seja qual for a sua
nacionalidade, não será objecto de processo judicial, detida, punida ou sujeita a outras
restrições à sua liberdade de movimentos no território do Estado Parte para o qual seja
transferida, devido a atos, omises ou condenações anteriores à sua partida do território do
Estado Parte do qual foi transferida.
13. Cada Estado Parte designauma autoridade central que terá a responsabilidade e o poder
de receber pedidos de cooperação judiciária e, quer de os executar, quer de os transmitir às
autoridades competentes para execução. Se um Estado Parte possuir uma região ou um
território especial dotado de um sistema de cooperação judiciária diferente, poderá designar
uma autoridade central distinta, que terá a mesma função para a referida região ou território.
As autoridades centrais deverão assegurar a execução ou a transmissão rápida e em boa e
devida forma dos pedidos recebidos. Quando a autoridade central transmitir o pedido a uma
autoridade competente para execução, instará pela execução rápida e em boa e devida forma
do pedido por parte da autoridade competente. O Secretário Geral da Organização das Nações
Unidas será notificado da autoridade central designada para este efeito no momento em que
cada Estado Parte depositar os seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou
adesão à presente Convenção. Os pedidos de cooperação judiciária e qualquer comunicação
com eles relacionada serão transmitidos às autoridades centrais designadas pelos Estados
Partes. A presente disposão não afetará o direito de qualquer Estado Parte a exigir que estes
pedidos e comunicações lhe sejam remetidos por via diplomática e, em caso de urgência, e se
os Estados Partes nisso acordarem, por intermédio da Organização Internacional de Polícia
Criminal, se tal for possível.
14. Os pedidos serão formulados por escrito ou, se possível, por qualquer outro meio capaz de
produzir registro escrito, numa língua que seja aceita pelo Estado Parte requerido, em
condições que permitam a este Estado Parte verificar a sua autenticidade. O Secretário Geral
das Nações Unidas será notificado a respeito da ngua ou línguas aceitas por cada Estado
Parte no momento em que o Estado Parte em questão depositar os seus instrumentos de
ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção. Em caso de urgência, e se
os Estados Partes nisso acordarem, os pedidos poderão ser feitos oralmente, mais deverão ser
imediatamente confirmados por escrito.
15. Um pedido de assistência judiciária deverá conter as seguintes informações:
a) A designação da autoridade que emite o pedido;
b) O objeto e a natureza da investigação, dos processos ou dos outros atos judiciais a que se
refere o pedido, bem como o nome e as funções da autoridade que os tenha a cargo;
1
76
c) Um resumo dos fatos relevantes, salvo no caso dos pedidos efetuados para efeitos de
notificação de atos judiciais;
d) Uma descrição da assistência pretendida e pormenores de qualquer procedimento
específico que o Estado Parte requerente deseje ver aplicado;
e) Caso seja possível, a identidade, endereço e nacionalidade de qualquer pessoa visada; e
f) O fim para o qual são pedidos os elementos, informações ou medidas.
16. O Estado Parte requerido poderá solicitar informações adicionais, quando tal se afigure
necessário à execução do pedido em conformidade com o seu direito interno, ou quando tal
possa facilitar a execução do pedido.
17. Qualquer pedido será executado em conformidade com o direito interno do Estado Parte
requerido e, na medida em que tal não contrarie este direito e seja possível, em conformidade
com os procedimentos especificados no pedido.
18. Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno,
quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como
testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro
Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconfencia, se não
for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os
Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial
do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte
requerido.
19. O Estado Parte requerente não comunicanem utilizará as informações ou os elementos
de prova fornecidos pelo Estado Parte requerido para efeitos de investigações, processos ou
outros atos judiciais diferentes dos mencionados no pedido sem o consentimento prévio do
Estado Parte requerido. O disposto neste número não impedirá o Estado Parte requerente de
revelar, durante o processo, informações ou elementos de prova ilibatórios de um argüido.
Neste último caso, o Estado Parte requerente avisará, antes da revelação, o Estado Parte
requerido e, se tal lhe for pedido, consultará neste último. Se, num caso excepcional, não for
possível uma comunicação prévia, o Estado Parte requerente informará da revelão,
prontamente, o Estado Parte requerido.
20. O Estado Parte requerente poderá exigir que o Estado Parte requerido guarde sigilo sobre
o pedido e o seu conteúdo, salvo na medida do que seja necessário para o executar. Se o
Estado Parte requerido não puder satisfazer esta exigência, informaprontamente o Estado
Parte requerente.
