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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Faculdade de Filosofia, Letras e Educação
Curso de Pós-Graduação em Letras
Vera Lúcia Consoni Busquets
“Eu queria muito aprender português mais”:
aspectos da língua portuguesa
em uso em Timor-Leste pós-Independência
São Paulo
2007
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Vera Lúcia Consoni Busquets
“Eu queria muito aprender português mais”:
aspectos da língua portuguesa
em uso em Timor-Leste pós-Independência
Dissertão apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial
para obtenção do titulo de Mestre em Letras.
ORIENTADORA: REGINA HELENA PIRES DE BRITO
São Paulo
2007
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__________________________________________________________
B979e Busquets, Vera Lùcia Consoni.
“Eu queria muito aprender português mais”: aspectos da língua
portuguesa em uso em Timor-Leste pós-Independência / Vera Lúcia Consoni
Busquets. – 2007
225 p.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Letras)– Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2007.
Referências bibliográficas: p: 223-225.
1. Timor-Leste. 2. Língua Portuguesa. 3. Oralidade e escrita. I.
Titulo.
CDD 410.7
___________________________________________________________________
Vera Lúcia Consoni Busquets
“Eu queria muito aprender português mais”:
aspectos da língua portuguesa
em uso em Timor-Leste pós-Independência
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial
para obtenção do titulo de Mestre em Letras.
Aprovada em 29 de agosto de 2007.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª Drª Regina Helena Pires de Brito
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Prof. Dr. José Gaston Hilgert
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Profª Drª Vima Lia Martin
Universidade de São Paulo
À Adriana e à Regina,
aos meus pais,
aos que participaram comigo do Projeto
Universidades em Timor-Leste.
AGRADEÇO
À Profª Drª Regina Helena Pires de Brito, pela
inestimável orientação.
Ao Instituto Mackenzie, pelo financiamento de
parte deste trabalho através do Fundo
Mackenzie de Pesquisa.
Em 2004, um grupo de universitários brasileiros
chegou a Díli, com um projecto simples e
original: divulgar a língua portuguesa através
da música e da dança. Fizeram-no tão bem,
que um dia precisaram de desmentir, num
jornal local, estarem a fazer qualquer
concorrência aos professores portugueses... tal
a inveja que despertaram. Davam aulas de
dança às segundas-feiras no Água na Boca,
um bar a meio caminho para a Areia Branca,
também conhecido como Sagres, Purple Cow
ou ainda Mad Cow. Não eram muitos, mas
enchiam Díli de alegria. Era bom que
voltassem... talvez ensinassem os gangs a
dançar, em vez de matar. (João Batista,
arquiteto e cartunista português)
RESUMO
Como um dos resultados do Projeto Universidades em Timor-Leste, este trabalho é
fruto do interesse da autora pelo uso do português em Timor-Leste após a
Independência daquele país asiático, e teve como objetivo observar aspectos da fala
e da escrita de timorenses, proibidos de usar a língua portuguesa de 1975 a 1999,
durante a ocupação indonésia. Considerando os estudos de Marcuschi (2001, 2005,
2006a, 2006b), Marcuschi e Koch (2006), Koch (2000, 2002), Koch e Travaglia
(2001, 2002), e a partir da observação e identificação da forma e função das marcas
lingüísticas presentes em suas produções verbais, pretendeu-se conhecer melhor a
expressão em português dos participantes do Projeto, como forma de aportar novas
reflexões aos estudos feitos nessa área. Observou-se que dificuldades de sintaxe e
de uso de vocabulário na elaboração dos textos selecionados provocam
incoerências locais e apontam para um domínio ainda inseguro da língua
portuguesa, mas não impedem que o leste-timorense entenda e se faça entender
por seus interlocutores, ainda que seu discurso requeira esforço e aceitabilidade do
ouvinte/leitor na reconstrução dos sentidos daquilo que ouve ou lê. Buscou-se,
enfim, contribuir para os estudos da variedade timorense da língua portuguesa,
declarada oficial pela Constituição da República Democrática de Timor-Leste, mas
permanecem abertas possibilidades para análises que levem em conta
características do discurso leste-timorense que este trabalho não pode considerar.
Palavras-chave: Timor-Leste. Língua Portuguesa. Oralidade e escrita.
RESUMEN
Como uno de los resultados del Proyecto Universidades em Timor-Leste, este
trabajo es fruto del interés de la autora por la utilización del portugués en Timor
Oriental después de su Independencia y ha tenido por objetivo observar aspectos
del habla y de la escritura de timorenses, prohibidos de usar la lengua portuguesa
entre 1975 y 1999, durante la ocupación indonesia. Considerando los estudios de
Marcuschi (2001, 2005, 2006a, 2006b), Marcuschi y Koch (2006), Koch (2000,
2002), Koch y Travaglia (2001, 2002), y a partir de la observación e identificación de
la forma y función de las marcas lingüísticas presentes en sus producciones
verbales, se ha pretendido conocer mejor la expresión en portugués de los
participantes del Proyecto, de manera a aportar nuevas reflexiones a las
investigaciones hechas en esta área. Se ha observado que dificultades de sintaxis y
de uso de vocabulario en la elaboración de los textos seleccionados provocan
incoherencias locales e indican un dominio todavía poco seguro de la lengua
portuguesa, sin embargo no impiden que el timorense entienda y se haga entender
por sus interlocutores, pese a que su discurso demande esfuerzo y aceptabilidad del
oyente/lector en la reconstrucción de los sentidos de aquello que oye o lee.
Finalmente, se ha buscado contribuir para los estudios de la variante timorense de la
lengua portuguesa, declarada oficial por la Constitución de la República Democrática
de Timor-Leste, aunque siguen abiertas posibilidades para análisis que tengan en
cuenta características del discurso timorense que este trabajo no ha podido
considerar.
Palabras clave: Timor Oriental. Lengua Portuguesa. Oralidad y escritura.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 009
1 TIMOR-LESTE: A HISTÓRIA, A DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA
E O PROJETO UNIVERSIDADES EM TIMOR-LESTE 019
1.1 TIMOR-LESTE: A HISTÓRIA 022
1.2 TIMOR-LESTE: A DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA 027
1.3 LÍNGUA PORTUGUESA E IDENTIDADE EM TIMOR-LESTE 033
1.4 O PROJETO UNIVERSIDADES EM TIMOR-LESTE:
HISTÓRICO E REALIZAÇÃO 037
2 LINGUAGEM, LÍNGUA E TEXTO 040
2.1 A VISÃO DE MIKHAIL BAKHTIN 041
2.2 DISTINÇÕES ENTRE FALA E ESCRITA 044
3 A TEXTUALIDADE EM TEXTOS FALADOS E ESCRITOS 059
3.1 FATORES DE TEXTUALIDADE 060
3.1.1 Elementos de coesão e coerência 063
4. PARTICULARIDADES DO TEXTO FALADO 084
4.1 A HESITAÇÃO 092
4.2 A REPETIÇÃO 095
5 ANÁLISE DO CORPUS 102
5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS FALADOS 105
5.2 ANÁLISE DOS TEXTOS ESCRITOS 174
CONSIDERAÇÕES FINAIS 212
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 223
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
10
Todos os lugares onde se fala a língua do meu
povo são a minha pátria. (Ramiro de Maeztu,
escritor e pensador espanhol, 1875 - 1936)
Este trabalho se origina no interesse da autora pelo uso da ngua portuguesa em
Timor-Leste após ter sido proibida por 24 anos (de 1975 a 1999) e ter sido
estabelecida, pela Constituição de 2002, como língua oficial ao lado da língua
nacional, o tétum. Procura-se, assim, analisar os aspectos da fala e da escrita de
jovens timorenses entre 18 e 29 anos que possam mostrar características do uso do
português naquele país e por essa faixa etária, diretamente atingida pela proibição
da língua na Ilha. ainda escassos estudos dessa natureza no contexto lingüístico
de Timor-Leste e esse trabalho pode contribuir na medida em que busca descrever
especificidades do português atualmente em uso naquele país.
Sem a pretensão de obter um retrato fiel e de contornos bem definidos, devido à
quantidade limitada de material recolhido para análise, este trabalho tem como
objetivo traçar um esboço das marcas lingüísticas que identificam o português leste-
timorense. Pretende-se, assim, não dar continuidade e sedimentação acadêmica
ao próprio Projeto, mas contribuir, ainda que timidamente, para o estudo, e
planejamento da difusão do português em Timor-Leste.e para a criação de material
didático adequado ao ensino e aprendizagem da língua no sistema formal de
educação daquele país.
11
Considere-se, ainda, que Timor-Leste é a mais nova nação a fazer parte da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e que a análise do português
que volta a ser colocado em uso em seu território pode auxiliar na definição de
políticas que visem a integrar os falantes leste-timorenses ao mundo lusófono.
O corpus deste trabalho foi recolhido de agosto a dezembro de 2004, durante a
execução do Projeto Canção popular e cultura brasileiras em Timor-Leste:
hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e discussão (parte
integrante do Projeto Universidades em Timor-Leste). São textos orais e escritos
produzidos por leste-timorenses que participaram voluntariamente dos encontros
com a equipe brasileira enviada a Díli, capital de Timor-Leste, para motivar a
aprendizagem do português entre os jovens daquele país do Sudeste Asiático.
Os textos orais o entrevistas feitas com os participantes leste-timorenses,
gravadas durante as primeiras e as últimas semanas do Projeto, visando a conhecer
melhor o público-alvo e sua expressão em língua portuguesa. As perguntas foram
previamente planejadas, buscando informações sobre nome, idade, moradia,
profissão, motivação para participar das atividades, a importância do conhecimento
da língua portuguesa e planos para o futuro, com liberdade para acrescentar temas
que parecessem relevantes no momento da interação. Os textos escritos foram
grafados nos últimos dias do Projeto, a pedido dos universitários brasileiros, em
cadernos de recordação das equipes brasileiras. Como nenhum critério foi pré-
estabelecido para sua produção, os leste-timorenses tiveram liberdade para
escrever, como quisessem, o que lhes parecesse mais importante comunicar.
12
É-me inelutável incluir, aqui, um relato bastante subjetivo e muito menos sucinto do
que o desejado para contar, em primeira pessoa, um pouco do que foi a experiência
da qual esta dissertação é um dos muitos resultados. Quando ingressei no Curso de
Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Timor não fazia parte da história
ou da geografia da minha vida, embora em 1992 tivesse visto uma reportagem do
jornalista inglês Max Sthal sobre o Massacre de Santa Cruz. Em princípios da
década de 90, residia em Angola e me lembro da repercussão e da comoção
que provocaram aquelas imagens de jovens acuados na pequena capela de um
cemitério em Díli, implorando a ajuda divina com suas preces em português.
Repercussão contundente, mas que foi se diluindo e perdendo espaço no meu
tempo e na minha memória.
Em 2001, estando eu na faculdade, a Professora Regina Helena Pires de Brito
começava suas viagens a Timor-Leste e compartilhava com os estudantes suas
expectativas e sonhos. A cada retorno seu, apresentava, em sala de aula e em
conferências, imagens e experiências que pouco a pouco entravam pelos olhos e
ouvidos de seus alunos, contagiando a maior parte deles. Foi, entretanto, a paixão
expressa em suas palavras a responsável por injetar Timor em minhas veias até
atingir meu coração.
Em fevereiro de 2004, fui convidada a participar da elaboração do material didático
que seria utilizado no Projeto Universidades em Timor-Leste. Respiramos Timor
durante aqueles meses em que pensamos e construímos, cuidadosamente, a
Professora Regina Brito, a Professora Rosemeire Faccina e eu, nosso Descritivo das
Atividades Módulo a Módulo, hoje transformado no livro Sensibilizando para a
13
comunicação em língua portuguesa: uma experiência em Timor-Leste
1
. Nosso
objetivo era despertar o interesse e o gosto do jovem timorense pela língua
portuguesa e a música brasileira, que eles conheciam e apreciavam, seria o
veículo que usaríamos para cativá-los.
Apesar de estar emocional e completamente envolvida com o Projeto, ir para Díli
não era, conscientemente, parte dos meus planos em 2004, ano em que deveria
terminar minha graduação em Letras. Em junho, foi me feito o convite para
coordenar a equipe de universitários selecionados para realizar a primeira edição do
Projeto. Acredito que a participação na construção do Descritivo, o interesse pela
lingüística e meus estudos na área, outras experiências em coordenação de grupos,
o trabalho como professora de Português e de Espanhol e o convívio com culturas
diferentes da minha durante os mais de 10 anos vividos no exterior (Paraguai,
Equador, México, Guatemala, Angola, Panamá), habilitavam-me para ajudar a pôr
em prática as atividades planejadas, daí ter aceitado o desafio.
Timor recebeu-me em agosto de 2004 e os timorenses me acolheram durante o
tempo em que estive, período em que ficou mais claro para mim o significado da
expressão tempo psicológico de que me haviam falado os professores nas aulas de
Literatura: a intensidade das vivências transformaram 4 meses em pelo menos 4
anos, a agilidade dos acontecimentos fez os mesmos 4 meses se escoarem como
que em 4 breves dias, tão rápido chegou a hora de voltar.
1
BRITO, Regina Helena Pires de, FACCINA, Rosemeire Leão, BUSQUETS, V. L. C. (2006).
Sensibilizando para a comunicação em língua portuguesa: uma experiência em Timor-Leste.
São Paulo : Editora do Autor, 157 ginas.
14
Os primeiros contatos com as autoridades nos mostraram quão receptivos estavam
e quanta carência havia de uma atuação acadêmica como a nossa. Escolas,
associações de bairro, a Polícia Nacional, o Tribunal de Recursos, muitos nos
solicitaram que suas instituições fossem contempladas pelo Projeto. Não foi possível
atender à demanda, mas pudemos realizar nossas atividades conforme haviam sido
planejadas pelo Conselho Executivo e pela Coordenação Lingüística e Didático-
Pedagógica do Projeto, e ir além.
Foram formados grupos com alunos e docentes da Universidade Nacional de Timor-
Leste (UNTL), com jovens do Centro Juvenil Padre Antônio Vieira (CJPAV), com
militares das Forças de Defesa de Timor-Leste (FFDTL), com a comunidade
atendida pela Organização de Jovens e Estudantes de Timor-Leste (OJETIL), com
funcionários do Ministério da Educação e da Cultura, com alunos do Departamento
de Educação Não Formal desse mesmo Ministério, com alunos da Escola Duque de
Caxias apadrinhada pelo Exército Brasileiro e com alunos, noviças e freiras do
Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Durante a execução do Projeto, os grupos e as equipes brasileiras tinham dois
encontros semanais, em que se realizavam atividades de troca cultural e lingüística,
num ambiente fraterno e descontraído. Além disso, os universitários brasileiros se
reuniam duas vezes por semana com a coordenadora acadêmica local para avaliar
os encontros da semana, trocar experiências e planejar os trabalhos da semana
seguinte.
15
A primeira surpresa dos timorenses vinha quando eram convidados a sentar-se não
em fileiras, como tradicionalmente se faz nas escolas, mas em círculo. Desarmados
da formalidade acadêmica a partir daí, brasileiros e timorenses perceberam que se
abria espaço para a individualidade e a solidariedade, para os ricos relatos pessoais,
para as experiências e vivências de cada um. Passamos a nos convidar para
atividades extra-classe, fazíamos passeios juntos, participávamos de festas de
aniversário e casamento, recebíamos e retribuíamos a visita de alunos e de
representantes do governo e da comunidade em geral.
Seria leviano afirmar, sem uma análise acurada, que houve significativas mudanças
no uso da língua pelo público que atendemos, ávido por compartilhar 4 meses de
sua vida conosco. O que pude observar, sim, foi uma diferença de atitude: a auto-
confiança fortalecida, o quase que completo desaparecimento do receio de se
expressar em língua portuguesa, o aguçar da curiosidade de conhecer melhor essa
língua que veicula as canções que eles tanto apreciam, a valorização de sua própria
cultura irmanada à nossa, e o nascimento de uma amizade que perdura nos e-mails
que ainda escrevemos e recebemos.
Alguns dos textos analisados neste trabalho confirmam e reiteram, de alguma forma,
o que minha sensibilidade captou, mas um deles, em especial, traz a expressão da
estima de seu autor por seus interlocutores e pelo curso e a exteriorização de seu
sentimento sobre sua capacidade de usar a língua portuguesa:
Gosto muito desse curso porque posso falar português com
vocês mesmo que muitas veses não falo bem. E o tenho medo
de falar.
16
Aprendi muito como vocês e sinto me falta quando vocês
voltam para Brasil. (Anônimo. Texto original no ANEXO 1. Grifo meu)
São parte do corpus deste trabalho 10 entrevistas, gravadas em áudio durante a
realizão das atividades, e 10 textos escritos produzidos por leste-timorenses
participantes do Projeto, dos quais não é possível determinar o nível sócio-econômico ou
de escolaridade, mas sabe-se que os textos orais foram produzidos por jovens entre 18
e 29 anos, universitários ou que já terminaram o Ensino dio.
Como observa Hull (2001b), “pelo fato de serem poliglotas [os timorenses] o
naturalmente bons lingüistas” e os produtores dos textos aqui analisados, como a
maioria de seus conterrâneos, têm o tétum como idioma franco ou como língua materna,
freentaram o ensino regular em ngua indosia e é possível que falem, ainda, o
inglês e o idioma da e e o do pai, que nem sempre coincidem.
Informações mais precisas deixariam mais tido o retrato que se pretende fazer de
alguns dos aspectos da ngua portuguesa em uso em Timor-Leste após sua
Independência, mas estes o os poucos dados de que se dispõe e esta será apenas
uma primeira fotografia, quase um esboço que se espera motive a realização de novas
pesquisas capazes de deixar mais claros os contornos da imagem que se quer retratar.
Para alcançar o objetivo proposto, parte-se dos conceitos de Bakhtin (2002) sobre
linguagem e língua e observa-se a ocorrência de hesitações, consideradas como um
fenômeno de formulação textual típico da oralidade, e a presença de repetições
17
como estratégia de construção textual, procurando perceber de que forma esses
fenômenos refletem o manejo oral da língua portuguesa pelos leste-timorenses.
Na análise dos textos escritos, são considerados os fatores de textualidade
propostos por Mateus et al. (1983), ou seja, a intencionalidade, a aceitabilidade, a
situacionalidade, a intertextualidade, a informatividade e a conectividade. Dentre
esses fatores, foram selecionados aqueles que, segundo Mateus essas autoras,
compõem a conectividade textual: a coesão, quando se estabelece uma
interdependência seqüencial entre duas ocorrências textuais; e a coerência, em que
a interdependência é conceitual.
Para a observação da coesão gramatical, serão levados em conta os preceitos de
Fávero e Koch (2000) e, para a coesão lexical, as considerações de Halliday &
Hasan (1976). Quanto aos elementos de interdependência conceitual, este trabalho
prioriza a verificação das incoerências locais estabelecidas por Koch e Travaglia
(2001), partindo da assunção do princípio de cooperação de Grice (apud Kock e
Travaglia, 2002: 13), que pode explicar, por exemplo, o esforço que o usuário faz ao
tentar interpretar um discurso aparentemente incoerente, buscando identificar a
mensagem pretendida na enunciação de seu interlocutor.
No primeiro capítulo, discorre-se sobre a hisria e a diversidade lingüística do espo
geográfico em que o corpus foi produzido, e apresenta-se um breve histórico do Projeto
Universidades em Timor-Leste e de sua primeira edição, contexto no qual foram
produzidos os textos a serem analisados. No segundo capítulo, trata-se dos fatores de
18
textualidade e, mais especificamente, dos elementos de coeo e coerência que
compõem a conectividade textual (Mateus et al., 1983), propriedade sine qua non para
que uma elocão verbal possa ser entendida como um texto.
Porque se pretende analisar textos orais e escritos, no terceiro catulo deste trabalho,
fala-se das distinções entre fala e escrita, aceitando a existência de um continuum
tipológico (Marcuschi, 2001) entre essas duas modalidades linísticas de prodão
discursiva, reservando-se o quarto capítulo para a abordagem de aspectos da
construção do texto falado. No quinto capítulo, apresentam-se as análises de 10 textos
falados e 10 textos escritos aleatoriamente selecionados dentre os textos produzidos.
Em seguida, serão apresentadas as considerações finais, feitas a partir da análise do
corpus selecionado.
19
1
1 TIMOR-LESTE: A HISTÓRIA, A
DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA E O
PROJETO
UNIVE R SID AD ES EM
TIMO R-LE STE
20
Pois os homens não são somente eles: são
também a região onde nasceram. (William
Somerset Maugham, em O fio da navalha)
A República Democrática de Timor-Leste, a mais nova nação lusófona do mundo,
ocupa a parte oriental da Ilha de Timor, no extremo do Sudeste Asiático e ao norte
do território australiano, no Oceano Pacífico, perfazendo um total aproximado de 15
mil quilômetros quadrados em que se incluem o enclave de Oecusse, no lado
ocidental da ilha, a Ilha de Ataúro, ao norte da capital, e a Ilha de Jaco, no extremo
leste do país.
Dispovel em: <www.ipad.mne.gov.pt>. Acesso em 13 out. 2006.
21
Atualmente, Timor-Leste é formado por 13 distritos administrativos e possui uma
população aproximada de 925.000 habitantes, em sua maioria descendentes de
melanésios e malaios, segundo o IPAD, Instituto Português de Apoio ao
Desenvolvimento.
2
Quanto a sua realidade lingüística, Timor-Leste vive uma peculiar
situação de poliglossia em que, segundo Hull (2001a: 3), “o número de línguas
distintas stricto sensu [...] parece não exceder quinze”.
O Projeto Universidades em Timor-Leste surgiu com o propósito de participar do
compromisso do Governo Federal do Brasil para com o Governo da República
Democrática de Timor-Leste, integrando a universidade nos projetos brasileiros de
cooperação. O Subprojeto Canção Popular e Cultura Brasileiras em Timor-Leste:
hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e discussão, por sua
vez, visa a envolver, por meio de atividades cujo mote é a música brasileira, leste-
timorenses de qualquer faixa etária e condição sócio-cultural, estimulando-os a usar
a língua portuguesa em situações do dia-a-dia e a se interessar pelas aulas do
sistema formal de ensino leste-timorense.
Segundo os autores, os objetivos do Subprojeto são:
1. Divulgar a cultura brasileira por meio de canções populares;
2. Situar a letra de música enquanto texto literário, de forma a contribuir
para a divulgação da variante brasileira da ngua portuguesa,
presente nessas letras e na fala dos intérpretes, sem, contudo,
configurar-se como um processo de aculturação;
3. Auxiliar no processo de revitalização e de disseminação da língua
portuguesa em Timor-Leste, atendendo à solicitão do
Excelentíssimo Senhor Presidente da República de Timor-Leste,
2
Disponível em <www.ipad.mne.gov.pt>. Acesso em: 13 out. 2006.
22
Xanana Gusmão, com o apoio de instâncias educacionais daquele
país, a saber, o Ministro da Educação, Excelentíssimo Senhor
Armindo Maia e o Reitor da Universidade Nacional de Timor-Leste e
Diretor do Instituto Nacional de Lingüística (Prof. Dr. Benjamim
Corte-Real).
4. Divulgar a música popular brasileira, situando-a como veículo que
mostra os sentidos de nossa diversidade cultural dos fatos
lingüísticos e estético-literários presentes nas letras ao artístico do
sistema musical.
5. Levar traços importantes da diversidade cultural brasileira, uma
cultura híbrida por excelência, a Timor -Leste.
(BRITO; ABDALA JÚNIOR, 2004: 3)
Neste capítulo, para contextualizar histórica e socialmente as interações verbais que
serão analisadas, apresentam-se aspectos da história e da complexidade lingüística
leste-timorenses, uma visão genérica do Projeto e, especificamente, de sua 1
a
.
edição ( semestre de 2004), durante a qual foram produzidos e recolhidos os
textos que compõem o corpus desta dissertação.
1. 1 TIMOR-LESTE: A HISTÓRIA
Estudos arqueológicos têm revelado evidências de que a ilha é habitada mais de
35.000 anos. Rota das migrações marítimas entre o Sudeste Asiático e a Oceania, a
região tornou-se, desde o século XIII, um importante pólo de atração para
mercadores chineses e malaios interessados em seu sândalo, mel e cera de abelha.
Também os javaneses implantaram ali uma rede de comércio, sendo que, no século
XIV, o território era tributário do reino hindu de Majapahit, da Java Oriental. Seus
produtos naturais atraíram comerciantes portugueses, os primeiros europeus a ali se
23
estabelecerem a partir de 1512, seguidos de missionários cristãos responsáveis pela
implantação da fé católica e pela difusão da língua portuguesa naquelas terras.
Embora a influência colonizadora portuguesa tenha chegado à ilha no século XVI, é
a partir de 1633 que ela se torna permanente, com a fundação de um convento
dominicano. Em 1703, Lisboa envia o primeiro governador à Ilha, consolidando o
território como protetorado português. No século XVII, os holandeses passam a
ocupar a ilha a partir do Forte de Cupão, no lado ocidental, e convertem a população
ao calvinismo, acentuando a divisão entre os dois lados da ilha.
Em 1834, as ordens religiosas são expulsas do território, causando a deterioração
dos serviços católicos, restaurados de 1875 a 1897 pelo Bispo Medeiros, padre
secular português encarregado de visitar as missões de Timor e de informar o
estado delas ao Deão Manual Lourenço Gouveia, da Diocese de Macau, então
responsável pela Missão de Timor. Em 1898, os jesuítas portugueses criam o
Colégio da Soibada, que no século XX educou e formou a elite letrada timorense e
os mais importantes dirigentes da nação atualmente.
Em 1859, o Tratado de 20 de Abril estabelece a demarcação de Timor entre
Portugal e os Países-Baixos, ficando Portugal com a parte oriental da ilha, o Timor
Português, e a Holanda com a parte ocidental, o Timor Holandês. Esse tratado é
revisto diversas vezes e, em 1915, a Sentença Arbitral fixa definitivamente as
fronteiras que perduram até hoje.
24
Durante a II Guerra Mundial, violando a neutralidade portuguesa, tropas Aliadas
holandesas e australianas desembarcam no Timor Português, o que serve de
pretexto para a invasão japonesa de 1942. Os confrontos bélicos dessa época
resultam na destruição da precária infra-estrutura do território e causam a morte
de, acredita-se, 80 mil pessoas.
A Revolução dos Cravos de abril de 1974, em Portugal, abre as portas para a
reivindicação de independência das colônias de além-mar, dentre elas Timor-Leste,
onde 3 partidos políticos se organizam para disputar o poder: a UDT (União
Democrática Timorense), a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense), que
mais tarde daria origem à FRETILIN (Frente de Timor-Leste Independente), e a
APODETI (Associação Popular Democrática de Timor-Leste Independente). Das 3
organizações, somente a última defendia a integração com a Indonésia, governada
pela ditadura de Suharto desde 1965.
As conversações entre Portugal e Indonésia não viabilizam uma solução para o
destino de Timor-Leste e, em 1975, a UDT tenta um golpe de estado, apoderando-
se de Díli e forçando as autoridades portuguesas a se refugiar em Ataúro, ilha ao
norte da capital. A 28 de novembro de 1975, a FRETILIN proclama, unilateralmente,
a independência de Timor-Leste, o que provoca a invasão de tropas militares
indonésias no dia 7 de dezembro do mesmo ano.
Segundo o Atlas de Timor Leste (2002), embora o governo de Suharto apresentasse
25
as operações militares como obra de “voluntários anticomunistas
apoiantes da UDT e da APODETI, o governo português cortou as
relações diplomáticas com a Indonésia, expulsando a sua embaixada
de Lisboa, o que reduziu drasticamente as possibilidades de diálogo
(2002: 39)
Assim, são cortadas as relações diplomáticas entre Portugal e Indonésia,
impossibilitando qualquer diálogo que beneficiasse Timor-Leste, o principal
interessado em uma solução rápida e justa. A intenção do governo de Suharto era
anexar o território como 27
a
colônia da Indonésia, batizada de Timor Timur. O
comportamento autoritário e devastador das tropas de ocupação revoltam os
habitantes do leste da ilha, que passam a dar seu apoio à organização clandestina
FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste), força
guerrilheira que assume o caráter de resistência nacional sob o comando de José
Alexandre de Gusmão, Xanana Gusmão, hoje Presidente da República Democrática
de Timor-Leste.
As FALINTIL passam a atuar dentro e fora do território, usando o português como
língua de comunicação e resistência, difundindo-o entre seus membros.
Nacionalistas timorenses, apoiados por Portugal e pela Igreja Católica, divulgam e
defendem a luta timorense pelo mundo, relatando os sofrimentos do povo sob jugo
indonésio.
Em 1991, com a divulgação das imagens do Massacre de Santa Cruz, filmadas
clandestinamente pelo jornalista inglês Max Sthal no dia 12 de novembro daquele
ano, a opinião pública mundial desperta para o problema de Timor, voltando-se
contra os descalabros cometidos pelo exército indonésio naquele pais. A outorga do
26
Prêmio Nobel da Paz de 1996 ao Bispo Dom Carlos Ximenes Belo e a José Ramos
Horta, engajados na causa da libertação do povo timorense, agita ainda mais a
consciência internacional, o que culmina na organização, pelas Nações Unidas, de
uma consulta popular que possibilitaria à população escolher entre sua soberania ou
a anexação à Indonésia.
Em 30 de agosto de 1999, mais de três quartos dos 345 mil eleitores que
comparecem às urnas votam pela independência. Com o recrudescimento do terror
perpetrado pelo governo indonésio após o resultado do referendo, a administração
do território passa provisoriamente às mãos das Nações Unidas, sob o comando do
brasileiro Sérgio Vieira de Melo. Somente a 20 de maio de 2002, depois de um longo
processo de luta pela autonomia, Timor-Leste é reconhecido internacionalmente
como nação independente, com direito a eleger seus dirigentes e a escrever sua
própria Constituição.
27
1. 2 TIMOR-LESTE: A DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA
Ilha encravada entre o Oceano índico (Mar de Timor) e o Oceano Pacífico (Mar de
Banda), Timor-Leste foi sempre parte da rota dos diversos fluxos migratórios dessa
região geográfica. Como resultado dessa movimentação humana, observa-se que,
lingüisticamente, Timor Lorosa’e apresenta-se como um grande e
complexo mosaico: além do tétum, língua falada por todo o ps, e
de dezenas de outras línguas locais, os timorenses falam a língua
indonésia e procuram se expressar em inglês e português.
Estimativas apontam que as crianças em fase pré-escolar falam
tétum (repleto de palavras do português), os adolescentes e adultos
jovens utilizam a ngua indonésia e a geração com mais de 40 anos
fala português. (BRITO, 2002: 89)
De acordo com o Atlas de Timor Leste (2002:42), a Ilha de Timor foi habitada pelos
papuas por volta do ano 7.000 a. C. e pelos austronésicos cerca de 2.000 anos a.C.
Os constantes movimentos de migração, as disputas, as alianças e a integração
entre grupos humanos diversos resultaram na diversidade étnico-lingüística
atualmente observada no território. Um mesmo grupo pode, hoje, falar até cinco
línguas diferentes, tornando difícil o mapeamento das etnias e dos grupos
lingüísticos.
O lingüista australiano Geoffrey Hull (2001a) estabelece o seguinte mapa lingüístico
para a região oriental da ilha, mais a Ilha de Ataúro e o enclave de Oecusse, que
hoje, junto à desabitada Ilha de Jaco, conformam a República Democrática de
Timor-Leste:
28
HULL (2001a: s/p)
Devido à ocupação da ilha pelos povos austronésicos e papuas, muitas dessas
línguas mapeadas parecem pertencer à família lingüística austronésica (ou malaio-
polinésica) e outras provavelmente possuem raízes papuas (ou indo-pacíficas). A
necessidade de comunicação entre os ocupantes da ilha e os que transitavam por
ela, principalmente aqueles que comercializavam seus produtos, motivou a eleição
de línguas francas. Segundo o Atlas de Timor Leste (2002: 42), os Belos, habitantes
da metade oriental da ilha e falantes do tétum, divulgaram sua cultura e seu idioma
que é, ainda hoje, a primeira língua para cerca de 25% da população e a ngua
veicular da maioria dos leste-timorenses (Atlas, 2002: 42).
