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Sobre este último aspecto, uma vez que o usuário é visto como dependente químico o
poder institucional tem domínio sobre ele. Desta forma, é compreensível todo empenho dos
profissionais no sentido de ter que fazer o usuário avançar no tratamento.
Essa matriz ainda é materializada nas estratégias de governo dos modos de estar e
possibilidades de trânsito nas dependências do CAPS no cotidiano deste. Uma sala de espera,
por exemplo, pode configurar para os visitantes o enquadre em que eles devem ser admitidos
pela instituição; bem como os valores por ela defendidos, conforme ilustrado no relato a
seguir.
Interlúdio 1 - Na sala de espera: vozes e imagens
Havia chegado cedo. Os muros do CAPS são altos, e o portão de ferro espesso. Ao tentar
abrir o portão – que, aliás, é aberto por dentro, mas há uma pequena abertura próxima ao
ferrolho e quem está fora pode forçar um pouco e abri-lo –, este prontamente foi aberto
pelo vigilante que ainda não me conhecia. Os momentos de reconhecimento da instituição
são interessantes porque nos vemos como estranhos e tudo nos parece estranho! Naquela
manhã notei que a recepção estava lotada de pessoas para a triagem. Fiquei por ali um
pouco. Uma vez que o vigilante não me conhecia, não me apresentei como da universidade,
mas apenas entrei e sentei próximo a outras pessoas que esperavam ser atendidas.
Possivelmente, ele achava que seria mais um usuário para ser atendido. Como percebeu que
me sentei próximo aos outros, não falou nada. Próximo a mim dois rapazes conversavam: -
e aí, tás aqui por quê? Por que não consigo parar de beber, respondeu o outro. – ah, eu tô
aqui há um tempão, é bom, a gente tem grupo, toma remédio certinho, é legal. Outros
homens conversavam sobre a relação conjugal conflituosa de um deles. Ao olhar as
paredes, um, dentre tantos cartazes, me chamou a atenção. Ele alertava sobre o uso do
fumo. Descrevo-o: no centro, um jovem, com feição áspera, séria e com olhar inquiridor.
Portava trajes típicos de um esporte radical. A sensação que transmitia era de aventura,
prazer, adrenalina. Estava com um cigarro acesso, meio caído entre os lábios. Uma seta
indicando o cigarro dizia “o vencedor”, e a outra seta que apontava para o rapaz dizia
“perdedor”. Em baixo da imagem, o dizer: “fique esperto (letras maiores), o cigarro usa o
esporte e a moda para te viciar”.
A organização do espaço não apenas dá o enquadre ao usuário de sua posição na
instituição, como ainda infunde-lhe o estereótipo de relação que deve estabelecer com os
profissionais, na medida em que são controlados no trânsito de certos espaços internos do
CAPS e na participação das atividades cotidianas. Vale atentarmos para o que nos diz
Goffman (1961/2003):
“as organizações ‘muradas’ têm uma característica que compartilham com
poucas outras entidades sociais: parte das obrigações do indivíduo é
participar visivelmente, nos momentos adequados, da atividade da
organização, o que exige uma mobilização da atenção e de esforço
muscular, certa submissão do eu à atividade da organização tende a ser
considerada como símbolo do compromisso e da adesão do indivíduo;
além disso, indica a aceitação, pelo indivíduo, das conseqüências da
participação par uma definição de sua natureza. Portanto, qualquer estudo
da maneira pela qual os indivíduos se adaptam à identificação e à definição