21. A cooperação judiciária poderá ser recusada:
a) Se o pedido não for feito em conformidade com o disposto no presente Artigo;
b) Se o Estado Parte requerido considerar que a execução do pedido pode afetar sua
soberania, sua segurança, sua ordem pública ou outros interesses essenciais;
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c) Se o direito interno do Estado Parte requerido proibir suas autoridades de executar as
providências solicitadas com relação a uma infração análoga que tenha sido objeto de
investigação ou de procedimento judicial no âmbito da sua própria competência;
d) Se a aceitação do pedido contrariar o sistema jurídico do Estado Parte requerido no que se
refere à cooperação judiciária.
22. Os Estados Partes não poderão recusar um pedido de cooperação judiciária unicamente
por considerarem que a infração envolve também questões fiscais.
23. Qualquer recusa de cooperação judiciária deverá ser fundamentada.
24. O Estado Parte requerido executará o pedido de cooperação judiciária tão prontamente
quanto possível e terá em conta, na medida do possível, todos os prazos sugeridos pelo Estado
Parte requerente para os quais sejam dadas justificações, de preferência no pedido. O Estado
Parte requerido responderá aos pedidos razoáveis do Estado Parte requerente quanto ao
andamento das diligências solicitadas. Quando a assistência pedida deixar de ser necessária, o
Estado Parte requerente informará prontamente desse fato o Estado Parte requerido.
25. A cooperação judiciária poderá ser diferida pelo Estado Parte requerido por interferir com
uma investigação, processos ou outros atos judiciais em curso.
26. Antes de recusar um pedido feito ao abrigo do parágrafo 21 do presente Artigo ou de
diferir a sua execução ao abrigo do parágrafo 25, o Estado Parte requerido estudará com o
Estado Parte requerente a possibilidade de prestar a assistência sob reserva das condições que
considere necessárias. Se o Estado Parte requerente aceitar a assistência sob reserva destas
condições, deverá respeitá-las.
27. Sem prejuízo da aplicação do parágrafo 12 do presente Artigo, uma testemunha, um perito
ou outra pessoa que, a pedido do Estado Parte requerente, aceite depor num processo ou
colaborar numa investigação, em processos ou outros atos judiciais no território do Estado
Parte requerente, o será objeto de processo, detida, punida ou sujeita a outras restrições à
sua liberdade pessoal neste território, devido a atos, omissões ou condenações anteriores à sua
partida do território do Estado Parte requerido. Esta imunidade cessa quando a testemunha, o
perito ou a referida pessoa, tendo tido, durante um período de quinze dias consecutivos ou
qualquer outro período acordado pelos Estados Partes, a contar da data em que recebeu a
comunicação oficial de que a sua presença não era exigida pelas autoridades judiciais, a
possibilidade de deixar o território do Estado Parte requerente, nele tenha voluntariamente
permanecido ou, tendo-o deixado, a ele tenha regressado de livre vontade.
28. As despesas correntes com a execução de um pedido serão suportadas pelo Estado Parte
requerido, salvo acordo noutro sentido dos Estados Partes interessados. Quando venham a
revelar-se necessárias despesas significativas ou extraordinárias para executar o pedido, os
Estados Partes consultar-se-ão para fixar as condições segundo as quais o pedido deverá ser
executado, bem como o modo como as despesas serão assumidas.
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29. O Estado Parte requerido:
a) Fornecerá ao Estado Parte requerente cópias dos processos, documentos ou informações
administrativas que estejam em seu poder e que, por força do seu direito interno, estejam
acessíveis ao público;
b) Poderá, se assim o entender, fornecer ao Estado Parte requerente, na íntegra ou nas
condições que considere apropriadas, cópias de todos os processos, documentos ou
informões que estejam na sua posse e que, por força do seu direito interno, não sejam
acessíveis ao público.
30. Os Estados Partes considerarão, se necessário, a possibilidade de celebrarem acordos ou
protocolos bilaterais ou multilaterais que sirvam os objetivos e as disposições do presente
Artigo, reforçando-as ou dando-lhes maior eficácia.
Artigo 19
Investigações conjuntas
Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou
multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação,
processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam
estabelecer óros mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá
ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes
envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a
investigação seja plenamente respeitada.
Artigo 20
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada
Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições
prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso
apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas
especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as
operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de
combater eficazmente a criminalidade organizada.
2. Para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os
Estados Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou
multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da
cooperação internacional. Estes acordos ou protocolos serão celebrados e aplicados sem
prejuízo do princípio da igualdade soberana dos Estados e serão executados em estrita
conformidade com as disposições neles contidas.