29
Sobre essa questão, e após estudar os componentes históricos que a constituem,
Thomaz (2002) levanta a seguinte hipótese:
antes do século XVII, um povo (os Belos), falando uma língua
austronésica (o tétum), expandindo-se a partir da região que
primitivamente ocupava e não podemos identificar, estendeu o seu
domínio sobre toda a metade oriental de Timor, impondo, nas
regiões em que seu domínio foi mais efetivo, a sua língua como
língua própria; que desse domínio resultou a imposição dos Belos
como casta nobre em toda a região, e a sujeição de todos os reinos
aos de Bé-Hali
3
e Luca
4
, um e outro de língua tétum, isto é, situados
nas zonas em que o poder dos Belos se enraizou mais fortemente;
que, finalmente, dessa sujeição de todo o pais aos datos
5
belos sob
a suserania de dois reinos de língua tétum, resultou a divulgação
dessa língua como língua veicular em toda a região. (p. 72)
A hipótese desse historiador português se fundamenta sobretudo no fato de que,
segundo fontes portuguesas, reconhecia-se dois “imperadores” na ilha até o século
XVIII: o da “Província do Servião” na metade ocidental, e o de -Hali, tido como
suserano pelos régulos da parte oriental da ilha, conhecida até o século XIX como
“região ou província dos Belos”. Supõe-se que tenha sido a soberania dos Belos na
parte oriental da Ilha que tenha feito com que o tum, seu idioma, se empregasse
como língua franca na metade leste do território.
Reconhecido como língua nacional desde 1981 e oficialmente adotado pela Igreja
Católica de Timor (Brito, 2001: 42), o tétum foi escolhido, ao lado do português,
como língua oficial da República leste-timorense.
3
Reino que ocupava a zona do Timor Indonésio, vizinha à fronteira de Cova Lima (distrito
localizado no limite sudoeste do país atual).
4
Antigo reino de Timor, junto ao atual distrito de Viqueque.
5
Dato como sinônimo de nobre e belo.
30
Ainda de acordo com o Atlas de Timor-Leste (2002),
a evolução lingüística e as diferentes ocupações do território m
vindo a provocar o desaparecimento de algumas línguas, absorvidas
por outras de maior expressão ou reduzidas a minorias circunscritas.
[...] Atualmente, também o português, o malaio e o mandarim, de
entre outras nguas de origem chinesa, são falados em Timor-Leste,
se bem que por grupos de população extremamente pequenos. (p.
42-43)
Em 1975, quando invadiu o território leste-timorense, o governo indonésio implantou
ali uma política de “destimorização”, com a imposição da língua indonésia (o
“bahasa indonésia”, variante do malaio) como língua administrativa e escolar,
provocando a diminuição do uso do tétum e perseguindo o idioma português (Brito,
2001: 43). Durante a execução do Projeto Universidades em Timor-Leste,
recolheram-se histórias orais de castigos físicos e psicológicos impostos às pessoas
que falassem português.
Durante os anos da ocupação, as FALINTIL, (Forças Armadas de Libertação
Nacional de Timor-Leste), força guerrilheira que lutava pela independência,
afrontaram o invasor, usando o português como língua de comunicação e
resistência, e fazendo que fosse ensinado e difundido entre seus membros
refugiados no exterior ou no interior do país.
No momento das discussões a respeito de sua Carta Magna, Timor-Leste viu-se às
voltas com a decisão a respeito do idioma que deveria ser estabelecido como oficial
para a nação que surgia. Nessa ocasião, Hull (2001b) destacou a importância da
preservação e valorização do uso do português pela sociedade leste-timorense:
31
parece-me que o papel central da ngua portuguesa na civilização
timorense é completamente inquestionável. Em poucas palavras, se
Timor-Leste deseja manter uma relação com o seu passado, deve
manter o português. Se escolher outra via, um povo com uma longa
memória tornar-se-á uma nação de amnésicos, e Timor-Leste sofrerá
o mesmo destino que todos os países que, voltando as costas ao
seu passado, m privado os seus cidadãos do conhecimento das
línguas que desempenharam um papel fulcral na nese da cultura
nacional (p. 39).
Em março de 2002 e após consulta popular, a Assembléia Constituinte leste-
timorense, reunida em sessão plenária no dia 22 de março de 2002, aprovou e
decretou a Constituição da República Democrática de Timor-Leste, cujo 13º artigo
da Parte I dispõe sobre as línguas em uso no território nos seguintes termos:
Artigo 1
(Línguas oficiais e línguas nacionais)
1. O tétum e o português são as nguas oficiais da República
Democrática de Timor-Leste
2. O tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e
desenvolvidas pelo Estado.
A escolha soberana do português como língua oficial, após ter sido proibido durante
os 24 anos de ocupação indonésia, é, portanto, parte de um importante processo de
valorização da identidade nacional, num momento crucial de reconstrução o
das infra-estruturas territoriais, mas também da cultura leste-timorense, sobrevivente
dos massacres de que foi vítima sobretudo durante o século XX.
Em palestra realizada por ocasião do Projeto Canção popular e cultura brasileiras
em Timor-Leste: hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e
32
discussão, em 2004
6
, o então Secretário de Estado de Defesa de Timor-Leste,
Roque Rodrigues, levantou questões importantes a respeito do papel da língua
portuguesa no resgate da identidade timorense, destacando haver uma clara e
necessária parceria entre a língua nacional o tétum e o português. Para o
Secretário, a língua portuguesa, não sendo nacional, é “nacionalitária”, uma vez que
contribuiu para que se forjasse a identidade nacional em Timor-Leste.
A favor da língua portuguesa, Roque Rodrigues chamou a atenção para a assimetria
e a incerteza da nação em relação às potências vizinhas: estrategicamente, a
oficialidade do português visaria a contribuir para a diferenciação geopolítica do
Estado timorense no Sudeste Asiático. A defesa do português, idioma de
comunicação entre os combatentes da resistência timorense durante a ocupação
indonésia, representa, hoje, uma forma de revigorar o contato de Timor-Leste com o
mundo, fortalecendo sua pertença à comunidade lusófona. Países como Portugal e
Brasil têm, segundo Roque Rodrigues, um importante papel a desempenhar nesse
processo de recuperação da língua “nacionalitária” de e em Timor-Leste.
6
Palestra intitulada Que relação existe entre a identidade e a defesa nacional?”, proferida
em 28 de outubro de 2004, no auditório da Faculdade de Ciências da Educão da
Universidade Nacional de Timor-Leste
33
1.3 LÍNGUA PORTUGUESA E IDENTIDADE EM TIMOR-LESTE
Partindo da definição de Anderson (1989) de nação como uma comunidade política
imaginada”, soberana e limitada, procura-se perceber de que modo a língua
portuguesa pode participar da construção da identidade leste-timorense. Ainda que o
conceito de nação seja consideravelmente recente (fins do século XVIII), a idéia que
se tem é de que os Estados nação sempre existiram e que suas origens se perdem
na História da humanidade. Se o homem tem uma vida limitada entre sua morte e
seu nascimento, a nação a que ele pertence é eterna e é essa eternidade que
continuidade e significado a sua existência, é esse sentimento de pertença que o faz
sentir-se integrado a outros que como ele habitam esse mesmo espaço imaginado.
E que papel tem uma língua na construção deste território imaginado?
Anderson (1989: 46) estabelece o desenvolvimento capitalista da imprensa como um
dos responsáveis pelo surgimento da consciência nacional e, portanto, do conceito
de Estado nação. A visão do livro como mercadoria fez com que se difundisse o uso
das línguas vulgares nas publicações impressas, cada vez mais baratas e
acessíveis. Se antes da impressa era impossível unificar comunidades, tal a
quantidade e diversidade de línguas faladas por elas, a imprensa capitalista pode
agrupar dialetos foneticamente semelhantes em um número muito menor de línguas
impressas, reproduzidas mecanicamente e disseminadas entre o público leitor. A
partir da difusão desse material impresso, todos os usuários de alguma variedade do
alemão, por exemplo, podiam sentir-se irmanados àqueles que liam as mesmas
notícias e os mesmos livros que eles, compartindo conhecimentos e estabelecendo
34
uma rede muito maior de comunicação, antes restrita a comunidades menores,
unidas por um mesmo dialeto oral.
Ainda segundo o autor (1989: 54), “essas línguas impressas lançaram as bases para
a consciência nacional de três modos diferentes”: primeiro, propiciando o
intercâmbio e a comunicação escrita que facilitaram a integração entre usuários da
enorme variedade de uma determinada língua, muitas vezes incapazes de se
compreender oralmente; segundo, atribuindo uma nova imutabilidade e fixidez às
línguas, o que ajudou a criar uma imagem de antigüidade essencial à formação do
conceito subjetivo de nação; por último, dando prestígio às línguas impressas e
transformando-as em “línguas-de-poder”, em detrimento das variedades não
impressas, que terminaram por assimilar as formas escritas de suas correlatas
editorialmente mais bem sucedidas. Ressalte-se que,
em suas origens, a fixação das línguas impressas e a diferenciação
de status entre elas foram, em grande medida, processos o
intencionais que resultaram da interação explosiva entre o
capitalismo, a tecnologia e a diversidade lingüística humana. Mas,
como tanta coisa mais na hisria do nacionalismo, uma vez ‘ali’, elas
se tornavam modelos formais a serem imitados. (Anderson, 1989:
55. Grifos do autor).
Foi assim que essa “interação explosiva” entre o capitalismo, a imprensa e a
diversidade lingüística própria do ser humano possibilitou imaginar uma comunidade
que, em seu formato original, preparou o aparecimento daquilo que se conhece hoje
como nação.
35
O que acontece, então, em Timor-Leste? De que maneira o uso do português pode
participar da criação de uma identidade nacional que fortaleça sua soberania frente
a seus poderosos vizinhos? Unificados pela história de sua Resistência frente à
invasão indonésia, os leste-timorenses unem-se também pela existência imaginada
como imemorial de traços culturais e religiosos impregnados de influência
portuguesa. Ainda que etnicamente parecidos a seus vizinhos do leste da ilha, deles
se diferenciam pelo uso franco do tétum, idioma que assimilou muito da língua
portuguesa (e que talvez deva sua sobrevivência aos missionários católicos de
Portugal), e pela prática da religião católica, herdada dos portugueses.
Ainda que acusada de potica e estratégica, a escolha do português como idioma
oficial ao lado do tétum integra Timor-Leste a uma comunidade maior, aquela
composta pelos países que conformam a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, a CPLP. Com muitos de seus nativos vivendo fora de seu território,
exilados nos vários continentes em conseqüência das lutas internas e externas por
que tem passado Timor, o que manteve unida a dispersa comunidade timorense foi
o sentimento de pertença a um espaço afetivo imaginado e a uma herança cultural
comum que os diferencia da comunidade indonésia que desejou subjugá-los com a
anexação. Daí a Resistência, que o idioma português ajudou a criar e a manter viva.
Se o uso do tétum aproxima os falantes das várias línguas que compõem a
diversidade timorense, possibilitando que se comuniquem entre si, a língua
portuguesa os integra ao espaço que os usuários do português ocupam no mundo
globalizado, uma comunidade também imaginada, cujas fronteiras, com área maior
que 10 milhões de quilômetros quadrados, abrigam uma população de mais de 230
36
milhões de habitantes dos 8 países membros da CPLP, das comunidades lusófonas
de Macau, Goa e Galiza, e de imigrantes dispersos pelos 5 continentes.
É interessante observar como muitas nações surgidas no século XX herdaram a
língua de seus colonizadores. No caso do Império Português, o Brasil, independente
desde o século XIX, e as antigas colônias africanas, libertas após a queda do
Salazarismo, m hoje o português como a língua oficial que coexiste com outras
línguas de uso cotidiano, mas limitado a espaços etno-sociais.
O governo de Timor-Leste, antiga colônia portuguesa de libertação tardia em relação
às suas correlatas devido à invasão indonésia, escolheu também a língua
portuguesa como língua oficial, como língua da educação formal e da administração,
dando ao tétum o mesmo status e valorizando-o, ao lado das outras nguas
nacionais. E os leste-timorenses, como se vêem representados nessas decisões?
Se a língua veicula discursos que constroem nações, como o uso dessas línguas
possibilitará a confirmação e a afirmação da identidade timorense pós 1999?
São questões a serem observadas durante o processo de consolidação da
República Democrática de Timor-Leste como país independente e são os
fenômenos língüísticos impressos no português em uso pelos jovens timorenses que
aqui se procura analisar, buscando neles as marcas dessa identidade em re-
construção.
37
1. 4 PROJETO UNIVERSIDADES EM TIMOR-LESTE: HISTÓRICO E
REALIZAÇÃO
A idéia de uma ação acadêmica em Timor-Leste surgiu em 2001, como Projeto USP
no Timor. Com a parceria entre USP, a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a
Pontifícia Universidade Católica, passou a se chamar Projeto Universidades em
Timor-Leste. O Subprojeto Canção popular e cultura brasileiras em Timor-Leste:
hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e discussão foi
elaborado por Regina Helena Pires de Brito (Universidade Presbiteriana Mackenzie
e Instituto Nacional de Lingüística de Timor Leste) e por Benjamim Abdala Junior
(USP), tendo em conta a história e a realidade lingüística leste-timorenses. A
primeira edição do Projeto foi realizada no segundo semestre de 2004, como um
programa acadêmico brasileiro que colaborasse com instâncias governamentais e
acadêmicas no fortalecimento da presença da língua portuguesa no país.
Em 2002, Regina Helena Pires de Brito, docente do programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi indicada pela CCInt
(Comissão de Cooperação Internacional da Universidade de São Paulo) para expor
seu projeto de divulgação do português, idealizado a partir de sua vivência junto à
população, e fundamentado em estudos lingüísticos feitos in loco.
Durante 2003, várias atividades foram realizadas tendo em vista a estruturação do
Projeto, como a viagem de sua autora a Timor-Leste para apresentar seu plano de
38
ação às autoridades locais, recebendo total apoio e aprovação dos diversos órgãos
educacionais e governamentais contatados, inclusive da Presidência da República.
À época da independência de Timor-Leste, segundo Hull (2001b: 39), os jovens
daquele país pretendiam que somente o tétum obtivesse o estatuto de língua oficial,
mostrando-se apreensivos quanto à adoção do português, daí que o público-alvo
prioritário para o Projeto fossem jovens timorenses com idade entre 12 e 25 anos,
em sua maioria ainda não contemplados por outros programas de cooperação.
No primeiro semestre de 2004, teve início a elaboração do Descritivo das atividades
módulo a módulo, que serviria de base para a execução didática do Projeto. Após a
inscrição de cerca de 700 alunos de diferentes Instituições de Ensino Superior do
país, partiu-se para a seleção de 18 universitários que passariam por um processo
de capacitação para a viagem e para a realização das atividades junto aos leste-
timorenses.
Os monitores brasileiros chegaram a Díli em 25 de agosto de 2004 e foram
recebidos pelas Coordenadoras Locais Vera Busquets e Rosely Forganes (que já se
encontravam em Díli, organizando o programa de trabalho e o alojamento da
equipe), por um comitê de recepção da Universidade Nacional de Timor-Leste e por
membros do Exército Brasileiro.
Em de setembro, iniciaram-se as atividades previstas. Os monitores trabalharam
em equipes de três componentes e atenderam a 21 turmas de alunos entre 8 e 60
39
anos, aproximadamente, num total de quase 600 leste-timorenses. Foram dois
encontros semanais com cada turma, com a duração de 1 hora e 50 minutos por dia.
Esses encontros eram semanalmente relatados, analisados e debatidos em grupo,
com o intuito de aperfeiçoar a prática didática, tornando-a mais eficaz. Relatórios
semanais também eram enviados pelas equipes e pela Coordenação Local à
Coordenação Acadêmica e à Equipe Executiva do Projeto, sediadas em São Paulo.
Para chegar à camada jovem da população e despertar seu interesse pela cultura do
Brasil e dos países lufonos em geral, e pela língua portuguesa em particular, o
Projeto Canção popular e cultura brasileiras em Timor-Leste: hibridismo cultural e
comunitarismo lingüístico em execução e discussão escolheu trabalhar com
elementos representativos da cultura e da música popular brasileiras, considerando
o apreço dos leste-timorenses, que ouvem e cantam as canções de Leandro e
Leonardo, Xitãozinho e Chororó, entre outros, e que conhecem ídolos do futebol
como Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e Robinho. Como observam Brito e
Abdala Júnior (2004):
Naturalmente vocacionada à expressão musical, a população timorense,
com esse ressurgir de nossa língua comum, fez a canção popular
brasileira reaparecer fortalecida nas vozes do país. O contato com a
nossa sica vem da época colonial portuguesa com Teixeirinha e
Roberto Carlos; hoje, a presença do nosso contingente e de muitos
brasileiros exercendo funções diversas, (além dos próprios soldados de
outras nacionalidades, especialmente os portugueses) tem levado uma
diversidade de novas melodias, letras e ritmos nossos ao país,
despertando nos mais jovens o gosto pelos sons do Brasil. (p. 2)
São parte do corpus deste trabalho 10 entrevistas, gravadas em áudio durante a
realizão das atividades, e 10 textos escritos produzidos por leste-timorenses
participantes do Projeto.
40
2 LINGUAGEM, LÍNGUA E TEXTO
41
Importa-nos menos a correção da enunciação
do que seu valor de verdade ou mentira, seu
caráter poético ou vulgar, etc. A língua, no seu
uso pratico, é inseparável de seu conteúdo
ideológico ou relativo à vida (Bakhtin, 2002:
96).
Antes da análise pretendida, é preciso explicitar o conceito de língua, linguagem e
texto que seconsiderado e, para tal, recorre-se aos estudos de Bakhtin (2002),
que formula sua concepção de linguagem a partir da descrição e da análise de duas
orientações do pensamento filosófico-lingüístico: o objetivismo abstrato e o
subjetivismo individualista. É necessário, ainda, estabelecer as distinções entre texto
oral e texto escrito, o que será feito considerando-se os trabalhos de vários autores
que tratam da questão, priorizando-se a obra de Marcuschi (2001), que considera
que as produções verbais se dão num continuum tipológico (do escrito prototípico ao
protótipo oral), e que escolha das estratégias comunicativas é determinada pela
situação, a motivação e a finalidade da interação.
2.1 A VISÃO DE MIKHAIL BAKHTIN
Do ponto de vista bakhtiniano, a língua o é nem um sistema estável de formas
que remetem a uma norma, como quer o objetivismo abstrato, nem a materialização
de um processo criativo que emana do psiquismo individual, como quer o
subjetivismo individualista, mas uma cadeia ininterrupta das enunciações que se
estabelecem na interação verbal entre os falantes, sendo, portanto, um produto das
interações sociais. Para Bakhtin, língua, linguagem e texto não se desvinculam e a
42
língua existe materializada na linguagem, isto é, nos textos produzidos por
aqueles que falam ou escrevem.
Para o autor (2002: 124), são as relações sociais que determinam as formas da
língua, e as mudanças daquelas forçosamente se refletirão nestas: assim, se não
sociedade estática, não sistema lingüístico estável. O autor afirma que as leis
sociológicas das transformações lingüísticas resultam não dos atos individuais de
fala ou escrita, mas do uso cotidiano e social da língua em situações concretas, que
envolvem mais do que um participante, ainda que um deles seja virtual.
Reconhecendo a linguagem como a língua sendo usada nas enunciações, ou seja,
nos discursos verbais (orais ou escritos), Bakhtin (2002: 114-116) percebe que
psiquismo individual e mundo exterior não se desvinculam, mas que a expressão do
pensamento é determinada pela realidade social em que acontece e não pelo
mundo interior do falante. Considera que os usuários se servem da língua porque
precisam dela para interagir socialmente, e escolhem os elementos de sua
enunciação de entre as possibilidades lingüísticas disponíveis para cada contexto
interacional sempre marcado pela história e pela ideologia –, baseados não em
formas normativas abstratas, mas em necessidades pragmáticas de comunicação. E
são essas necessidades pragmáticas que determinam a escolha pela configuração
textual entre um continuum de possibilidades: do protótipo oral ao escrito, e de um
registro discursivo do mais ao menos formal.
43
São as marcas sociais e históricas que dão à linguagem um caráter responsivo, na
medida em que cada discurso dialoga, quer em sentido restrito, quer em sentido
amplo, com os outros discursos que circulam em uma comunidade cio-
historicamente determinada. A linguagem verbal será vista, assim, na concepção
bakhtiniana, como a língua sendo realizada nas interações conversacionais, isto é,
nos textos, em um encadeamento ininterrupto de atos de enunciação, seja na sua
manifestação oral, seja na escrita.
Para ser coerente com o conceito de língua escolhido, o corpus deste trabalho inclui
textos produzidos em situações de comunicação autêntica
7
, observando-se a língua
acontecendo na interação oral ou escrita entre usuários. Foram selecionados 10
gravações de entrevistas orais realizadas pela Coordenadora Acadêmica Local com
o intuito de registrar a língua falada pelos participantes do Projeto Canção popular e
cultura brasileiras em Timor-Leste: hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em
execução e discussão (parte integrante do Projeto Universidades em Timor-Leste), e
10 textos escritos em resposta a um pedido para que os leste-timorenses gravassem
palavras de recordação nos cadernos dos universitários brasileiros.
No caso das gravações orais, em que foi utilizado um equipamento de som de
qualidade bastante precária, a escolha dos textos obedece sobretudo a critérios de
ordem técnica, tendo sido selecionados os de maior clareza nas emissões vocais
dos falantes e com menos interferências de ruídos externos. Entre os textos escritos,
excluíram-se aqueles com maior incidência de incoerências locais, dando-se
7
Entenda-se situação autêntica em oposição a situações criadas nas aulas de língua
estrangeira em que os alunos participam de atividades do tipo role-play, isto é, um jogo de
comunicão em que a cada aprendiz é dado um papel que ele deve representar.
44
preferência a produções de que se alcançasse mais facilmente a compreensão
global da mensagem.
2.2 DISTINÇÃO ENTRE FALA E ESCRITA
Escrever e falar são atividades de interação humana que implicam ao menos dois
interlocutores, quer estejam ou não face a face. Em uma situação autêntica de
comunicação oral ou escrita, quem fala ou escreve produz intencionalmente seu
texto, tendo em vista um possível ouvinte/leitor por quem quer se fazer entender.
Assim, produzir um discurso implica cooperação entre aquele que fala ou escreve e
aquele que escuta ou lê, para que sejam interpretados adequadamente o significado
e a intenção do texto.
Considerando-se o contexto da interação, o momento, o espaço e a relação entre os
interlocutores são elementos que influem nas escolhas lingüísticas, que a
competência lingüística do usuário inclui saber selecionar e organizar as palavras de
acordo com sua intenção em cada evento comunicativo. Para Antunes (2005), além
de configurar uma atividade contextualizada e intencionalmente determinada,
escrever implica uma orientação temática, ou seja, há sempre um tópico ou assunto
que se quer desenvolver, e o mesmo pode-se dizer para a expressão oral.
Quanto às distinções entre fala e escrita, citam-se Charaudeau e Maingueneau
(2005), que explicitam algumas problemáticas na distinção entre o discurso escrito e
45
o oral. Dentre as oposições possíveis entre essas duas modalidades de língua, os
autores observam a oposição entre os enunciados que se transmitem via onda
sonora, ou seja, passam pelo canal oral, e aqueles que se transmitem pelo canal
gráfico e que fazem com que a linguagem entre para o campo da visão.
Outra oposição mencionada pelos autores é a que existe entre enunciados
dependentes do contexto não verbal e aqueles independentes desse contexto. Os
autores afirmam que esse tipo de oposição coincide com a oposição entre situações
de diálogo e situações de monólogo. Em um diálogo oral, o enunciado não pode ser
apreendido globalmente pelos dois interlocutores, constantemente ameaçados de
interrupção e impossibilitados de voltar atrás. Assim,
seus propósitos o acompanhados de mímicas, de índices
paraverbais. Quanto a sua sintaxe, além de ser repleta de elipses, de
redunncias, obedece a um funcionamento específico, para o qual
as categorias tradicionais da gramática da frase, simples ou
complexa, mostram-se insuficientes. Nessa direção, alguns falam de
macrosintaxe […]. Inversamente, um enunciado independente do
contexto tende a se voltar mais sobre si mesmo e pode construir um
jogo de referências intratextual. A subordinação sintática, nesse
caso, expande-se com um máximo de rigor (CHARAUDEAU e
MAINGUENEAU, 2004: 203. Grifos dos autores).
Os autores chamam a atenção para o fato de que é perfeitamente possível que um
enunciado oral se apresente independente em relação ao contexto. O ofício religioso
e o noticiário da televisão, bem como todos os tipos de elocução em que o auditório
não toma a palavra, são exemplos desse tipo de enunciado. Também que se
atentar para os enunciados gráficos que, mesmo independentes do contexto,
pretendem não parecê-lo, como os romances que jogam com uma tensão entre o
46
estilo oral intencionalmente escolhido pelo enunciador e a sua recepção enquanto
literatura para ser lida.
Para Charaudeau (1992, apud Charaudeau e Maingueneau, 2005: 225), podem-se
diferenciar a situação de oposição entre canal oral e canal gráfico, e a situação
material da comunicação, distinguindo-se, então, a situação de interlocução daquela
de monolocução, conforme o interlocutor tenha ou não direito à palavra. Convém
ressaltar porém que, nesses casos, embora o interlocutor não tenha direito a
responder oralmente, sua presença e suas reações influem na produção do locutor,
uma vez que o discurso deste é intencionalmente produzido e conscientemente
dirigido a um determinado público.
Ao observar as relações entre língua falada e língua escrita, Fávero, Andrade e
Aquino (2000) colocam as duas modalidades como pertencentes a um mesmo
sistema lingüístico e consideram que as diferenças entre elas são estruturais,
destacando que “diferem nos seus modos de aquisição; nas suas condições de
produção, transmissão e recepção; nos meios através dos quais os elementos de
estrutura são organizados” (p. 69). Assim, a fala é naturalmente adquirida no seio da
sociedade em que se nasce, mas a escrita requer algum tipo de ensinamento formal;
a escrita é produzida e transmitida graficamente e sua recepção é visual, enquanto a
fala é produzida e transmitida oralmente e recebida por meio das ondas sonoras.
As autoras citam, ainda, o diagnóstico da língua escrita feito por Drieman (1962,
apud vero, Andrade e Aquino, 2000: 70), segundo o qual haveria, na escrita, uma
47
tendência para a produção de textos mais curtos, o uso de palavras com maior
número de silabas, a presença de mais adjetivos atributivos e de um vocabulário
mais variado.
Para as autoras, na análise de um texto, seja oral, seja escrito, é necessário
observar a situação comunicativa como um todo, as relações que há entre os
participantes, suas características pessoais e de grupo, o papel social que
representam na interação e a extensão do conhecimento partilhado por eles
(Fávero; Andrade; Aquino, 2000: 72). Num texto falado, os papéis assumidos são o
de falante e ouvinte, sendo facultativa a presença de uma audiência; no texto
escrito, tem-se um escritor e um leitor. Cada um desses papéis interativos será
representado por um indivíduo com determinada personalidade, interesses, crenças,
conhecimentos e emoções, pertencente a uma categoria sexual, a uma faixa etária,
a um grupo social, étnico, profissional etc., características essas que devem ser
consideradas pelo analista do evento comunicativo.
Ao avaliar as condições de produção implicadas em cada modalidade de língua,
encontram-se características típicas de cada uma delas, considerando-se a
conversação espontânea e o texto escrito em geral como dois extremos de um
continuum que engloba diferentes formas de expressão lingüística.
Segundo as autoras, a fala se caracteriza pela interação face a face, pela
simultaneidade (ou quase simultaneidade) entre planejamento e produção, pela
criação coletiva e constantemente negociada, pela impossibilidade de apagamento
48
do que foi dito, por normalmente não haver consulta a outros textos materiais, pela
possibilidade de a reformulação do texto ser feita tanto pelo falante quanto pelo
ouvinte e pelo contato direto com as reações do outro, o que torna possível que o
processamento do texto seja feito considerando-se essas reações. Um produto
natural, o texto falado traz as marcas de seu processo de criação.
O texto escrito, em contrapartida, evidencia uma interação feita espaço-
temporalmente à distância, em que o planejamento é anterior à realização. É uma
criação normalmente individual, passível de ser revista e corrigida pelo próprio
escritor, que tem a possibilidade de consultar outros textos. O produtor não tem
acesso imediato às reações do interlocutor, mas pode processar seu texto
considerando as possíveis reações de um leitor virtual. Um produto artificial, o texto
escrito costuma camuflar o processo de realização, explicitando somente seu
resultado final.
Neves
8
menciona algumas diferenças entre a produção oral e escrita que
repercutem no produto final. Divergentes quanto ao tempo e modo de aquisição
anterior e natural na fala, posterior e artificial na escrita –, fala e escrita também se
diferenciam na função: a fala orientada sobretudo para o ouvinte (função
interacional), a escrita orientada principalmente para a mensagem (função
ideacional). Essas funções foram postuladas por Halliday (1970, apud Fávero e
Koch, 2000: 37), que a elas acrescenta a função textual, relacionada com o modo
pelo qual a estruturação do texto se aplica ao contexto comunicativo.
8
Maria Helena de Moura Neves, em texto fotocopiado e distribuído na disciplina Texto e
Gramática os processos básicos de organização do enunciado, no Curso de Pós-
Graduão em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, primeiro semestre de 2006.
49
Em estudo sobre o planejamento textual, Urbano (1998) aponta o continuum sonoro,
marcado pela entonação, ritmo, intensidade, dinâmica e qualidade da voz, mais a
expressividade facial, a postura e as particularidades da situação comunicativa como
características básicas do texto falado. a modalidade escrita se caracterizaria por
apresentar-se como uma seqüência gráfica e visual de vocábulos claramente
delimitados por espaços em branco, em que as propriedades da voz, as expressões
faciais, a postura e as características da situação podem ser reproduzidas
unicamente por meio de recursos lingüísticos e gráficos.
O autor destaca, ainda, o fato de o texto falado ser uma co-produção entre dois ou
mais interlocutores, enquanto que o texto escrito é, a priori, produto de um único
criador, características também apontadas por Fávero, Andrade e Aquino (2000). No
que se refere ao planejamento textual propriamente dito, o autor põe em evidência,
na modalidade oral, o tempo único entre ativação e verbalização de idéias e o
planejamento local concomitante à produção. Na modalidade escrita, são duas
etapas e dois tempos, um para a atividade mental, outro para a prática verbal,
pressupondo-se um intervalo entre planejamento e execução do texto.
Para Urbano (1998), a conversação não é um produto planejado nem planejável,
pois, se o fosse, seria incompatível com a espontaneidade de uma interlocução oral.
Produto inacabado, o texto falado traz as marcas de não-planejamento prévio em
sua superfície, tais como hesitações, pausas, repetições, paráfrases,
fragmentações, desvios e digressões picas inesperadas. o texto escrito, que é
possível planejar com antecedência, apresenta-se como produto acabado pelo
50
menos provisoriamente, entregue a posteriori, e do qual foram apagados os traços
de elaboração. O autor afirma que, em termos de planejamento textual,
como acontece em quase tudo na relão ngua falada/língua
escrita, temos que aceitar um continuum. D a preferência em se
utilizar freqüentemente as expressões ‘relativamente não-
planejado’/‘relativamente planejado” (URBANO, 1998: 135, grifos do
autor).
Observando que texto oral e texto escrito foram estudados, durante muito tempo, de
uma perspectiva dicotômica, em que se atribuía ao letramento uma supremacia
sobre a oralidade, Marcuschi (2001) apresenta sua visão atual dessas duas
modalidades de língua consideradas, a partir da cada de 50, como um conjunto
de práticas sociais (p. 15, grifo do autor).
Se a linguagem é uma capacidade inata do ser humano, é no uso efetivo da
língua nas interações sociais que essa faculdade se realiza, e as necessidades
cotidianas da vida determinam as formas que a ngua assume em cada situação
comunicativa. Assim, escolher entre falar ou escrever não depende unicamente do
valor social que se atribui a cada uma dessas práticas, mas dos motivos e da
finalidade da comunicação e das condições em que ela se dá.
Historicamente, fala e escrita têm sido encaradas como dois meios de representação
da língua, um sonoro, outro gráfico. Marcuschi (2001) considera, entretanto, que,
para além dessa distinção medial, é necessário ter em conta, na análise das
enunciações gráficas ou sonoras, um critério conceptual de cada prática lingüística,
51
uma vez que o as condições de produção que determinam a escolha das
estratégias de formulação textual.
Considerando os estudos de lingüistas como Bernstein (1971), Labov (1972),
Halliday (1985) e Ochs (1979), Marcuschi (2001) apresenta um quadro de
dicotomias estritas, em que a fala é vista como uma prática contextualizada,
dependente, implícita, redundante, não planejada, imprecisa, não-normatizada e
fragmentária, em oposição à escrita que seria uma produção descontextualizada,
autônoma, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada e completa. Essa
visão polarizada valoriza a língua como código abstrato e praticamente ignora seu
uso dialógico e discursivo.
