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As controvérsias sobre a existência de um mundo material em oposição
a um mundo interior, da vida psíquica, sugerida pela noção de corpo e alma
assimilada da teologia, conduziram Edmund Husserl (1859-1938) à atitude de
apreciação do fenômeno como modo de atingir a verdade. O fenômeno,
pensado por Husserl, é tomado como a unidade da existência, o ponto de
convergência que une o indivíduo às coisas do mundo. A fenomenologia
husserliana consistia numa reflexão sobre este sujeito pensante e apreendia-o
como “sujeito puro”, independentemente das determinações vindas do objeto.
Através de atividades da consciência como a percepção, a memória imediata, ou
a designação simbólica, é possível ao sujeito pensante entrar em relação com
as coisas. Por isso a consciência que se tem das coisas é intencional, ou seja,
dirige-se aos objetos
25
. A consciência pode visar algo – o objeto – de diversas
maneiras: como presente, passado ou futuro, como real ou possível, mas visa
sempre um objeto, algo que não é ela, que lhe é exterior.
Martin Heidegger (1889-1975) retoma esta idéia, mas não promove a
redução do ser das coisas ao fenômeno como o caminho para se chegar às
suas essências fenomenológicas. Heidegger pensa que é através do homem
que o ser do fenômeno surge do caos, mas reciprocamente este surgimento do
fenômeno constitui o ser do homem (o Dasein). Ele aceita a assertiva de
Husserl de que a consciência é consciência de algo; a consciência é
condicionada pela aparição da coisa, entretanto, o seu ser não tem mais
consistência do que o ser do fenômeno que lhe deve a existência. Heidegger
em Ser e Tempo caracteriza esta idéia quando afirma que o “ser é sempre o ser
de um ente”
26
; e o ente é o que existe e que, segundo ele, apresenta
existencialidade
27
. O ser é viabilizado em sua “aparição” pelo ente. Nesta obra
Heidegger apresenta sua extensa investigação sobre a questão do ser, e em
sua metodologia usa o termo ontologia como o questionamento que esclarece o
sentido do ser. Como ele mesmo define, “apreender o ser dos entes e explicar o
25
Segundo Husserl, a consciência é sempre a consciência de algo. De acordo com sua própria descrição, sua obra
“provém de uma pesquisa que se dirige efetivamente para as próprias coisas, que se orienta puramente segundo a
maneira como elas são dadas intuitivamente e, além disso, de uma pesquisa da consciência pura, na atitude
eidético-fenomenológica, a única que pode ser frutífera para uma teoria da razão” (HUSSERL, Edmund. Prefácio
das Investigações Lógicas, p. 11. Col. Os Pensadores). Com a expressão eidético-fenomenológica, Husserl vincula
a percepção do fenômeno a um sujeito pensante, como a única possibilidade de uma teoria da razão.
26
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, parte I, pp. 35.
27
Existencialidade, segundo Heidegger, é a constituição ontológica de um ente que existe. In Ser e
Tempo, parte I, pp. 39.