3. Na ausência dos acordos ou protocolos referidos no parágrafo 2 do presente Artigo, as
decisões de recorrer a técnicas especiais de investigação a nível internacional serão tomadas
casuisticamente e poderão, se necessário, ter em conta acordos ou protocolos financeiros
relativos ao exercício de jurisdição pelos Estados Partes interessados.
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4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a vel internacional podeo incluir,
com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de
mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após
subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Artigo 21
Transferência de processos penais
Os Estados Partes considerarão a possibilidade de transferirem mutuamente os processos
relativos a uma infração prevista na presente Convenção, nos casos em que esta transferência
seja considerada necessária no interesse da boa administração da justiça e, em especial,
quando estejam envolvidas várias jurisdições, a fim de centralizar a instrução dos processos.
Artigo 22
Estabelecimento de antecedentes penais
Cada Estado Parte poderá adotar as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para
ter em consideração, nas condições e para os efeitos que entender apropriados, qualquer
condenação de que o presumível autor de uma infração tenha sido objeto noutro Estado, a fim
de utilizar esta informação no âmbito de um processo penal relativo a uma infração prevista
na presente Convenção.
Artigo 23
Criminalização da obstrução à justiça
Cada Estado Parte adotará medidas legislativas e outras consideradas necessárias para conferir
o caráter de infração penal aos seguintes atos, quando cometidos intencionalmente:
a) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação, ou a promessa, oferta ou concessão de
um benefício indevido para obtenção de um falso testemunho ou para impedir um testemunho
ou a apresentação de elementos de prova num processo relacionado com a prática de infrações
previstas na presente Convenção;
b) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação para impedir um agente judicial ou
policial de exercer os deveres inerentes à sua fuão relativamente à prática de infrações
previstas na presente Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos
Estados Partes de disporem de legislação destinada a proteger outras categorias de agentes
públicos.
Artigo 24
Proteção das testemunhas
1. Cada Estado Parte, dentro das suas possibilidades, adotará medidas apropriadas para
assegurar uma proteção eficaz contra eventuais atos de represália ou de intimidação das
testemunhas que, no âmbito de processos penais, deponham sobre infrações previstas na
180
presente Convenção e, quando necessário, aos seus familiares ou outras pessoas que lhes
sejam próximas.
2. Sem prejuízo dos direitos do argüido, incluindo o direito a um julgamento regular, as
medidas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo poderão incluir, entre outras:
a) Desenvolver, para a proteção física destas pessoas, procedimentos que visem, consoante as
necessidades e na medida do possível, nomeadamente, fornecer-lhes um novo domicílio e
impedir ou restringir a divulgação de informações relativas à sua identidade e paradeiro;
b) Estabelecer normas em matéria de prova que permitam às testemunhas depor de forma a
garantir a sua segurança, nomeadamente autorizando-as a depor com recurso a meios técnicos
de comunicação, como ligações de vídeo ou outros meios adequados.
3. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos com outros Estados
para facultar um novo domicílio às pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo.
4. As disposições do presente Artigo aplicam-se igualmente às vítimas, quando forem
testemunhas.
Artigo 25
Assistência e proteção às vítimas
1. Cada Estado Parte adotará, segundo as suas possibilidades, medidas apropriadas para
prestar assistência e assegurar a proteção às vítimas de infrações previstas na presente
Convenção, especialmente em caso de ameaça de represálias ou de intimidação.
2. Cada Estado Parte estabelecerá procedimentos adequados para que as vítimas de infrações
previstas na presente Convenção possam obter reparação.
3. Cada Estado Parte, sem prejuízo do seu direito interno, assegurará que as opiniões e
preocupações das vítimas sejam apresentadas e tomadas em consideração nas fases adequadas
do processo penal aberto contra os autores de infrações, por forma que não prejudique os
direitos da defesa.
Artigo 26
Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da
lei
1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem
ou tenham participado em grupos criminosos organizados:
a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e
produção de provas, nomeadamente
i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos
criminosos organizados;
181
ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos
organizados;
iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar;
b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir
para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime.
2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a
pena de que é passível um argüido que coopere de forma substancial na investigação ou no
julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.
3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios
fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que
coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração
prevista na presente Convenção.
4. A proteção destas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção.
5. Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num
Estado Parte e possa prestar uma cooperação substancial às autoridades competentes de outro
Estado Parte, os Estados Partes em questão poderão considerar a celebração de acordos, em
conformidade com o seu direito interno, relativos à eventual concessão, pelo outro Estado
Parte, do tratamento descrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.