Um segundo quadro é apresentado pelo autor como síntese de uma visão
culturalista da linguagem, presente nos estudos de Olson (1977) e Scribner & Cole
(1981), entre outros, para quem a expressão escrita simboliza uma evolução no
desenvolvimento do pensamento e da cognição humana. De um lado, a cultura oral
representaria o pensamento concreto, o raciocínio prático, a atividade artesanal, o
cultivo da tradição e o ritualismo, de outro, a cultura letrada denotaria o pensamento
abstrato, o raciocínio lógico, a atividade tecnológica, a inovação constante e a
analiticidade. Ainda que não se possam negar os aportes que o letramento trouxe às
sociedades ditas letradas, Marcuschi (2001) afirma que “a escrita não possui algum
valor intrínseco absoluto(p. 29, grifo do autor), apesar da supervalorização social
de que goza.
52
De um ponto de vista variacionista, fala e escrita são observadas a partir de
regularidades e variações, verificando-se que ambas podem apresentar variedades
padrão e não-padrão, língua culta e língua coloquial, norma padrão e norma não-
padrão. Marcuschi (2001) defende que
fala e escrita o são propriamente dois dialetos, mas sim duas
modalidades de uso da língua, de maneira que o aluno, ao dominar a
escrita, se torna bimodal. Fluente em dois modos de uso e não
simplesmente em dois dialetos (p. 32, grifos do autor).
a visão sociointeracionista encara as relações entre as duas modalidades de
língua a partir de uma perspectiva dialógica das interações. Desse ponto de vista,
fala e escrita apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais,
envolvimento, negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade. Marcuschi
(2001) destaca a percepção que os sociointeracionistas têm de ngua como
acontecimento dinâmico e interativo, mas critica seu modelo de análise por não
explicar e descrever a contento os fenômenos sintáticos e fonológicos da língua e
as estratégias de produção e compreensão textual” (p. 33). O esquema seguinte
procura sintetizar estas 4 visões:
53
ESQUEMA 2
VISÕES SOBRE FALA E ESCRITA
FALA
ESCRITA
Dicotomias estritas
prática contextualizada
dependente
implícita
redundante
não planejada
imprecisa
não-normatizada
fragmentária
produção descontextualizada
autônoma
explícita
condensada
planejada
precisa
normatizada
complexa
Culturalista
pensamento concreto
raciocínio prático
atividade artesanal
cultivo da tradição
ritualismo
pensamento abstrato
raciocínio lógico
atividade tecnológica
inovação constante
analiticidade
Variacionista
variedades padrão e não padrão
língua culta e coloquial
norma padrão e não padrão
Sociointeracionista
dialogicidade
usos estratégicos
funções interacionais
envolvimento
negociação
situcionalidade
coerência
dinamicidade
(Baseado em Marcuschi, 2001)
54
Após observar as semelhanças e diferenças entre fala e escrita apontadas nessas
quatro perspectivas, Marcuschi apresenta os aspectos que considera relevantes na
análise da relação entre essas duas modalidades de língua, entre esses “dois
modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas”
(2001: 35). O autor postula, então, que
as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum
tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação
dicotômica de dois pólos opostos. Em conseqüência, temos a ver
com correlações em vários planos, surgindo d um conjunto de
variações e não uma simples variação linear (MARCUSCHI, 2001:
37, grifos do autor).
Para representar esse continuum tipológico, veja-se o gráfico a seguir, em que se
situam os gêneros textuais de fala GF1, GF2... GFn e os gêneros textuais da escrita
GE1, GE2... GEn. Aqui, GF1 poderia ser uma conversação espontânea e GE1 um
artigo científico, por exemplo, considerados como textos prototípicos de cada
modalidade.
(MARCUSCHI, 2001: 38)
55
O autor nota, porém, que existe uma série de textos natural e espontaneamente
produzidos nos mais diferentes gêneros das duas modalidades e que, muitas vezes,
esses textos se entrecruzam, constituindo domínios mistos, como as notícias
escritas, sonoramente recebidas pelo espectador, ou os textos de entrevistas orais
graficamente transmitidos para os leitores de uma revista. Apesar das diferenças,
fala e escrita se servem de uma mesma gramática: são as estratégias que variam de
acordo com a situação, a motivação e a finalidade da comunicação. Além disso, os
textos orais são normalmente acrescidos de gestos, mímicas e textos escritos
podem contar com recursos gráficos que vão além das letras do alfabeto (como
grifos, tipos e tamanhos de letra, sublinhado, ícones etc.).
Para representar esses domínios mistos que se estabelecem nas relações entre
gêneros discursivos, Marcuschi (2001) apresenta o gráfico 2, em que se consideram
os aspectos medial e conceptual das produções textuais. Nesse gráfico, “b” e “c”
constituem os domínios em que as duas modalidades se mesclam; “aé o domínio
da fala prototípica, que se caracteriza por ser de concepção oral e meio sonoro; “d” é
o domínio da escrita prototípica, que se caracteriza por ser de concepção escrita e
meio gráfico.
56
(MARCUSCHI, 2001: 39)
Deste modo, uma conversação espontânea é vista pelo autor como um texto do tipo
“a” (meio sonoro e concepção oral), um artigo científico como “d” (meio gráfico e
concepção escrita), uma entrevista, publicada na Revista Veja, por exemplo, como
“b” (meio gráfico e concepção oral) e uma notícia televisiva como “c” (meio sonoro e
concepção escrita).
Um terceiro gráfico representa o contínuo das diferentes produções discursivas
normalmente veiculadas em uma sociedade humana:
57
(MARCUSCHI, 2001: 41)
58
Nesse quadro, localizam-se os gêneros discursivos determinados pelos contextos de
uso, dispostos em um contínuo em que o balão intermediário contém os gêneros
que se mesclam, aqueles do tipo “b” e c” mostrados no gráfico 2. Assim, pode-se
afirmar que não é o fato de ser dialogada ou monologada, mais ou menos planejada,
face a face ou à distância que determina a escolha da fala ou da escrita em uma
comunicação verbal, pois
basta observar o agrupamento e a distribuição dos gêneros textuais
representados no gráfico para perceber como a distribuição das
modalidades é muito mais complexa do que se poderia imaginar
(MARCUSCHI, 2001: 42).
A partir dessa constatação, será importante que a análise de um texto considere as
diferenças entre fala e escrita de uma perspectiva funcional, focalizando não um
sistema abstrato, mas os usos que o usuário faz do código lingüístico de que dispõe.
59
3 A TEXTUALIDADE EM TEXTOS
FALADOS E ESCRITOS
60
Calcula-se que já falamos há 150.000 anos,
mas a escrita surgiu 6.000 anos.
(Jerônimo Teixeira)
Uma vez que este trabalho busca examinar as produções orais e escritas de
participantes leste-timorenses do Projeto Canção popular e cultura brasileiras em
Timor-Leste: hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e
discussão, cabe observar as duas modalidades da língua analisadas e entender de
que forma é possível identificar, em cada uma, elementos de coesão e coerência. É
o que se pretende fazer neste capítulo, recorrendo-se aos estudos de especialistas
em Lingüística Textual e Análise da Conversação.
3.1 FATORES DE TEXTUALIDADE
Materialidade lingüística, códigos simbólicos socialmente compartilhados, processos
cognitivos e conhecimento de mundo partilhado pelos usuários são alguns
elementos apontados por Mateus et al. (1983) como componentes de um texto.
Além da língua natural, dos códigos sociais, da estruturação cognitiva e do saber
pressuposto e compartilhado que o compõem, para ser reconhecido como tal, um
texto deve apresentar um conjunto de propriedades a que se convencionou chamar
textualidade.
61
Como parte desse conjunto, as autoras estabelecem a intencionalidade, a
aceitabilidade, a situacionalidade, a intertextualidade, a informatividade e a
conectividade, incluindo a coesão e coerência como as partes integrantes desse
último fator. Outros autores tratam da mesma questão, mas neste trabalho serão
tratados os fatores estabelecidos por essas autoras, que consideram a
conectividade – em seus dois aspectos, a coesão e a coerência como propriedade
essencial para que uma elocução lingüística seja entendida como um texto ou
discurso.
A conectividade se faz presente sempre que uma interdependência semântica
entre uma ocorrência textual A e outra B, e será conceitual, também chamada
coerência, quando
a interdepenncia semântica das ocorrências textuais resulta dos
processos mentais de apropriação do real, e da configuração e
conteúdo dos esquemas cognitivos que definem o nosso saber sobre
o mundo (MATEUS et al., 1983: 187)
ou seqüencial, também conhecida como coesão, sempre que
a interdependência semântica das ocorrências textuais resulta de
processos lingüísticos (universais, tipológicos ou particulares) de
seqüencialização i. e, de ordenação linear dos elementos
lingüísticos (MATEUS et al., 1983: 187).
As autoras apontam a intencionalidade e a aceitabilidade como propriedades da
textualidade centradas no falante/escritor e no ouvinte/leitor, respectivamente. Se o
falante/escritor tem um projeto de dizer, busca a melhor forma de realizar, coesa e
coerentemente,sua intenção, para que possa fazer-se entender pelo destinatário. O
62
destinatário, por sua vez, parte do princípio de que a elocução é dotada de sentido e
assume uma atitude de aceitabilidade, mobilizando estratégias e conhecimentos
necessários para interpretar o que ouve ou lê. Assim, num evento comunicativo, o
emissor tem a intenção de que sua produção lingüística seja um texto, e o
destinatário está teoricamente pré-disposto a aceitá-la como tal.
A situacionalidade refere-se à relevância de um texto enquanto objeto inserido em
um dado contexto, isto é, em uma determinada situação comunicativa da qual
participam ao menos dois indivíduos sócio-historicamente situados. Quanto mais
relevante um texto em relação à situação em que se dá, mais adequado será a seus
propósitos comunicativos.
Para Beaugrande & Dressler (1981, apud Koch e Travaglia, 2002: 78), em uma
produção lingüística estabelece-se uma relação tanto do texto para a situação
quanto da situação para o texto, ou seja, se os fatores do contexto influem na
construção do texto, o texto também influi no contexto, pois as crenças,
conhecimentos, convicções, desejos, objetivos e pontos de vista do interlocutor
interferem na situação comunicativa, contribuindo para criá-la. Assim, o texto não
espelha o “mundo real”, mas recria o contexto a partir do conhecimento prévio e das
expectativas dos usuários.
A intertextualidade é a relação de interdependência que se estabelece entre um
texto e outros que estão na memória dos interlocutores. Essa relação é bastante
abrangente, implicando elementos que se relacionam com o conteúdo, com a forma
63
e com o tipo ou gênero de texto, e ocorre materialmente por meio de citações,
comentários, remissões, alusões, que recuperam outros textos produzidos em
determinada cultura e presentes na memória social coletiva, mas que são
dependentes do repertório individual de cada usuário. Assim, a produção ou
interpretação de um discurso está sempre em diálogo com outros discursos,
influindo neles e por eles sendo influenciada, numa rede dialógica em que os
sentidos vão sendo interdependentemente construídos.
A informatividade, por sua vez, refere-se à carga de informação veiculada por um
texto. Mais informativo será um texto que traga informações novas, não esperadas e
imprevisíveis, e menos informativo aquele cujas informações são esperadas e
previsíveis, havendo um contínuo de possibilidades entre esses dois extremos.
Também é certo que um texto de alto grau de informatividade pode ter dificultada
sua intelecção, e um texto de informatividade muito baixa acaba por se tornar
irrelevante.
Neste trabalho, serão observados os elementos de coesão e coerência como fatores
determinantes da textualidade de uma elocução.
3.1.1 Elementos de coesão e coerência
Consideradas como dois aspectos da conectividade textual, a coesão e a coerência
são essenciais para que uma produção verbal seja considerada como um texto ou
discurso, isto é, como uma unidade lingüística dotada de sentido.
64
No que concerne à coerência textual, para Koch e Travaglia (2001: 32), é ela a
responsável pelo estabelecimento do sentido do texto para seus usuários em uma
dada situação de comunicação. É, assim, um princípio de interpretabilidade que
depende de fatores como o grau de conhecimento que cada usuário tem sobre o
outro, sobre o tema em questão, sobre os recursos lingüísticos usados, sujeitando-
se, ainda, ao grau de interação que os usuários mantêm entre si.
Recorrendo aos conceitos de Van Dijk e Kintsch sobre coerência local e coerência
global, Koch e Tavaglia (2001: 36) apontam alguns fatores que ocasionariam
problemas de incoerência local, como a escolha de itens lexicais inadequados,
causadora de incoerência semântica; o uso não apropriado de conectivos,
preposições e sintagmas nominais definidos e indefinidos, que provocaria
incoerência sintática; a utilização de elementos lingüísticos não pertencentes a um
mesmo estilo (como o emprego inadequado de gírias em um texto acadêmico),
provocadora de incoerência estilística; e a presença de uma seqüência
inapropriada de atos de fala, como alguém que não entendesse uma pergunta e
respondesse com algo que não tivesse nenhuma relação com o perguntado, o que
poderia ocasionar uma incoerência pragmática local.
Apesar da possibilidade de ocorrência de incoerências locais, o usuário, pela
propriedade textual da aceitabilidade, considera de antemão que um texto é, a
princípio, coerente. Nesse caso, é possível dizer que sua interpretação dependeria
de que o receptor fosse capaz de calcular e construir as relações não explicitadas no
ato comunicativo. Como afirmam Koch e Travaglia (2002), “a coerência tem a ver
também com a produção do texto à medida que quem o faz quer que seja entendido
65
por seu interlocutor, conforme se supõe pelo princípio de cooperação” (p. 13). Esse
princípio implica intencionalidade por parte do falante/escritor, e aceitabilidade por
parte do ouvinte/leitor. Assim, em uma interação verbal,
espera-se sempre um texto para o qual se possa produzir sentidos e
procura-se, a partir da forma como ele se encontra lingüisticamente
organizado, construir uma representão coerente, ativando, para
tanto, os conhecimentos prévios e/ou tirando as possíveis
conclusões para as quais o texto aponta (KOCH, 2002: 19).
Desta forma, os interlocutores acionam todas as estratégias cognitivas e
conhecimentos que possuem para construir, em co-autoria, um discurso dotado de
sentido e que possa ser interpretado como coerente e relevante.
Em sua obra Redação e textualidade, Val (2004) levanta questões sobre como
avaliar a textualidade de uma produção verbal, e menciona estudos que colocam a
coerência como fundamento daquilo que faz com que um texto seja um todo
coerente. Analisa, então, a coesão e a coerência textuais a partir das meta-regras de
Charolles (1978, apud Val, 2004: 21), que a autora chama de continuidade,
progressão, não contradição e articulação.
Val diz que a continuidade se estabelece, na coerência textual, pela reativação de
conceitos e idéias, e na coesão, pelos mecanismos lingüísticos disponíveis na
língua, como o uso de palavras repetidas, de artigos definidos ou pronomes
demonstrativos, pronomes anafóricos, elipses etc.
66
A autora afirma que a progressão se dá, no plano da coerência, por meio do
acréscimo de informações semânticas novas; no plano da coesão, ela é feita pelo
uso de mecanismos lingüísticos que relacionam o conhecido com o novo,
geralmente expressos pela seqüência tópico/comentário, ou tema/rema.
Para Val, pelo princípio de não-contradição, um texto, para ser coerente, não pode
se contradizer ou contradizer o mundo que representa. No plano da expressão, o
uso de verbos modais (dever, poder, querer etc.), alguns advérbios e verbos
ilocutórios (jurar, prometer, ordenar etc.) não podem entrar em contradição com os
modos e tempos verbais empregados, a menos que haja uma intenção estilística do
enunciador.
Val esclarece, ainda, que a articulação se refere ao encadeamento e à organização
dos fatos e conceitos apresentados no texto, e aos papéis que desempenham e aos
valores que assumem esses fatos e conceitos, uns em relação aos outros. Para
haver coerência, é preciso que haja uma articulação pertinente entre os
acontecimentos e idéias. No plano da coesão, os mecanismos de junção, os
articuladores lógicos do discurso e os recursos lingüísticos, que servem ao
estabelecimento de relações temporais entre os elementos textuais, são recursos de
expressão formal da articulação.
Baseada em Beaugrande e Dressler, Val (2004) aponta os critérios para a análise da
informatividade, entendida como “a capacidade que tem um texto de efetivamente
informar seu recebedor” (p.31). Dessa forma, um texto poderá ser de alta
67
previsibilidade e baixa informatividade, passível de ser avaliado como
desinteressante; apresentar um equilíbrio entre previsibilidade e informatividade,
sendo, em geral, bem aceito pelo receptor; ou trazer alta carga de informatividade,
podendo ser julgado como hermético. O importante é que o texto veicule novos
conhecimentos, apresentando dados suficientes para configurar-se como um ato
efetivo de comunicação. A autora chama a atenção, também, para a subjetividade
da análise de um texto, do qual acredita ser mais fácil compreender a natureza
quando se abre mão do rigor e da exatidão tecnicista, dando espaço para a intuição
e o bom senso. Por fim, enfatiza a necessidade de um exame global do texto, uma
vez que a coerência, a coesão e a informatividade não se fazem “de” e “em”
fragmentos dispersos, devendo ser observadas na totalidade textual.
Para Halliday e Hasan (1973, apud Koch e Travaglia, 2002: 14-15), a coesão é um
conceito semântico que tem a ver com “a relação semântica entre dois elementos do
texto, de modo que um deles tem de ser interpretado por referência ao outro,
pressupondo-o”. Nesse caso, a relação de significado entre os elementos textuais,
que permite sua interpretação, seria a responsável pela coesão do texto.
Segundo Fávero e Koch (2000), Halliday e Hasan se debruçam sobre a função
textual, “aquela que permite a estruturação de textos de modo pertinente ao
contexto, que toda língua possui elementos capazes de justificar e explicar essa
adequação” (p. 38), e apresentam a referência, a substituição, a elipse, a
conjunção (conexion, em inglês) e a coesão lexical como os principais fatores de
coesão em um texto.
68
A referência se realiza por meio de elementos lingüísticos relacionados a outros
itens e que deles dependem para a sua significação. Pode ser pessoal, pelo uso
dos pronomes pessoais e possessivos; demonstrativa, realizada por meio dos
pronomes demonstrativos, dos artigos definidos
9
e advérbios indicativos de lugar; e
comparativa, “que se faz por via indireta, através de identidades ou similaridades”
(Fávero e Koch, 2000: 39). Se o elemento a que a referência remete deve ser
buscado no contexto situacional, tem-se uma referência exofórica, ou extratextual;
no caso desse elemento encontrar-se no próprio texto, tem-se uma referência
endofórica, ou textual. Neste caso, pode-se ter uma anáfora, quando a relação se
estabelece com um elemento antecedente, ou uma catáfora, quando o elemento
referido vem após sua referência.
A substituição está presente quando se substitui um item, ou até uma oração
inteira, por outro elemento lingüístico. Podem funcionar como substitutos os
pronomes, os numerais, os indefinidos, os nomes genéricos (“coisa”, gente”,
“pessoa”, “criatura”, além dos hipônimos e hiperônimos), palavras como
respectivamente”, o mesmo”, “também”, “sim”, “não”, o verbo “fazer” (que substitui
os causativos
10
) e o verbo “ser” (substituto existencial). (Fávero e Koch, 2000: 40).
Enquanto a referência evidencia uma relação mais semântica, portanto, no nível do
significado, a substituição remete a uma relação mais gramatical, no nível da
palavra.
9
Segundo Maria Helena de Moura Neves (em aula da disciplina Texto e Gramática os
processos básicos de organização do enunciado, no Curso de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, primeiro semestre de 2006), pode-se comprovar que
o artigo definido funciona como demonstrativo verificando-se sua origem que, nas línguas
neolatinas, o artigo deriva do demonstrativo. Em português, por exemplo, o artigo definido o
deriva da forma latina illum (aquele).
10
Verbos que exprimem a idéia de que a ação ou o processo são provocados pelo sujeito
da oração, mesmo quando ocasionados por outrem. Ex.: A e adormeceu o bebê.
69
A elipse, que tem sido considerada como um tipo de substituição por zero (Ø), é a
omissão de elementos nominais, verbais e até de orações, que podem ser
recuperados no contexto. Assim, deixa-se de explicitar um elemento que fica, então,
subentendido.
A junção
11
é, por si mesma, um elemento coesivo, mas de forma indireta,
em virtude das relações significativas específicas que se
estabelecem entre as orações dentro do período, entre os períodos
dentro de um parágrafo, entre os parágrafos no interior do texto
(FÁVERO e KOCH, 2000: 41).
Os advérbios e locuções adverbiais, as conjunções (coordenativas e subordinativas),
as locuções conjuntivas, as preposições e locuções prepositivas e os itens
continuativos como “daí”, “então”, “a seguir” e outros, são as principais classes de
elementos que servem à conexão textual. Portanto, para haver coesão, é preciso
selecionar os itens que expressem adequadamente a relação semântica pretendida,
já que um mesmo conectivo funciona semanticamente de acordo com a estrutura e o
contexto em que aparece. Omitir ou não esses conectores textuais pode evidenciar
uma escolha estilística ou pode atender a uma necessidade (como no caso dos
telegramas e das manchetes jornalísticas), mas a supressão deve se dar quando
não provocar ambigüidade ou dificuldade de compreensão, a menos que o autor
tenha essa intenção.
11
Os autores brasileiros têm preferido a palavra “conjunção” para traduzir o termo conexão
(conexion), empregado por Halliday e Hasan. Para este trabalho, usar-se-á o termo juão,
muito mais abrangente.
70
Sobre o item referência, que Marcuschi e Koch (2006) preferem denominar
referenciação, acrescente-se que não é exclusividade do texto falado, mas uma
estratégia utilizada pelo usuário da língua na construção de qualquer tipo de
discurso. Marcuschi e Koch (2006) tratam a referência como a designação,
representação ou sugestão de entidades discursivas vistas como objetos-de-
discurso que fazemos ao reelaborar o mundo que nossos sentidos apreendem e
compreendem. Segundo os autores,
essa reelaboração se essencialmente no discurso [...]: deve
obedecer a restrições impostas pelas condições culturais, sociais,
históricas e, finalmente, pelas condições de processamento
decorrentes do uso da língua (p. 381).
Os autores consideram que referência se faz enquanto o discurso é elaborado e, ao
mesmo tempo, é durante essa elaboração que se constroem os objetos a que o
discurso faz referência. Embora um referente, como objeto do mundo, possa sofrer
modificações, isso não implica uma mudança no objeto-de-discurso que a ele
remete, e vice-versa. Um exemplo comum é a transformação por que passa o
ingrediente de uma receita culinária, como no exemplo do frango, que do começo ao
fim poderá ser denominado da mesma forma, ainda que vá se modificando durante o
preparo da receita.
Aos referentes, pertencentes ou não à realidade mundana, que o falante vai
introduzindo ou retomando em seu discurso dá-se o nome de “objetos-de-discurso” e
Marcuschi e Koch (2006) denominam referenciação esse processo de tomada e
retomada de referentes.
71
Para os autores, todo caso de progressão referencial está fundado em algum tipo de
referenciação, embora a referenciação não implique remissão nem retomada.
que se distinguir, ainda, as noções de retomada, remissão e referenciação,
usualmente vistas como idênticas. Segundo Marcuschi e Koch (2006),
referir é uma atividade de designação realizável com a ngua sem
implicar uma relação especular ngua-mundo; remeter é uma
atividade de processamento indicial na contextualidade; retomar é
uma atividade de continuidade de um núcleo referencial, seja numa
relação de identidade ou não (p. 383, grifos dos autores).
Referir é, portanto, designar lingüisticamente um elemento considerado “objeto-de-
discurso”, ativando-o na memória textual; remeter, que implica referenciar, mas o
necessariamente retomar, é fazer referência a uma situação textual ou extra-textual
por meio de um elemento lingüístico que com ela tenha uma relação, correferencial
ou não, de ordem semântica, cognitiva, associativa, pragmática etc; e retomar, que
implica remeter e referenciar, é a reativação de um “objeto-de-discurso”, havendo
necessariamente uma continuidade referencial entre o termo retomado e o elemento
que o retoma, ou seja, uma relação direta, seja de identidade material
(correferenciação) ou não (associação), entre eles.
A fim de melhor compreender esses conceitos, observe-se o seguinte fragmento de
Caetano Veloso, numa alusão a Fernando Pessoa: “minha pátria é minha língua”.
Nessa oração, o primeiro pronome “minha” é uma remissão ao contexto, que
remete ao “eu” que fala de si; “pátria” e “língua” são referenciações, pois são itens
designadores da “realidade” mundana ou mental, responsáveis por ativar essa
realidade na memória do texto; o segundo pronome, “minha”, faz uma retomada do
72
primeiro pronome, ao mesmo tempo em que também remete ao sujeito enunciador
que fala de si
12
.
Ao elaborar um discurso, o usuário se serve desses três recursos para fazer com
que seu texto progrida e seja relevante. Um texto que não progride costuma dar
voltas em torno de um mesmo assunto, sem acrescentar informações ou avaliações
novas ao que é conhecido e, portanto, seu baixo grau de informatividade faz que
se torne um discurso desinteressante, podendo provocar seu abandono por parte de
quem o recebe.
A progressão de um texto se dá, então, o como uma continuidade linear, mas por
meio de retomadas, remissões e referenciações, daí a noção de texto como um
tecido cuja trama é entretecida em movimentos de vai e vem, feito por catáforas
(movimentos projetivos) e anáforas (movimentos retrospectivos), além de
movimentos abruptos, fusões, alusões etc (Marcuschi e Koch, 2006: 383-384).
Marcuschi e Koch (2006) examinam a referenciação que se faz por meio de
expressões nominais definidas e a que se faz por meio de anafóricos sem
antecedente explícito como dois conjuntos de estratégias de progressão referencial,
apontando-os como um dos elementos responsáveis pela distinção entre fala e
escrita. Os autores observam que o uso de expressões nominais definidas é mais
comum nos textos escritos, em que normalmente se revela maior preocupação com
um uso mais rico e variado de vocabulário. na fala, que não se distingue pela
12
Exemplo estudado na disciplina Língua Portuguesa V, ministrada pelo Professor Ronaldo
Martins, no Curso de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no dia 29 de maio de
2003.
73
variação de elementos lexicais, é maior a incidência de referenciação anafórica sem
antecedente explícito.
Quando o usuário se serve de uma estratégia de descrição definida, escolhe, entre
as propriedades de um referente, aquela(s) que considera relevante(s) para o que
quer dizer. Nesse caso, o referente nuclear é constante e a seu redor gravitam os
diferentes elementos responsáveis por descrevê-lo, como em:
L2 houve uma série de irre/éh:: de irregularidades ... nas lis/ na
apresentação da lista de classificão irregularidade foi engano ... no
no fazer ... na confecção da lista ... de de aprovados hou/ houv/
começaram a haver alguns enganos ... então o pessoal que mand/
entrava com mandado de segurança ... eh aritmética (às vezes) de
somar numero de pontos ... então eles entraram com mandado de
segurança ... anulando aquela lista de classificação ... e então havia
publicão de outras ... e assim foi indo e:: e a:: ... de acordo com o
edital a validade é dois anos DA publicação ... dos resultados ... da
lista de aprovados ... (MARCUSCHI e KOCH, 2006: 385, grifos dos
autores).
Nas expressões em destaque desse exemplo, o cleo definido “a lista” se mantém,
e aparece precedido de na apresentação”, “na confecção”, “aquela”, da
publicação, e seguido de “de classificação(duas ocorrências), “de aprovados”
(duas ocorrências), elementos que ajudam a melhor definir e compor sua descrição.
Se a estratégia usada é a de nominalização, informações de um fragmento textual
precedente são transformados em “objetos-de-discurso” por meio do uso de
expressões nominais, que recuperam desde sintagmas verbais até enunciados
inteiros. Os autores observam que esse recurso é mais freqüente em textos escritos
e que são dotados de um grande poder de síntese quando utilizados na fala.
Observe-se o seguinte exemplo em que o sintagma verbal “demandarem moeda é
74
transformado em “objeto-de-discurso” pelo uso da expressão nominalizada
“demanda de moeda”:
Inf. quais as as razões que levam as pessoas a ... demandarem
moeda a procurarem moeda guarDArem moeda [...] ou seja
quais os motivos que explicam a demanda de moeda porque as
pessoas procuram moeda (MARCUSCHI e KOCH, 2006: 386,
grifos dos autores).
a pronominalização é uma estratégia de caráter anafórico, embora o pronome
referenciador apareça sem um antecedente textualmente explícito. Para a
interpretação do pronome, o interlocutor se vale de pistas dadas por algum elemento
que o precede, como no exemplo a seguir, em que o pronome “nós” é interpretado
como “nós, os cariocas”, a partir do contexto fornecido pelo sintagma precedente
“aqui no Rio”; e o sintagma “no norte” permite interpretar o pronome “eles” que se
segue como “eles, os nortistas”:
Inf. essas frutas assim que são mais conhecidas aqui no Rio ...
porque engraçado que ... quando a gente viaja ... a gente
observa que as frutas de outros estados são totalmente
diferentes ... coisas até bastante deco/ desconhecidas ... com
nomes estranhíssimos e os que nós [= os cariocas] temos aqui
tem nomes diferentes na/ noutras regiões ... ? como ... por
exemplo ... no norte ... eles [= os nortistas] tem assim uma
variedade de frutas imensa (MARCUSCHI e KOCH, 2006: 387,
grifos dos autores).
Os autores observam que os interlocutores entendem perfeitamente de que nós e de
que eles se trata porque, mesmo que os referentes não apareçam lexicalizados no
discurso, os processos cognitivos com que se opera na intelecção do texto permitem
inferi-los a partir de elementos do próprio texto.
75
A associação, como a pronominalização, é também uma estratégia de progressão
textual de caráter anafórico sem antecedente explícito no texto, em que aparece
uma cadeia de elementos associados a um contexto central. Nesses casos de
anáforas chamadas associativas, tem-se um antecedente que funciona como âncora
e a ele vão se associando novos referentes. Veja-se o exemplo:
Inf. [...] passei quase dez anos no:: internato numa missão católica
... super conservadora ... que nos ensinou a:: ter medo:: ... do::
inferno ... [...] e:: e eu tinha sempre medo do:: ... do inferno né?
... e então ... quando o padre ... perguntava se eu tinha cometido
todos os dias ia à missa todos os dias confessava (PROJETO
UNIVERSIDADES EM TIMOR-LESTE, entrevista de José
Ramos Horta, concedida no dia 11 de setembro de 2004 a Maria
Célia Rehder e Rodrigo Gontijo, grifos nossos).
Nesse caso, o frame central é o de “internato numa missão católica”, que permite
que o padre” e “a missa a ele se associem, ainda que não esteja explícito que o
padre e a missa eram parte do internato.
Ao tratar das estratégias de referenciação feitas por meio de descrões definidas,
Marcuschi e Koch (2006) citam a rotulação, a argumentação e o uso de
estratégias metalingüísticas ou metadiscursivas como processos de
recategorização lexical. A rotulação, mais freqüente na escrita, serve para
recategorizar uma informação atribuindo-lhe novas predicações. Na fala, é comum o
usuário servir-se de nomes genéricos como fato”, “problema”, caso”,
“circunstância” para rotular informações precedentes.
76
O processo de argumentação serve para orientar a interpretação do interlocutor
quando o falante usa uma descrição definida que recategoriza o referente, como no
fragmento a seguir:
Inf. – então no primeiro dia ele recebe ... mil e duzentos ... no
primeiro dia ele tem então mil e duzentos no bolso ... ao fim do
primeiro dia ... ele gastou quarenta cruzeiros ... certo? cafezinho
transportes alimentos ... então ao fim do primeiro dia ele vai ter
mil cento e sessenta ... no bolso ... no segundo dia ... ele gasta
mais quarenta ... então ao fim ... do segundo dia ele tem ... mil
cento e vinte no bolso .. e assim por diante ... dentro dessa
hipótese que ele gaste dessa forma homogênea ... quarenta
cruzeiros por dia ... ao fim do trigésimo dia ... ele não tem nada
... (MARCUSCHI e KOCH, 2006: 394, grifo dos autores).
Marcuschi e Koch observam que, nesse exemplo, a troca de hipótese por absurdo
modificaria completamente a orientação argumentativa pretendida pelo usuário.
As estratégias metalingüísticas ou metadiscursivas, por sua vez, são
recategorizações que se fazem com
nomes “ilocucionários como: ordem, promessa, conselho,
advertência, asserção, critica, proposta, alegação, cumprimento etc.
[...]; nomes de atividades “linguageiras”: descrição, explicação,
relato, esclarecimento, comparação, resumo, história, controvérsia,
debate, exemplo, ilustração, definição etc. [...]; nomes de processos
mentais: análise, suposição, atitude, crença, conceito, convicção,
hipótese, constatão, descoberta etc. [...]; nomes metalingüísticos
em sentido próprio: frase, pergunta, questão, sentença, palavra,
termo, parágrafo etc. (MARCUSCHI e KOCH, 2006: 395-396, grifos
dos autores).
Os autores concluem que interpretar um item anafórico não é simplesmente
encontrar um antecedente textual que lhe corresponda, e sim unificar seu conteúdo
77
com um ‘objeto-de-discurso’ presente na memória discursiva ou textual”
compartilhada pelos falantes (Marcuschi e Koch, 2006: 399).
Ao tratar da coesão lexical, isto é, aquela que se dá pela seleção do léxico
empregado em um texto, Halliday e Hasan (1976) abordam a classe das palavras
gerais, colocando-as na fronteira entre a coesão gramatical e a coesão lexical.
Segundo os autores, esse lugar fronteiriço decorre do fato de que um nome geral
tanto é um elemento lexical, como parte de um conjunto lingüístico aberto, quanto
um elemento gramatical, como parte de um sistema lingüístico fechado.
Palavras gerais o elementos nominais como “pessoa”, “gente”, “criatura”, “coisa”,
“negócio”, “problema” e outros que, acompanhados de um determinante, atuam
como referentes genéricos para objetos-de-discurso do tipo humano (“pessoa”,
“gente”, criatura”), não-humano (“criatura”, “coisa”), abstrato e não animado
(“negócio”) etc. Halliday & Hasan (1976: 275) afirmam que, do ponto de vista lexical,
uma palavra geral pode ser considerada um hiperônimo, isto é, um membro
superordenado de um conjunto lexical; do ponto de vista gramatical, uma palavra
geral, acompanhada de um determinante (geralmente um artigo definido), forma um
sintagma nominal que funciona como elemento de referência anafórica, contribuindo
para a coesão textual.
Os autores mencionam, ainda, os tipos de reiteração que podem participar da
coesão lexical de um texto, que vão desde a simples repetição de um item lexical até
sua substituição por outro item com que mantenha uma relação semântica, seja de
78
sinonímia
13
ou quase sinonímia, de hiperonímia ou de hiponímia, ou ainda a
substituição por um nome geral. A reiteração assim estabelecida permite a conexão
entre os elementos lexicais que articulam o texto, atendendo à meta-regra da
repetição (ou continuidade), requisito de coesão e coerência proposto por Charolles
(1978, apud Val, 2004: 21).
Complementando essa questão, Guimarães (2005) menciona mais dois tipos
possíveis de substituição lexical: a nominalização (que pode ser estrita ou funcionar
como anáfora conceptual) e a elipse. No caso da nominalização estrita, um
sintagma verbal aparece anaforicamente substituído por um substantivo
(“financiar”/”financiamento”); em se tratando da anáfora conceptual, é usado um
substantivo capaz de interpretar e encapsular toda uma idéia anteriormente
enunciada ou até mesmo um conjunto precedente de enunciados. A elipse, por sua
vez, é considerada como um tipo especial de substituição por zero.
Halliday & Hasan (1976) chamam a atenção para a impossibilidade de delimitar
claramente a reiteração como um tipo de coesão lexical, e a referência como um tipo
de coesão gramatical, lembrando que é possível dizer que as palavras gerais se
encontram entre esses dois tipos de coesão, podendo ser indiscriminadamente
interpretadas de uma ou de outra maneira.
Os autores se referem, também, às relações lexicais que aparecem como padrões
coesivos e afirmam que a simples repetição de uma mesma palavra co-referencial é
13
Como afirma Guimarães (2005), a sinonímia não existe, efetivamente, no nível
puramente lêxico, mas no nível textual, porquanto o que aqui interessa é fundamentalmente
a identidade referencial (p. 31, grifo da autora).
79
a forma mais óbvia de se estabelecer uma coesão lexical entre dois itens textuais.
Destacam, porém, que essa coincidência de referentes não é obrigatória para que
dois itens lexicais se relacionem de forma coesiva, e apresentam o seguinte
exemplo:
Why does this little boy have to wriggle all the time?
a. Other boys don’t wriggle
14
.
(HALLIDAY & HASAN, 1976: 282)
em que menino” (boy) do primeiro enunciado não tem o mesmo referente de
“meninos” (boys) que aparece em “a”, embora estejam semanticamente
relacionados. Os autores, então, apresentam quatro possibilidades de relação
referencial entre dois itens, o segundo reiterando o primeiro, e exemplificam:
There’s a boy climbing that tree.
a. The boy’s going to gall if he doesn’t take care.
b. Those boys are always getting into mischief.
c. And there’s another boy standing underneath.
d. Most boys love climbing trees.
15
(HALLIDAY & HASAN, 1976: 283)
Nesse exemplo, “o menino” (the boy) em a” tem referente idêntico ao de “um
menino(a boy) da primeira oração “há um menino subindo naquela árvore” (there’s
a boy climbing that tree). Esse primeiro referente de “um menino” (a boy) está
incluído no de “aqueles meninos” (those boys) de “b”, mas está excluído do referente
de “outro menino” (another boy) de “c”. em “d”, “a maioria dos meninos” não se
14
Por que esse menino pequeno não fica quieto o tempo todo?
a. Outros meninos ficam quietos. (Tradução nossa)
15
Há um menino subindo naquela árvore
a. O menino vai cair se ele não tomar cuidado.
b. Aqueles meninos estão sempre se metendo em encrencas.
c. E há um outro menino parado embaixo.
d. A maioria dos meninos adora subir em árvores.
(Tradução nossa)
80
relaciona ao primeiro “menino” (boy) que está subindo na árvore, pois não é possível
inferir, somente pelos dois enunciados, se o “menino” da primeira oração gosta ou
não de subir em árvores. Assim, uma referência desse tipo pode ser idêntica (a),
inclusiva (b), exclusiva (c) ou simplesmente não relacionada (d) (Halliday & Hasan,
1976: 283).
Halliday & Hasan (1976) chamam de colocação um outro fator de coesão lexical,
aquele estabelecido entre itens que co-ocorrem com regularidade em uma
determinada língua, como “menino” e “menina” em português, que não têm o mesmo
referente e dificilmente poderiam ser considerados sinônimos, mas que contribuem
para a coesão lexical caso apareçam num mesmo discurso. Nesse mesmo caso
podem-se incluir qualquer par de lexemas de um dado campo semântico, de um
determinado frame, quaisquer duas palavras sinônimas (ou quase sinônimas), e
sintagmas de significados opostos (“sentar”/”levantar’; “abrir”/”fechar”), antônimos
(“amar”/’odiar”; “molhado”/”seco”) ou opostamente relacionados (“ordenar”/
”obedecer”).
Em síntese, os autores apresentam dois tipos possíveis de coesão lexical: a
reiteração e a colocação. A colocação, como visto, é um fator de coesão
estabelecido entre pares de elementos usualmente co-ocorrentes em uma
determinada língua, enquanto que a reiteração pode se manifestar na repetição de
uma palavra ou na sua substituição por um sinônimo (ou quase sinônimo), por um
hipônimo ou por uma palavra geral. Em qualquer dos casos, a reiteração pode ser
do mesmo referente, pode ser inclusiva ou exclusiva ou ainda se estabelecer entre
81
dois itens aparentemente não relacionados. A esse respeito, Fávero e Koch (2000)
afirmam que,
dentro de uma gramática textual, a coesão lexical assume particular
importância, a partir, inclusive, do próprio titulo do texto que fornece
as palavras-chave para a redação de resumo e a confecção de
esquemas (p. 42).
o que significa que a coesão lexical contribui para a compreensão textual. Com isso
pode-se concluir que todo e qualquer elemento lexical de um texto pode funcionar
como um elemento coesivo, ajudando a costurar os significados do que foi dito e
do que ainda se vai dizer.
Ainda não consenso, entre os estudiosos, sobre a existência ou não de textos
incoerentes. Segundo Charolles (apud Koch e Travaglia, 2002: 33), mesmo a
produção verbal de um doente mental deveria ser considerada como um cálculo
equivocado do esforço que seu interlocutor teque fazer para recuperar o sentido
de seu texto e como o resultado da não consciência do autor de que as relações
entre os elementos do texto que constrói não têm significado social. Neste trabalho,
aceitam-se as incoerências locais, mas, assumindo o princípio de cooperação, a
coerência global será considerada como inerente aos textos analisados. Os
seguintes quadros esquematizam os elementos de coesão e coerência que serão
considerados na análise do corpus selecionado:
82
ESQUEMA 1
ELEMENTOS DE COESÃO
1 a COESÃO GRAMATICAL
Referência - quanto à localização do referente:
a) exofórica (ou extratextual)
b) endofórica (ou textual)
- anáfora
- catáfora
- quanto ao item referenciador:
a) pessoal
- pronomes pessoais
- pronomes possessivos
b) demonstrativa
- artigo definido
- pronomes demonstrativos
- advérbios indicativos de lugar
c) comparativa
Substituição (por) a) pronomes
b) numerais
c) indefinidos
d) palavras gerais
e) hipônimos
f) hiperônimos
Junção a) adrbios e locuções adverbiais
b) conjunções e locuções conjuntivas
c) preposições e locuções prepositivas
d) itens continuativos
Elipse
(Baseado em Fávero; Koch, 2000)
83
1 b COESÃO LEXICAL
reiteração: a) repetição (referência): - idêntica
- inclusiva
- não relacionada
b) substituição por - sinônimo
- hiperônimo
- hipônimo
- palavra geral
- nominalização
- elipse
colocação
(Baseado em Halliday & Hasan, 1976)
ESQUEMA 2
INCOERÊNCIAS LOCAIS
semântica
sintática
estilística
pragmática
(Baseado em Koch; Travaglia, 2001)
84
4 PARTICULARIDADES DO TEXTO
FALADO
85
Todo falante realiza, em suas atividades
lingüísticas, atividades epilingüístiscas em que
avalia os recursos expressivos que utiliza: se
são apropriados para a ocasião, se exprimem o
que se deseja, o que é preciso silenciar e o que
é preciso dizer, quais os conhecimentos que é
preciso tomar como compartilhados etc. (João
Wanderley Geraldi)
À diferença do texto escrito, o texto falado geralmente acontece em uma situação
que propicia a troca de turno entre os interlocutores, o que faz com que o discurso
oral seja co-produzido pelos falantes, e que sua elaboração envolva negociação,
cooperação e argumentação conjuntas.
O processamento em tempo real igualmente caracteriza a interação oral, além do
fato de ela ser planejada e replanejada a cada turno, o que torna imprevisível o rumo
da conversação. Segundo Kock (2006: 45) o discurso falado costuma deixar
naturalmente explícitas as marcas de sua construção porque se apresenta in statu
nascendi, ou seja, enquanto vai sendo feito. Aparentemente caótico, o texto oral tem
sua organização determinada por exigências de cunho interacional, e sua
estruturação tem por base a sintaxe geral da língua.
Também é característica do texto falado o fato de que os interlocutores se ajudem
explicitamente, complementando enunciados que o outro iniciou. É o que se
observa, por exemplo, no seguinte fragmento de um dos textos analisados neste
trabalho:
86
Doc. e::... quem falou pra você desse curso como você
soube do curso?
Inf. ah::...
Doc. quem deu a informação?
Inf. informação éh:: ahn:: uhn:ahm::... o reitor
Doc. o reitor ... Professor Paulino
Inf. sim Professor Paulino ... Neto
Doc Professor Neto?
Inf. Neto sim
(Texto 1, linhas 50 a 58)
Nesse caso, a documentadora pressupõe que seu enunciado quem falou pra você
desse curso não será entendido e o reformula, ainda em seu turno, com a paráfrase
como você soube do curso. A despeito dessa reformulação, a informante hesita em
responder com uma pausa preenchida em início de turno ah::..., o que leva a
documentadora a refazer uma vez mais sua pergunta por meio de uma segunda
paráfrase, quem deu a informação. Em seu próximo turno, a documentadora
complementa o turno anterior de sua interlocutora citando o nome do Reitor e,
finalmente, com uma frase reduzida (Professor Neto?) pede e recebe a confirmação
a respeito de uma informação do interlocutor: [o Neto de quem você fala é o]
Professor Neto? Neto sim. Observe-se, assim, que o conteúdo do texto só pode
ser entendido se for considerado o conjunto das produções de cada enunciador.
Outra especificidade da oralidade é a presença de descontinuidades, como
hesitações, pausas, retomadas, correções, paráfrases, falsos começos, justificadas
por fatores envolvidos na pragmática da interação e por questões de ordem
cognitiva. Essas hesitações, pausas, repetições são marcadores conversacionais
com ltiplas funções no texto falado. Para Marcuschi (2005), as unidades
sintáticas da conversação não são as mesmas da língua escrita, e
87
tudo indica que as unidades, na conversação, devem obedecer a
princípios comunicativos para sua demarcão e não a princípios
meramente sintáticos. Existem relações estruturais e lingüísticas
entre a organizão da conversação em turnos (marcados pela troca
de falantes) e a ligação interna em unidades constitutivas de turno.
Isto sugere que os marcadores do texto conversacional são
específicos e com funções tanto conversacionais como sintáticas (p.
61).
Segundo o autor, organizadores locais, como pausas, silêncios e hesitações, servem
não para a troca de turno, mas também para permitir que o falante tenha tempo
de se preparar para o que vai dizer, podendo organizar e planejar suas idéias
durante o turno. Para o ouvinte, a hesitação do falante às vezes funciona como um
pedido de socorro ao qual ele, normalmente, atende, contribuindo com a elaboração
do discurso do outro.
No capítulo sobre coesão e coerência no texto falado, Fávero, Andrade e Aquino
(2000) afirmam que a coesão pode não revelar-se na superfície textual de uma
produção oral, observável na presença de repetições, de paráfrases e de
conectores, mas também pode aparecer subentendida e não lingüisticamente
explicitada. No que concerne à coerência em um texto falado, as autoras a definem
como “um princípio de interpretabilidade do texto, envolvendo fatores de ordem
cognitiva, lingüística e interacional” (Fávero; Andrade; e Aquino, 2000: 33-34),
podendo “ser caracterizada como um fenômeno complexo e de pouca evidência
empírica” (Fávero; Andrade; e Aquino, 2000: 34). O turno, o tópico discursivo, o
par adjacente e os marcadores conversacionais são, para as autoras, os
elementos básicos na organização de um texto falado.
88
A Análise da Conversação denomina turno a produção de cada falante enquanto ele
está com a palavra, ainda que permaneça em silêncio, que o silêncio também
significa. A conversação, realizada entre dois ou mais falantes, se caracteriza por
pelo menos uma troca de turno. Segundo Marcuschi (2005), “tudo indica tratar-se de
um universal cultural o fato de a conversação dar-se em turnos” (p.22).
O tópico discursivo, ou o assunto que está sendo negociado pelos interlocutores e
tratado na conversação, é considerado por Fávero, Andrade e Aquino (2000) como
um elemento estruturador da conversão, pois os interlocutores
sabem quando estão interagindo dentro de um mesmo pico,
quando mudam, cortam, retomam ou fazem digressões (p. 37).
Marcuschi (2005) cita, como alguns exemplos de par adjacente, a pergunta-
resposta, a ordem-execução, o convite-aceitação/recusa, o cumprimento-
cumprimento, o xingamento-defesa/revide, a acusação-defesa/justificativa e o
pedido de desculpa-perdão. Para esse autor, par adjacente, ou par conversacional,
é uma seqüência de dois turnos que coocorrem e servem para a
organização local da conversão. Muitas vezes eles representam
uma coocorrência obrigatória, dificilmente adiável ou cancelável,
como no caso dos cumprimentos (p. 35).
É assim que, muitas vezes, o par adjacente é formulaico, estabelecido pelas
convenções sociais, uma vez que um bom dia” de alguém, por exemplo,
socialmente requer, como resposta do interlocutor, uma saudação parecida.
89
Para vero, Andrade e Aquino (2000), os marcadores conversacionais são
elementos verbais, prosódicos ou não-lingüísticos (ou para-lingüísticos) “que
desempenham uma função interacional qualquer na fala” (p. 44). Retomando
Marcuschi (1987, apud Fávero; Andrade; e Aquino, 2000: 46), as autoras
mencionam quatro grupos de marcadores verbais: os marcadores simples, que
correspondem a uma palavra (“agora”, então”, “aí”, “entende”, “claro”); os
compostos, de caráter sintagmático com tendência à cristalização (“então daí”,
depois”, “quer dizer”, “digamos assim”); os oracionais, realizados por pequenas
orações (“eu acho que”, “quer dizer”, “então eu acho); e os marcadores prosódicos,
que, embora associados a um marcador verbal, realizam-se por meio de recursos
prosódicos, como a entonação, a pausa, a hesitação, o tom de voz etc.
Além disso, os marcadores conversacionais funcionam como elementos
articuladores responsáveis pelo encadeamento coeso de um texto falado, exercendo
funções relevantes de estruturação textual,
coincidindo de modo distribucional e funcional com operações de
organização sintática. Constituem um elemento importante na
articulão de textos, porque evitam que a conversação se torne
uma sucessão de monólogos paralelos. Porém, na medida em que
encadeiam um texto de modo coeso, os marcadores também o
segmentam (VERO; ANDRADE; e AQUINO, 2000: 46).
Os marcadores, assim, atuando como elementos de segmentação do texto, parecem
suprir, de alguma forma, o papel da pontuação na fala.
Não é difícil aceitar que o falante/escritor, ao produzir seu texto, deseja ser
compreendido pelo ouvinte/leitor. Durante a formulação, isto é, o planejamento e a
90
realização de seu texto, o produtor, visando à intercompreensão, realiza atividades
de estruturação e de organização de seus enunciados, deixando, em seu discurso,
traços do esforço empregado na produção. Fávero; Andrade; e Aquino (2000)
subdividem as atividades de formulação de um texto oral em
a) de formulação stricto sensu, quando o locutor não encontra
problemas de processamento e linearização;
b) de formulação lato sensu, quando o locutor encontra problemas de
formulação e deve resolvê-los. (p. 56)
Nesse último caso, de formulação ampla, as dificuldades encontradas pelo falante
vão deixar marcas em seu texto, aparecendo sob a forma de hesitações,
paráfrases, repetições, correções etc.
As autoras mencionam, então, os estudos de Chafe (1978), para quem a hesitação
no processamento de um texto oral torna evidente que
a fala o é uma matéria de regurgitação de materiais já estocados
na mente em forma lingüística, mas é um ato criativo, relacionando
dois meios, pensamento e linguagem, que não são isomórficos, mas
requerem ajustes e reajustes mútuos. (CHAFE, 1978, apud Fávero;
Andrade; e Aquino, 2000: 57).
É por isso que os usuários não utilizam somente estruturas de um conjunto fechado
de possibilidades, mas criam e recriam a partir do material, lingüístico ou não,
disponível na memória.
91
Para Koch (2002), a construção de um discurso envolve três operações básicas: a
ativação, ou seja, a introdução de um referente que passa, então, a ocupar um
endereço cognitivo na memória textual; a reativação de um endereço cognitivo, ou
seja, um referente é novamente ativado e colocado em foco no texto; e a de-
ativação de um referente, provocada pela ativação de um novo referente que passa
a ocupar o foco textual. Um referente de-ativado continua a ter um endereço
cognitivo na memória textual, e pode ou não ser reativado a qualquer momento.
A progressão textual se por meio da ativação, reativação, de-ativação de
referentes, que podem ser retomados ou remetidos no decurso da produção textual.
Endereços cognitivos estabelecidos em um texto podem ser modificados e
expandidos no decorrer de uma elocução, por meio de um “acréscimo sucessivo e
intermitente de novas informações e/ou avaliações acerca do referente” (Koch, 2002:
84), o que implica uma atividade extremamente complexa durante o processo de
produção e intelecção de qualquer discurso.
Neste trabalho, observaremos a ocorrência de hesitações, consideradas como um
fenômeno de formulação textual típico da oralidade, e uma estratégia de construção
textual, a repetição, em entrevistas gravadas durante a realização do Projeto
Universidades em Timor-Leste, procurando perceber de que forma esses fenômenos
traduzem o manejo da língua portuguesa pelo usuário leste-timorense.
92
4.1 A HESITAÇÃO
Fenômeno de descontinuidade inerente aos textos falados e parte integrante do uso
oral e não do sistema formal da língua, a hesitação é apresentada por Marcuschi
(2006a) como um elemento relevante na interação humana, que como tal deve ser
analisado em qualquer abordagem sobre língua falada.
Como ruptura na cadeia linear da fala, a ocorrência desse fenômeno revela a
atividade cognitiva do falante no instante mesmo em que, de forma simultânea,
planeja, organiza e executa seu texto, hesitando enquanto busca alternativas
sintáticas e semânticas para aquilo que vai dizer. É, dessa forma, um procedimento
usado pelo interlocutor para solucionar problemas com os quais se defronta durante
o processamento de seu discurso em tempo real.
Segundo Marcuschi (2006a), hesitação pode aparecer sob a forma de fenômenos
prosódicos, como pausas (preenchidas ou não) e alongamento vocálicos; de
expressões hesitativas, transcritas como ah, éh, eh, ahn, uhn; de itens
funcionais, isto é, palavras gramaticais, geralmente monossilábicas e reduplicadas,
que aparecem no momento de construir um sintagma; de itens lexicais, em geral
verbos mono ou dissilábicos; de marcadores discursivos acumulados, formando
grupos que se acumulam em um determinado instante no texto; e de fragmentos
lexicais, anunciadores de uma correção. É, portanto, um fenômeno de prospecção
que denota uma atitude reflexiva do falante em referência àquilo que está dizendo, e
que lhe permite antecipar problemas relacionados àquilo que está por dizer.
93
A partir da verificação desses aspectos formais, Marcuschi (2006a) elabora uma
tipologia da hesitação, ressaltando, porém, que essa tipologia não pretende ser
exaustiva, mas que pode dar conta da análise da maior parte dos fenômenos dessa
categoria, encontrados em discursos falados. Menciona, então, quatro tipos de
hesitação: as pausas não preenchidas, ou silêncios intraturnos; as pausas
preenchidas por expressões hesitativas e/ou alongamentos vocálicos, ou ainda por
marcadores discursivos acumulados; as repetições hesitativas de itens funcionais
ou lexicais; e os falsos inícios, localizados no início de um sintagma frasal
considerado problemático pelo emissor e que ele, por isso, retoma ou reformula.
Baseado no estudo de um corpus de 11 textos gravados e transcritos pelo Projeto
NURC
16
, com recortes de 21 minutos de cada texto, o autor aponta os itens
funcionais como os mais recorrentes nas hesitações, sobretudo o artigo definido
masculino singular e plural, e a preposição “de” e suas contrações. O autor observa
que a alta incidência de palavras gramaticais verificada em suas análises denota a
interferência do planejamento on-line no processamento cognitivo do emissor de um
texto falado. A análise do corpus mostrou que a hesitação, embora não motivada
sintática ou prosodicamente, distribui-se de forma mais ou menos regular na sintaxe
textual, assumindo posições que podem ser consideradas típicas. Para o autor, essa
localização preferencial, observada no começo da construção de sintagmas,
permite considerar a hesitação como indicador da dificuldade de
construção de constituintes oracionais ou de ligações de
constituintes. Por vir no início de estruturas, parece que a hesitação
de fato se relaciona com o planejamento lingüístico. (MARCUSCHI,
2006a: 63).
16
Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta.
94
A hesitação tem, portanto, uma função primordialmente cognitiva, embora exerça
também um papel formal e interacional. O que ela não tem é função sintática, e sua
presença normalmente não compromete a gramaticalidade do texto. Ela serve, de
igual maneira, para o controle da posse de turno interacional, tem relação com o
gênero textual e com as pressões do contexto em que a comunicação ocorre, e
sinaliza o processamento momentâneo e problemático do texto falado. Em geral, e
respeitando-se as particularidades de cada sujeito e de cada interação, quanto mais
espontânea a situação comunicativa, quanto maior a pressão do contexto e quanto
menos usual o conteúdo discursivo, mais hesitações um texto tende a apresentar.
Quanto a seus papéis formais, a hesitação se mostra como uma ação de busca e/ou
de confirmação de um item lexical, atividade essa cuja solução, além de limitada
pelas restrições da situação comunicativa e da língua, parece estar relacionada à
freqüência com que esse item é usado pelo falante. Esse fenômeno de ruptura
textual evidencia, ainda, uma reflexão sobre a escolha de um elemento
sintaticamente adequado, indicando uma orientação/reorientação de seleções
sintagmáticas elaboradas on-line.
Segundo Marcuschi (2006a), a hesitação es relacionada com o modo de falar e
não com o que se diz e, portanto, não contribuiria para o conteúdo semântico do
texto. O autor acrescenta, porém, que essa idéia é controversa, que, embora não
interrompa o discurso, ou seja, a produção de sentidos, a hesitação parece ser mais
do que uma simples ruptura na materialidade da fala.
95
Em uma observação empírica das interações orais, é possível verificar que as
hesitações também contribuem, de alguma forma, para que os interlocutores
construam o sentido do que está sendo dito. Se, por exemplo, esse fenômeno é
passível de ser interpretado pelo interlocutor como insegurança do falante a respeito
daquilo que está enunciando, a reação dos interlocutores à sua ocorrência poderá
influir na elaboração e na compreensão do discurso de cada um. Conclui-se que,
vista desse modo, a hesitação acabaria, sim, por adicionar significados a um texto
oralmente co-produzido numa interação.
4.2 A REPETIÇÃO
Muitas vezes considerada negativamente como marca de pouca fluência e de pouca
habilidade lingüística do usuário, a repetição, além de ser um recurso disponível
para quem escreve, é uma das características mais constantes da oralidade, o que
pode ser comprovado por uma observação mais acurada das conversações diárias,
de exposições orais mais ou menos monitoradas e de textos escritos mais ou menos
formais.
Como observa Koch (2000), essa atividade pode ser lúdica, como em trava-línguas
e quadrinhas que as crianças gostam de repetir, ou mesmo ser uma exigência social
em rituais de cumprimentos, agradecimentos, despedidas e outras situações em que
predominam regras de cortesia expressas em fórmulas lingüísticas pré-
estabelecidas. A verdade é que repetir é um mecanismo presente não na
oralidade como também na escrita, ainda que por razões diversas.
96
Sabe-se que um alto grau de informatividade prejudica a intelecção de qualquer
texto, portanto, uma informação nova deve vir ancorada em dados já conhecidos dos
interlocutores, ou seja, um dado novo vem acompanhado de uma informação dada
que lhe serve de suporte e que precisa ser repetida em diversos pontos da
linearidade textual para ser reativada na memória dos interlocutores. Assim, as
repetições se configuram em retomadas que contribuem para a coesão referencial,
pois “a estruturação das cadeias coesivas se faz justamente por meio de recursos
reiteradores, de ordem gramatical ou lexical” (Koch, 2000: 96).
Muito comum em discursos didáticos e argumentativos, a repetição pode ser
considerada como um tipo de parafraseamento (Hilgert, 2006), cujo papel é
esclarecer melhor o já dito, dando reforço e ênfase à argumentação, a fim de
persuadir o interlocutor das idéias e conceitos defendidos pelo enunciador. É o que
Koch (2000: 96) chama de “técnica da água mole em pedra dura”, ou seja, de tanto
insistir, chegar a convencer.
Koch (2000) destaca que o múltiplas as funções da repetição e que uma
classificação poderia apontar qual delas é a predominante em determinada
ocorrência. Citando Jefferson (1972), Koch afirma que as repetições podem ser
significativas, quando responsáveis por efetivar alguma modificação no segmento
repetido (o falante 1 repete interrogativamente uma asserção do falante 2, por
exemplo); ou marginais, as mais comuns na fala, quando ocasionadas por alguma
dificuldade no planejamento e processamento textual.
97
Marcuschi (2006b) define repetição como a presença de segmentos lingüísticos
(fonológicos, lexicais, sintagmáticos ou oracionais), formalmente idênticos ou
semelhantes, repetidos duas ou mais vezes em um mesmo evento comunicativo,
isto é, do começo ao fim de uma conversação. O autor considera a repetição como
uma estratégia essencial de construção textual, bastante recorrente no discurso
falado, em que assume diferentes funções. Para ele, a repetição
contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência
textual; favorece a coesão e a geração de seqüências mais
compreensíveis; dá continuidade à organização tópica e auxilia nas
atividades interativas (MARCUSCHI, 2006b: 219).
Da mesma forma que as hesitações, as repetições podem ser provocadas por
fatores de ordem interacional, cognitiva, textual ou sintática, e são marcas que
evidenciam o planejamento praticamente simultâneo ao processamento em tempo
real do texto falado.
Na escrita, a repetição é potencialmente opcional, que o escritor pode apagar
suas marcas, mas esse apagamento é inviável na fala, dser alta sua incidência
nos textos orais. Segundo Marcuschi (2006b), verifica-se que, em média, uma de
cada cinco palavras proferidas é repetida pelo falante.
Ainda que haja repetição formal, tanto no texto oral quanto no escrito não se pode
falar em repetição semântica, pois repetir é um recurso que contribui para a
evolução do sentido do texto e que sempre acrescenta algum conteúdo novo ao que
foi dito. A repetição pode ser estratégica e intencionalmente usada para
98
esclarecer, para enfatizar, para tematizar um rema, para organizar um tópico, para
conduzir uma argumentação, enfim, para promover a interação.
Marcuschi (2006b) observa que, na fala, é mais comum o interlocutor repetir o que
disse (autorrepetição) do que repetir o que ouviu (heterorrepetição), e que os
segmentos textuais integralmente repetidos o menos freqüentes do que aqueles
que apresentam alguma variação formal. Quanto a seu lugar na cadeia textual, uma
repetição pode ser adjacente à sua matriz ou estar distante dela, sendo mais usual
encontrá-la em posição de contigüidade.
O autor aponta a coesividade, a compreensão, a organização tópica, a
argumentatividade e a interatividade como os planos em que as repetições atuam
na formulação textual-discursiva.
No plano da coesividade, as repetições podem aparecer em forma de listas; de
amálgamas sintáticos que recolhem partes do discurso anterior; e de
enquadramento sintático-discursivo, em que a repetição abre e fecha uma unidade
discursiva. No plano da compreensão, as repetições podem servir para intensificar
a carga semântica de um item, respondendo ao princípio de iconicidade que
estabelece que “a um maior volume de linguagem idêntica em posição idêntica
corresponde um maior volume de informação” (MARCUSCHI, 2006b: 239); para
transformar um rema em tema do enunciado seguinte; e para esclarecer
informações, repetindo-as com variação ou com paráfrases.
99
Quanto ao plano da organização tópica, as repetições podem servir para
introduzir, reintroduzir, delimitar, conduzir ou manter um tópico discursivo. No plano
da argumentatividade, as repetições podem reafirmar, contrastar ou contestar
argumentos. No plano da interatividade, as repetições ajudam a expressar uma
opinião pessoal divergente; a monitorar a tomada de turno, manifestada em uma
repetição insistente com sobreposição de vozes; a ratificar o papel de ouvinte, pois
funcionam como uma autorização para que o falante continue com a palavra; e a
incorporar sugestões, representando uma ajuda do ouvinte quando o falante, por
esquecimento ou desconhecimento, está inseguro sobre o assunto.
Nos textos falados, as repetições são, portanto, resultado de uma produção on-line,
estabelecendo-se como
uma estratégia de processamento regular e sistemática, situável
entre as estratégias básicas de formulação da fala. O texto assim
produzido o é planejado globalmente e reflete as condições de
produção ligadas ao tempo real. (MARCUSCHI, 2006b: 254).
O autor conclui que as repetões aparecem com mais freqüência na coesividade
textual e na condução do pico, com presença mais variada na argumentatividade,
na compreensão e na interação entre os falantes, e que são estratégias valiosas em
textos cooperativamente produzidos, contribuindo tanto para o processamento das
informações quanto para a preservação da funcionalidade comunicativa.
A seguir, apresentam-se dois quadro (4 a: hesitação; 4 b: repetição) que
esquematizam os dois fenômenos que serão observados nas interações orais que
compõem o corpus deste trabalho.