Artigo 27
Cooperação entre as autoridades competentes para a aplicação da lei
1. Os Estados Partes cooperarão estreitamente, em conformidade com os seus respectivos
ordenamentos jurídicos e administrativos, a fim de reforçar a eficácia das medidas de controle
do cumprimento da lei destinadas a combater as infrações previstas na presente Convenção.
Especificamente, cada Estado Parte adotará medidas eficazes para:
a) Reforçar ou, se necessário, criar canais de comunicação entre as suas autoridades,
organismos e serviços competentes, para facilitar a rápida e segura troca de informações
relativas a todos os aspectos das infrações previstas na presente Convenção, incluindo, se os
Estados Partes envolvidos o considerarem apropriado, ligações com outras atividades
criminosas;
b) Cooperar com outros Estados Partes, quando se trate de infrações previstas na presente
Convenção, na condução de investigações relativas aos seguintes aspectos:
i) Identidade, localização e atividades de pessoas suspeitas de implicação nas referidas
infrações, bem como localização de outras pessoas envolvidas;
ii) Movimentação do produto do crime ou dos bens provenientes da prática destas infrações;
iii) Movimentação de bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou destinados a
ser utilizados na prática destas infrações;
182
c) Fornecer, quando for caso disso, os elementos ou as quantidades de substâncias necessárias
para fins de análise ou de investigação;
d) Facilitar uma coordenação eficaz entre as autoridades, organismos e serviços competentes e
promover o intercâmbio de pessoal e de peritos, incluindo, sob reserva da existência de
acordos ou protocolos bilaterais entre os Estados Partes envolvidos, a designação de agentes
de ligação;
e) Trocar informações com outros Estados Partes sobre os meios e métodos específicos
utilizados pelos grupos criminosos organizados, incluindo, se for caso disso, sobre os
itinerários e os meios de transporte, bem como o uso de identidades falsas, de documentos
alterados ou falsificados ou outros meios de dissimulação das suas atividades;
f) Trocar informações e coordenar as medidas administrativas e outras tendo em vista detectar
o mais rapidamente possível as infrações previstas na presente Convenção.
2. Para dar aplicação à presente Convenção, os Estados Partes considerarão a possibilidade de
celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais que prevejam uma cooperação direta
entre as suas autoridades competentes para a aplicação da lei e, quando tais acordos ou
protocolos já existam, considerarão a possibilidade de os alterar. Na ausência de tais acordos
entre os Estados Partes envolvidos, estes últimos poderão basear-se na presente Convenção
para instituir uma cooperação em matéria de detecção e repressão das infrações previstas na
presente Convenção. Sempre que tal se justifique, os Estados Partes utilizarão plenamente os
acordos ou protocolos, incluindo as organizações internacionais ou regionais, para intensificar
a cooperação entre as suas autoridades competentes para a aplicação da lei.
3. Os Estados Partes procurarão cooperar, na medida das suas possibilidades, para enfrentar o
crime organizado transnacional praticado com recurso a meios tecnológicos modernos.
Artigo 28
Coleta, intercâmbio e análise de informações sobre a natureza do crime organizado
1. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de analisar, em consulta com os meios
científicos e universitários, as tendências da criminalidade organizada no seu território, as
circunstâncias em que opera e os grupos profissionais e tecnologias envolvidos.
2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de desenvolver as suas capacidades de
análise das atividades criminosas organizadas e de as partilhar diretamente entre si e por
intermédio de organizões internacionais e regionais. Para este efeito, deverão ser elaboradas
e aplicadas, quando for caso disso, definições, normas e metodologias comuns.
3. Cada Estado Parte considerará o estabelecimento de meios de acompanhamento das suas
políticas e das medidas tomadas para combater o crime organizado, avaliando a sua aplicação
e eficácia.