100
ESQUEMA 4
HESITAÇÃO E REPETIÇÃO
4 a HESITAÇÃO
Tipos:
pausas não preenchidas
pausas preenchidas por - expressões hesitativas e/ou alongamentos vocálicos
- marcadores discursivos acumulados
repetições hesitativas
falsos inícios
Funções:
cognitiva - atividade de processamento da fala
- atividades de enunciação
formal: - indicação de orientação/reorientação de seleções sintagmáticas
- atividade de busca e/ou confirmação de um item lexical
interacional: - controle da posse de turno
(Baseado em Marcuschi, 2006a)
101
4 b REPETIÇÃO
Aspectos funcionais Tipos
coesividade - listagem
- amálgamas sintáticos
- enquadramento sintático-discursivo
compreensão - intensificação
- rema tema
- esclarecimento
organização tópica - introdução de tópico
- reintrodução de tópico
- delimitação de tópico
- condução e manutenção de tópico
argumentatividade - reafirmação de argumentos
- contraste de argumentos
- contestação de argumentos
interatividade - expressão de opinião pessoal
- monitoramento de tomada de turno
- ratificação do papel de ouvinte
- incorporação de sugestões
(Baseado em Marcuschi, 2006b)
Para a análise dos textos a que esta dissertação se propõe, assume-se o conceito
de língua como um encadeamento ininterrupto de atos de enunciação, e de texto
como uma rede entretecida pela ativação, reativação e de-ativação constante de
referentes, em movimentos de vai-vem. Hesitações e repetições serão observadas
para verificar sua funcionalidade na produção verbal dos usuários em questão.
102
5 ANÁLISE DO
CORP US
103
Em problemas inumeráveis temos de levantar a
questão: o que é o desconhecido? Podemos
variar as palavras e perguntar a mesma coisa
de formas diferentes: o que é necessário e
exigido? O que é que você quer encontrar? O
que é que você deve procurar? (Rubem Alves)
Ao final da primeira edição do Projeto Canção popular e cultura brasileiras em
Timor-Leste: hibridismo cultural e comunitarismo lingüístico em execução e
discussão, (parte integrante do Projeto Universidades em Timor-Leste), os
participantes leste-timorenses foram convidados a escrever uma mensagem em
cadernos de recordação dos universitários brasileiros. Dessa forma, os textos
escritos que serão analisados foram produzidos por aqueles que se sentiram à
vontade e desejaram fazê-lo, em uma situação de comunicação autêntica.
Quanto aos textos falados, foram recolhidos ao início e ao final do Projeto. Não
podem ser considerados totalmente espontâneos devido à situação de produção: os
entrevistados eram convidados a participar de uma interação onde havia um
desnível hierárquico entre quem perguntava a coordenadora acadêmica local, 49
anos e quem respondia leste-timorenses jovens, participantes do Projeto. Essa
diferença hierárquica, acrescida da diferença de faixa etária, da presença do
gravador e da insegurança dos entrevistados em relação ao uso da língua, pode tê-
los intimidado, fazendo-os se sentir avaliados durante todo o tempo das
conversações.
104
A escolha das hesitações e repetições como objeto de análise dos textos orais se
deve à percepção de que é nelas que se manifestam as marcas da expressão em
língua portuguesa dos timorenses, que hesitam e repetem não só devido à influência
de outras estruturas lingüísticas que dominam, mas também porque m um
determinado domínio do português. Essa análise se complementa com a
observação de incoerências locais nos textos escritos, e de como essas
incoerências refletem a habilidade do timorense para construir seu texto em língua
portuguesa.
A seleção de textos, limitada a 20 produções verbais, deve-se ao fato de se ter
observado que os elementos analisados são suficientemente recorrentes e que uma
quantidade maior de textos não acrescentaria qualidade à análise. O material de que
se dispõe é uma fotografia do português timorense num determinado estágio de seu
uso após a Independência, em uma realidade específica, vivenciada pelos
participantes da primeira edição do Projeto Universidades em Timor-Leste. Após 3
anos da realização do Projeto, reconhece-se que este não é o retrato fiel do
português utilizado em todo o território, por todos os falantes e em qualquer tempo
histórico, mas que este trabalho é um descorado esboço, limitado pelos dados
disponíveis, quer seja no tocante à quantidade de textos recolhidos, quer seja em
relação ao que se conhece de seus produtores.
105
5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS FALADOS
Na análise dos textos orais que compõem o corpus deste trabalho, serão
observados elementos de construção do texto falado, tais como hesitações, e
repetições, verificando de que forma aparecem e qual sua função no corpus
selecionado. Nas transcrições, foram utilizadas as Normas estabelecidas pelo
Projeto NURC/SP, publicadas em Preti (2003: 13-14) e apresentadas a seguir:
Normas para transcrição da língua falada
Ocorrências
Sinais
Exemplificação*
Incompreensão de palavras ou
segmentos
( )
do nível de renda... ( ) nível de
renda nominal...
Hipótese do que se ouviu
( hipótese)
(estou) meio preocupado (com o
gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou timbre)
/
e comé/ e reinicia
Entoação enfática
maiúsculas
porque as pessoas reTÊM moeda
Prolongamento de vogal e
consoante (como s, r)
:: podendo
aumentar para
:::: ou mais
Ao emprestarem os... éh::: ... o
dinheiro
Silabação
-
por motivo tran-sa-ção
Interrogação
?
e o Banco ... Central ... certo?
Qualquer pausa
...
são três motivos ... ou três razões ...
que fazem com que se retenha
moeda ... existe uma ... retenção
Comentários descritivos do
transcritor
(( minúsculas))
((tossiu))
Comentários que quebram a
seqüência temática da exposição;
desvio temático
- - - -
... a demanda de moeda - - vamos
dar essa notação - - demanda de
moeda por motivo
106
Superposão, simultaneidade de
vozes
ligando as
[
linhas
A – na casa da sua ir
[
B – sexta-feira?
A – fizeram lá ...
[
B – cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi tomada
ou interrompida em determinado
ponto; não no início, por exemplo
(...)
(...) nós vimos que existem ...
Citações literais ou leituras de
textos, durante a gravação
Pedro Lima ... ah escreve na
ocasião ... “O cinema falado em
língua estrangeira não precisa de
nenhuma baRREIra entre nós” ...
* Exemplos retirados dos Inquéritos NURC/SP nº 338 EF e 331 D2 (apud Preti, 2003: 13)
OBSERVAÇÕES
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou siglas (USP etc.).
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula,
ponto final, dois-pontos, virgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.
Para preservar a identidade dos autores dos textos analisados, todos os nomes
foram suprimidos das transcrições e das produções escritas. Pelo mesmo motivo,
os nomes das pessoas mencionadas nos depoimentos foram substituídos por
nomes fictícios.
107
TEXTO FALADO 1
Informante 1, 21 anos, aluna da Universidade Nacional de Timor-Leste. Entrevista
realizada no dia 7 de setembro de 2004.
Doc.
meu nome é Vera ... qual é o seu nome?
01
Inf.
meu nome é XXX XXX XXX.
02
Doc.
XXX XXX XXX ... e você aprendeu português aonde?
03
Inf.
ahn::... eu aprendi português ... quando::... éh::... éh::.. em mil
novecentos noventa e nove quando::... Timor-Leste ... ehn ...
(apanhou) né?... ehn::... ahn:::... referê.../ referendum... e::... ah::...
apren .../ aprendi português com mi pai... porque meu pai ahn::... ( )
ahn ... trabalhei em Hotel Turismo ... então ... ele fala português
04
05
06
07
08
Doc.
quantos anos você tem, XXX?
09
Inf.
eu tenho vinte e um anos mas em outubro deste ... ano vinte e dois
anos
10
11
Doc.
que dia?
12
Inf.
ahn ... trinta de outubro
13
Doc.
trinta de outubro vai fazer aniversário
14
Inf.
sim
15
Doc.
e onde você mora ... onde é sua morada?
16
Inf.
eu moro em Bairro Santa Cruz
17
Doc.
perto do cemitério?
18
Inf.
sim
19
Doc.
e você estuda?
20
Inf.
sim eu sou estudante da língua inglesa ... agora::...
21
Doc.
na Universidade de Timor-Leste na Universidade Nacional? e você
trabalha?
22
23
Inf.
agora trabalho em::: ( ) como tradutora ... em língua inglesa ( )
temporária one eh::.. one and a half ... month
24
25
Doc.
um mês e meio
26
Inf.
sim
27
Doc.
um mês e meio?
28
108
Inf.
yah ... um mês ... e meio ... sim
29
Doc.
por que você quer fazer este curso ... de português ... com os
brasileiros?
[
30
31
Inf.
porque ... eu quero falar
bom português ... ahn::... no futuro ... porque::... éh:.. português é
língua oficial de Timor-Leste então tem que aprender agora e para o
futuro falar português
32
33
34
35
Doc.
como você soube deste curso quem falou pra você do curso?
36
Inf..
ahn:: a informação?
37
Doc.
uhn
38
Inf.
a minha colega Lurdes e:: também:: o Senhor Neto os professores ...
ahn::... e:: informação que os alunos que:: que quiser aprender
português então ... a (lista) ... nome
39
40
41
Doc.
que bom... o que você espera deste curso qual é o objetivo pra você?
42
Inf.
éh::... falar português e também no futuro quando:: e:u ... trabalhar
( ) por exemplo Embaixada Brasil Portugal então tem falar português
43
44
Doc.
e o que você vai fazer depois do curso?
45
Inf.
depois do curso? éh.. depois do curso:... ahn::... quer::... praticar ...
português ... língua portuguesa ... para falar bem ((riu))
46
47
Doc.
muito bem XXX obrigada ... muito obrigada
48
Inf.
nada
49
Nesse texto a Informante hesita com pausas preenchidas por alongamentos
vocálicos, e/ou expressões hesitativas, muitas vezes acumuladas, que cumprem
sobretudo a função de dar tempo para a busca de um item lexical ou de uma
construção sintática adequada:
a) eu aprendi português ... quando::... éh::... éh::... em mil novecentos noventa e nove
(linhas 4 e 5).
109
A hesitação parece marcar a reorientação de uma seleção sintagmática. Aqui a
Informante abre um parêntese para acrescentar o ano exato em que aprendeu
português.
b) quando::... Timor-Leste (linha 5).
c) Timor-Leste ... ehn... (apanhou) ? (linhas 5 e 6).
Além de marcar a busca do item lexical, aparentemente também é provocada pelo
desconhecimento lingüístico, o que é reforçado pela pergunta né? Muito mais que
retórica, ou de preenchimento, a pergunta da Informante parece solicitar, à
documentadora, uma confirmação da palavra escolhida.
d) (apanhou) ?... ehn::... ahn:::... referê .../ referendum (linha 6).
e) referendum ... e::... ah::... apren .../ aprendi português com mi pai (linhas 6 e 7).
f) meu pai ahn::... ( ) ahn... trabalhei em Hotel Turismo... (linhas 7 e 8).
O fato de a Informante usar a flexão inadequada (flexão em pessoa para sujeito
em 3ª), evidencia uma dificuldade na elaboração do discurso em língua portuguesa.
g) sim eu sou estudante da língua inglesa ... agora::... (linha 21).
Ao completar o raciocínio da Informante (na Universidade de Timor-Leste na
Universidade Nacional? linha 22), a documentadora parece entender o
prolongamento vocálico como um pedido de socorro da Informante e não como
indicação de entrega de turno.
h) agora trabalho em::: ( ) como tradutora (linha 24).
110
A Informante hesita antes de um item lexical, provavelmente indicativo do lugar de
trabalho, que ela termina verbalizando de forma ininteligível.
i) one eh::.. one and a half ... month (linha 25).
A hesitação aparece em meio a um fragmento em inglês, indicando que a Informante
parece estar consciente de que essa não é a maneira de dizer o que quer, mas
terminando por dizê-lo como sabe, ou seja, em outra língua (que também não é sua
língua materna).
j) português ... ahn::... no futuro (linha 33).
l) porque::... éh:.. português é língua oficial de Timor-Leste (linhas 33 e 34).
A pergunta da documentadora (por que você quer fazer este curso) pede uma
resposta causal, e a Informante parece hesitar por uma razão cognitiva (de auto-
conhecimento), em busca das causas para sua vontade de fazer o curso.
m) os professores ... ahn::... e:: informação (linhas 39 e 40).
n) os alunos que:: que quiser aprender português (linha 40 e 41).
o) e também no futuro quando:: e:u ... trabalhar (linha 43).
p) depois do curso? éh.. depois do curso:... (linha 46).
q) depois do curso:... ahn::... quer::... praticar ... português ... (linhas 46 e 47).
Algumas vezes, as pausas preenchidas aparecem em início de turno, dando tempo
para a elaboração do discurso:
111
a) a) ahn::... eu aprendi português ... (linha 4).
b) ahn... trinta de outubro (linha 13).
c) ahn:: a informação? (linha 37).
A hesitação precede uma expressão interrogativa lacunar em que a Informante usa
uma paráfrase a fim de aclarar o significado do que foi dito pela documentadora:
Doc.: quem falou pra você do curso?
Inf..: ahn:: [quem me deu] a informão? (linhas 36 e 37)
d) éh::... falar português (linha 43).
Pausas não preenchidas, cuja localização se dá em lugares sintaticamente não
previsíveis, denotando a procura por item lexical ou construção sintática apropriada:
a) eu aprendi português ... quando::... (linha 4).
b) em outubro deste ... ano vinte e dois anos (linha 10).
c) one and a half ... month (linha 25).
Aqui, a hesitação aparece em um sintagma nominal em língua inglesa. A
interferência de outro código lingüístico na conversação evidencia a dificuldade no
manejo da língua portuguesa que está sendo usada no diálogo entre informante e
documentadora.
d) yah ... um mês ... e meio ... sim (linha 29).
112
Embora aparente estar em lugar previsível, a pausa não preenchida marca a
fronteira entre códigos lingüísticos, daí apontar para uma hesitação.
e) um mês ... e meio ... sim (linha 29).
A Informante hesita, ainda que sua fala seja uma repetição da fala da
documentadora.
f) porque ... eu quero falar bom português (linhas 32 e 33).
g) quiser aprender português então ... a (lista )... nome (linhas 40 e 41).
As hesitações precedem itens lexicais dos quais a Informante parece não estar nada
segura, tanto que produz um deles (lista) de maneira praticamente ininteligível.
h) no futuro quando:: e:u ... trabalhar (linha 43).
i) quer::... praticar ... português ... língua portuguesa ... para falar bem (linhas 46 e 47).
Hesitações que delimitam uma paráfrase de cunho corretivo. Nesse caso, percebe-
se que o texto de resposta está entremeado de hesitações, denunciando a
dificuldade da Informante no processamento do discurso em uma língua que ela não
domina.
Observe-se que, nos casos seguintes, as pausas parecem não ser hesitativas,
que são bastante breves e ocorrem em fronteiras sintáticas:
a) aprendi português com mi pai ... porque (linha 7).
b) sim eu sou estudante da língua inglesa ... agora::... (linha 21).
113
c) como tradutora ... em língua inglesa (linha 24).
d) a minha colega Lurdes e:: também:: o Senhor Neto (linha 39).
Repetições hesitativas realizadas com fragmentos de itens lexicais ou com itens
funcionais, denotando uma dificuldade da informante no manejo dos sistema formal
da língua:
a) quando::... Timor-Leste ... ehn... (apanhou) né? ... ehn::... ahn:::... referê .../ referendum ...
(linhas 5 e 6).
b) apren .../ aprendi português com mi pai ... (linha 7).
c) one eh::.. one and a half ... month (linha 25).
Começando a expressão temporal com outro código lingüístico, a informante parece
querer corrigir-se, buscando os elementos correspondentes em língua portuguesa.
Devido a dificuldades no domínio do português, não consegue usar essa língua para
dizer o que quer, então, repete o elemento em inglês e o completa.
d) os alunos que:: que quiser aprender português então... (linhas 40 e 41).
Também se observa um falso início, seguido de uma construção parentética que
serve para acrescentar a localização temporal do evento em questão, isto é, a
aprendizagem da língua portuguesa pela Informante:
a) quando::... éh::... éh::.. em mil novecentos noventa e nove quando::... (linha 4).
Observem-se os seguintes exemplos de respostas construídas a partir da
heterorrepetição das perguntas:
114
a) Doc. meu nome é Vera ... qual é o seu nome?
Inf. meu nome é XXX XXX XXX.
b) Doc. XXX XXX XXX... e você aprendeu português aonde?
Inf. ahn::... eu aprendi português... quando::... éh::... éh::.. em mil
novecentos noventa e nove quando::... Timor-Leste... ehn... (apanhou)
né?... ehn::... ahn:::... referê.../ referendum... e::... ah::... apren.../
aprendi português com mi pai... porque meu pai ahn::... ( ) ahn...
trabalhei em Hotel Turismo... então... ele fala português
c) Doc. quantos anos você tem, XXX?
Inf. eu tenho vinte e um anos
d) Doc. e onde você mora ... onde é sua morada?
Inf. eu moro em Bairro Santa Cruz
e) Doc. e você estuda?
Inf. sim eu sou estudante da língua inglesa ...
f) Doc. [...] e você trabalha?
Inf. agora trabalho em::: ( ) como tradutora...
Autorrepetições também estão presentes no texto da informante 1, como se
verifica nas linhas 4 a 8 e a partir da linha 32 em relação ao futuro e a aprender,
reafirmando a necessidade de falar bom/ bem, praticar a língua portuguesa/
português. Essas repetições contribuem, então, para a argumentatividade do texto.
115
TEXTO FALADO 2
Informante 2, 22 anos, aluno da Universidade Nacional de Timor-Leste.Entrevista
realizada no dia 7 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
bom dia
bom dia
qual é o seu nome?
meu nome é:: ih:: XXX XXX XXX ... XXX ...
XXX?
é
XXX onde você mora?
ahn::... eu moro em Vila Verde
Vila Verde?
sim
quantos anos você tem?
ahn::.. eu tenho vinte dois anos de idade
e como você aprendeu português?
ah::... porque ahn ... a língua português é língua oficial ahn::
em Timor-Leste
e quem ensinou pra você português aonde aprendeu?
ah:: ah ... o ano passado ah ... eu ah::... aprender ah .. três mês
aonde onde ... aqui na Universidade?
não ... curso ... curso em em Ainaro, Ainaro distrito.
quem deu aula ... professor de português?
sim ah::... professor ah::... Portugal
Portugal ... você estuda?
sim
que curso você faz?
agora ... eh::... agora eh::.. ahn::... eu sou estudante .. ahn..
ah::.. da Faculdade de Ciências da Educação ahn ... o
departamento inglês
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Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf
inglês
sim
língua inglesa
sim
você trabalha?
não
não ... ainda não?
sim ainda não
por que você quer fazer este curso?
ah:: porque ah:: eu sou estudante ah:: ah:: tem que ser
aprende/ aprender ah:: ah:: muito língua ... muito língua ah ...
exemplo ah::.. língua indonesia
17
inglês e português
você fala tétum?
sim ... tétum é a:: a::... lin/língua nacional
o que você espera deste curso?
ah::... eu espero desse curso ... ah:: depois ah:: ah::... eu
espero desse curso ah:: ah::... uhn ..... desculpe
não ... eu espero ...
ah::... eu espero desse curso ah::
você está gostando das aulas?
sim ah:.. eu gosto ... eu gosto ah::.. ah::... acompanhar ... (a
cultura) a língua portuguesa em aula
e::... quem falou pra você desse curso como você soube do
curso?
ah::..
quem deu a informação?
informação éh:: ahn:: uhn: ahn::...o reitor
o reitor...Professor Paulino
sim Professor Paulino ... Neto
Professor Neto?
Neto sim
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Palavra emitida com pronúncia inglesa.
117
Doc. o que você vai fazer depois do curso... quando o curso terminar?
Inf.
Doc.
Inf.
o que você vai fazer depois do curso ... quando o curso
terminar?
ah::.. ah::... depois do curso terminar ah::... ah::... ah::...
ah::.... eu ainda ... eu ainda continua ah ... continua ah ah
curso ... eu ainda continua curso em Timor-Leste por exemplo
ah:... professora ah:: Portugal ou Brasil
está bem obrigada ... muito obrigada
nada
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Nesse texto, observam-se pausas preenchidas por alongamentos vocálicos, e/ou
por expressões hesitativas, muitas vezes acumuladas.
a) porque ahn ... a língua português é língua oficial ahn:: em Timor-Leste (linha 14).
b) o ano passado ah... eu ah::... aprender ah.. (linha 17).
c) sim ah::... professor ah::... Portugal (linha 21).
d) agora ... eh::... agora eh::... ahn::... eu sou estudante ... ahn.. ah::... da Faculdade de
Ciências da Educação ahn ... o departamento inglês (linhas 25-27).
e) porque ah:: eu sou estudante ah:: ah:: tem que ser aprende/ aprender ah:: ah:: muito
língua ... muito ngua ah ... exemplo ah::.. língua indonesia inglês e português (linhas 37-
39).
Note-se que não há hesitação antes da palavra indonesia, emitida com pronúncia
inglesa pelo informante, mas antes do sintagma língua indonesia completo.
f) tétum é a:: a::... lin/língua nacional (linha 41).
118
g) eu espero desse curso ... ah:: depois ah:: ah::... eu espero desse curso ah:: ah::... uhn .....
desculpe (linhas 43-44).
O informante se desculpa, ciente de sua dificuldade para expressar-se em
português.
h) eu espero desse curso ah::: (linha 46).
i) ah:.. eu gosto ... eu gosto ah::... ah::... acompanhar (linha 48).
j) informação é:: ahn:: uhn: ahn::... o reitor (linha 54).
l) depois do curso terminar ah::... ah::... ah::... ah::.... eu ainda ... eu ainda continua ah ...
continua ah ah curso ... eu ainda continua curso em Timor-Leste por exemplo ah:...
professora ah:: Portugal ou Brasil (linhas 61-64).
No segmento a seguir, a pausa preenchida parece cumprir uma função
predominantemente pragmática, pois a hesitação aponta para a produção
simultânea à tomada de decisão entre dizer o nome completo, já que havia a
formalidade de estar sendo entrevistado, ou apenas o primeiro nome, que depois é
repetido como que para convidar a documentadora a tratá-lo informalmente,
autorizando-a a chamá-lo pelo primeiro nome.
a) meu nome é::: ih::: XXX XXX XXX ... XXX (linha 4).
Hesitações em início de turno, dando tempo para o planejamento da fala:
a) ahn::... eu moro em Vila Verde (linha 8).
119
b) ah:: porque ahn ... (linha 14).
c) ah:: ah ... o ano passado (linha 17).
d) ah:: porque ah:: (linha 37).
e) ah::... eu espero desse curso ... (linha 43).
f) ah::... eu espero desse curso ah:: (linha 46).
g) ah::.. (linha 52).
Nesse caso, a dificuldade do informante 2, que parece não ter entendido a pergunta,
é percebida pela documentadora, que refaz duas vezes seu texto por meio de
paráfrase:
Doc. quem falou pra você desse curso como você soube do curso?
Inf. ah::..
Doc. quem deu a informação?
(linhas 50-53).
h) ah::.. ah::... depois do curso terminar (linha 61).
Pausa não preenchida, cuja localização se em lugar sintaticamente não
previsível:
a) acompanhar ... (a cultura) a língua portuguesa (linha 49).
Pausas aparentemente de caráter o hesitativo, marcando fronteiras sintáticas ou
entrega de turno:
120
a) XXX XXX XXX ... XXX... (linha 4).
b) o ... curso ... curso em em Ainaro (linha 19).
c) sim ... tétum é a:: a::... lin/língua nacional (linha 41).
d) Professor Paulino ... Neto (linha 56).
Repetições hesitativas (algumas de caráter corretivo, outras com aparência de
pausa preenchida) de sintagmas nominais ou verbais e de fragmentos de itens
lexicais realizadas pelo informante:
a) o ... curso ... curso em em Ainaro, Ainaro distrito (linha 19).
b) tem que ser aprende aprender ah:: ah:: muito língua ... muito língua (linhas 37 e 38).
c) tétum é a:: a::... lín/ língua nacional (linha 41).
d) eu espero desse curso ... ah:: depois ah:: ah:: eu espero desse curso ah:: (linhas 43 e 44)
(...) ah::... eu espero desse curso ah:: (linha 46).
e) eu gosto ... eu gosto ah:: ... ah::... acompanhar (linha 48).
f) eu ainda ... eu ainda continua ah... continua ah ah curso ... eu ainda continua curso em
Timor-Leste (linhas 62 e 63).
Observe-se que o informante vai construindo a oração eu ainda continua curso com
repetições dos elementos sintáticos que a constituem.
Repetições hesitativas feitas com um item funcional:
121
a) curso em em Ainaro (linha 19).
b) tétum é a:: a::... lín/ língua nacional (linha 41).
Note-se que a repetição do artigo definido feminino singular se acumula com o
prolongamento vocálico desse mesmo artigo, servindo para preencher uma pausa
hesitativa.
Heterorrepetições em respostas de caráter formulaico ou que retomam a pergunta
da documentadora para respondê-la:
a) Doc. bom dia
Inf. bom dia
b) Doc. qual é o seu nome?
Inf. meu nome é:: ih:: XXX XXX XXX
c) Doc XXX onde você mora?
Inf. eu moro em vila Verde
d) Doc. quantos anos você tem?
Inf. eu tenho vinte dois anos de idade
e) Doc. não ... ainda não?
Inf. sim ainda não
f) Doc. o que você espera desse curso?
Inf. ah::... eu espero desse curso ...
g) Doc. quem deu a informação?
Inf. informação éh::
h) Doc. Professor Neto?
Inf. Neto sim
122
i) Doc. o que você vai fazer depois do curso ... quando o curso
terminar?
Inf. ah::.. ah::... depois do curso terminar ah::...
As dificuldades do informante na busca de itens lexicais e de estruturas
sintagmáticas ficam evidentes com a observação de suas hesitações e repetições
hesitativas. No caso das heterorrepetições, observa-se que se dão em construções
oracionais semelhantes e adjacentes, em início de turno, quando o informante
retoma a pergunta da documentadora para dar sua resposta, procedimento comum
em aprendizes iniciantes de uma segunda língua.
123
TEXTO FALADO 3
Informante 3, 28 anos, aluno da Universidade Nacional de Timor-Leste. Entrevista
realizada no dia 9 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
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qual é o seu nome?
eu ... me ... eu chamo-me XXX XXX XXX
XXX YYY ... ?
XXX XXX
XXX XXX ... XXX ... ?
XXX
XXX ... e ... qual ... quantos anos você tem?
eu tenho vinte e oito anos de idade
vinte e oito ... e o que você faz ... você trabalha você estuda?
não ... nesse momento eu estou a estudar aqui
qual curso?
éh:: o desenvolvimento ( )
Economia do Desenvolvimento ... e onde você mora?
eu moro em Becora
Becora ... e você fala português?
pouco mais ou menos
com quem aprendeu?
éh ... eu fui ... fui aprender ... em::... seminário quando::...
naquela altura eu estive ... éh::... fui ... seminarista ...
seminário que lá eu aprendi
e por que você quer fazer o curso de português?
éh ... um pouco engraçado ... éh::... primeiro é que todos nós
estudamos aqui quando ouvimos ... ((interrupção externa))
ouvimos informação de nossos professores aqui os docentes
eles disseram-nos que... aqui ainda vem... os nossos amigos
... éh ... de Brasil ... éh::... ainda tem intercâmbio ... de três
universidades do Brasil com a nossa universidade ... e
então ... aqui todos nossos professores ... os professores que
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Doc.
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Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
disseram ... que nós precisamos de ... alguns estudantes de
aqui para seguir o curso ... então aqui todos nós estamos
alegres ... para aprender português ... isso é primeiro ...
depois segundo por que que nós ... todos nós aqui
estudantes é que queremos ... (é principalmente) porque:::
que eu ... eu quero aprender ... é que primeiro ... a nossa
constituição ... lá já ... decidiu para todos nós ...deveremos
falar português... a língua portuguesa agora nesse momento
ser o nosso ... a língua do oficial... todos nós devemos
aprender língua portuguesa ... e terceiro ... eu próprio como
estudante ... quando falo ... muitos línguas é como uma
riqueza da minha vida ... é muitos importantes ... para ter
uma comunicação com outra pessoa
e você gosta da aula?
ai muito gosto
e gosta de cantar?
sim ... éh:: mais ou menos ... a minha voz éh ... não ... não é::
boa pra cantar mas é mais ou menos ((riu))
está bem XXX muito obrigada ... o que você vai fazer depois
que o curso acabar?
depois do nosso curso ... acabar ehn::... mais ou menos ...
pode ... posso a/ aperfeiçoar a minha língua ... a língua da
portuguesa ... e depois é sobre ... o curso que nesse
momento nós .... recebemos de ... de nossos formadores
como senhora ... com ... toda equipa ... e::.. pois ... formam
um grupo para continua como é que nós podemos aprender
... a língua e a música ( )
muito bem muito obrigada
de nada
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Nesse diálogo, pausas preenchidas por expressões hesitativas, em co-ocorrência
ou não com alongamentos vocálicos, apontam para dificuldades na formulação
sintática do texto e na busca de sintagmas lexicais:
a) fui aprender ... em::.. seminário (linha 18).
b) quando::.. naquela altura eu estive ... (linhas 18 e 19).
c) naquela altura eu estive ... éh::... fui ... seminarista (linha 19).
Aqui a hesitação parece apontar para a reformulação sintagmática, com a correção
do verbo.
d) um pouco engraçado ... éh::... primeiro é que todos nós estudamos aqui (linhas 22 e 23).
e) os nossos amigos ... éh... de Brasil (linhas 25 e 26).
f) éh::... ainda tem ... intercâmbio (linha 26).
g) porque::: que eu ... eu quero aprender (linhas 33 e 34).
h) sim... éh:: mais ou menos (linha 45).
Denotando uma auto-correção conceitual e não formal, a hesitação aqui parece
estar no lugar de um marcador conversacional como “quer dizer”. Nesse caso,
funcionaria como um elemento articulador na formulação sintática do texto falado,
exercendo o papel da pontuação. Além disso, considerando-se a prosódica e o
gestual que provavelmente a acompanham, a expressão hesitativa pode funcionar,
para o ouvinte, como sinalizador de mudança no rumo da resposta.
i) a minha voz éh... não ...o é:: boa pra cantar (linhas 45 e 46).
126
A hesitação aparenta ser uma só, na construção da negativa, mesclando pausas
preenchidas e não preenchidas com a repetição hesitativa do não.
j) depois do nosso curso ... acabar ehn::... mais ou menos ... pode ... posso a/ aperfeiçoar a
minha língua (linhas 49 e 50).
l) o curso que nesse momento nós .... recebemos de ... de nossos formadores como
senhora ... com ... toda equipa ... e::.. pois ... (linhas de 51 a 53).
Outras marcas de hesitação com pausas preenchidas em início de turno, como
estratégia para ganhar tempo na formulação da resposta:
a) éh:: o desenvolvimento (linha 12).
b) éh ... eu fui ... fui aprender (linha 18).
c) éh::... um pouco engraçado (linha 22).
Pausas não preenchidas são, nesse texto, muito mais freqüentes do que as
pausas preenchidas e evidenciam dificuldades do falante na busca por sintagmas no
processamento do texto em tempo real. Observe-se que cada turno aparece
entremeado de hesitações que apontam para um manejo pouco hábil da língua:
a) eu ... me ... eu chamo-me XXX XXX XXX (linha 2).
O informante hesita duas vezes na formulação da resposta e realiza, em seguida,
uma correção da colocação pronominal.
b) eu fui ... fui aprender ... em::.. seminário (linha 18).
127
c) fui ... seminarista ... seminário (linha 19).
d) eles disseram-nos que ... aqui ainda vem ... os nossos amigos (linha 25 e 26)
e) ainda tem ... intercâmbio ... de três universidades do Brasil com a nossa universidade
.. .
.. .
e então ... aqui todos nossos professores ... os professores que disseram ... que nós
precisamos de ... alguns estudantes de aqui para seguir o curso ... então aqui todos s
estamos alegres ... para aprender português ... isso é primeiro .... depois segundo por que
que nós ... todos nós aqui estudantes é que queremos ... (é principalmente) (linhas de 26 a
33).
f) eu ... eu quero aprender ... é que primeiro ... a nossa constituição ... ... decidiu para
todos nós ... deveremos falar português ... a ngua portuguesa agora nesse momento ser o
nosso ... a língua do oficial ... todos nós devemos aprender ngua portuguesa ... e terceiro ...
eu próprio como estudante ... quando falo ... muitos línguas é como uma riqueza da minha
vida ... é muitos importantes ... para ter uma comunicação com outra pessoa (linhas 33 a
41).
g) mais ou menos ... a minha voz éh ... não ... não é:: boa pra cantar (linhas 45 e 46).
h) depois do nosso curso ... acabar ehn::... mais ou menos ... pode ... posso a/ aperfeiçoar a
minha ngua ... a língua da portuguesa ... e depois é sobre ... o curso que nesse momento
nós .... recebemos de ... de nossos formadores como senhora ... com ... toda equip a... e::..
pois ... formam um grupo para continua como é que nós podemos aprender ... a língua e a
música ( ) (linhas de 49 a 55).
Pausas de cunho não hesitativo:
a) não ... nesse momento eu estou a estudar aqui (linha 10).
128
b) três universidades do Brasil com a nossa universidade
...
...
e então ... aqui todos nossos
professores ... os professores que disseram ... que nós precisamos de ... alguns estudantes
de aqui para seguir o curso ... então aqui todos nós estamos alegres ... para aprender
português ... isso é primeiro .... depois segundo por que que nós ... todos nós aqui
estudantes (linhas 26 a 33).
c) todos nós devemos aprender língua portuguesa ... e terceiro ... eu próprio como estudante
... quando falo ... muitos línguas é como uma riqueza da minha vida (linhas 37 a 40).
Repetições hesitativas estão presentes em:
a) éh ... eu fui ... fui aprender ... em::.. seminário (linha 18).
b) porque::: que eu ... eu quero aprender... (linhas 33 e 34).
c) a minha voz éh ... não ... não é:: boa pra cantar (linhas 45 e 46).
d) posso a/ aperfeiçoar a minha língua (linha 50).
e) o curso que nesse momento nós .... recebemos de ... de nossos formadores (linhas 51 e
52).
Verifiquem-se heterorrepetições do informante, que retoma as perguntas da
documentadora para formular suas respostas:
Doc. [...] quantos anos você tem?
Inf. eu tenho vinte e oito anos de idade
129
Doc. [...] e onde você mora?
Inf. eu moro em Becora
Doc. com quem aprendeu?
Inf. éh ... eu fui ... fui aprender ... em::.. seminário
Doc. e você gosta da aula?
Inf. ai muito gosto
Doc. [...] o que você vai fazer depois que o curso acabar?
Inf. depois do nosso curso ... acabar ehn::... mais ou menos ... pode ...
posso a/ aperfeiçoar a minha língua
Autorrepetições também são freqüentes na construção do discurso do informante,
como se pode observar em:
Inf. éh ... eu fui... fui aprender ... em::.. seminário quando::.. naquela altura
eu estive ... éh::... fui ... seminarista ... seminário que eu aprendi
(linhas 18 a 20).
Da linha 42 a 41, as repetições do informante mantêm sua resposta em torno de:
a) estudantes (3 vezes) estudamos;
b) professores (3 vezes), docentes;
c) Brasil (2 vezes);
d) universidade/s (2 vezes);
e) aprender (2 vezes);
130
f) queremos, quero;
g) falo/ falar/ aprender português/ língua portuguesa, língua do oficial, muitos línguas.
Da linha 49 a 55, as repetições preservam o foco no aperfeiçoamento [do uso de] ou
no aprendizado da ngua portuguesa. A repetição idêntica ou semelhante de
sintagmas favorece a coesão, mantendo os referentes ativados no discurso e
servindo à argumentação do falante.
131
TEXTO FALADO 4
Informante 4, 18 anos, estudante da Universidade Nacional de Timor-Leste.
Entrevista realizada em 9 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
qual é o seu nome?
chamo-me XXX XXX
XXX ... e quantos anos você tem?
agora eu tenho dezoito anos e vinte e dois de novembro ...
dezenove anos
parabéns
obrigada ((riu))
e onde você mora?
eu moro em Vila Verde com meus pais
e::... o que você faz ... você estuda você trabalha?
eu estudo na Universidade Nacional Timor Loro Sa’e ... quase
um ano ... ahn...
qual curso?
Economia e Gestão
e você:: fala português
um pouco ((riu))
onde aprendeu?
ahn::... aprendeu no::... ensino secundário ... Paulo VI
ah:: professor português ou brasileiro?
português ... ela chama-se Silvia Soares
Silvia Soares ... e::... por que você quer fazer o curso de
português?
porque eu ... não falar português muito bem ... e:: português
língua oficial Timor-Leste
e:: você gosta das aulas?
gosto ... muito gosto ((riu))
e você:: já cantou alguma música?
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Doc.
Inf.
Doc.
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Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
qual?
ah::.. “Pensa em mim” e::... “Só quero ... só quero ... um xodó”
“um xodó”... uhn::... o que você vai fazer quando o curso acabar
em dezembro? ... o curso vai acabar ... o que você vai fazer?
voltar pra casa e ... ajudar ... meus pais
e:: por que ... já perguntei por que você quer aprender ... muito
obrigada ... XXX ... a sua mãe fala português?
sim ... a minha mãe ... também meu pai
seu pai também
sim
onde eles aprenderam?
uhn::... ah:: tempo Portugal está em Timor
ah:: tempo português?
sim
de Portugal ... obrigada XXX
nada
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Pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou expressões hesitativas
apresentam-se no texto, marcando a busca por uma construção sintática ou um
elemento lexical apropriado:
a) aprendeu no::... ensino secundário ... Paulo VI (linha 18).
b) eu ... não falar português muito bem ... e:: português língua oficial Timor-Leste (linhas 23
e 24).
c) “Pensa em mim” e::... “Só quero ... só quero ... um xodó” (linha 30).
133
Na linha 12, a hesitação por pausa preenchida da informante favorece a tomada de
turno pela documentadora:
Inf. (...) quase um ano ... ahn ...
Doc. qual curso?
Pausas preenchidas que aparecem em início de turno, dando tempo para o
planejamento do que será dito:
a) ahn::... aprendeu no::... ensino secundário (linha 18).
b) ah::.. “Pensa em mim” e::... (linha 30).
c) uhn::... ah:: tempo Portugal está em Timor (linha 40).
Pausas não preenchidas de caráter hesitativo podem ser observadas em:
a) eu estudo na Universidade Nacional Timor Loro Sa’e ... quase um ano (linha 11).
b) ahn::... aprendeu no::... ensino secundário ... Paulo VI (linha 18).
c) ah::... “Pensa em mim” e::... “Só quero ...quero ... um xodó” (linha 30).
d) voltar pra casa e ... ajudar ... meus pais (linha 33).
Algumas pausas que aparentemente não revelam hesitação, aparecem limitando
fronteiras sintáticas:
a) agora eu tenho dezoito anos e vinte e dois de novembro ... dezenove anos (linhas 4 e 5).
134
b) português ... ela chama-se Silvia Soares (linha 20).
c) gosto ... muito gosto ( linha 26).
d) sim ... a minha e ... também meu pai (linha 36).
Repetições hesitativas de sintagmas observadas na elocução da informante
parecem de caráter cognitivo, que ela hesita tentando recordar o nome de uma
das músicas que aprendeu no curso:
a) “Só quero ...quero ... um xodó um xodó(linhas 30 e 31).
Repetições de ordem não hesitativa são usadas pela informante como estratégia de
referenciação ou para dar ênfase a algum elemento:
a) o falar português muito bem ... e:: português língua oficial Timor-Leste (linhas 23 e 24).
a) gosto ... muito gosto (linha 26).
A repetição enfatiza a expressão do sentimento da informante, e o intensifica pelo
uso do advérbio muito.
Heterorrepetições de construções oracionais semelhantes e adjacentes são
encontradas em início de turno, servindo para introduzir uma resposta da informante
a uma pergunta da documentadora:
a) Doc. e quantos anos você tem?
Inf. eu tenho dezoito anos
135
b) Doc. e onde você mora?
Inf. eu moro em Vila Verde
c) Doc. onde aprendeu?
Inf. aprendeu no::... ensino secundário
É de se notar a baixa ocorrência de hesitações na fala da informante (6 pausas
preenchidas, sendo 3 em início de turno, e 4 não preenchidas), mas é possível inferir
sua dificuldade no uso da língua pela ausência de alguns elementos observada em
sua elocução:
a) agora eu tenho dezoito anos e [em] vinte e dois de novembro [faço] dezenove anos
(linhas 4 e 5).
b) eu estudo na Universidade Nacional [de] Timor-Loro Sa’e ... [há] quase um ano (linhas 11
e 12).
c) portuguêsa] língua oficial [de] Timor-Leste (linhas 23 e 24).
d) tempo [em que] Portugal es[esteve] em Timor (linha 40).
136
TEXTO FALADO 5
Informante 5, 25 anos, aluno da Universidade Nacional de Timor-Leste. Entrevista
realizada em 9 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
bom dia
bom dia
qual é o seu nome?
ahn::... me chamo-me XXX XXX XXX
XXX?
sim
quantos anos você tem XXX?
ahn::... eu tenho vinte e cinco anos de idade
e o que você faz... você estuda... você trabalha?
não não eu... eu não trabalho eu... ahn... sou estudante
aonde... em qual curso?
ahn::... curso?... curso?... ahn::...
curso de Economia?
ahn:: sim ahn... curso de Economia... departa/ departamento...
gestão
gestão... e onde você mora?
ahn::... eu moro::... em Becora
você fala português?
compreende e fala um bocadinho
onde você aprendeu?
ahn... aprendeu... português? ah:... .... ahn::... eu... estive a
aprender... na... ano passado eh? dois mil.... dois mil... ahn...
dois mil três... em ( )
professor português?
ahn::... ahn::... na residência... padre João Filgueiras
ah::: padre João Filgueiras... e por que você quer fazer o curso
de português?
agora? ahn... quero aprender língua portuguesa
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Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
e gosta da aula?
sim... ahn::... porque agora éh... éh::... meu/ o meu português...
muito mal
e você gosta de cantar?
um bo/ um pouco
música brasileira?
sim muito gosto ah::... ( ) música da::... do Leandro é? Leandro
e Leonardo
[
Leandro e Leonardo?
sim
e você já aprendeu a cantar alguma música aqui?
agora?
uhn:
sim
qual?
ahn::... aprende éh... “Jesus Cristo” éh::... ahn... de Roberto
Carlos é?
[
“Jesus Cristo” do Roberto Carlos
sim
o que você vai fazer depois do curso... quando o curso acabar?
agora?
em dezembro
ahn:... dezembro é?
o ano que vem
acaba o curso agora... quando eu acabar o curso... eu querer
continuar... curso... éh::... outro lugar é? ... em... em agora...
tem curso... em... em depar/ Ministério da Educação
ah::.. muito obrigada XXX
sim obrigado
pode ir pra aula
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Observam-se, nesse texto, pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou
expressões hesitativas, muitas vezes acumuladas, com o papel fundamental de dar
tempo ao falante enquanto busca um elemento lexical ou uma construção sintática
apropriada:
a) eu ... ahn ... sou estudante (linha 10).
b) curso? ... ahn::... (linha 12).
A repetição da palavra curso faz supor que o informante, na verdade, não entendeu
a pergunta, o que se confirma por sua seguinte resposta, após ser ajudado pela
documentadora.
c) sim ahn ... curso de Economia (linha 14).
d) eu moro::... em Becora (linha 17).
e) português? ah:..... ahn::... (linha 21).
f) dois mil ... ahn ... dois mil três (linha 22).
g) agora? ahn ... quero aprender língua portuguesa (linha 28).
h) sim ... ahn::... porque agora éh ... éh::... meu/ o meu português (linha 30).
i) muito gosto ah::... ( ) música da::.. do Leandro é? (linha 35).
j) aprende éh ... “Jesus Cristo” éh::... ahn ... de Roberto Carlos é? (linhas 44 e 45).
l) eu querer continuar ... curso ... éh::... outro lugar é? (linhas 53 e 54).
139
Observam-se, ainda, pausas preenchidas em início de turno:
a) ahn::... me chamo-me XXX XXX XXX (linha 04).
b) ahn::... eu tenho vinte e cinco anos de idade (linha 08).
c) ahn::... curso? (linha 12).
d) ahn:: sim (linha 14).
e) ahn ... aprendeu ... português? (linha 21).
f) ahn::... ahn::... na residência ... padre João Filgueiras (linha 25).
g) ahn::... aprende éh ... (linha 44).
h) ahn:... dezembro é? (linha 51).
Observe-se que, em muitos dos inícios de turno, o informante repete a pergunta da
documentadora, não para confirmar que compreendeu o que foi perguntado, mas
também para ganhar tempo na elaboração da resposta.
Pausas não preenchidas são observadas nos seguintes fragmentos:
a) departamento ... geso (linha 14).
Aqui a pausa ocupa o lugar da preposição “de” e talvez reflita a busca desse item
pelo informante.
b) aprendeu ... português? (linha 21).
140
e) eu ... estive a aprender ... na ... ano passado eh? (linhas 21 e 22).
f) na resincia ... padre João Filgueiras (linha 25).
Mais uma vez a pausa preenche o lugar da preposição “de”.
g) o meu português ... muito mal (linha 30 e 31).
A pausa ocupa o espaço da flexão de um verbo de ligação.
h) acaba o curso agora ... quando eu acabar o curso (linha 53).
A pausa parece preencher o espaço da conjunção “e”.
h) eu querer continuar ... curso (linhas 53 e 54).
A pausa novamente ocupa o espaço de um item gramatical, dessa vez do artigo
masculino singular.
Nos seguintes casos, as pausas parecem não ser hesitativas, que são bastante
breves e ocorrem em fronteiras sintáticas:
a) curso de Economia ... departa/departamento (linha 14).
b) dois mil ... ahn ... dois mil três ... em ( ) (linha 23)
c) quando eu acabar o curso ... eu querer continuar ... (linhas 53 e 54).
141
Repetições hesitativas de fragmentos, de sintagmas ou de itens funcionais, que
parecem apontar para uma dificuldade da Informante no manejo dos sistema formal
da língua:
a) o não eu ... eu não trabalho (linha 10).
b) curso? ... curso? ( linha 12).
c) departa/ departamento (linha linha 14).
d) estive a aprender ... na ... ano passado eh? dois mil ... dois mil ... ahn... dois mil três
(linhas 21 a 23).
e) um bo/ um pouco (linha 33).
É possível inferir que o informante usaria bocado, bastante usual no português
peninsular, mas o abandona a favor do advérbio pouco, mais comum no português
brasileiro, que ele sabe ser a variedade da documentadora.
f) da:::... do Leandro é? (linha 35). Repetição com aparência de correção da preposição de
contraída com o artigo definido.
g) Leandro é? Leandro e Leonardo (linhas 35 e 26).
h) tem curso em ... em depar/ Ministério da Educação (linha 55).
Heterorrepetições se dão em respostas que retomam a pergunta para respondê-la
ou esclarecê-la, como nos exemplos a seguir:
142
a) Doc. quantos anos você tem XXX?
Inf. ahn::... eu tenho vinte e cinco anos de idade
b) Doc. aonde ... em qual curso?
Inf. ahn::... curso? ... curso? ... ahn::...
Doc. curso de Economia?
Inf. ahn:: sim ahn... curso de Economia
c) Doc. onde você aprendeu?
Inf. ahn... aprendeu ... português?
d) Doc. e onde você mora?
Inf. ahn::... eu moro::... em Becora
Uma única autorrepetição de aparência não hesitativa é usada pelo informante na
organização tópica, mantendo em foco o tema curso:
a) acaba o curso agora ... quando eu acabar o curso ... eu querer continuar ... curso éh::...
outro lugar é? ... em ... em agora ... tem curso ... (linhas 53 a 55).
143
TEXTO FALADO 6
Informante 6, 29 anos, aluno da Universidade Nacional de Timor-Leste. Entrevista
realizada em 10 de setembro de 2007.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
bom dia
bom dia
qual é o seu nome?
o meu nome é XXX XXX XXX ( )
XXX XXX... quantos anos você tem XXX XXX?
agora... eu tenho vinte... vinte e nove anos de idade
e você onde mora?
eu moro em... Comoro... Delta Três
Comoro Delta Três
sim
e::... o que você faz... qual é sua profissão?
éh faz éh::.. ciências sociais política
é estudante?
estudante em ahn... na Universidade Nacional... Timor-Leste
você fala português?
só um pouco
onde aprendeu?
éh::... só::..... ahn... muita:: ler aprende... depois éh... ver...
televisão... éh:: jornais de português...
muito bem
sim
que bom... por que você quer fazer o curso de português com
os brasileiros?
ahn::... porque eu... eu muito gosto de... língua português
porque:: agora éh::... éh... nossa nação... precisamos língua
português para trabalho... agora língua oficial é língua
portuguesa
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Doc.
e:: você gosta das aulas?
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Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
sim muito gosto
gosta de cantar?
pouco... gosto
[
gosta da música brasileira?
sim muito gosto
[
qual música você já aprendeu?
ahn:: ... já parece::... quatro... cinco músicas... mas... ainda...
[
quais? “Pensa em mim”...
“Pensa em mim” e... mais éh... que... forró...
forró?
forró sim... sim
gosta de dançar?
gosto
muito obrigada XXX XXX...
nada
a sua família fala português?
sim ahn...
seu pai?
meu pai já morreu mas... éh... ele... professor... no tempo do
português... sim
e sua mãe?
minha mãe também escola português mas... ela não ensinou...
agora... ela já morreu... éh::... em mil novecentos noven/ éh::...
setenta e nove... eu ainda pequeno éh... inda cinco... cinco anos
de idade
muito obrigada XXX XXX
obrigado
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145
Pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou expressões hesitativas,
muitas vezes acumuladas, usadas como estratégia para ganhar tempo na procura
de itens lexicais ou estruturas sintáticas:
a) faz éh::... ciências sociais política (linha 12).
b) estudante em ahn ... na Universidade Nacional (linha 14).
c) só::..... ahn ... muita:: ler aprende ... depois éh ... ver ... televisão ... éh:: jornais de
português ... (linhas 18 e 19).
d) porque:: agora éh::.... éh ... nossa nação (linha 25).
e) já parece::.... quatro ... cinco músicas (linha 35).
f) mais éh .. que ... forró (linha 37).
g) sim ahn ... (linha 45).
h) mas ... éh ... ele ... professor (linha 47).
i) ela já morreu ... éh::... em mil novecentos noven/ éh::... setenta e nove ... eu ainda
pequeno éh ... (linha 52).
Situações em que as pausas preenchidas aparecem em início de turno, dando
tempo para a elaboração do discurso:
a) éh faz éh::... (linha 18).
146
b) ahn:: ... porque eu ... eu muito gosto de ... língua português (linha 24).
c) ahn::... já parece:: ... quatro (linha 35).
Ocorrências de pausas não preenchidas:
a) eu moro em ... Comoro (linha 08).
b) na Universidade Nacional ... Timor-Leste (linha 14).
Pausa que aparece no lugar da preposição “de”.
c) ver ... televisão (linhas 18 e 19).
d) muito gosto de ... língua português (linha 24).
e) pouco ... gosto (linha 31).
f) quatro ... cinco músicas (linha 35).
g) “Pensa em mim” e ... mais éh... que ... forró ... (linha 37).
Pausas breves, aparentemente não hesitativas e em fronteiras sintáticas:
a) agora ... eu tenho vinte (linha 06).
b) moro em ... Comoro ... Delta Três (linha 08).
c) ler aprende ... depois éh ... ver ... televisão ... éh:: jornais de português ... (linhas 18 e 19).
147
d) [em] nossa nação ... precisamos língua português para trabalho ... agora língua oficial é
língua portuguesa (linhas 25 a 27).
e) quatro ... cinco músicas ... mas ... ainda ... (linha 35).
f) professor ... no tempo do português ... sim (linhas 47 e 48).
g) mas ... ela não ensinou ... agora ... ela morreu (linhas 50 e 51).
h) em mil novecentos noven/ éh::... setenta e nove ... eu ainda pequeno (linha 52).
Repetições hesitativas de itens lexicais ou gramaticais:
a) eu tenho vinte ... vinte e nove anos de idade (linha 6).
b) porque eu ... eu muito gosto (linha 24).
c) inda cinco ... cinco anos de idade (linhas 52 e 53).
Algumas heterorrepetições em respostas de caráter formulaico ou não:
a) Doc. bom dia
Inf. bom dia
b) Doc. qual é o seu nome?
Inf. o meu nome é XXX XXX XXX
c) Doc. e onde você mora?
Inf. eu moro em ... Comoro ... Delta Três
148
d) Doc. o que você faz ... qual é a sua profissão?
Inf. éh faz éh::... ciências sociais política
e) Doc. é estudante?
Inf. estudante em ahn ... na Universidade Nacional
f) Doc. forró?
Inf. forró sim ... sim ...
149
TEXTO FALADO 7
Informante 7, 19 anos, do Centro Juvenil Padre Antônio Vieira. Entrevista realizada
no dia 21 de setembro de 2004.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
eu sou XXX
e onde você mora?
eu moro aqui ... no Centro Juvenil ... à frente do Centro Juvenil
Taibéssi ... Díli.
e o que você faz qual é a sua profissão?
eh ... eu já acaba o secundário ... o primeiro secundário e::...
agora não fazer nada ... não fazer e::... venho aqui ... venho
aqui participo no Centro Juvenil ... eu também ‘tou ... o grupo::...
também entrou no grupo voluntário ... do CJ/ CJPAV e::... agora
o meu atividade é fazer ... teve um curso aqui ... com os grupos
voluntários brasileiro ... vem ... vem dar aulas com ... através de
música ... e::... e eu ... vou participar ... eu não vou deixar isto ...
porque eu queria muito aprender português mais ... aprender
língua português porque ... éh... já sabe ... éh:: língua
portuguesa é nossa ... língua oficial por isso tem que estudar
estudar estudar muito
e:: qual é sua idade quantos anos você tem?
eu dezenove agora
e você onde aprendeu português?
eu ... eu aprendo português ... mas primeiro eu não gosto de
português ...
não gosta?
primeiro ahn:... (eu não) gosto de português ... depois ... o meu
pai ... o meu pai/ o meu pai também fala português ... e ... ele
diz que tem que se aprender muito português ... porque ...
depois da independência vamos falar português é ... nossa
língua oficial é ... é língua português mas é verdade sim ... e eu
... estudei por/ estudei português língua portuguesa éh::.. no
dois mil e um ... depois com ... com um grupo de ... padre João
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150
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Filgueiras ... uhn... casa dele ensinou portugu/português ...
básico ... com ... com número depois ... com língua portugue/
básico depois ... isso ... que me ... obriga-me a aprender mais ...
e agora mais ou menos fala bem ... mais ou menos
[
e agora você gosta?
sim gosto muito ... gosto ... gosto muito ... gosto muito
e você está gostando das aulas?
sim eu adoro
[
com música?
sim eu adoro adoro ((riu)) e::... agora muito aprende com ...
Diego ... aprende com Rodrigo e::... com Ma/
[
com Maria?
com Maria ... muito simpática e::... gosto muito ... muito
aprende português
e do que você gosta mais da aula?
éh::... olha ((riu)) gosto de cantar ... rock forró ... e::...... o jogo
que eles dão ... nunca ... eu nunca vi na minha vida o jogo que
eles vêm/m dar aula e:::... acho que isso não vou/ não vou
deixar ... aprov/ tem que ser aproveitado
obrigada XXX
muito::: prazer
prazer
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Observam-se pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou expressões
hesitativas, muitas vezes acumuladas, nos seguintes fragmentos:
a) o primeiro secunrio e::... agora não fazer nada ... não fazer e::... (linhas 6 e 7).
151
b) eu também ‘tou ... o grupo::... (linha 8).
c) do Cj/ CJPAV e::... agora o meu atividade é fazer ... (linha 9 e 10).
d) através de música ... e::... e eu ... (linhas 9 a 12).
e) aprender língua português porque ... éh ... sabe ... éh:: língua portuguesa (linhas 13 e
14).
f) primeiro ahn:... (eu não ) gosta de português (linha 23).
g) padre Filgueiras ... uhn ... casa dele (linhas 29 e 30).
h) adoro adoro ((riu)) e::... agora muito aprende com ... Diego ... aprende com Rodrigo e::...
com Ma/ (linhas 39 e 40).
i) muito simpática e::... gosto muito (linha 42).
j) rock forró ... e::..... o jogo que eles o ... nunca ... eu nunca vi na minha vida o jogo que
eles vêm/vêm dar aula e:::.... acho que isso não vou/ não vou deixar (linhas 45 a 47).
l) muito::: prazer (linha 50).
Pausas preenchidas que aparecem em início de turno, dando tempo para a
elaboração do discurso:
a) eh:: eu já acaba o secundario (linha 6).
b) éh sim ... (16).
152
c) éh::... olha (linha 45).
Pausas não preenchidas, cuja localização se dá em lugares sintaticamente não
previsíveis ou que precedem uma correção:
a) no Centro Juvenil ... à frente do Centro Juvenil Taibéssi (linhas 3 e 4).
b) eh ... eu acaba o secunrio ... o primeiro secundário e::... agora não fazer nada ... não
fazer e::... venho aqui ... venho aqui participo no Centro Juvenil ... eu também ‘tou ... o
grupo::... também entrou no grupo voluntário ... do CJ/ CJPAV e::... agora o meu atividade é
fazer ... teve um curso aqui ... com os grupos voluntários brasileiro ... vem ... vem dar aulas
com ... através de música ... e::... e eu ... vou participar ... eu não vou deixar isto ... porque
eu queria muito aprender português mais ... aprender língua português porque ... éh...
sabe ... éh:: língua portuguesa é nossa ... língua oficial por isso tem que estudar estudar
estudar muito (linhas 6 a 16).
b) eu ... eu aprendo português (linha 20).
c) (eu não) gosto de português ... depois ... o meu pai ... o meu pai/ o meu pai também fala
português ... e ... ele diz que tem que se aprender muito português ... porque ... depois da
indepenncia vamos falar português é ... nossa ngua oficial é ... é língua português mas é
verdade sim ... e eu ... estudei por/ estudei português ngua portuguesa no ... dois mil e um
... depois com ... com um grupo de ... padre João Filgueiras ... uhn... casa dele ensinou
portugu/português ... básico ... com ... com mero depois ... com língua portugue/básico
depois ... isso ... que me ... obriga-me a aprender mais ... e agora mais ou menos fala bem
... mais ou menos (linhas 23 a 33).
Nesse trecho anterior, embora algumas pausas não preenchidas aparentem não
denotar hesitação por encontrar-se em lugares sintaticamente previsíveis, optou-se
153
por considerá-las como marcas hesitativas pelo caráter global do fragmento,
entremeado de correções e repetições corretivas.
n) aprende com ... Diego (linhas 39 e 40).
o) o vou deixar ... aprov/ tem que ser aproveitado (linha 48).
Pausas que não parecem denotar hesitação, que são bastante breves e ocorrem
em fronteiras sintáticas:
a) eu moro aqui ... no Centro Juvenil ... à frente do Centro Juvenil Taibéssi ... Díli (linhas 3 e
4).
b) teve um curso aqui ... com os grupos voluntários brasileiro (linhas 10 e 11).
c) vou participar ... eu não vou deixar isto ... porque eu queria muito aprender portugs
mais (linhas 12 e 13).
d) eu aprendo português ... mas primeiro eu não gosto de português (linhas 20 e 21).
e) o meu pai ... o meu pai/ o meu pai também fala português ... e ... ele diz que tem que se
aprender muito português ... porque ... depois da independência vamos falar português
(linhas 23 a 26).
f) mas é verdade sim ... e eu ... estudei por/ estudei português língua portuguesa no ... dois
mil e um ... depois com ... com um grupo (linhas 27 a 29).
g) sim gosto muito ... gosto ... gosto muito ... gosto muito (linha 35).
h) aprende com ... Diego ... aprende com Rodrigo (linhas 39 e 40).
154
i) com Maria ... muito simpática e::... gosto muito ... muito aprende português (linhas 42 e
43).
j) gosto de cantar ... rock forró ... e::...... o jogo que eles dão ... nunca ... eu nunca vi rna
minha vida (linhas 45 e 46).
Repetições hesitativas realizadas com itens ou fragmentos de itens lexicais ou
gramaticais:
a) agora o fazer nada ... não fazer e::... venho aqui ... venho aqui participo no Centro
Juvenil ... eu também ‘tou ... o grupo::... também entrou no grupo voluntário ... do CJ/
CJPAV e::... agora o meu atividade é fazer ... teve um curso aqui ... com os grupos
voluntários brasileiro ... vem ... vem dar aulas com ... através de música (linhas 6 a 12).
b) eu ... eu aprendo português (linha 20).
c) e eu ... estudei por/ estudei português (linhas 27 e 28)
c) o meu pai ... o meu pai/ o meu pai também fala português (linhas 23 e 24).
d) depois com ... com um grupo de ... padre João Filgueiras (linha 29).
e) ensinou portugu/ português ... básico ... com ... com número depois ... com língua
portugue/ básico depois ... isso ... que me ... obriga-me a aprender mais ... e agora mais ou
menos fala bem ... mais ou menos (linhas 30 a 33)
h) nunca ... eu nunca vi na minha vida o jogo que eles vêm/ m dar aula e:::... acho que
isso o vou/ não vou deixar ... aprov/ tem que ser aproveitado (linhas 46 a 48).
155
Autorrepetições que participam da correção de um segmento:
a) eu moro aqui ... no Centro Juvenil ... à frente do Centro Juvenil Taibéssi (linhas 3 e 4).
b) eh ... eu já acaba o secundário ... o primeiro secundário (linha 6).
c) eu também ‘tou ... o grupo::... também entrou no grupo voluntário (linhas 8 e 9).
d) ... porque eu queria muito aprender português mais ... aprender ngua português (linhas
13 e 14).
e) estudei portuguêsngua portuguesa (linha 28).
Heterorrepetições são escassas na fala do informante e geralmente ocorrem com
retomadas das perguntas da documentadora:
a) Doc. e onde você mora?
Inf. eu moro aqui ... no Centro Juvenil
b) Doc. e você onde aprendeu português?
Inf. eu ... eu aprendo português ...
c) Doc. e agora você gosta?
Inf. sim gosto muito ... gosto ... gosto muito ... gosto muito
156
TEXTO FALADO 8
Informante 8, 20 anos, do Centro Juvenil Padre Antônio Vieira. Entrevista realizada
no dia 21 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
bom dia
bom dia
qual é o seu nome?
ahn::... o meu nome é XXX ( ) XXX
e:: quantos anos você tem XXX?
ahn::... eu tenho vinte anos
onde você mora?
eu moro aqui ... frente ... frente a CJPAV ... perto daqui
e::... o que você faz? ... você trabalha? você estuda?
sim ahn:: agora ... estou ... trabalhar aqui ... com projeto da ...
das crianças da ( ) ahn::... com ... o senhor Guto .... sim aqui ...
( ) e também ahn::... sou estudante ... ahn::... fui ... ahn::..... fui
... (passar) um texto na Universidade ... Timor-Leste e ... tirei
curso língua portuguesa
ahn::... muito bem ... e:: a sua família fala português?
éh sim ... ahn:::... mãe e também o pai
ah:: e por que você quer aprender português ... por que você
quer falar português?
éh::... penso que ... ahn::... português ... é ... a nossa língua
oficial aqui ... por isso ahn:::... eu ... pessoalmente ... sou jovem
... precisei muito ... eu tenho que obrigar para aprender
português ... porque ... éh::... este país ... éh:: língua oficial é
português ... por isso tem que aprender
você gosta?
ah sim gosto muito ... ahn:: porque pode ... posso ... falar::... ahn
... ter comunicação com ... outra amiga ou amigo ... são portu/
são português ou são... o país CPLP
ah::... e você gosta do curso de português?
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157
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
sim ahn::... eu ... sou ...sou um homem que ... gostei muito ...
ahn::... gostei muito a música ...
[
uhn::...
ahn:: por isso eu tenho três ... três professores que vêm aqui ...
ensinar ahn::... português através da música por isso ... eu ...
pessoalmente gostei muito
e o que você gosta mais? ... dançar? ... cantar?
[
ai sim dança ...
brincar? jogos?
[
brincar ... ahn::.. sim fazer jogos ... também éh::
éh::.. o princípio é assim ... éh::.. eu gostei muito éh::... o
curso da língua portuguesa porque posso aumentar mais o
nosso... o nosso/ a nossa palavra que ...
[
vocabulário?
sim ... que ... ahn::: não não não se/ não sei muito ... palavra
português ... só .. sei sei menos porque então ... a/ a palavra
que ... eu ... não sei ... na música ... escrever ... escrever ( )
pergunta para professora que diz ... então ... pra aumentar o
nosso ... língua a nossa ... palavra ... aumentar
está bem obrigada XXX
sim nada
obrigada
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Pausas preenchidas por expressões hesitativas e/ ou alongamentos vocálicos:
a) sim ahn:: agora ... estou ... trabalhar aqui (linha 10).
b) das crianças da ( ) ahn::... com ... o senhor Guto (linha 11).