Artigo 29
Formação e assistência técnica
183
1. Cada Estado Parte estabelecerá, desenvolverá ou melhorará, na medida das necessidades,
programas de formação específicos destinados ao pessoal das autoridades competentes para a
aplicação da lei, incluindo promotores públicos, juizes de instrução e funcionários aduaneiros,
bem como outro pessoal que tenha por função prevenir, detectar e reprimir as infrações
previstas na presente Convenção. Estes programas, que poderão prever cessões e intercâmbio
de pessoal, incidirão especificamente, na medida em que o direito interno o permita, nos
seguintes aspectos:
a) Métodos utilizados para prevenir, detectar e combater as infrações previstas na presente
Convenção;
b) Rotas e técnicas utilizadas pelas pessoas suspeitas de implicação em infrações previstas na
presente Convenção, incluindo nos Estados de trânsito, e medidas adequadas de combate;
c) Vigilância das movimentações dos produtos de contrabando;
d) Detecção e vigilância das movimentações do produto do crime, de bens, equipamentos ou
outros instrumentos, de métodos de transferência, dissimulação ou disfarce destes produtos,
bens, equipamentos ou outros instrumentos, bem como métodos de luta contra a lavagem de
dinheiro e outras infrações financeiras;
e) Coleta de provas;
f) Técnicas de controle nas zonas francas e nos portos francos;
g) Equipamentos e técnicas modernas de detecção e de repressão, incluindo a vigilância
eletnica, as entregas vigiadas e as operões de infiltrão;
h) Métodos utilizados para combater o crime organizado transnacional cometido por meio de
computadores, de redes de telecomunicações ou outras tecnologias modernas; e
i) Métodos utilizados para a proteção das vítimas e das testemunhas.
2. Os Estados Partes deverão cooperar entre si no planejamento e execução de programas de
investigação e de formação concebidos para o intercâmbio de conhecimentos especializados
nos domínios referidos no parágrafo 1 do presente Artigo e, para este efeito, recorrerão
também, quando for caso disso, a conferências e seminários regionais e internacionais para
promover a cooperação e estimular as trocas de pontos de vista sobre problemas comuns,
incluindo os problemas e necessidades específicos dos Estados de trânsito.
3. Os Estados Partes incentivarão as atividades de formação e de assistência técnica
suscetíveis de facilitar a extradição e a cooperação judiciária. Estas atividades de cooperação
e de assistência técnica poderão incluir ensino de idiomas, cessões e intercâmbio do pessoal
das autoridades centrais ou de organismos que tenham responsabilidades nos domínios em
questão.
4. Sempre que se encontrem em vigor acordos bilaterais ou multilaterais, os Estados Partes
reforçarão, tanto quanto for necessário, as medidas tomadas no sentido de otimizar as
atividades operacionais e de formação no âmbito de organizações internacionais e regionais e
no âmbito de outros acordos ou protocolos bilaterais e multilaterais na matéria.
184
Artigo 30
Outras medidas: aplicação da Convenção através do desenvolvimento econômico e da
assistência técnica
1. Os Estados Partes tomarão as medidas adequadas para assegurar a melhor aplicação
possível da presente Convenção através da cooperação internacional, tendo em conta os
efeitos negativos da criminalidade organizada na sociedade em geral e no desenvolvimento
sustentável em particular.
2. Os Estados Partes farão esforços concretos, na medida do possível, em coordenão entre si
e com as organizações regionais e internacionais:
a) Para desenvolver a sua cooperação a vários veis com os países em desenvolvimento, a
fim de reforçar a capacidade destes para prevenir e combater a criminalidade organizada
transnacional;
b) Para aumentar a assistência financeira e material aos países em desenvolvimento, a fim de
apoiar os seus esforços para combater eficazmente a criminalidade organizada transnacional e
ajudá-los a aplicar com êxito a presente Convenção;
c) Para fornecer uma assistência técnica aos países em desenvolvimento e aos países com uma
economia de transição, a fim de ajudá-los a obter meios para a aplicação da presente
Convenção. Para este efeito, os Estados Partes procurarão destinar voluntariamente
contribuições adequadas e regulares a uma conta constituída especificamente para este fim no
âmbito de um mecanismo de financiamento das Nações Unidas. Os Estados Partes poderão
também considerar, especificamente, em conformidade com o seu direito interno e as
disposições da presente Convenção, a possibilidade de destinarem à conta acima referida uma
percentagem dos fundos ou do valor correspondente do produto do crime ou dos bens
confiscados em aplicação das disposições da presente Convenção;
d) Para incentivar e persuadir outros Estados e instituições financeiras, quando tal se
justifique, a associarem-se aos esforços desenvolvidos em conformidade com o presente
Artigo, nomeadamente fornecendo aos países em desenvolvimento mais programas de
formação e material moderno, a fim de os ajudar a alcançar os objetivos da presente
Convenção.
e) Tanto quanto possível, estas medidas serão tomadas sem prejuízo dos compromissos
existentes em matéria de assistência externa ou de outros acordos de cooperação financeira a
nível bilateral, regional ou internacional.