158
c) e também ahn::... sou estudante ... ahn::... fui ... ahn::... fui ... (passar) um texto na
Universidade (linhas 12 e 13).
d) éh sim ... ahn::::... mãe e também o pai (linha 16).
e) penso que ... ahn::... português ... é ... a nossa língua oficial (linha 19).
f) por isso ahn:::... eu ... pessoalmente (linha 20).
g) porque ... éh::... este pais ... éh:: língua oficial é português (linha 22).
h) gosto muito ... ahn... porque pode ... posso ... falar::... ahn... (linha 25).
i) sim ahn::... eu ... sou ...sou um homem que ... gostei muito ... ahn::... gostei muito a
música ... (linhas 29 e 30).
j) três professores que m aqui ... ensinar ahn::... português através da música (linhas 32 e
33).
l) brincar ... ahn::... sim fazer jogos ... também éh:: éh:: o princípio é assim ... éh::... eu gostei
muito éh::... o curso da língua portuguesa (linhas 38 a 40).
m) sim ... que ... ahn::: não não o se/ não sei muito (linha 43).
Pausas preenchidas em início de turno:
a) ahn::... o meu nome é XXX ( ) XXX (linha 4).
b) ahn::... eu tenho vinte anos (linha 6).
c) éh sim ... ahn:::... mãe e também o pai (linha 16).
159
d) éh::... penso que ... ahn::... português (linha 19).
e) ahn:: por isso eu tenho três ... três professores que vêm aqui (linha 32).
Hesitações com pausas não preenchidas:
a) eu moro aqui ... frente ... frente a CJPAV ... perto daqui (linha 8).
b) agora ... estou ... trabalhar aqui ... com projeto da ... das crianças da ( ) ahn::... com ... o
senhor Guto .... sim aqui ... ( ) e também ahn::... sou estudante ... ahn::... fui ... ahn::..... fui
... (passar) um texto na Universidade ... Timor-Leste e ... tirei curso língua portuguesa (linhas
10 a 15).
c) português ... é ... a nossa língua oficial aqui (linhas 19 e 20).
d) eu ... pessoalmente ... sou jovem ... precisei muito ... eu tenho que obrigar para aprender
português ... porque ... éh::... este país éh:: língua oficial é português ... por isso tem que
aprender (linhas 20 a 23).
e) porque pode ... posso ... falar::... ahn ... ter comunicação com ... outra amiga ou amigo ...
são portu/ são português ou são ... o país CPLP (linhas 25 a 27).
f) sim ahn::... eu ... sou ... sou um homem que ... gostei muito ... ahn::... gostei muito a
música ... (linhas 29 e 30).
g) eu tenho três ... três professores que vêm aqui ... ensinar ahn::... português através da
música por isso ... eu ... pessoalmente gostei muito (linhas 32 a 34).
h) posso aumentar mais o nosso ... o nosso/ a nossa palavra que ... (linha 41).
160
i) sim ... que ... ahn::: não o o se/ não sei muito ... palavraportuguês ... ... sei sei
menos porque então ... a/ a palavra que ... eu ... não sei ... na música ... escrever ...
escrever ( ) pergunta para professora que diz ... então ... pra aumentar o nosso ... ngua a
nossa ... palavra ... aumentar (linhas 43 a 47).
Algumas pausas, devido ao lugar em que ocorrem, não aparentam denotar
hesitação. Fica, no entanto, difícil afirmar que não são do tipo hesitativo devido a sua
proximidade com pausas e repetições hesitativas:
a) estou ... trabalhar aqui ... com projeto da ... das crianças (linhas 10 e 11).
b) português ... é ... a nossangua oficial aqui ... por isso ahn:::... eu ... pessoalmente ... sou
jovem (linhas 19 e 20).
c) ngua oficial é português ... por isso tem que aprender (linhas 22 e 23).
d) por isso ... eu ... pessoalmente gostei muito (linhas 33 e 34).
e) o sei muito ... palavra português ... ... sei sei menos porque então ... a/ a palavra
(linhas 43 e 44).
Repetições hesistativas, algumas vezes participando de uma correção:
a) eu moro aqui ... frente ... frente a CJPAV (linha 8).
b) com projeto da ... das crianças (linhas 10 e 11).
c) sou estudante ... ahn::... fui ... ahn::... fui ... (passar) um texto na Universidade (linhas 12 e
13).
161
d) são portu/ são português (linha 26 e 27).
e) eu tenho três ... três professores que vêm aqui (linha 32).
f) o nosso ... o nosso/ a nossa palavra (linhas 40 e 41).
g) o não não se/o sei muito ... palavra português ... ... sei sei menos porque então ...
a / a palavra que ... eu ... não sei ... na música ... escrever ... escrever ( ) pergunta para
professora que diz ... então ... pra aumentar o nosso ... língua a nossa ... palavra ...
aumentar (linhas 43 a 47).
As heterorrepetições são comuns nos turnos em que o informante retoma as
palavras da documentadora:
a) Doc. bom dia
Inf. bom dia
b) Doc. qual é o seu nome?
Inf. ahn::... o meu nome é XXX
c) Doc. quantos anos você tem XXX?
Inf. ahn::... eu tenho vinte anos
d) Doc. onde você mora?
Inf. eu moro aqui ... frente ... frente a CJPAV
e) Doc. você gosta?
Inf. ah sim gosto muito
f) Doc. dançar? ... cantar?
162
[
Inf. ai sim dança ...
g) Doc. brincar? jogos?
[
Inf. brincar ... ahn::: sim fazer jogos ... também
163
TEXTO FALADO 9
Informante 9, 19 anos, do Centro Juvenil Padre Antônio Vieira. Entrevista realizada
no dia 21 de setembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
bom dia
bom dia
qual o seu nome?
eu chamo-me XXX XXX XXX
como?
XXX XXX XXX
YYY?
XXX
XXX
sim
como escreve?
éh::.. x - x - x XXX
XXX ... XXX XXX
XXX
obrigada ... e onde você mora?
eu mora ... aqui em Taibéssi ... ahn::... à frente do CJPAV
e quantos anos você tem XXX?
eu tenho de:: ah::...dezenove anos ... em abril agora vai fazer
vinte anos
e você onde aprendeu português?
ehn::... o meu pai ... meu pai ... meu avô ... meu a/ meu avô...
vive em Portugal ... éh:: depois ... ahn::... (nós ah mistura)
português ... com timorense
ah:: (está bem)... e::... por que você quis aprender português?
porque ... porque portu/português é::... ahn::... eu gosto de
(aprender) português ahn::... porque eu nasci/ eu nasci e já ...
já ... ainda pequeno já aprender a falar português até agora ...
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Doc.
português é mesmo a língua oficial de Timor
ah:: muito bem ... e você gosta do curso?
28
29
164
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
sim gosto muito
do que você gosta mais?
ahn::... (aula agora) gosto muito de ... aprender mais ... aumenta
mais ... pra português ... e ... e músicas ... gosto muito
gosta de ... dançar?
sim gosto muito
cantar?
sim (tudo isso)
jogos?
sim ... gosto muito
e ... o que você quer fazer depois do curso?
depois do curso eh::... vai continuar mais ... pra Universidade ...
porque eu agora eu agora no secundário ... ah segundo
segundo ano ... sim
qual escola?
ahn:: escola ... Becora ... Heróis da Pátria
ah:: obrigada
nada
obrigada XXX
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Pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou expressões hesitativas,
muitas vezes acumuladas :
a) aqui em Taibéssi ... ahn::... à frente do CJPAV (linha 16).
b) em Portugal ... éh:: depois ... ahn::... (nós ah mistura) português ... (linha 22).
c) depois do curso eh::... vai continuar mais ... pra Universidade ... porque eu agora eu agora
no secundário ... ah segundo segundo ano ... sim (linhas 41 a 42).
Pausas preenchidas em início de turno:
165
a) éh::... x - x – x XXX(linha 12).
b) ehn::... o meu pai (linha 21).
c) ahn::... (aula agora) gosto muito (linha 32).
d) ahn:: escola ... Becora (linha 45).
Pausas não preenchidas, algumas vezes precedendo correções:
a) eu mora ... aqui em Taibéssi (linha 16).
b) o meu pai ... meu pai ... meu avô ... meu a/ meu avô ... vive em Portugal ... éh:: depois ...
ahn::... (nós ah mistura) português ... com timorense (linhas 21 a 23).
c) porque ... porque portu/ português (linha 25).
d) eu nasci e já ... ... ainda pequeno já aprender a falar português até agora ... portugs
é mesmo a língua oficial de Timor (linhas 26 a 28).
e) gosto muito de ... aprender mais ... aumenta mais ... pra português ... e ... e músicas ...
gosto muito (linhas 31 a 33).
f) vai continuar mais ... pra Universidade (linha 41).
g) escola ... Becora (linha 45).
Pausas sem aparência de hesitação:
a) dezenove anos ... em abril agora vai fazer vinte anos (linhas 18 e 19).
166
b) meu pai ... meu avô ... meu a/ meu avô vive em Portugal (linha 21).
c) sim ... gosto muito (linha 39).
d) segundo ano ... sim (linha 43).
e) Becora ... Heróis da Pátria (linha 45).
Repetições hesitativas
a) eu tenho de:: ah::... dezenove anos (linha 18).
b) o meu pai ... o meu pai ... meu avô ... meu a/ meu avô ... vive em Portugal (linhas 21 e
22).
b) porque ... porque portu/ português é::... ahn::... (linha 25).
c) porque eu nasci/ eu nasci e já ... já ... ainda pequeno já aprender a falar português (linhas
26 e 27).
d) pra português ... e ... e músicas ... gosto muito (linha 33).
e) porque eu agora eu agora no secundário (linha 42).
Heterorrepetições o freqüentes nas respostas do informante em frases
formulaicas ou quando retoma as perguntas da documentadora para respondê-las:
a) Doc. bom dia
Inf. bom dia
167
b) Doc. onde você mora?
Inf. eu mora ... aqui em Taibéssi
c) Doc. e quantos anos você tem XXX?
Inf. eu tenho de:: ah::... dezenove anos
d) Doc. o que você quer fazer depois do curso?
Inf. depois do curso eh::... vai continuar mais
e) Doc. qual escola?
Inf. ahn:: escola ... Becora
168
TEXTO FALADO 10
Informante 10, 19 anos, estudante da Universidade Nacional de Timor-Leste.
Entrevista realizada no dia 28 de novembro de 2004.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
boa tarde
sim boa tarde
qual é seu nome?
chamo-me XXX XXX
XXX quantos anos você tem?
eu tenho 19 anos
por que você quis estudar com os brasileiros?
ahn::... sim ahn::... o meu motivo é:::... ( ) melhor sobre a
cultura brasileira ... pra mim ah:: ah:: a língua portuguesa é
importante mas eu gosto de aprender sobre a cultura ... por isso
ahn::... ahn::... vou tentar participar aula de brasileiros e no fim
... tenho ahn::.... no fim penso que é muito bom penso ( ) foi
muito bom
e você gostou das aulas?
sim gostei muito mas gostei muitos mas ahn:::... tenho ... como
é? ... tenho confusão com a mi/ a minha ... o meu horário de
aulas ... então às vezes eu fu/fui à aula mas só ... só um
bocadinhos só ... pelo menos ... trinta minutos e ... por isso é
muito infeliz pra mim
quais/ quem são seus professores brasileiros?
ahn::... os meus formadores são Anariá ahn::... Fernando e::
Márcio e::... elas são simpatícs ((riu))
o que você aprendeu com eles?
ahn::... aprendi aprendi muitas coisas (pois são) as quais são
primeiro sobre música ... músicas e::... aprendi mais e ... são
cultura ... sobre cultura ... cultura
você quer que o curso continue?
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Inf.
espero que sim ... espero que sim
28
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
Doc.
Inf.
por quê?
porque ... (como é?) porque ... quando este curso ( ) o tempo é
muito limitado então acho que falta algumas ... que ainda não
aprendemos ... por isso ... espero que ... quando ... quando:::...
esse curso vai acontecer outra vez espero que ... os
(organizadores) ahn::... vão trazer novas matérias para nós
você quer deixar alguma mensagem?
mensagem para ... os brasileiros?
sim
eh::... como eles como eles são estudantes como nós ... a
minha mensagem é ... quando vol/ quando::... quando volta vão
volta aula tem que estudar mais como nós ((riu)) porque eu sei
porque eu sei que ... ahn::... eles estão a viver aqui eles já ( )
deixaram de ter aula é? ... então... espero que ele vai estudar
mais ... e:::... ((interrupção externa)) e::... também não ( ) não
esqueçam ((risos)) não esqueçam ... e também ( )
((a entrevista foi interrompida por interferência externa))
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Pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ou expressões hesitativas,
muitas vezes acumuladas, dando tempo ao falante para buscar um item lexical ou a
estrutura sintática adequada:
a) ahn::... sim ahn::... o meu motivo é:::... ( ) melhor sobre a cultura brasileira ... pra mim ah::
ah:: a ngua portuguesa é importante mas eu gosto de aprender sobre a cultura... por isso
ahn::... ahn::... vou tentar participar aula de brasileiros e no fim ... tenho ahn::.... no fim
penso que é muito bom penso ( ) foi muito bom (linhas de 8 a 13).
b) mas ah:::... tenho ... (linha 15).
170
c) os meus formadores são Anariá ahn::... Fernando e:: Márcio e::... (linha 21 e 22).
d) músicas e::... aprendi mais (linha 25).
e) quando:::... esse curso vai acontecer outra vez espero que ... os (organizadores) ahn::...
vão trazer novas matérias para nós (linhas 32 a 34).
f) quando::... quando volta vão volta aula tem que estudar mais como nós ((riu)) porque eu
sei porque eu sei que ... ahn::... eles estão a viver aqui eles ( ) deixaram de ter aula é?
... então ... espero que ele vai estudar mais ... e:::... ((interrupção externa)) e::... também não
( ) não esqueçam (linhas 39 a 44).
Pausas preenchidas em início de turno:
a) ahn::... sim ahn::... o meu motivo (linha 8).
b) ahn::... os meus formadores o (linha 21).
c) ahn::... aprendi aprendi muitas coisas (linha 24).
d) eh::... como eles como eles são estudantes como nós (linha 38).
Pausas não preenchidas localizadas em lugares não previsíveis, indicando
hesitação:
a) e no fim ... tenho ahn::... (linhas 11 e 12).
b) tenho ... como é? ... tenho confusão com a mi/ a minha ... o meu horário de aulas ... então
às vezes eu fu/fui à aula mas só ... só um bocadinhos ... pelo menos ... trinta minutos e ...
por isso é muito infeliz pra mim (linhas 15 a 19).
171
c) primeiro sobre música ... músicas e::... aprendi mais e ... o cultura ... sobre cultura ...
cultura (linhas 25 e 26).
d) porque ... (como é?) porque ... quando este curso ( ) o tempo é muito limitado então acho
que falta algumas ... que ainda não aprendemos ... por isso ... espero que ... quando ...
quando:::... esse curso vai acontecer outra vez espero que ... os (organizadores) (linhas 30 a
34).
e) mensagem para ... os brasileiros? (linha 36).
Pausas cuja brevidade e localização indicam possibilidade de não hesitação:
a) sobre a cultura brasileira ... pra mim ah:: ah:: a ngua portuguesa é importante (linhas 8 e
9).
b) o meu horário de aulas ... então às vezes (linhas 16 e 17).
c) espero que sim ... espero que sim (linha 28).
d) ainda não aprendemos ... por isso ... espero que (linhas 31 e 32).
e) como eles são estudantes como nós ... a minha mensagem é ... quando (linhas 38 e 39).
f) eles ( ) deixaram de ter aula é? ... então ... espero que ele vai estudar mais ( linhas 41
e 42).
g) o esqueçam ... e também (linha 44).
172
Repetições hesitativas, algumas vezes acumuladas com correções ou com
pausas, preenchidas ou não:
a) e no fim ... tenho ahn::... no fim penso que é muito bom penso ( ) foi muito bom (linhas
11 e 12).
b) sim gostei muito mas gostei muitos mas ahn:::... tenho ... como é? tenho confusão com a
mi/ a minha ... o meu horário de aulas ... então às vezes eu fu/ fui à aula mas ... um
bocadinhos só ... (linha15 a 18).
c) ahn::... aprendi aprendi muitas coisas (pois são) as quais o primeiro sobre música ...
músicas e::... aprendi mais e ... são cultura ... sobre cultura ... cultura (linhas 24 a 26).
d) espero que sim ... espero que sim (linha 28).
e) porque ... (como é?) porque ... quando este curso (linha 30).
f) espero que ... quando ... quando:::... esse curso vai acontecer outra vez (linhas 32 e 33).
g) eh::... como eles/ como eleso estudantes como nós ... a minha mensagem é ... quando
vol/ quando::... quando volta o volta aula tem que estudar mais como nós ((riu)) porque eu
sei/ porque eu sei que ... (linhas 38 a 41).
h) também não ( ) não esqueçam ((risos)) não esqueçam ... e também ( ) (linhas 43 e 44).
Neste caso específico, a hesitação do informante nesse último trecho da entrevista
pode ser resultado do toque de um celular, que terminou provocando a interrupção
da entrevista.
173
Heterorrepetições em frases formulaicas ou não, aparecem retomando as palavras
da documentadora para responder a uma pergunta ou para confirmar o
entendimento:
a) Doc. boa tarde
Inf. sim boa tarde
b) Doc. quantos anos você tem?
Inf. eu tenho 19 anos
c) Doc. e você gostou das aulas?
Inf. sim gostei muito
d) Doc. o que você aprendeu com eles?
Inf. ahn::... aprendi aprendi muitas coisas
e) Doc. por quê?
Inf. porque ... (como é?) porque ...
f) Doc. você quer deixar alguma mensagem?
Inf. mensagem para ... os brasileiros?
174
5.2 ANÁLISE DOS TEXTOS ESCRITOS
Devido à pequena extensão lexical e à pouca habilidade no uso da língua
portuguesa pelos leste-timorenses, proibidos de usá-la durante 24 anos, alguns
elementos de coesão, como a substituição e a elipse, são de presença praticamente
insignificante nas produções textuais escritas que formam o corpus deste trabalho.
Em vista disso, optou-se por analisar a coesão dos textos selecionados, observando
a presença ou ausência de junções e a ocorrência de referências endofóricas e
exofóricas. Também se observam os casos de incoerências locais.
Por fidelidade às produções dos leste-timorenses, foram incluídos os manuscritos
originais, ao mesmo tempo em que se apresenta a transcrição digitada para facilitar
sua leitura e análise.
A seleção dos 10 textos escritos considerou principalmente a clareza da letra
manuscrita. Também foram preteridos os textos que apresentam demasiadas
incoerências locais que dificultam a compreensão de seu conteúdo, exigindo grande
colaboração do leitor para entender o que o produtor quis dizer.
175
TEXTO ESCRITO 1
Díli, 26 de novembro de 2004
“Para os Queridos Brasileiros”
Durante o curso de brasileiros em Timor-Leste, particularmente Universidade
Língua Portuguesa, eu muito contente porque o curso é muito bem e também
aprender o sica, mas eu muito triste porque as professoras no brasileiros agora
já acabar o curso, mas eu quero você fica aqui.
Ner... Pri... Fran eu muito triste porque você agora foi o Brasil. Mas eu sempre
longe de visto perto do coração.
“Eu muito amo-te para você”.
XXX XXX
176
No que se refere à coesão gramatical, o texto 1 apresenta desvios
- no uso das junções preposicionais:
a) curso de [com os/ dos] brasileiros
b) particularmente Ø
18
[os da/ na] Universidade Ø [de/da] Língua Portuguesa
c) as professoras no brasileiros.
Preposição (contraída com o artigo) desnecessária.
d) você agora foi Ø [para] o Brasil
e) eu muito amo-te para você.
Uso desnecessário da preposição.
- na ausência de conjunção:
a) eu quero Ø [que] você fica aqui
A construção da última frase apresenta uma redundância no uso de “te’’ e “você”
(amo-te para você) e a mistura de pronomes da 2
a
. e 3
a
. pessoas gramaticais
(bastante comum no português em uso no Brasil), mas pode-se entender seu
significado de declaração de afeto ao destinatário. Além disso, uma inversão do
advérbio de intensidade que precede o verbo em eu muito amo-te, possível no
sistema, mas incomum na variedade brasileira da língua. A preferência pela ênclise
em amo-te remete ao padrão do português europeu, que é o mais difundido em
Timor-Leste.
18
O símbolo Ø será usado para indicar elipse de item lingüístico.
177
Quanto à referenciação, referências demonstrativas aparecem no sintagma os
queridos brasileiros, que aciona um referente exofórico, os universitários do Projeto
Canção popular e cultura brasileiras em Timor-Leste: hibridismo cultural e
comunitarismo lingüístico em execução e discussão, a quem a carta é dirigida. Essa
referência extratextual será retomada nas anáforas [o curso de] brasileiros e as
professoras no brasileiros. Também se faz referência demonstrativa e exofórica ao
curso em questão, ativado em o curso de brasileiros, recuperado 2 vezes por
anáforas.
Referenciação pessoal e exofórica é percebida quando o produtor é acionado em
seu texto pelo uso do pronome eu, repetido 5 vezes, e pelas formas verbais em
primeira pessoa quero e amo. Os destinatários são referidos pelo pronome você,
que aparece 3 vezes, e pelas formas verbais fica e foi.
Com referência à coesão lexical, verifica-se a repetição formal idêntica
- do item curso:
a) o curso de brasileiros
b) o curso é muito bem
c) agora acabar o curso
- do item brasileiros
a) queridos brasileiros
b) o curso de brasileiros
c) as professoras no brasileiros
178
No que concerne às incoerências locais, são provocadas por dificuldades
- no uso dos verbos:
a) eu Ø muito contente. Elipse do verbo de ligação.
b) e também (Ø) aprender o música.
Não flexão do verbo principal ou elipse do verbo auxiliar.
c) eu Ø muito triste.
Elipse do verbo de ligação.
d) agora já acabar o curso.
Não flexão do verbo principal.
e) eu quero você fica aqui.
Modo indicativo em lugar do subjuntivo fique.
e) você agora foi o Brasil.
Pretérito em lugar do presente vão ou do futuro irão.
- na seleção de vocábulos:
a) o curso é muito bem [bom]
b) longe de visto [longe da vista] perto do coração
Outros desvios são observados na concordância:
a) o música (gênero).
b) eu quero você fica aqui (mero: vocês fiquem aqui).
c) Ner... Pri... Fran [...] você agora foi o Brasil (número).
179
Para se fazer coerente, o texto 1 exige a aceitabilidade do leitor, que deve lançar
mão de seus conhecimentos da língua e das condições de produção para resolver
os desvios apontados pela análise. No entanto, não é difícil reconhecer que a
intenção do autor do texto era manifestar seu apreço pelo curso e seus professores,
e sua tristeza devido ao encerramento das atividades.
180
TEXTO ESCRITO 2
Gosto muito quando nós começar curso língua portuguesa com vocês e preciso
continuar nosso curso para tempo futuro porque nós leste timorense precisa muito
aprender língua portuguesa porque língua portuguesa é a nossa língua e eu muito
agradecer para o vosso tempo.
O texto 2 apresenta desvios referentes à coesão gramatical
- no uso da junção preposicional:
a) agradecer para o [pelo] vosso tempo
b) curso Ø [de] ngua portuguesa
181
No item referenciação, a primeira referência pessoal é exofórica e está presente no
pronome elíptico eu (que acompanha a forma verbal gosto), reativado pela forma
verbal preciso, de primeira pessoa, e por uma repetição pronominal idêntica. A
referência pessoal ativada pelo pronome nós é exofórica e se refere aos leste-
timorenses participantes do Projeto, entre os quais o produtor do texto se inclui.
Quando o autor repete o nós e acrescenta o aposto leste timorense, o referente se
amplia, passando de um grupo restrito para um conjunto que abarca todos os
indivíduos dessa nacionalidade. Essa referência se mantém ativada pelas anáforas
presentes na repetição formal do pronome nós e pelo uso dos possessivos nosso e
nossa. Vocês se refere exoforicamente aos monitores brasileiros, destinatários da
carta, e é retomado no possessivo vosso.
Referência demonstrativa e exofórica está presente nos sintagmas o curso [de
língua portuguesa] e [aprender] Ø língua portuguesa. Esse último referente será
recuperado por anáfora em porque Ø língua portuguesa e a nossa língua.
Há repetições idênticas que contribuem para a coesão lexical no texto, como
- a do item curso:
a) começar curso língua portuguesa
b) nosso curso
- a do vocábulo língua (4 vezes) e do sintagma nominalngua portuguesa (3 vezes):
a) curso língua portuguesa
b) aprender língua portuguesa
c) porque língua portuguesa
182
d) é a nossa língua
Quanto às incoerências locais, são principalmente sintático-semânticas,
provocadas por dificuldades já apontadas no uso de preposições, em
a) gosto muito quando nós começar curso
Uso do presente do verbo gostar em vez de pretérito, já que se trata de ação
passada.
b) preciso continuar nosso curso para tempo futuro.
Pode-se deduzir que continuar o curso é importante para o produtor do texto porque
ele precisa aprender português para usar essa língua no futuro.
Há, também, desvios que confirmam a dificuldade no uso da língua, embora não
provoquem incoerência sintática ou semântica, como
- no uso dos verbos:
a) quando nós começar .
Não flexão do verbo.
b) eu muito agradecer
Não flexão do verbo principal ou elipse de verbo auxiliar.
- na concordância:
a) nós leste timorense precisa (mero).
b) começar curso língua portuguesa com vocês [...] agradecer para o vosso tempo (pessoa).
183
- na ausência de artigos:
a) começar Ø curso
b) porque Ø língua portuguesa
TEXTO ESCRITO 3
28 de novembro 2004
Eu estou muito saudade. Porque vocês são amigos meus eu agradeço vocês
porque vocês ensinam Língua Portuguesa com música, eu gosto muito música
Brasileira “Zezé Dicamargo e Luciano” eu adoro muito a música deles.
Boa viagem meus amigos brasileiros adeus. Deus acompanha até terra natal.
Último amo vocês.
XXX XXX
184
Desvios na coesão gramatical observados no texto 3 se referem à
- ausência de junção preposicional:
a) eu estou Ø [com] muito saudade
b) eu agradeço Ø [a] vocês
c) eu gosto muito Ø [de/ da] música Brasileira
d) música Brasileira Ø [de] Zezé Dicamargo e Luciano”
e) Ø [por] último amo vocês
No item “b”, apesar de a gramática normativa estabelecer que o verbo agradecer é
bitransitivo e, nesse caso, vocês funcionaria como objeto indireto, exigindo o uso da
preposição, Neves (2003: 49) observa que, no Brasil, é usual não iniciar com
preposição o complemento referente a pessoa.
No item referenciação, o pronome eu faz referência exofórica e pessoal ao autor do
texto, que se mantém ativado pelo pronome possessivo meus (2 ocorrências), pela
repetição de eu (4 vezes) e pela elipse desse mesmo pronome antes da flexão
verbal em primeira pessoa amo. Os destinatários da carta são acionados pelo
pronome vocês, repetido 4 vezes e, também, pela elipse do possessivo sua antes de
terra natal. O pronome eles (contraído com a preposição de) retoma o referente
intratextual “Zezé Dicamargo e Luciano”.
Referência exofórica e demonstrativa está presente no sintagma [da] música
Brasileira, se considerarmos a elipse do artigo. Essa referência é reativada
endoforicamente em a música deles.
185
No que concerne à coesão lexical, observa-se
- a repetição de música:
a) Língua Portuguesa com música
b) eu gosto muito música Brasileira
O referenciador música Brasileira está incluído no referente música.
c) a música deles
O primeiro referente música inclui o referenciador música deles, que também se
refere a música Brasileira.
- a repetição inclusiva do sintagma amigos meus, que é repetido de forma invertida:
a) vocês o amigos meus
b) meus amigos brasileiros
Incoerências locais são ocasionadas por desvios na coesão gramatical já citados:
- ausência de artigo ou possessivo:
a) Deus acompanha até Ø terra natal
- ausência do complemento pedido pelo verbo:
a) Deus acompanha Ø
- flexão verbal inadequada do verbo:
a) Deus acompanha (indicativo em lugar de subjuntivo acompanhe).
186
TEXTO ESCRITO 4
Terça-feira, 30 de novembro – 2004.
Dos alunos Sagrado Coração de Jesus Becora.
Muito obrigado e agradecimento pela vocês fue ajudar-nos, durante ou quase um
mês em escola Sagrado Coração de Jesus.
Nós queremos dizem: obrigado e agradecer para vocês e boa viagem para
vocês mas nós queremos vocês não podem esquecer-nós. Nós o esquecemos
vocês. Mas a deus sempre ajudar e acompanhar vocês até Brasil.
Longe da vista perto
do meu
coração.
187
Boa viagem para:
- irmão Lucas,
- irmã Mariana e Daniela.
De aluna:
XXX XXX
Música que mais
eu gosto são:
- Era uma vez e
- Não aprendi dizer a Deus.
A coesão gramatical do texto 4 apresenta dificuldades no uso das junções
preposicionais, como se observa a seguir:
a) alunos Ø Sagrado Coração de Jesus
b) agradecimento pela [a] vocês
Uso da preposição inadequada.
c) agradecimento pela [a] vocês fue [por] ajudar-nos
d) Sagrado Coração de Jesus Ø Becora
19
e) agradecer para [a] vocês
19
Bairro de Díli, capital de Timor-Leste, onde se localiza o Colégio do Sagrado Coração de
Jesus.
188
f) mas a deus sempre ajudar.
Pode-se considerar desnecessário o uso da preposição, ou pode-se pensar que a
intenção do usuário era formular um pedido a Deus, justificando-se, nesse caso, o
uso da preposição.
g) música Ø que mais eu gosto
No caso do item g”, embora a gramática normativa estabeleça o uso da preposição
de para introduzir o complemento do verbo gostar, é bastante freqüente, no
português brasileiro, construções com orações adjetivas em que a preposição não
aparece, como observa e exemplifica Neves (2003: 384): “o lugar que GOSTO fica
longe e estou sem carro” (grifos da autora).
Em se tratando de referenciação, referências pessoais são feitas pelo uso do
pronome vocês, referência exofórica aos monitores brasileiros e pelo uso dos
pronomes nós, nos, eu e meu, que se referem aos participantes leste-timorenses.
As referências demonstrativas aparecem no artigo os, do sintagma os alunos, que
faz referência exofórica aos alunos que participaram do Projeto, incluindo a autora
da carta, explicitada no sintagma de [da] aluna. O artigo elíptico em Ø Sagrado
Coração de Jesus se refere exoforicamente à escola onde estudam esses alunos,
recuperada no sintagma em [na] escola Sagrado Coração de Jesus.
189
Pode-se, ainda, falar em referência comparativa na construção música que mais eu
gosto, que essa afirmação implica uma comparação de superioridade em relação
a outras músicas não mencionadas pela autora do texto.
A coesão lexical se faz por meio de repetições
- do sintagma Sagrado Coração de Jesus:
a) alunos Sagrado Coração de Jesus
b) escola Sagrado Coração de Jesus
- do pronome vocês, que mantém ativado o destinatário do texto:
a) agradecimento pela vocês
b) agradecer para vocês
c) boa viagem para vocês
d) vocês não podem esquecer-nós
e) nós não esquecemos vocês
f) acompanhar vocês
- do sintagma boa viagem
a) boa viagem para vocês
b) boa viagem para: irmão Lucas, irMariana e Daniela
- do item obrigado:
a) muito obrigado e agradecimento
b) queremos dizem: obrigado e agradecer para vocês
- da forma verbal queremos
190
a) queremos dizem
b) nós queremos vocês o podem esquecer-nós
Também contribui para a coesão lexical a substituição de agradecimento (muito
obrigado e agradecimento pela vocês) por agradecer (queremos dizem: obrigado e
agradecer para vocês), podendo-se considerar essa segunda construção como uma
paráfrase da primeira.
As incoerências locais são determinadas por dificuldades que aparecem
principalmente nas construções sintáticas e na escolha semântica de alguns itens
lexicais:
a) muito obrigado e agradecimento pela vocês fue ajudar-nos
Construção sugerida: muito obrigado [e agradecimento] a vocês por ajudar-nos.
b) nós queremos dizem: obrigado.
Flexão inadequada do verbo principal.
c) mas nós queremos vocês não podem esquecer-nós
Construções sugeridas: mas nós queremos que vocês não nos esqueçam/ mas s
queremos dizer que vocês não podem nos esquecer.
c) mas a deus sempre ajudar e acompanhar vocês
Construção sugerida: mas peço a Deus para sempre ajudar e acompanhar vocês
191
Há, ainda, um desvio na concordância de número em música(s) que mais eu gosto
são, e observa-se o uso inadequado do pronome sujeito na forma verbal esquecer-
nós e a grafia incorreta de adeus na citação da música Não aprendi dizer adeus (o
titulo original da sica não traz a preposição a pedida pelo verbo aprender quando
seguido de infinitivo).
TEXTO ESCRITO 5
192
Dili – Terça-feira, 30 de novembro de 2004
Para: Lucas, Marriana e Danny.
Não tenho muitas coisas para dizer fico muito contente, agradecer a vossa
presença no meu lado.
Adorei muito o que é que vocês me ensinaram. Aprendi muitas coisas; as
músicas, cultura e também acho que, agora, já sei falar português um pouco.
Só queria dizer que eu amo de vocês. Não vou esquecer o que vocês fizeram
pra mim. Vocês o os amigos que nunca me encontrei na minha vida. Vou rezar
por Deus pra abençoar a vossa viagem e vosso estudos até um dia onde se deus
quiser vamos encontrar em nome da felicidade.
A felicidade foi embora, mas vocês estão sempre no meu coração até a
minha vida vai acabar.
Com carinho e beijinho
pra todos os vocês
Do vosso grande amigo
que ama vocês
XXX XXX
Quanto à coesão gramatical, o texto 5 apresenta dificuldades no uso das junções
preposicionais nos seguintes fragmentos:
a) Só queria dizer que eu amo de vocês.
Preposição desnecessária.
193
b) Vou rezar por [para] Deus pra abençoar a vossa viagem.
Verifica-se, ainda, ausência de conjunção no fragmento não tenho muitas coisas
para dizer
fico muito contente.
Referenciação exofórica pessoal a quem escreve se faz no texto por meio do uso
de pronomes (meu, me, mim, eu, minha) e dos verbos em primeira pessoa (tenho,
fico, adorei, aprendi, sei, queria, amo, vou, encontrei). Referenciação exofórica
pessoal aos destinatários está presente nos pronomes de segunda pessoal (vossa,
vocês, vosso) e nas formas verbais correspondentes (ensinaram, fizeram, estão). O
texto também faz referência pessoal ao escritor e aos destinatários com o uso da
forma verbal vamos.
Referências demonstrativas são feitas com o uso do artigo a/as (a vossa presença,
as sicas, na minha vida, a vossa viagem, a felicidade, a minha vida), e do artigo
o/ os (o que é que vocês me ensinaram, o que vocês fizeram, os amigos, no meu
coração, do vosso grande amigo).
É possível considerar como uma referência comparativa o fragmento agora, sei
falar português um pouco, que a expressão agora, sei [...] um pouco remete a
uma comparação implícita de superioridade com o antes.
A coesão lexical se apresenta com as repetições
194
- dos pronomes vocês, mantendo ativada a presença do destinatário no texto:
a) que vocês me ensinaram
b) eu amo vocês
c) o que vocês fizeram pra mim
d) vocês o os amigos
e) mas vocês estão sempre no meu coração
g) pra todos os vocês
h) grande amigo que ama vocês
- dos pronomes vosso, vossa:
a) a vossa presença
b) a vossa viagem e vosso estudos
c) do vosso grande amigo
- de formas flexionadas do verbo amar:
a) queria dizer que eu amo de vocês
b) do vosso grande amigo que ama vocês
Incoerências locaiso ocasionadas sobretudo por dificuldades na elaboração das
construções sintáticas:
a) fico muito contente,
agradecer a vossa presença no meu lado.
Ausência de verbo modal quero/ queria).
b) até a minha vida vai acabar.
Uso desnecessário do verbo ir.
c) pra todos os vocês
Uso desnecessário do artigo.
195
Também denotam dificuldades no uso da língua:
a) vosso estudos
Não concordância de número.
b) vocês o os amigos que nunca me encontrei na minha vida
Uso desnecessário do pronome reflexivo me.
c) se deus quiser vamos
encontrar
Ausência do pronome de objeto direto determinado pela regência verbal.
TEXTO ESCRITO 6
196
Quarta-feira.
Data: 1/11/2004.
Muito obrigado por tudo amor que vocês faz por mim sobre música e ensino
língua portuguesa muito agradeço.
As meus amigos eu quero dizer quando no brasil não pode esqueci nosso no
Timor porque nós muito amo para vocês.
Com muito saudades
XXX XXX
Longe
da vista perto
do coração
Vila-Verde
Quanto à coesão gramatical, o texto 6 denota dificuldade no uso de junções
preposicionais:
a) que vocês faz por mim sobre música e ensino.
O uso da preposição sobre parece inadequado para o que se quer dizer.
b) ensino
língua portuguesa.
Elipse da preposição de.
c) ensino língua portuguesa muito agradeço.
Elipse da preposição por pedida pelo verbo agradecer.
197
d) muito amo para vocês.
Preposição desnecessária.
Referenciação pessoal e exofórica ao destinatário se faz com o pronome vocês e
pelas formas verbais faz e pode. Os pronomes eu e mim e os verbos em primeira
pessoal (agradeço, quero, amo) se referem a quem escreve, que também se
autorrefere no texto junto a seus conterrâneos timorenses pelo uso do pronome nós.
Referências demonstrativas se fazem pelo uso do artigo plural em as meus amigos,
cujo uso inadequado talvez se explique pela contração com a preposição a, e pelo
uso do artigo masculino singular contraído em no Brasil, que se refere ao lugar de
origem dos destinatário, e no Timor, que faz referência ao lugar em que se a
comunicação.
A coesão lexical se faz por eleição de palavras ou expressões que se relacionam,
como muito obrigado/ muito agradeço e por referências ao contexto da
comunicação, como o ensino de língua portuguesa e a volta dos destinatários ao
Brasil.
Incoerências locais parecem determinadas por dificuldades na construção de
estruturas sintáticas e na escolha de flexões verbais, como em:
a) Muito obrigado por tudo amor que vocês faz por mim sobre música e ensino língua
portuguesa muito agradeço.
198
Construção sugerida: muito obrigado por todo amor e por tudo que vocês fazem por
mim. Agradeço muito pela música e pelo ensino de língua portuguesa.
b) As meus amigos eu quero dizer quando no brasil o pode esquecer nosso no Timor
porque nós muito amo para vocês.
Construção sugerida: aos meus amigos eu quero dizer que quando [estiverem] no
Brasil não podem [se] esquecer [de] nós no Timor porque nós muito amamos vocês.
Desvios na concordância de número aparecem em flees verbais como
a) vocês faz por mim
b) [vocês] não pode esqueci
c) nós muito amo
199
TEXTO ESCRITO 7
Gosto muito desse curso porque posso falar português com vocês mesmo que
muitas veses não falo bem. E não tenho medo de falar.
Aprendi muito como vocês e sinto me falta quando vocês voltam para Brasil!!!
200
No que se refere à coesão gramatical, o texto 7 tem, no segundo parágrafo, a
conjunção como em lugar da preposição com.
Referenciação exofórica e pessoal é feita ao produtor do texto pelo uso de verbos
em primeira pessoa (gosto, posso, falo, tenho, aprendi, sinto), e aos destinatários,
referidos por meio do pronome vocês e da flexão verbal voltam.
Referência demonstrativo está presente no uso da contração do demonstrativo no
sintagma desse curso.
A coesão lexical do texto é favorecida pelo uso do infinitivo falar retomando a forma
verbal falo e pelas referências ao contexto, que são parte do conhecimento
compartido pelos interlocutores, como a menção ao curso, ao uso da língua
portuguesa e à volta dos destinatários ao Brasil.
Detecta-se incoerência local no último parágrafo, na construção sinto me falta
quando vocês voltam para Brasil. A utilização do presente verbal (sinto, voltam) em
lugar do futuro (sentirei, voltarem) contribui para a incoerência provocada pelo uso
inadequado do pronome na oração sinto me falta.
201
TEXTO ESCRITO 8
202
Díli 30 de novembro de 2004
Caras colegas
Olá! Sou Isabel, sou uma aluna da Nerissa, do Chico e da Priscila.
Queria comunicar para todo mundo que estão nas 3 universitários no brasil um
grande abraços. Não tenho nada lhe oferecer uma simples palavras de
agradecimento.
Tenho (horando) que encontravamo-nos no próximo ano. Achava este curso é
muito importante para nós e para as crianças desta nação e para serem usados bem
a língua português!
As crianças são o futuro desta jovem nação. E também para serão um bom
professor ou professora tem de dominar este língua oficial.
A língua português é muito importante para a criação desta nação.
XXX XXX
Da Faculdade da Língua Portuguesa.
No que diz respeito à coesão gramatical, o texto 8 apresenta desvios ocasionados
pela ausência da junção preposicional nas construções:
a) o tenho nada [a/para] lhe oferecer
b) tenho horando [para] que encontravamo-nos
Referenciação exofórica pessoal se faz à autora pelo uso de verbos em primeira
pessoa (sou, queria, tenho, achava, encontravamo-nos) e pelo uso dos pronomes da
primeira pessoa do plural: nos, que se refere à autora e aos destinatários; e nós, que
203
faz referência ao conjunto de timorenses, no qual a autora do texto se inclui. Os
destinatários (aparentemente todo mundo que participa do Projeto Universidades em
Timor-Leste) são referidos pelo pronome lhe.
Referência demonstrativa aparece no uso dos artigos em da Nerissa, do Chico e da
Priscila; no brasil; no próximo ano; a língua português; o futuro; a criação; e no uso
de pronomes demonstrativos em este curso; desta nação (2 vezes); desta jovem
nação; este língua oficial.
A coesão lexical é feita pela repetição de língua português (2 vezes), substituída
uma vez por língua oficial; pela repetição de muito importante (2 vezes) e pela
retomada de desta nação nas construções futuro desta jovem nação e criação desta
nação.
Incoerências locais podem ser observadas:
- na ausência de preposição, anteriormente observada na coesão gramatical
- na escolha inadequada de sintagmas:
a) queria comunicar [...] um grande abraços
b) todo mundo que estão nas 3 universitários no brasil
- na escolha do verbo ou de tempos verbais:
a) tenho horando [venho orando para/ tenho orado para] que encontravamo-nos [nos
encontremos] no próximo ano
b) achava [acho] este curso é muito importante para nós.
204
c) para serem usados [usar] bem a língua português
d) E também para serão [ser] um bom professor ou professora tem de dominar este língua
oficial
Podem-se observar desvios na concordância de número em:
a) todo mundo que estão
Nesse caso, pode-se considerar silepse .
b) um grande abraços
c) uma simples palavras
205
TEXTO ESCRITO 9
Díli, 25 de novembro de 2004
Então, tudo passa, tudo morre, mas o amor há de ficar.
Eu gosto muito de seguir aula de Língua Portuguesa atravéz da música como agora.
Tudo com a ajuda dos Professores Brasileiros. Com maneira de aprender a falar,
cantar, dançar e trocar impressões, penso que é muito importante para nós porque o
nosso futuro está na nossa mão. Expecialmente o futuro de cada estudante neste
país, Timor-Leste. Neste momento estamos mais com uma mudança ou quero dizer
que mais avançado de pouco a pouco do antes. E queremos apreender mais para
206
desenvolver este país. Quando a Priscila, Nerissa e Francisco voltarão para o Brasil
darão as minhas cumprimentos, beijos e abraços para as suas família.
Encontramos um dia se Deus quiser.
Obrigado pelos tempos que me deram.
Até... sempre!
De Aluna do departamento de
língua Portuguesa, Faculdade de
Ciências da educação. Vº semestre.
Amor e oração:
XXX XXX XXX
Na análise da coesão gramatical, o texto 9 apresenta uma colocação inadequada
da preposição com, relacionada ao verbo estar mas separada dele pelo adjetivo
mais, que se refere a mudança, em estamos mais com uma mudança.
Quanto à estratégia de referenciação, referência pessoal e exofórica é feita à
autora do texto por meio de pronomes de primeira pessoa (eu, nós, nosso, nossa,
minhas, me) e por formais verbais correspondentes (gosto, penso, estamos,
queremos encontramos). Algumas vezes a autora utiliza a primeira pessoa do plural
para falar dos timorenses em geral e dos estudantes timorenses em particular:
a) penso que é muito importante para nós [timorenses] porque o nosso futuro está na nossa
mão. Especialmente o futuro de cada estudante neste país.
b) Neste momento estamos [nós, os timorenses] mais com uma mudança.
207
c) E queremos [nós, os estudantes timorenses] apreender mais para desenvolver este país.
Em outro fragmento, a autora usa a primeira pessoa do plural para referir-se
exoforicamente a si mesma e aos monitores brasileiros do Projeto:
a) [nos] encontramos um dia se Deus quiser.
Por meio do pronome suas e da forma verbal deram é feita referência pessoal e
exofórica aos monitores Priscila, Nerissa e Francisco, nomeados no texto.
Referência demonstrativas são feitas com o artigo definido: o amor; [a] aula de
Língua Portuguesa; da música; a ajuda; o nosso futuro; na nossa mão; o futuro de
cada estudante; a Pricila, Nerissa e Francisco; o Brasil; as minhas cumprimentos; as
suas famílias; pelos tempos que me deram; do departamento., ainda, a presença
dos demonstrativos em neste país, Timor-Leste e este país.
A coesão gramatical se faz
- pela repetição de futuro (2 vezes) e país (2 vezes)
- pela substituição de Professores Brasileiros por Priscila, Nerissa e Francisco
- pela utilização de frames referentes a ensino/ aprendizagem (aula, professores,
aprender, estudantes) e a música (música, cantar, dançar).
208
Quanto às incoerências locais, observem-se:
a) ou quero dizer que mais avançado de pouco a pouco do antes.
A construção sintática e a escolha inadequada de itens lexicais e gramaticais no
fragmento requer um esforço do destinatário para compreender o que o emissor quis
dizer, podendo-se inferir que há, no trecho, uma comparação entre antes e agora, e
que, ainda que pouco a pouco, houve avanços entre o passado e o presente.
b) com maneira de aprender a falar, cantar, dançar e trocar impressões, penso que é muito
importante para nós porque o nosso futuro está na nossa mão.
É possível sugerir que a autora quis dizer que gosta da aula de Língua Portuguesa
atravéz da música por sua maneira de [que permite] aprender a falar, cantar, dançar
e trocar impressões. A frase seguinte poderia desmembrar-se em outro período:
Penso que [a aula de língua Portuguesa/ aprender a falar, cantar, dançar e trocar
impressões] é muito importante para nós porque o nosso futuro está na nossa mão.
c) quando a Priscila, Nerissa e Francisco voltarão para o Brasil.
Uso inadequado do futuro do indicativo em lugar do futuro do subjuntivo voltarem.
d) encontramos um dia se Deus quiser.
Elipse do pronome reflexivo como objeto direto.
O texto apresenta desvios na concordância de gênero em minhas cumprimentos e
obrigado, embora essa última forma de agradecimento no masculino seja muito
usada no Brasil, ainda que inadequadamente, por pessoas do gênero feminino. No
caso de Timor-Leste, pode também ocorrer por interferência das outras línguas
locais que não possuem a flexão de gênero.
209
TEXTO ESCRITO 10
28/11/04
“Ola Anaria
Eu estou sempre muito contente porque aprender muito a língua portuguesa,
cantar e dançar com as minhas colegas brasileiros, special Anaria, Marchio,
Fernando, eu senti contente porque aumenta mais colega. Agora XXX falo um
pouco a língua portuguesa, obrigadinha.
XXX
A coesão gramatical do texto 10 traz a elipse da preposição em para formar a
locução adverbial em especial.
210
Referenciação exofórica pessoal remete à autora do texto no uso dos pronomes de
primeira pessoa (eu, minhas) e das flexões verbais correspondentes (senti, falo) e se
faz referência demonstrativa aos monitores do Projeto Universidades em Timor-
Leste pelo uso do artigo no sintagma as minhas colegas brasileiros. O advérbio
agora remete a uma referência comparativa em relação ao antes.
Quanto à coesão lexical do texto, verifica-se a repetição do sintagma ngua
portuguesa e do adjetivo contente, além do uso de sintagmas que remetem a temas
que fazem parte do conhecimento compartido pelos interlocutores, como a
aprendizagem da língua e a motivação usada para isso, que incluía cantar e dançar.
Verificam-se incoerências locais nas construções sintáticas a seguir:
- eeu estou sempre muito contente porque aprender muito a língua portuguesa.
Uso do infinitivo em lugar da perífrase verbal estar + gerúndio ou elipse de um verbo
modal antes do infinitivo.
- cantar e dançar com as minhas colegas brasileiros.
Nesse caso, o infinitivo poderia ser substituído pelo gerúndio. Construção sugerida:
eu estou sempre muito contente porque estou aprendendo muito a língua
portuguesa, cantando e dançando com as minhas colegas brasileiros.
- eu senti contente porque aumenta mais colega.
Desse fragmento do texto pode-se deduzir, pelo uso da conjunção de causalidade,
que o contentamento da autora se deve à oportunidade que teve de fazer novos
amigos/ colegas.
211
Outros desvios são observados em:
- as minhas colegas brasileiros.
Discordância de gênero possivelmente provocada pelo substantivo colegas que,
terminado em vocal a pode ter sido considerado do gênero feminino pela usuária.
- agora XXX já falo um pouco a língua portuguesa.
É possível considerar silepse a concordância do sujeito em pessoa, XXX (nome
do autor), com o verbo em 1ª, falo.
212
CONSIDERAÇÕES FINAIS
213
Se qualquer língua pode ser adquirida, sua
aquisição exige grande parte da vida de uma
pessoa: cada nova conquista luta contra dias
cada vez mais curtos. (Benedict Anderson)
Após a participação no Projeto Universidades em Timor-Leste, que despertou o
interesse da autora pela expressão em português dos leste-timorenses no período
pós-Independência, e como fruto da curiosidade despertada pela observação do
material oral e escrito em língua portuguesa, produzido por moradores de Díli e
recolhido durante estadia de 4 meses naquela cidade, este trabalho procurou
observar e descrever fenômenos lingüísticos presentes em produções orais e
escritas de jovens, com o objetivo de fazer um retrato, ainda que incompleto, das
marcas que identificam o português em uso em Timor-Leste Independente.
Habitada mais de 35.000 anos, a partir do culo XVI, a parte leste da Ilha de
Timor foi colonizada pelos portugueses, responsáveis por ali implantar seu idioma,
que a Constituição de 2002 decreta como língua oficial da República Democrática de
Timor Leste, ao lado do tétum, língua franca usada em praticamente todo o território.
Se o uso do tétum permite a intercompreensão entre os falantes das diversas
línguas usadas em Timor, o português possibilita sua integração ao espaço
imaginado da lusofonia, dando-lhes uma identidade capaz de diferenciá-los de seus
vizinhos. Nesse quadro, pretendeu-se, aqui, analisar as marcas impressas no uso
oral e escrito que os timorenses fazem dessa língua nesse momento de sua história,
como forma de sugerir caminhos para um conhecimento cada vez mais aprofundado
da variedade de língua portuguesa observada em Timor-Leste.
214
Para a análise do corpus, partiu-se da visão de Bakhtin (2002), que considera a
linguagem como a língua acontecendo nas enunciações, isto é, nos discursos de
que os usuários se servem para interagir na sociedade, em um contexto de
comunicação marcado pela história e pela ideologia dos interlocutores. Levou-se,
ainda, em consideração o postulado de Marcuschi (2001), que fala e escrita o
como pólos dicotômicos do uso da língua, mas como modalidades que se dão
dentro de um continuum de produções verbais. É a prática social que determina a
escolha da modalidade de língua adequada a cada situação comunicativa.
Como vimos, uma das característica do texto oral é que a situação comunicativa em
que ele é produzido propicia a troca de turno entre os falantes, co-produtores de um
texto planejado e negociado a cada elocução, envolvendo cooperação e
argumentação dos participantes envolvidos. Esse processamento em tempo real
deixa marcas no texto, algumas delas destacadas neste trabalho, na busca de
aspectos que identifiquem o uso da língua portuguesa pelos timorenses após sua
recente Independência.
Com base na análise dos textos orais que compõem o corpus selecionado, foram
observados elementos de construção do texto falado, tais como hesitações e
repetições, verificando-se de que forma aparecem e qual sua função na interação.
Ressalte-se que, devido ao fato de este trabalho propor-se a analisar o uso do
português pelos leste-timorenses, destacam-se apenas fenômenos lingüísticos
presentes nos turnos dos informantes entrevistados pela documentadora
215
Na observação das hesitações presentes nas elocuções orais dos entrevistados,
encontraram-se 190 pausas preenchidas por alongamentos vocálicos e/ ou
expressões hesitativas, sendo 45 delas em início de turno, 194 pausas não
preenchidas e 76 repetições hesitativas. Essas hesitações, em início de turno ou
não, parecem cumprir principalmente a função de dar tempo ao falante na busca de
um item lexical ou de uma construção sintática adequada, como no trecho seguinte:
ahn::... eu aprendi português ... quando::... éh::... éh::... em mil
novecentos noventa e nove quando::... Timor-Leste ... ehn...
(apanhou) né? ... ehn::... ahn:::... referê.../ referendum .,, e::... ah::...
apren.../ aprendi português com mi pai ... porque meu pai ahn::... ( )
ahn... trabalhei em Hotel Turismo ... então ... ele fala português.
(Texto Falado 1, linhas 4 a 8).
Nesse turno da informante do texto 1, observam-se:
pausa preenchida em início de turno;
pausa não preenchida antes da construção sintática quando em mil
novecentos noventa e nove;
pausa preenchida marcando a abertura de parêntese para acrescentar
informação (em mil novecentos noventa e nove);
pausa preenchida antecipando a dificuldade na construção sintática Timor-
Leste apanhou referendum;
pausa preenchida antes de seleção lexical, com a emissão de um sintagma
que não se consegue entender, seguido de um pedido de confirmação na
expressão interrogativa né?;
duas repetições hesitativas feitas com fragmento lexical;
216
pausa preenchida frente à busca da flexão verbal de trabalhar (que termina
com uma escolha inadequada de primeira em lugar da terceira pessoa do
singular).
Verificou-se que algumas repetições hesitativas se fazem com sintagmas inteiros, e
não somente com fragmentos de itens lexicais ou funcionais e com monossílabos,
como no seguinte exemplo, em que o falante vai formulando seu discurso por meio
de repetições de sintagmas inteiros e pausas, preenchidas ou não, até chegar à
construção sintática desejada:
eu ainda ... eu ainda continua ah... continua ah ah curso ... eu ainda
continua curso em Timor-Leste (Texto Falado 2, linhas 62 e 63).
Pode-se observar, ainda, que as hesitações encontradas na fala dos leste-
timorenses têm principalmente uma função cognitiva no processamento on line do
discurso, e que são motivadas não pela busca em tempo real da expressão
adequada, mas também pela dificuldade de encontrá-la na ngua que está em uso.
Ainda que poucos, os exemplos selecionados ilustram a presença de hesitações
como estratégia de construção da fala dos informantes timorenses cujos textos orais
foram analisados neste trabalho. Muitos outros exemplos desse tipo de ocorrência
são encontrados no corpus, mas não foram incluídos neste espaço para evitar
redundância, que todos parecem apontar para a mesma conclusão, ou seja, além
de dar tempo ao falante na elaboração de seu turno, confirmando os problemas que
advêm do planejamento do texto em tempo real, a alta freqüência de fenômenos
desse tipo denota também uma dificuldade na construção do discurso em língua
portuguesa.
217
A ocorrência de heterorrepetições, por sua vez, destaca-se pela presença em turnos
que retomam a pergunta da documentadora para respondê-la. De modo geral,
observou-se uma quantidade razoável de respostas monossilábicas, que, às vezes
,fazem com que a documentadora reformule sua pergunta, de maneira a obter
maiores informações de seu interlocutor:
Doc. (...) você estuda?
Inf. sim
Doc. que curso você faz?
Inf. agora ... eh::... agora eh::... ahn::... eu sou estudante ...
ahn.. ah::... da
Faculdade de Ciências da Educão ahn... o
departamento inglês
Doc. inglês
Inf. sim
Doc. língua inglesa
Inf. sim
Doc. você trabalha?
Inf. não
Doc. não ... ainda não?
Inf. sim ainda não
(Texto Falado 2, linhas 22 a 35)
A dificuldade para expressar-se em língua portuguesa poderia em parte explicar por
que os falantes leste-timorenses se limitaram a dar respostas monossilábicas,
evitando respostas completas e de elaboração mais complexa, contudo é necessário
considerar outros fatores que influíram na comunicação, tais como características da
cultura dos informantes, a presença do gravador, a diferença cultural, hierárquica e
etária entre os interlocutores etc.
Já a alta incidência de heterorrepetições em construções oracionais adjacentes e em
início de turnos que retomam a pergunta do interlocutor parece coincidir com o que
acontece com aprendizes de língua estrangeira, que o instruídos a dar respostas
completas para perguntas sobre dados pessoais, como nome, moradia, idade etc.
218
Outras heterorrepetições observadas, no entanto, parecem ter a função de
esclarecer o que foi dito, auxiliando na compreensão entre os interlocutores, o que é
bastante comum em interações orais.
Doc. você quer deixar alguma mensagem?
Inf. mensagem para ... os brasileiros?
(Texto Falado 10, linhas 35 e 36)
As autorrepetições de tipo não hesitativo observadas contribuem, sobretudo, para a
argumentatividade do texto, como se verifica nos fragmentos seguintes:
a) porque ... eu quero falar bom português ... ahn::... no futuro ...
porque éh:.. português é ngua oficial de Timor-Leste então tem que
aprender agora e para o futuro falar português
(Texto Falado 1, linhas 32 a 35).
b) éh::... falar português e também no futuro quando:: e:u ... trabalhar
( ) por exemplo Embaixada Brasil Portugal tem falar português
(Texto Falado 1, linhas 43 e 44)
c) depois do curso? éh.. depois do curso:... ahn::... quer::... praticar ...
português ... língua portuguesa ... para falar bem
(Texto Falado 1, linhas 46 e 47)
Os itens repetidos nesses três turnos do texto 1 (quero/ quer, tem/ tem que, falar,
português/ língua portuguesa, futuro) participam da construção do argumento da
informante, reafirmando sua crença na necessidade de aprender português para
falar bem essa língua no futuro.
Outra consideração a ser feita é sobre o fato de o informante não pedir
esclarecimentos sobre uma pergunta que ele parece o ter entendido,
provavelmente para não denunciar sua dificuldade na compreensão da língua. É o
que acontece no fragmento seguinte, em que se observa uma incoerência
219
provocada pela resposta causal, dada a uma questão que envolve modo. As pausas
hesitativas preenchidas confirmam a dificuldade do falante em formular a resposta
para uma pergunta que ele aparentemente não compreendeu:
Doc. e como você aprendeu português?
Inf. ah::... porque ahn... a ngua português é ngua oficial
ahn::
(Texto Falado 2, linhas 13 a 15)
Quanto aos textos escritos, o que se observou é que, devido à pequena extensão
lexical e à pouca habilidade no uso da língua portuguesa pelos leste-timorenses,
proibidos de falar português durante 24 anos, alguns elementos de coesão, como a
substituição por sinônimo, hiperônimo, palavra geral etc., são praticamente
inexistentes nas produções textuais escritas que formam o corpus deste trabalho.
Em vista disso, optou-se por analisar a coesão dos textos selecionados observando
o uso de junções e referências, além de verificar-se a incidência de incoerências
locais.
Na análise da coesão gramatical, observaram-se 31 dificuldades no uso de
junções, sobretudo preposicionais, ausentes, mal selecionadas ou desnecessárias, e
2 desvios provocados pela ausência da conjunção que, unindo uma oração principal
a outra objetiva direta. Essas dificuldades podem provocar incoerências locais,
também ocasionadas por ausência ou inadequação de outros itens, como mostra as
seguintes análises:
a) Deus acompanha
até
terra natal (Texto Escrito 3).
Ausência do objeto direto pedido pelo verbo acompanhar (Deus os
acompanhe ou Deus acompanhe vocês), uso do presente do
indicativo em lugar do presente do subjuntivo, ausência do artigo ou
do possessivo antes do sintagma terra natal.
220
b) Nós queremos dizem: obrigado e agradecer para vocês e boa
viagem para vocês mas nós queremos vocês o podem esquecer-
nós (Texto Escrito 4).
Flexão desnecessária e incorreta do verbo dizer; escolha inadequada
da preposição para em lugar de a, determinada pela rencia do
verbo agradecer; falta de um verbo principal (dizer, pedir) que
acompanhe o modal queremos na segunda vez em que ele aparece;
uso inadequado do pronome do caso reto nós em lugar do pronome
de objeto direto.
c) Muito obrigado por tudo amor que vocês faz por mim sobre música
e ensino língua portuguesa muito agradeço (Texto Escrito 6).
Uso do pronome indefinido tudo em lugar de todo; escolha
inadequada do verbo fazer por sentir, ter, demonstrar ou dar amor;
duas frases inadequadamente conectadas pela preposição sobre.
Construção sugerida: muito obrigado por todo amor e por tudo que
vocês fazem por mim. Agradeço muito pela música e pelo ensino de
língua portuguesa.
Outras Incoerências locais, essas de cunho semântico, ocasionadas pela ausência
de elementos ou pela escolha de itens lexicais inadequados são menos freqüentes e
foram observadas em:
a) eu
[estou/ fico] muito contente porque o curso é muito bem
[bom] (Texto Escrito 1).
b) vocês estão sempre no meu coração até a minha vida vai acabar
(Texto Escrito 5).
Uso desnecessário da perífrase verbal vai acabar.
c) queria comunicar [dar/ enviar/ mandar] para todo mundo que eso
nas 3 universitários [universidades] no brasil um grande abraço
(Texto Escrito 8).
Observou-se ainda que o uso de estratégias de referenciação, sobretudo pessoal e
exofórica, colabora para a coesão gramatical dos textos analisados. São poucos os
problemas detectados e se referem principalmente à concordância de número ou
gênero, à ausência de artigos e à flexão verbal, o que não chega a prejudicar a
compreensão.
221
Mencione-se também a presença do adrbio muito antecedendo o verbo, possível
no sistema, mas inusitado na variedade brasileira da língua:
a) ngua portuguesa é a nossa língua e eu muito agradecer para o
vosso tempo (Texto Escrito 2).
b) sobre música e ensino língua portuguesa muito agradeço (Texto
Escrito 6).
c) o pode esqueci nosso no Timor porque nós muito amo para
vocês (Texto Escrito 6).
A mesma colocação preposta do advérbio ocorre em alguns textos falados,
principalmente antecedendo a primeira pessoa do singular do Presente do Indicativo
do verbo gostar:
a) ai muito gosto (Texto Falado 3, linha 43)
b) gosto ... muito gosto (Texto Falado 4, linha 26)
c) sim muito gosto (Texto Falado 5, linha 35)
d) eu muito gosto de ... língua português (Texto Falado 6, linha 24)
e) sim muito gosto (Texto Falado 6, linha 29)
f) sim muito gosto (Texto falado 6, linha 33)
e antes da flexão verbal aprende (por aprendo), no Texto Falado 7:
a) e::... agora muito aprende com ... (linha 39)
b) e::... gosto muito ... muito aprende português (linhas 42 e 43)
É certo que a ocorrência de dificuldades de sintaxe ou vocabulário e a presença de
incoerências locais exigem a aceitabilidade do leitor para compreender os textos e
reconstruir a intencionalidade de seus autores, mas também é válido dizer que os
desvios de forma não impedem que o leitor infira o conteúdo expresso nas
222
entrevistas, cartas e bilhetes e o enorme esforço feito pelos autores para comunicar
seu apreço pelos brasileiros, pelas atividades realizadas com música e dança, sua
preocupação com a aprendizagem e o uso da língua portuguesa, seu agradecimento
e sua tristeza pelo encerramento do Projeto.
Qualquer trabalho que se proponha a difundir e a incentivar a comunicação em
língua portuguesa deve ter em conta a análise descritiva da variedade do português
timorense. Quando se fala dessa variedade, pensa-se não no escrito, mas
também na oralidade e na conjunção dessas duas modalidades de uso que
compõem o sistema que é a língua.
Não se tem conhecimento de muitos trabalhos sobre o português de Timor-Leste
que focalizem a língua oral e que procurem descrevê-la, aliando princípios teóricos
de análise do texto falado à realidade histórica dos usuários. É essa a principal
contribuição que se quer deixar ao encerrar-se essa etapa, esperando ter
possibilitado caminhos para futuras pesquisas que considerem outros aspectos do
discurso timorense não contemplados nesta dissertação.
223
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