4. Os Estados Partes poderão celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais
relativos a assistência técnica e logística, tendo em conta os acordos financeiros necessários
para assegurar a eficácia dos meios de cooperação internacional previstos na presente
Convenção, e para prevenir, detectar e combater a criminalidade organizada transnacional.
Artigo 31
Prevenção
185
1. Os Estados Partes procurarão elaborar e avaliar projetos nacionais, bem como estabelecer e
promover as melhores práticas e políticas para prevenir a criminalidade organizada
transnacional.
2. Em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, os Estados Partes
procurarão reduzir, através de medidas legislativas, administrativas ou outras que sejam
adequadas, as possibilidades atuais ou futuras de participação de grupos criminosos
organizados em negócios lícitos utilizando o produto do crime. Estas medidas deverão incidir:
a) No fortalecimento da cooperação entre autoridades competentes para a aplicação da lei ou
promotores e entidades privadas envolvidas, incluindo empresas;
b) Na promoção da elaboração de normas e procedimentos destinados a preservar a
integridade das entidades públicas e privadas envolvidas, bem como de códigos de conduta
para determinados profissionais, em particular advogados, tabeliães, consultores tributários e
contadores;
c) Na prevenção da utilização indevida, por grupos criminosos organizados, de concursos
públicos, bem como de subvenções e licenças concedidas por autoridades públicas para a
realização de atividades comerciais;
d) Na prevenção da utilização indevida de pessoas jurídicas por grupos criminosos
organizados; estas medidas poderão incluir:
i) O estabelecimento de registros públicos de pessoas jurídicas e físicas envolvidas na criação,
gestão e financiamento de pessoas jurídicas;
ii) A possibilidade de privar, por decisão judicial ou por qualquer outro meio adequado, as
pessoas condenadas por infrações previstas na presente Convenção, por um período adequado,
do direito de exercerem funções de direção de pessoas jurídicas estabelecidas no seu
território;
iii) O estabelecimento de registos nacionais de pessoas que tenham sido privadas do direito de
exercerem funções de direção de pessoas jurídicas; e
iv) O intercâmbio de informações contidas nos registros referidos nas incisos i) e iii) da
presente alínea com as autoridades competentes dos outros Estados Partes.
3. Os Estados Partes procurarão promover a reinserção na sociedade das pessoas condenadas
por infrações previstas na presente Convenção.
4. Os Estados Partes procurarão avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as práticas
administrativas aplicáveis, a fim de determinar se contêm lacunas que permitam aos grupos
criminosos organizados fazerem deles utilização indevida.
5. Os Estados Partes procurarão sensibilizar melhor o público para a existência, as causas e a
gravidade da criminalidade organizada transnacional e para a ameaça que representa. Poderão
fazê-lo, quando for o caso, por intermédio dos meios de comunicão social e adotando
medidas destinadas a promover a participação do público nas ações de prevenção e combate à
criminalidade.
186
6. Cada Estado Parte comunicará ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas o
nome e o endereço da(s) autoridade(s) que poderão assistir os outros Estados Partes na
aplicação das medidas de prevenção do crime organizado transnacional.
7. Quando tal se justifique, os Estados Partes colaborarão, entre si e com as organizações
regionais e internacionais competentes, a fim de promover e aplicar as medidas referidas no
presente Artigo. A este título, participarão em projetos internacionais que visem prevenir a
criminalidade organizada transnacional, atuando, por exemplo, sobre os fatores que tornam os
grupos socialmente marginalizados vulneveis à sua ação.
Artigo 32
Conferência das Partes na Convenção
1. Será instituída uma Conferência das Partes na Convenção, para melhorar a capacidade dos
Estados Partes no combate à criminalidade organizada transnacional e para promover e
analisar a aplicação da presente Convenção.
2. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas convocará a Conferência das Partes,
o mais tardar, um ano após a entrada em vigor da presente Convenção. A Conferência das
Partes adotará um regulamento interno e regras relativas às atividades enunciadas nos
parágrafos 3 e 4 do presente Artigo (incluindo regras relativas ao financiamento das despesas
decorrentes dessas atividades).
3. A Conferência das Partes acordará em mecanismos destinados a atingir os objetivos
referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, nomeadamente:
a) Facilitando as ações desenvolvidas pelos Estados Partes em aplicação dos Artigos 29, 30 e
31 da presente Convenção, inclusive incentivando a mobilização de contribuições voluntárias;
b) Facilitando o intercâmbio de informações entre Estados Partes sobre as características e
tendências da criminalidade organizada transnacional e as práticas eficazes para a combater;
c) Cooperando com as organizações regionais e internacionais e as organizações não-
governamentais competentes;
d) Avaliando, a intervalos regulares, a aplicação da presente Convenção;
e) Formulando recomendações a fim de melhorar a presente Convenção e a sua aplicação;
4. Para efeitos das alíneas d) e e) do parágrafo 3 do presente Artigo, a Conferência das Partes
inteirar-se-á das medidas adotadas e das dificuldades encontradas pelos Estados Partes na
aplicação da presente Convenção, utilizando as informações que estes lhe comuniquem e os
mecanismos complementares de análise que venha a criar.
5. Cada Estado Parte comunicará à Conferência das Partes, a solicitação desta, informações
sobre os seus programas, planos e práticas, bem como sobre as suas medidas legislativas e
administrativas destinadas a aplicar a presente Convenção.
187
Artigo 33
Secretariado
1. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas fornecerá os serviços de
secretariado necessários à Conferência das Partes na Convenção.
2. O secretariado:
a) Apoiará a Conferência das Partes na realização das atividades enunciadas no Artigo 32 da
presente Convenção, tomará as disposições e prestará os serviços necesrios para as sessões
da Conferência das Partes;
b) Assistios Estados Partes, a pedido destes, no fornecimento à Conferência das Partes das
informões previstas no parágrafo 5 do Artigo 32 da presente Convenção; e
c) Assegurará a coordenação necessária com os secretariados das organizações regionais e
internacionais.
Artigo 34
Aplicação da Convenção
1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias, incluindo legislativas e administrativas,
em conformidade com os princípios fundamentais do seu direito interno, para assegurar o
cumprimento das suas obrigações decorrentes da presente Convenção.
2. As infrações enunciadas nos Artigos 5, 6, 8 e 23 da presente Convenção serão incorporadas
no direito interno de cada Estado Parte, independentemente da sua natureza transnacional ou
da implicão de um grupo criminoso organizado nos termos do parágrafo 1 do Artigo 3 da
presente Convenção, salvo na medida em que o Artigo 5 da presente Convenção exija o
envolvimento de um grupo criminoso organizado.
3. Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou mais severas do que as previstas
na presente Convenção a fim de prevenir e combater a criminalidade organizada
transnacional.
Artigo 35
Solução de Controvérsias
1. Os Estados Partes procurarão solucionar controvérsias relativas à interpretação ou
aplicação da presente Convenção por negociação direta.
2. Qualquer controvérsia entre dois ou mais Estados Partes relativa à interpretação ou
aplicação da presente Convenção que não possa ser resolvida por via negocial num prazo
razoável será, a pedido de um destes Estados Partes, submetida a arbitragem. Se, no prazo de
seis meses a contar da data do pedido de arbitragem, os Estados Partes não chegarem a acordo
sobre a organização da arbitragem, qualquer deles poderá submeter a controvérsia ao Tribunal
188
Internacional de Justiça, mediante requerimento em conformidade com o Estatuto do
Tribunal.
3. Qualquer Estado Parte poderá, no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação ou da
aprovação da presente Convenção, ou da adesão a esta, declarar que não se considera
vinculado pelo parágrafo 2 do presente Artigo. Os outros Estados Partes o estarão
vinculados pelo parágrafo 2 do presente Artigo em relação a qualquer Estado Parte que tenha
formulado esta reserva.
4. Um Estado Parte que tenha formulado uma reserva ao abrigo do parágrafo 3 do presente
Artigo poderá retirá-la a qualquer momento, mediante notificação do Secretário Geral da
Organização das Nações Unidas.
Artigo 36
Assinatura, ratificão, aceitação, aprovação e adesão
1. A presente Convenção será aberta à assinatura de todos os Estados entre 12 e 15 de
Dezembro de 2000, em Palermo (Itália) e, seguidamente, na sede da Organização das Nações
Unidas, em Nova Iorque, até 12 de Dezembro de 2002.
2. A presente Convenção estará igualmente aberta à assinatura de organizações regionais de
integração econômica, desde que pelos menos um Estado-Membro dessa organização tenha
assinado a presente Convenção, em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo.
3. A presente Convenção será submetida a ratificação, aceitação ou aprovação. Os
instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovão serão depositados junto do Secretário
Geral da Organizão das Nações Unidas. Uma organização regional de integração
econômica poderá depositar os seus instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação se
pelo menos um dos seus Estados-Membros o tiver feito. Neste instrumento de ratificação,
aceitação ou aprovação, a organização declarará o âmbito da sua competência em relação às
questões que são objeto da presente Convenção. Informará igualmente o depositário de
qualquer alteração relevante do âmbito da sua competência.
4. A presente Convenção estará aberta à adesão de qualquer Estado ou de qualquer
organização regional de integração econômica de que, pelo menos, um Estado membro seja
parte na presente Convenção. Os instrumentos de adesão serão depositados junto do
Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. No momento da sua adesão, uma
organização regional de integração econômica declarará o âmbito da sua competência em
relação às questões que o objeto da presente Convenção. Informará igualmente o
depositário de qualquer alteração relevante do âmbito dessa competência.
Artigo 37
Relação com os protocolos
1. A presente Convenção poderá ser completada por um ou mais protocolos.
2. Para se tornar Parte num protocolo, um Estado ou uma organização regional de integração
econômica deverá igualmente ser Parte na presente Convenção.
189
3. Um Estado Parte na presente Convenção não estará vinculado por um protocolo, a menos
que se torne Parte do mesmo protocolo, em conformidade com as disposições deste.
4. Qualquer protocolo à presente Convenção será interpretado conjuntamente com a presente
Convenção, tendo em conta a finalidade do mesmo protocolo.
Artigo 38
Entrada em vigor
1. A presente Convenção entrará em vigor no nonagésimo dia seguinte à data de depósito do
quadragésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão. Para efeitos do
presente número, nenhum dos instrumentos depositados por uma organizão regional de
integração econômica será somado aos instrumentos depositados pelos Estados membros
dessa organização.
2. Para cada Estado ou organizão regional de integração econômica que ratifique, aceite ou
aprove a presente Convenção ou a ela adira após o depósito do quadragésimo instrumento
pertinente, a presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia seguinte à data de
depósito do instrumento pertinente do referido Estado ou organização.
Artigo 39
Emendas
1. Quando tiverem decorrido cinco anos a contar da entrada em vigor da presente Convenção,
um Estado Parte poderá propor uma emenda e depositar o respectivo texto junto do Secretário
Geral da Organização das Nações Unidas, que em seguida comunicaa proposta de emenda
aos Estados Partes e à Confencia das Partes na Convenção, para exame da proposta e
adoção de uma decisão. A Confencia das Partes esforçar-se-á por chegar a um consenso
sobre qualquer emenda. Se todos os esforços nesse sentido se tiverem esgotado sem que se
tenha chegado a acordo, será necessário, como último recurso para que a emenda seja
aprovada, uma votação por maioria de dois terços dos votos expressos dos Estados Partes
presentes na Conferência das Partes.
2. Para exercerem, ao abrigo do presente Artigo, o seu direito de voto nos domínios em que
sejam competentes, as organizações regionais de integração econômica disporão de um
número de votos igual ao número dos seus Estados-Membros que sejam Partes na presente
Convenção. Não exercerão o seu direito de voto quando os seus Estados-Membros exercerem
os seus, e inversamente.
3. Uma emenda aprovada em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo estará
sujeita à ratificação, aceitação ou aprovação dos Estados Partes.
4. Uma emenda aprovada em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo entrará em
vigor para um Estado Parte noventa dias após a data de desito pelo mesmo Estado Parte
junto do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas de um instrumento de
ratificação, aceitação ou aprovação da referida emenda.
190
5. Uma emenda que tenha entrado em vigor será vinculativa para os Estados Partes que
tenham declarado o seu consentimento em serem por ela vinculados. Os outros Estados Partes
permanecerão vinculados pelas disposições da presente Convenção e por todas as emendas
anteriores que tenham ratificado, aceite ou aprovado.
Artigo 40
Denúncia
1. Um Estado Parte poderá denunciar a presente Convenção mediante notificação escrita
dirigida ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. A denúncia tornar-se-á
efetiva um ano as a data da recepção da notificação pelo Secretário Geral.
2. Uma organização regional de integração econômica cessará de ser Parte na presente
Convenção quando todos os seus Estados-Membros a tenham denunciado.
3. A denúncia da presente Convenção, em conformidade com o parágrafo 1 do presente
Artigo, implica a denúncia de qualquer protocolo a ela associado.
Artigo 41
Depositário e línguas
1. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas será o depositário da presente
Convenção.
2. O original da presente Convenção, cujos textos em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês
e russo fazem igualmente , será depositado junto do Secretário Geral da Organização das
Nações Unidas.
EM FÉ DO QUE os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente mandatados para o
efeito pelos respectivos Governos, assinaram a presente Convenção.
191
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